Oleander, uma releitura na Matéria Médica Pura Jorge Antônio Nunes Bichuetti Raíza Santana Ferreira 1. Introdução Em homeopatia, a inabilidade para curar revela uma criminosa falta de conhecimento da matéria médica. ( Kent, 1981, p. 240) Chegando mesmo a ser recomendado, pelo seu inquestionável valor, o estudo de um medicamento a cada dia. Este estudo presente analisa o medicamento homeopático menor oleander, na matéria médica de Hahnemann de 1811-1812. ( Hahnemann, .) O conhecimento profundo da matéria médica é imprescindível para o médico, o artista da cura, no exercício de qualidade do seu ofício. Neste sentido, lê-se no Organon (Hahnemann, 2010) que para eleger um medicamento semelhante – “tão semelhante quanto possível à totalidade dos sintomas – e, portanto, efetivamente curativo, o verdadeiro médico deve “adquirir o conhecimento dos instrumentos destinados à cura das doenças naturais, investigando o poder patogenético dos medicamentos” ( parag. 105). Este conhecimento se mostra disponível através da experimentação patogenética e da matéria médica, onde se encontra o registro organizado dos sintomas que produzem uma dada substância, “uma coleção de modos de ação real, pura, digna de confiança de substâncias simples, um volume do livro da natureza, em que acha registrado uma série considerável de mudanças peculiares da saúde e sintomas” ( parág. 143). Kent chega a afirmar que “un médico es aquel que conoce como curar al enfermo. Ser un patólogo y no tener un conocimiento esmerado de la matéria médica y de como usarla, es no ser médico” ( Kent, 1981, p. 195). Sobre o estudo da matéria médica, elucida Paschero que uma releitura é fundamental na clínica, para uma correta e eficiente prescrição: “”en el estúdio de cada medicamento de la matéria médica debemos llegar a impregnarnos de tal forma que nos possibilite “ver” y “sentir” al medicamento en una mirada de conjunto. Debemos conocerlo desde ángulos tan opuestos que nos permitan identificarlo, aun com exámenes parciales, tal como nos es dado reconocer a viejos amigos por ciertos detalles que trasuntan su personalidade. Para llegar a esta forma intuitiva de prescribir que caracterizó a los grandes maestros de la homeopatia, es necessário primero estudiar reiteradamente un remédio, comprenderlo y asimiliarlo hasta incorporar definitivamente sus características a nuestros sentidos. Intuir un remdio es sentirlo.” ( Paschero, 2006, p. 183) Estas considerações clareiam o estudo metódico da matéria médica aqui desenvolvido, com base na metodologia de releitura do CEHL, e exposto nos seguintes platôs: características gerais do medicamento, analogias, polaridades e contradições, dialética e o tema do medicamento. Porquanto, se “ el artista estudia su modelo, hasta que siente las líneas y sombras y en su mente v ela imagen sobre el lienzo, o el tallado sobre la piedra. El estudiante de nuestra matéria Médica debe estudiar una experimentación hasta que sienta la representación de la totalidade de las sensaciones, de los malestares que sufrieron todos los experimentadores, como si él hubiera probado esse remédio y sentido todas las sensaciones mórbidas de los experimentadores.” ( Kent, 1981, p. 227) Oleander é um medicamento menor. Nenhum medicamento – policresto ou menor – possui efeito de cura por si mesmo, já que sua potência curativa é dada pela similitude; e, assim, “o verdadeiro médico terá todo o cuidado de evitar tornar favoritos certos medicamentos de emprego mais raros, que teriam sido homeopaticamente mais adequados, consequentemente mais úteis, frequentemente serão postergados. ( parág. 257) A eficiência e a resolutividade da clínica homeopática, clínica da singularidade, exige um maior conhecimento e uso dos ditos medicamentos menores; “ de fato, é somente mediante uma grande coleção de medicamentos conhecidos com precisão, em relação a esses seus modos puros de ação na alteração da saúde do homem, que podemos descobrir um remédio homeopático, um análogo morbífico adequado ( curativo) para cada um dos estados mórbidos infinitamente numerosos existentes na natureza, para cada moléstia que aflige o mundo” ( parág. 145) Para Kent, o estudo, com tempo e perseverança, transforma o clínico num artista da cura; e, no entanto, os que se “consagram a negligência, indolência e leviandade podem pouco na exibição de glória profissional”, sendo só um mecânico.( Kent, 1981, 17-18) Agreguemos, então, um maior conhecimento sobre o oleander, enriquecendo nossa “ grande coleção de medicamentos”, um pequeno anexo neste “volume do livro da natureza” que é a matéria médica homeopática. 2 .Oleander, características gerais Orleand, abrev. Olnd, é um medicamento homeopático de origem vegetal, experimentado sob a coordenação de Hahnemann e descrito na Matéria Médica Pura, publicado em 1811-1812 . Participaram como experimentadores Franz, Gross, Gutmann, Hartmann, Langhammer. 1.1 Orleand, botânica Anotemos algumas características de Orleand: a. Nome científico: Nerium orleand L b. Sinonímia: eloendro; adelfa; bebira; loendro; kumarae; nerium álbum; nerium laurifolium; nerium oleander; nerium oleandro; nerium splendens; nerium variegatum; octea costalata; octea radiaei; e oleander. c. Nomes populares: espirradeira; flor-de-São José; laurel rosa. d. Classificação científica ( segue tabela): Tabela 1. Classificação botânica de Oleander Nerium Oleander Classificação Reino : Plantae Divisão: Magnoliphyta Classe: Magnoliopsida Ordem: Gentianales Família: Apocynaceae Gênero: Nerium Espécie: N, oleander Nome binomial Nerium oleander L. O oleander, também conhecida como espirradeira, é uma planta ornamental da família das apolinaceas, extremamente tóxicas. Trata-se de uma planta bastante atraente e apesar de sua fama de mortal é frequentemente plantada com fins decorativos. É um arbusto perene que atinge entre 3 a 5 metros de altura; cresce rapidamente; é forte e sobrevive em solos pobres e áridos. Comumente, é usada como barreiras em estradas. Suas flores em cachos são vistosas - lindas, de perfume agradável e podem ser brancas, róseas ou vermelhas. Tem como princípios ativos – glicosídeos cardioativos – a oleandrina e a neriantina, substâncias capazes de matar um indivíduo adulto. É originário da região Mediterrânea, do norte da África e do sul da Ásia. No Brasil, cresce de maneira espontânea ou é cultivada como planta ornamental. Arbusto de folhagem densa sempre verde, com látex incolor. Folhas duras, curto-pecioladas, persistentes, verticiladas, lanceoladas, coriáceas, com nervura principal esbranquiçada da qual partem numerosas nervuras secundárias verdes e delicadas. Apresenta frutos folículos duplos ou simples, por abortamento de um dos carpelos. As sementes são munidas de pelos sedosos na sua porção apical que se destacam facilmente. Enfim, é uma planta perene, que exige sol pleno, gosta de água, solo arenoargiloso, úmido mas não encharcado, prefere clima ameno e seco e não tolera geadas. É resistente ao vento. Apresenta folhagem permanente, folhas lanceoladas e duras. A floração ocorre na primavera / verão. Propaga por estaquia, da ponta dos ramos e também por sementes. 2.2 Orleand, toxicologia O orleand se compõe de inúmeras substâncias, como o ácido ursólico; um citratol, a dambonitona; pigmentos flavônicos; heterosídeos cardiotônicos, derivados da cardenolida, entre os quais oleandrosida, oleandrina, e a neriantina. Todas as partes da planta são tóxicas e, no caso de ingestão, os sintomas se assemelham aos da intoxicação por digitálicos: - perturbações digestivas como náusea, vômito, cólica e diarreia; - manifestações nervosas – cefaleia, tontura, sonolência, transtornos visuais ( visão embaçada, visão de cores aberrantes, perda da acuidade visual), confusão mental e delírio; - transtornos cardiovasculares como pulso irregular e fraco, queda da pressão arterial, irregularidades no ritmo cardíaco, bradicardia, bloqueio aurículo-ventricular, hiperpotassemia, extrassistolia e morte ( devido fibrilação ventricular). 2.3 Oleander na cultura popular "Nas poças de água boiam painas soltas de nuvens e espirradeiras jorram de entre as sebes." (Augusto Meyer) O oleander, a popular flor de São-José, participa de todas as obrigações nos cultos afro-brasileiros. Pertence aos orixás Xangô e Yansã; porém, se de flores brancas, pertence a Oxalá. É utilizado nas obrigações de cabeça, nos abô e nos abô de ori. Terapeuticamente, é usada como abortivo; no tratamento de sarna e piolhos ( uso externo); em dermatite; abscessos; eczema; psoríase; feridas; verrugas; calos; micose; herpes; câncer de pele; asma; dismenorreia; epilepsia; malária; como cardiotônico e antiarrítmico; e como estimulante do sistema imunitário. 2.4 Oleander, preparação homeopática É preparado com folhas frescas colhidas no início da floração, a apartir do suco, extraído com álcool e coado com linho... Assim, descreve Hahnemann: uma onça de folhas frescas num almofariz, umedecidas com álcool, bem trituradas, então... forma-se uma papa grossa... junta-se o restante de álcool ( de uma onça) e atenua-a... o suco é passado através de um pano de linho... repousa-se alguns dias e o suco limpo verde escuro é retirado por decantação. *** Com estes conhecimentos em mente, podemos agora, passo a passo, reler a matéria médica pura. 3. O processo Oleander: analogias As analogias, semelhança e comparação, em homeopatia, não possuem a capacidade de determinar indicações de uso terapêutico que são definidas tão somente pelos efeitos\sintomas provocados na experimentação pelo homem são; elas revelam, e neste sentido, são aqui analisadas um valor didático, instrumental, no estudo de um dado medicamento. Assevera Hahnemann no Organon ( Hahnemann, 2010) que “o poder dinâmico de alterar as condições de saúde do indivíduo, e assim curar doenças, que jaz latente na natureza íntima dos medicamentos, em si, jamais pode ser descoberto por meros esforços da razão; é somente pela experiência dos fenômenos que manifestam quando age no estado de saúde do indivíduo, que podemos percebê-lo claramente.” ( párag. 20) Sabe-se, igualmente, a importância do simbólico e da sincronicidade, das metáforas e metonímias, no funcionamento do inconsciente; como parece assim possível a hipótese de uma função de mediação, canal, entre inconsciente e princípio vital, desempenhada pelo inconsciente. No entanto, com o conhecimento acumulado e no enquadre do método indutivo preconizado por Hahnemann, só podemos pensar no uso das analogias num perspectiva pedagógica. Orleand é um vegetal – arbusto, de uso decorativo, uma planta ornamental de jardim. No processo orleand nota-se uma grande sede, sede de bebidas frescas, frias, como a planta que carece de água, ela gosta de água e de terreno úmido, não encharcado. Retratando sua condição de necessidade de sol pleno, vê-se agravações pela noite, no leito, inclusive com melhora ao levantar-se da cama, menos perturbação e confusão que piora ao acordar como se os encargos do dia lhe fossem pesados. De fato, em orleand é evidente uma lateralidade esquerda, quase tudo acontece neste lado, como se o corpo falasse do predomínio do emocional, do lúdico e do sensual dos jardins e suas floradas poéticas. Ser planta ornamental, o jardim, de: fantasias, belas ilusões, esquecido, distraído, indolente, com dificuldade de entender o que lê, desatento e com aversão ao trabalho. Inclusive, a falta de confiança em si mesmo retrata uma planta de belas flores e agradável perfume, porém sem a utilidade de uma árvore frutífera ou das madeiras de lei, e, ainda, sem a nobreza de uma orquídea ou de uma rosa. A casa e o quintal são locais de trabalho, doméstico, não fabril, mas trabalho; já o jardim é ócio, daí, a indolência e a aversão ao trabalho. A toxicidade da planta orleand se mostra presente em sintomas que nos permite identificar no processo orleand uma situação de intoxicado\intoxicante: - queimação e ardência; - coceira generalizada; - pele sensível, em carne viva; - alergia; - náuseas, vômitos e diarreia; - dificuldade respiratória com sensação de fechamento no pescoço; - coçar do nariz, espirros e lacrimejamento. Orleand é um arbusto de beleza estonteante e perfume agradável, que na patogenesia ressoa com sonhos voluptuosos e inquietos, vertigem ao girar, ao abaixar o olhar e ao deitar-se, pensamentos em cachos como suas flores. Sendo que estre caráter estonteante chega a confusão mental e a delírios. Orlenad, flor de jardim, recusa o pão( agravação) com queijo( aversão) da senzala. Esta metáfora tem uma deficiência que é o desconhecimento sobre o os desejos alimentares do processo orleand. A coceira – coça todo corpo, coça ardendo, coça aqui e ali, as erupções, por todo corpo e, principalmente, no couro cabeludo, retratam a penugem das sementes que descama e as flores murchas que parece um eczema na copa florida do arbusto, tal qual as lesões da cabeça. Pele hipersensível, como se na periferia as flores se identificasse com as dores do mundo, e com a própria dor de carregar o doído ofício de ser bela, ereta e resistente Ao revés, o perfume das flores pode ser visto no odor fétido de flatulências e arrotos de orleand. Orleand não tolera contradição, aborta seus frutos. Um coração taquicardíaco e a pele coçando irritada, dá uma ideia da dificuldade de orleand vivenciar, continente, sua própria vulnerabilidade de alguém que voa nas ilusões, embora sofra ter que expurgar , vômitos, diarreia, erupções e etc, a toxicidade própria e do mundo. As dores pululam por todo corpo, como se não construindo um plano de consistência, frutos comestíveis ou madeira, para seus voos - ilusões, fantasias e sonhos,orleand tivesse que jogar no próprio corpo a couraça álgica de suas frustrações. Todos dores – pressiva, latejante, pontada, ardente, terebrante, peso, dolorida; e por todo o corpo – cabeça, fronte, órbita ocular, face, ouvido, língua, peito, abdome, membros. Há muitos jardins – jardim do Éden, o horto das Oliveiras, os jardins suspensos da Babilônia. Sendo este último o mais próximo de orleand: sonhos voluptuoso, não tolera contradição, bonitas ilusões, fantasias... O quadro a seguir, ficará mais claro no percurso das próximas reflexões. Aqui, antecipado para que vejamos através das analogias o dinâmica do funcionamento de orleand, marcada pela preguiça, aversão ao trabalho e o refúgio nas ilusões, hegemonia do princípio do prazer com dificuldade de lida e operacionalização do princípio de realidade, a “geada” da existência que não é tolerada por orleand. Quadro A. Visão da Dinâmica do Funcionamento de Orleand através de analogias Orleand, no jardim da vida 1. Falta de Confiança ↔ Não tolera Contradição ↔ Fantasias, ilusões, si mesma Sonhos voluptuosos 2. Planta ornamental ↔ Jardim ↔ Jardins Sunspensos da Babilônia 3. Falos da mãe ↔ Sem lei, sem limites ↔ Cultura do prazer, do tudo posso 4. As Polaridades no Processo Orleand Não esgotaremos todos sintomas, mas organizaremo-los na releitura para uma compreensão dinâmica do processo orleand. Neste sentido, veremos as polaridades, os sintomas contraditórios. Um medicamento apresenta sintomas verdadeiras antíteses sintomáticas, devido: contraditórios, a. A diferença entre ação primária e secundária; polaridades, b. A presença de ações alternantes (párag 115 e 251 do Organon), a alternância de estados de Kent( Herlo, H e Luz, H. L,, 1996, pg. 22-23). c. A própria evolução miasmática; d. Ou ainda, devido a ocorrência de uma raiz fisiopatológica ou psicodinâmica comum. São muitos os sintomas contraditórios em orleand. Vê-se, de um lado, um quadro de angústia, com palpitação, medo da morte e opressão; e por outro lado, inconsciência, mente obtusa e distraída, esquecida, com dificuldade de ler... Numa apatia que contrasta com as ilusões bonitas, o sonhar com o futuro e seus sonhos voluptuosos. Embora tenha uma noite difícil pois o agrava, sente perturbado e apresenta tosse entrecortada e curta, palidez com dificuldade de levantar da cama pela manhã, a mesma cama que o agrava em suas dores. Triste, mal-humorado e indisposto é avesso do sonhador. Apresenta ora fome voraz, e ora nenhum apetite; náuseas, vômitos e diarreia com flatulência e ruídos , e em outros momentos, constipação e sensação de vazio. É sedento, mas pode ter febre sem sede. Tabela 2. Sintomas contraditórios do processo Orleand. Anorexia ↔ Bulimia Constipação ↔ Diarreia Insônia ↔ Sonolência Punho lento e fraco ↔ Pulso rápido e rápido Retenção urinária ↔polaciúria Palidez ↔ vermelhidão Sensação de frio ↔ sensação de calor Há outras polaridades. Um grupo delas pode ser visto a partir da ideia de excesso e falta. Excesso e falta como se pensa na filosofia e não na classificação de sicose por excesso e por falta. Um funcionamento marcado pelo exacerbação e outro pelo deficiência ou debilidade. Tabela 3. Polaridades de Orleand Excesso Palpitação Náusea e vômito Coceira aqui e ali, e corrosiva Flatulência, e burburinhos Ruídos no ouvidos Falta Grande vazio no peito Síncope Dormência Grande vazio no abdome Debilidade\obtusidade dos sentidos Fantasias, ilusões Ansiedade, tremores e fasciculações Confusão Mente obtusa, lento e esquecido, Espreguiçamento dá bem estar Inconsciência É um incontinente: incontinência intestinal, bocejos, lacrimejamento, espirros, eructações, flatos com ruídos. Sua memória é silenciosa para nomes familiares. Dores pelo corpo e vazios... Peso e ardências... Pescoço com sensação de estrangulamento a ponto de não suportar a gravata. Dores e oco nos dentes que os sentem moles na mastigação. Língua áspera... Coração oprimido e com peso. Nota-se em orleand pouco expresso melhorias e desejos, polo afirmativo; predominam o negativo: aversões e agravações. Vejamos: Tabela 4. Olnd , polaridades afirmativas – desejos e melhorias, e negativas – aversões e agravações. Polo Afirmativo 1. Flexionar e estender as pernas am 2. Deixar a cama am. 3. Afrouxar a gravata am 4. Desejo de água fresca, fria. Sede Polo Negativo 1. Caminhando, em pé e sentado, agr 2. Deitar na cama agr 3. Aversão a queijo 4. Pão agr 5. Piora no anoitecer e ao despertar Triste, sério. Mal-humorado, indisposto. Aborrecido. Cheio de fantasias e sonhos; dores por todo o corpo; peito oprimido; com tosse, espirro, lacrimejamento... Anorético ou bulímico; constipado ou diarreico; tem a pele que arde e coça... com erupções e descamação. É alérgico, Pior a noite, e a cama lhe é ofensiva, embora sofra ao despertar e tenha sonhos sensuais e fantasias belas. Eis orleand, complexo e intenso. 6. Uma visão dialética de Orleand No Dialética do Concreto, Kosik (,2010) traduz a produção do conhecimento pela dialética como um movimento do todo que é dissecado em partes pela abstração, para então ser reconstruído como um todo pensado, concreto pensado, totalidade concreta. Tentemos, assim, aproximarmo-nos da totalidade concreta Orleand. Visualizando totalizações nas entidades patológicas e complexos sindrômicos, chegando na percepção do funcionamento\personalidade orleand, com a possibilidade, então, de desvelar o tema central do processo orleand. 6.1 Da pele ao mental. No entre, coração e vísceras Na pele, vê-se coceira, definida como corrosiva e ardente, como se com piolhos, que o força coçar, chegando a carne viva. No couro cabeludo, aparece erupção com despelação. Às vezes, pode ser exsudantes e sanguinolentas, sobretudo, testa, couro cabeludo e atrás da orelha. Quadro que faz de orleand um medicamento vinculado as doenças parasitárias de pele (piolho, sarna, micose) e dos processos alérgicos. Alergia que se mostra também em espirros, coceira no nariz, lacrimejamento, tosse curta e entrecortada, com asfixia, sugerindo-o ligado as rinites, faringites e bronquites alérgicas; inclusive, as sinusites já que apresenta concomitante todas as dores de face e cabeça. Na cabeça, cefaleia, que melhora olhando para o lado, e vertigem, de manhã ao acordar, associa-se a dores oculares e dor de ouvido com tinidos e ruídos complexos. Todo o quadro alérgico permite suspeitá-lo ligado a imunodeficiência, como crê a cultura popular; bem como, dá para aferi-lo um medicamento com sintomas da fibromialgia: dores; dores por todo corpo, ardentes, em peso, pontado ou corrosivas, e latejante; mais fasciculações e câimbras. Ele expurga não só pele, mas também por diarreias, inclusive com alimentos ingeridos na véspera, e vômitos, chegando a incontinência fecal. Com fome voraz ou nenhum apetite, nele se nota aspectos da anorexia e da bulimia. A psicodinâmica diz que na anorexia há uma relação sedutora dependente com um pai afetuoso, porém passivo; e uma culpa pela agressividade em relação a mãe. Oralidade com evitação do sexo, rejeitando o desejo de engravidar e as fantasias de fecundação oral. Lacan crê que é uma bulimia em que come nada. Já na bulimia é evidente o nexo com depressão e voracidade. No coração, pulula uma sintomatologia que contempla do infarto ao pânico: opressão, dor, peso, com sensação de a vida dele vai expirar a cada respiração. Contempla no mental: pânico, depressão, transtornos alimentares, déficit de atenção e transtorno de personalidade do tipo bordelaine. Pânico – inquieto, com opressão no peito e medo da morte. Depressão – triste, indisposto, descontente, distraído, lento, obtuso e com dores. Transtornos alimentares: fome vozraz e nenhum apetite. Déficit de atenção – lento, não consegue concentrar nem entender o que lê. Transtorno Bordeleine – não tolera contradição, vive sonhos belos fora da realidade que nega. O que sugere a hipótese de uma possível, ainda não observada vinculação de orleand com a problemática da dependência química. 6.2 Funcionamento\ personalidade Orleand Podemos extrair da Matéria Médica Pura os seguintes traços de personalidade: - “Falta de confiança própria, e por conseguinte, espírito triste e sério”; - “Não consegue tolerar contradições”; - Distraído e sonhador – “enquanto estuda ele apresenta outros pensamentos, ele sonha com o futuro, e sua fantasia se entretém em visões bonitas”; - “Indisposto para tudo, aversão ao trabalho”; - “”Sonhos inquietos, sonhos voluptuosos com emissão de sêmen”; - Concentração difícil e esquecido – “ ao ler... é difícil compreender o sentido; ele não compreende o que lê; mente é obtusa; confusão; poder de lembrar está fraco, não consegue lembrar os nomes mais familiares” Dufilho (, 1996) retrata a criança orleander como um mal aluno, que aparenta preguiça, e tem aversão por todo trabalho intelectual. Se estimulado fica com a impressão de calor como se tivesse feito um esforço físico; é lento para tudo que é útil; desatento na escola; com dificuldade de compreensão e distraído, nunca está presente, é sonhador. Assim, analisando o processo orleand e as entidades clínicas e complexos sindrômicos a ele relacionados, identificamos nele as seguintes características lhe que marca a alma: - o mundo lhe dói, pesa e corrói; - ele expurga tudo que lhe é “indigesto”; - tem alergia à realidade; - e refugia-se num universo de fantasias e ilusões Vendo-o em sua desvalia, com sonhos\fantasias onipotentes, pensamento mágico e cheio de projeções, intolerante a toda contradição, pode-se perceber que seu tema básico é um funcionamento sem lei, sem limite, a cultura do prazer, do tudo posso. 7. Tema Central: A cultura do prazer, do tudo posso “Hora de comer — comer! Hora de dormir — dormir! Hora de vadiar — vadiar! Hora de trabalhar? — Pernas pro ar que ninguém é de ferro!” Ascenso Ferreira O tema central do processo oleander é um funcionamento que não tolera limites nem falta e vive movida pelo prazer, busca de um prazer oceânico, há, assim, uma negação e evitação da realidade hostil, não tolerada, e a busca de um mundo de ilusões e fantasias, onde onipotente, apesar de ser um inseguro, busca-se um prazer ilimitado, simbiótico. Este funcionamento é conceituado em psicanálise como perversão. Falta-lhe a inscrição da lei, a censura. A lei é dada pela função paterna, o que pressupõe no perverso uma mãe fálica, superprotetora, que não lhe apresenta o pai. Ele é o troféu de uma mãe onipotente, que não lhe possibilita a noção de limite e frustrações. ( Olivientein, ). Já Freud, em Totem e Tabu ( Freud, ), percebia a rebeldia como momento de constituição da personalidade no socius, e também via no papel da fantasia na adolescência, quando no indivíduo, se dá afirmação do ego em relação à lei do mundo real. Nota-se em Oleander, estes traços: - império do prazer com evitação\negação da realidade; - não tolera falta; vive-se sem limite, à revelia da lei; - sem censura, pois não houve a inscrição do nome do pai, ele se refugia no prazer e na mundo das ilusões. Assim, é oleander: alguém inseguro que não tolera contradição e preguiçoso – indolência e aversão ao trabalho, encastela-se em belas ilusões e sonhos voluptuosos. Vivendo no limite, sente medo da morte pois está sempre ali na fronteira, e não suportando o mundo real, expurga-o e o recusa alergicamente. Clinicamente, ele se mostra, neste sentido, álgico, alérgico, panicado, anoréxico, e bulímico, um preguiçoso e sensual, que expurga o mundo hostil e se encastela nas ilusões, o que nos sugere a hipótese de que o processo orleand possa abarcar a problemática da dependência química, fato não verificado ainda pela Matéria Médica Homeopática. Sob a ode do prazer nirvânico e da cultura do tudo posso, podemos ler e eleger como Síndrome Mínima Característica ( Candegabe, ) de orleand: a falta de confiança em si mesmo; intolerante a contradição; exaltação das fantasias; indolência, aversão ao trabalho; distração; exaltação das fantasias; esquecido; memória fraca para nomes próprios; embotamento lendo; sonhos inquietos e sonhos eróticos com poluções. E aí descobrimos que apenas Lycopodium e Nux-vomica compartem com orleand todos os sintomas. A Lachesis e alumina lhes faltam sonhos inquietos; a Silicea e opium, memória fraca para nomes próprios; a sulphur, intolerância a contradição; e staphysagria, embotamento lendo. Phosphorus, kali carbônica, beladona e thuya não apresentam embotamento lendo e memória fraca para nomes próprios. Faltam a anacardim embotamento lendo e sonhos eróticos; a natrum muriaticum, exaltação das fantasias e embotamento lendo; a phosphoricum acidum, falta de confiança e intolerância a contradições; a pulsatilla, embotamento lendo e sonhos inquietos; a natrum carbonicum, exaltação das fantasias e memória fraca para nomes próprios; e a ambra grisea, intolerância a contradição e memória fraca para nomes próprios. Destes, sulphur, phosphoricum acidum natrum muriaticum e natrum carbonicum parecem menos próximos a orleand, pois carecem de sintomas que compõem o núcleo temático básico de orleands. O núcleo temático básico de orleand constitui-se de falta de confiança, intolerância a contradição, indolência e exaltação das fantasias. A sulphur lhe falta a intolerância a contradição, a natrum muriaticum e natrum carbonicum , a exaltação das fantasias; e a phosphoricum acidum, a falta de confiança e a intolerância a contradição. Nesta comparação, ressalta em Lachesis a lateralidade esquerda e a agravação ao despertar, além de ambos não suportarem aperto e pressão no pescoço. Lachesis é mais loquaz e ciumento. A orleand lhe falta a covardia e o caráter ditatorial de lycopodium e o espírito apaixonado e ativismo de nux vômica. Assim, num esquema podemos desenhar o processo orleand com a dinâmica representado no esquema abaixo: Esquema. Oleander, traços de personalidade: núcleo temático e desdobramentos. Falta de confiança em si mesmo ↨ ↨ Intolerância a contradição ↨ Indolência ↨ Exaltação das fantasias Núcleo temático ↑ Desdobramentos ↓ ↓ Sonhos inquietos ↓ ↓ Esquecido Distraído Medo da morte ↓ ↓ ( não consta no repertório) ↓ Sonhos lascivos ↓ Memória fraqueza Embotamento com poluções nomes próprios lendo ---------------------------------------------------------------------------------------------------------Re-dobras ↓ ↓ Mal-humorado ↓ Descontente ↓ Indisposto\cansado Visualizando a repertorização da Síndrome Mínima Característica, com os medicamentos que contém os sintomas do núcleo temático central, aparecem como os mais próximos do processo orleand os seguintes medicamentos: lyc, nux-v, lach, sil, op, staph, alum, anac, phos, kali-c, puls, bell, thuj e iod. Comparemo-os a partir de outros sintomas, também valiosos, de Olnd. Tabela 5. Relação dos medicamentos que possuem o núcleo temático de olnd e alguns sintomas gerais da patogensia de orleand na MMP. Medicamento Sede Lyc Nux-v Olnd Lach Sil Op Staph Alum Anac Phos Kali-c Puls Bell Thuj iod 1 2 1 2 3 3 1 1 2 3 2 1 2 2 3 Lateralidade esquerda 2 2 3 3 2 1 1 2 3 1 1 1 1 2 Fome voraz 3 3 3 1 3 2 2 2 3 1 3 2 2 3 Nenhuma fome 3 3 1 1 3 1 2 2 3 1 3 1 2 2 Esta tabela revela, por um lado, a grande proximidade entre estes medicamentos; por outro, a necessidade de aprofundar a leitura da matéria médica pois o repertório, em alguns momentos tende a uniformizar os quadros. Quanto ao desejo de bebidas frias, Alum, bell, lyc, nux-v, phos, e puls, são como olnd que as deseja. Também, possui agravação com pão, junto com olnd, lyc, nux-v, kali-c, phos, puls e staph. E quanto a aversão a queijo staph e sil partilham com olnd este sintoma, 7.1 Personagens Tipo Orleand Personagens da literatura e da vida nos lembram orleand. Entre muitos, podemos citar Jeca Tatu de Urupês de Monteiro Lobato; Macunaíma de Mario de Andrade e o compositor e cantor Cazuza. Em Jeca Tatu, vê-se o processo de orleand numa fase psórica, com parasitoses, prurido e problemas gastrointestinais – flatulências, borborigmos e arrotos, entre um e outro coçar, tecem a melodiosa vida de um preguiçoso e sonhador. Em Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, o processo oleander marcado por ações de esperteza e preguiça, e chega a radical viagem de negação do real, indo morar numa constelação, ursa maior, expressão da sua fase sicótica. Já em Cazuza – rebelde, indolente e sonhador, oleander consuma uma fase syphilítica – drogadização, aids e impulsividade sem freio. 7.2 Oleander, trimiasmático Finalmente, pode-se perceber em orleand um recurso medicamentoso que abarca sintomas que nos permite defini-lo como um medicamento trimiasmático. Neste sentido, segue na tabela informações com dados da Matéria Medica Pura e deduções hipotéticas, baseadas nas reflexões anteriores deste texto, que clareiam tal situação: Tabela 6. Orleand e os miasmas. Estudo de sintomas e transtornos por miasmas. Miasma Psora Sicose Syphilis Transtorno ou sintoma Sintoma Transtorno Mental Sonhos inquietos Ansiedade\pânico Depressão ansiosa Sarna, piolho, Memória fraca p. Nomes próprios Depressão. – com delírios Micose, erupções Embotamento lendo Transtorno bordelaine. Suicídio Erupções Pele prurido exsudantes Intestino Diarreia Constipação sanguinolentas Evacuação involuntária Apetite Gula Bulimia Anorexia No anexo Z, vemos uma categorização da problemática mental por miasmas. Orleand é , de fato, rico em sintomas que assinalam sua condição de medicamento trimiasmático. 7.3 Novos desdobramentos Orleand é medicamento menor, pouco estudado; assim, sua pequena participação na clínica se deve ao desconhecimento dos seus pródigos sintomas e efeitos curativos. Parece claro que alguns temas podem melhor serem compreendidos em novas experimentações. Esperamos assim poder ver a possibilidade de melhor ajuda de orleand em dores da humanidade tão vultuosas nos dias de hoje. São linhas de expectativa para orleand: - alergia, imunodeficiência e aids; - transtornos alimentares, déficit de atenção e personalidade bordelaine; - dependência química; - cólon irritável; - pânico e depressão; - enxaqueca e fibromialgia etc. Orleand, flor de jardim, "a mimosa nívea ou rósea espirradeira" (Drummond, é também na homeopatia um recurso de valores insofismáveis. 8. Conclusão "Apenas adormeci entre espirradeiras" (Leila Míccolis) No final desta viagem pelo conhecimento, releitura da Matéria Médica Pura de Hahnemann podemos reconhecer a potência de se reler um medicamento com a estratégia de disseca-lo via analogia, polaridades, relações dialéticas e o tema básico. Oleander, medicamento menor, embora desconhecido, é um rico medicamento e muito apropriado a um tempo onde o homem sofre com a realidade hostil que ele tenta em vão negá-la. Oleander se mostra, então, potencialmente fértil para nossa pósmodernidade, um tempo de individualismo exarcebado e crise dos valores éticos. Esquecido, ele precisa ser melhor estudado. Ele – nosso rebelde sonhador – álgico e alérgico, com sua preguiça está na transversal do tempo: ora, fala do incapacidade de trabalhar e lutar dos rebeldes superprotegidos, ora anuncia o que pode o ócio, que também, conserva o poder de criar vida. Sobre este estudo presente, assim, podemos parafrasear Mario de Andrade no final do livro Macunaíma e dizer, “só o papagaio conservava no silêncio os feitos do herói” – oleander, e, eu - os autores - ”ponteei na violinha e em toque rasgado botei a boca no mundo”, e agora “tem mais não”: oleander merece ser observado, estudado, pois muito parece poder auxiliar, como entre tantos, que Deus na natureza teceu como recursos de cura para nossas dores. 9. Bibliografia 1. Andrade, Mario de. Macunaíma.São Paulo, Agir-Sinergia, 2008. 2. Araújo, L. Só as mães são felizes Rio de Janeiro, Globo, 1997. 3. Bergo, H e Luz, H. S. Entrevista com Kent. Rio de Janeiro, Instituto de Homeopatia James Tyler Kent, 1996. 4. Candegabe, E. F. Materia médica comparada. Buenos Aires, UCH editores, 2012. 5. Demarque, D et ali. Farmacologia e matéria médica homeopática. São Paulo, Organon, 2009. 6. Farmacopeia Homeopática Brasileira 7. Dufilho, R. Os sintomas mentais em Homeopatia. São Paulo, Andrei, 1996. 8. Hahnemann, S. Organon da arte de curar. São Paulo, GEHSP Benoit Mure, 2010. 9. Hahnemann, S Matéria Médica Pura: http://www.bentomure.com.br/revistasimilia/materia_medica_pura.pdf 10. Lobato, M. Urupês. Rio de Janeiro,Globo, 2007. 11. Metzner, B. S. Sintomas característicos da matéria médica homeopática. São Paulo, Organon, 2006. 12. Paschero, T. P. Homeopatia. Buenos Aires, editorial Kier, 2006 13. pt.wikipedia.org\wiki\Orleandro 14. Kent,J. T. Homeopatia: escritos menores, aforismos y preceptos. Buenos Aires, Editorial albatroz, 1981. 15. Kent, J T. Matéria Medica. Rio De Janeiro, Luz Menescal, 2003. 16. Kosik, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2010. 17. www.guiadelahomeopatia.com\tratamientos\oleander