Oleander

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Oleander, uma releitura na Matéria Médica Pura
Jorge Antônio Nunes Bichuetti
Raíza Santana Ferreira
1. Introdução
Em homeopatia, a inabilidade para curar revela uma criminosa falta de
conhecimento da matéria médica. ( Kent, 1981, p. 240)
Chegando mesmo a ser recomendado, pelo seu inquestionável valor, o
estudo de um medicamento a cada dia.
Este estudo presente analisa o medicamento homeopático menor oleander,
na matéria médica de Hahnemann de 1811-1812. ( Hahnemann, .)
O conhecimento profundo da matéria médica é imprescindível para o médico,
o artista da cura, no exercício de qualidade do seu ofício.
Neste sentido, lê-se no Organon (Hahnemann, 2010) que para eleger um
medicamento semelhante – “tão semelhante quanto possível à totalidade dos
sintomas – e, portanto, efetivamente curativo, o verdadeiro médico deve
“adquirir o conhecimento dos instrumentos destinados à cura das doenças
naturais, investigando o poder patogenético dos medicamentos” ( parag. 105).
Este conhecimento se mostra disponível através da experimentação
patogenética e da matéria médica, onde se encontra o registro organizado dos
sintomas que produzem uma dada substância, “uma coleção de modos de
ação real, pura, digna de confiança de substâncias simples, um volume do livro
da natureza, em que acha registrado uma série considerável de mudanças
peculiares da saúde e sintomas” ( parág. 143).
Kent chega a afirmar que “un médico es aquel que conoce como curar al
enfermo. Ser un patólogo y no tener un conocimiento esmerado de la matéria
médica y de como usarla, es no ser médico” ( Kent, 1981, p. 195).
Sobre o estudo da matéria médica, elucida Paschero que uma releitura é
fundamental na clínica, para uma correta e eficiente prescrição: “”en el estúdio
de cada medicamento de la matéria médica debemos llegar a impregnarnos de
tal forma que nos possibilite “ver” y “sentir” al medicamento en una mirada de
conjunto. Debemos conocerlo desde ángulos tan opuestos que nos permitan
identificarlo, aun com exámenes parciales, tal como nos es dado reconocer a
viejos amigos por ciertos detalles que trasuntan su personalidade. Para llegar a
esta forma intuitiva de prescribir que caracterizó a los grandes maestros de la
homeopatia, es necessário primero estudiar reiteradamente un remédio,
comprenderlo y asimiliarlo hasta incorporar definitivamente sus características
a nuestros sentidos. Intuir un remdio es sentirlo.” ( Paschero, 2006, p. 183)
Estas considerações clareiam o estudo metódico da matéria médica aqui
desenvolvido, com base na metodologia de releitura do CEHL, e exposto nos
seguintes platôs: características gerais do medicamento, analogias,
polaridades e contradições, dialética e o tema do medicamento. Porquanto, se “
el artista estudia su modelo, hasta que siente las líneas y sombras y en su
mente v ela imagen sobre el lienzo, o el tallado sobre la piedra. El estudiante
de nuestra matéria Médica debe estudiar una experimentación hasta que sienta
la representación de la totalidade de las sensaciones, de los malestares que
sufrieron todos los experimentadores, como si él hubiera probado esse remédio
y sentido todas las sensaciones mórbidas de los experimentadores.” ( Kent,
1981, p. 227)
Oleander é um medicamento menor.
Nenhum medicamento – policresto ou menor – possui efeito de cura por si
mesmo, já que sua potência curativa é dada pela similitude; e, assim, “o
verdadeiro médico terá todo o cuidado de evitar tornar favoritos certos
medicamentos de emprego mais raros, que teriam sido homeopaticamente
mais adequados, consequentemente mais úteis, frequentemente serão
postergados. ( parág. 257)
A eficiência e a resolutividade da clínica homeopática, clínica da
singularidade, exige um maior conhecimento e uso dos ditos medicamentos
menores; “ de fato, é somente mediante uma grande coleção de medicamentos
conhecidos com precisão, em relação a esses seus modos puros de ação na
alteração da saúde do homem, que podemos descobrir um remédio
homeopático, um análogo morbífico adequado ( curativo) para cada um dos
estados mórbidos infinitamente numerosos existentes na natureza, para cada
moléstia que aflige o mundo” ( parág. 145)
Para Kent, o estudo, com tempo e perseverança, transforma o clínico num
artista da cura; e, no entanto, os que se “consagram a negligência, indolência e
leviandade podem pouco na exibição de glória profissional”, sendo só um
mecânico.( Kent, 1981, 17-18)
Agreguemos, então, um maior conhecimento sobre o oleander, enriquecendo
nossa “ grande coleção de medicamentos”, um pequeno anexo neste “volume
do livro da natureza” que é a matéria médica homeopática.
2 .Oleander, características gerais
Orleand, abrev. Olnd, é um medicamento homeopático de origem vegetal,
experimentado sob a coordenação de Hahnemann e descrito na Matéria
Médica Pura, publicado em 1811-1812 .
Participaram como experimentadores Franz, Gross, Gutmann, Hartmann,
Langhammer.
1.1 Orleand, botânica
Anotemos algumas características de Orleand:
a. Nome científico: Nerium orleand L
b. Sinonímia: eloendro; adelfa; bebira; loendro; kumarae; nerium álbum;
nerium laurifolium; nerium oleander; nerium oleandro; nerium splendens;
nerium variegatum; octea costalata; octea radiaei; e oleander.
c. Nomes populares: espirradeira; flor-de-São José; laurel rosa.
d. Classificação científica ( segue tabela):
Tabela 1. Classificação botânica de Oleander
Nerium Oleander
Classificação
Reino : Plantae
Divisão: Magnoliphyta
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Gentianales
Família: Apocynaceae
Gênero: Nerium
Espécie: N, oleander
Nome binomial
Nerium oleander L.
O oleander, também conhecida como espirradeira, é uma planta ornamental
da família das apolinaceas, extremamente tóxicas. Trata-se de uma planta
bastante atraente e apesar de sua fama de mortal é frequentemente plantada
com fins decorativos.
É um arbusto perene que atinge entre 3 a 5 metros de altura; cresce
rapidamente; é forte e sobrevive em solos pobres e áridos. Comumente, é
usada como barreiras em estradas.
Suas flores em cachos são vistosas - lindas, de perfume agradável e podem
ser brancas, róseas ou vermelhas.
Tem como princípios ativos – glicosídeos cardioativos – a oleandrina e a
neriantina, substâncias capazes de matar um indivíduo adulto.
É originário da região Mediterrânea, do norte da África e do sul da Ásia.
No Brasil, cresce de maneira espontânea ou é cultivada como planta
ornamental.
Arbusto de folhagem densa sempre verde, com látex incolor. Folhas duras,
curto-pecioladas, persistentes, verticiladas, lanceoladas, coriáceas, com
nervura principal esbranquiçada da qual partem numerosas nervuras
secundárias verdes e delicadas.
Apresenta frutos folículos duplos ou simples, por abortamento de um dos
carpelos.
As sementes são munidas de pelos sedosos na sua porção apical que se
destacam facilmente.
Enfim, é uma planta perene, que exige sol pleno, gosta de água, solo arenoargiloso, úmido mas não encharcado, prefere clima ameno e seco e não tolera
geadas. É resistente ao vento. Apresenta folhagem permanente, folhas
lanceoladas e duras. A floração ocorre na primavera / verão. Propaga por
estaquia, da ponta dos ramos e também por sementes.
2.2 Orleand, toxicologia
O orleand se compõe de inúmeras substâncias, como o ácido ursólico; um
citratol, a dambonitona; pigmentos flavônicos; heterosídeos cardiotônicos,
derivados da cardenolida, entre os quais oleandrosida, oleandrina, e a
neriantina.
Todas as partes da planta são tóxicas e, no caso de ingestão, os sintomas se
assemelham aos da intoxicação por digitálicos:
- perturbações digestivas como náusea, vômito, cólica e diarreia;
- manifestações nervosas – cefaleia, tontura, sonolência, transtornos visuais (
visão embaçada, visão de cores aberrantes, perda da acuidade visual),
confusão mental e delírio;
- transtornos cardiovasculares como pulso irregular e fraco, queda da
pressão arterial, irregularidades no ritmo cardíaco, bradicardia, bloqueio
aurículo-ventricular, hiperpotassemia, extrassistolia e morte ( devido fibrilação
ventricular).
2.3 Oleander na cultura popular
"Nas poças de água boiam painas soltas de nuvens
e espirradeiras jorram de entre as sebes." (Augusto Meyer)
O oleander, a popular flor de São-José, participa de todas as obrigações nos
cultos afro-brasileiros.
Pertence aos orixás Xangô e Yansã; porém, se de flores brancas, pertence a
Oxalá.
É utilizado nas obrigações de cabeça, nos abô e nos abô de ori.
Terapeuticamente, é usada como abortivo; no tratamento de sarna e piolhos (
uso externo); em dermatite; abscessos; eczema; psoríase; feridas; verrugas;
calos; micose; herpes; câncer de pele; asma; dismenorreia; epilepsia; malária;
como cardiotônico e antiarrítmico; e como estimulante do sistema imunitário.
2.4 Oleander, preparação homeopática
É preparado com folhas frescas colhidas no início da floração, a apartir do
suco, extraído com álcool e coado com linho...
Assim, descreve Hahnemann: uma onça de folhas frescas num almofariz,
umedecidas com álcool, bem trituradas, então... forma-se uma papa grossa...
junta-se o restante de álcool ( de uma onça) e atenua-a... o suco é passado
através de um pano de linho... repousa-se alguns dias e o suco limpo verde
escuro é retirado por decantação.
***
Com estes conhecimentos em mente, podemos agora, passo a passo, reler a
matéria médica pura.
3. O processo Oleander: analogias
As analogias, semelhança e comparação, em homeopatia, não possuem a
capacidade de determinar indicações de uso terapêutico que são definidas tão
somente pelos efeitos\sintomas provocados na experimentação pelo homem
são; elas revelam, e neste sentido, são aqui analisadas um valor didático,
instrumental, no estudo de um dado medicamento. Assevera Hahnemann no
Organon ( Hahnemann, 2010) que “o poder dinâmico de alterar as condições
de saúde do indivíduo, e assim curar doenças, que jaz latente na natureza
íntima dos medicamentos, em si, jamais pode ser descoberto por meros
esforços da razão; é somente pela experiência dos fenômenos que manifestam
quando age no estado de saúde do indivíduo, que podemos percebê-lo
claramente.” ( párag. 20)
Sabe-se, igualmente, a importância do simbólico e da sincronicidade, das
metáforas e metonímias, no funcionamento do inconsciente; como parece
assim possível a hipótese de uma função de mediação, canal, entre
inconsciente e princípio vital, desempenhada pelo inconsciente.
No entanto, com o conhecimento acumulado e no enquadre do método
indutivo preconizado por Hahnemann, só podemos pensar no uso das
analogias num perspectiva pedagógica.
Orleand é um vegetal – arbusto, de uso decorativo, uma planta ornamental
de jardim.
No processo orleand nota-se uma grande sede, sede de bebidas frescas,
frias, como a planta que carece de água, ela gosta de água e de terreno úmido,
não encharcado.
Retratando sua condição de necessidade de sol pleno, vê-se agravações
pela noite, no leito, inclusive com melhora ao levantar-se da cama, menos
perturbação e confusão que piora ao acordar como se os encargos do dia lhe
fossem pesados.
De fato, em orleand é evidente uma lateralidade esquerda, quase tudo
acontece neste lado, como se o corpo falasse do predomínio do emocional, do
lúdico e do sensual dos jardins e suas floradas poéticas.
Ser planta ornamental, o jardim, de: fantasias, belas ilusões, esquecido,
distraído, indolente, com dificuldade de entender o que lê, desatento e com
aversão ao trabalho.
Inclusive, a falta de confiança em si mesmo retrata uma planta de belas flores
e agradável perfume, porém sem a utilidade de uma árvore frutífera ou das
madeiras de lei, e, ainda, sem a nobreza de uma orquídea ou de uma rosa.
A casa e o quintal são locais de trabalho, doméstico, não fabril, mas trabalho;
já o jardim é ócio, daí, a indolência e a aversão ao trabalho.
A toxicidade da planta orleand se mostra presente em sintomas que nos
permite identificar no processo orleand uma situação de intoxicado\intoxicante:
- queimação e ardência;
- coceira generalizada;
- pele sensível, em carne viva;
- alergia;
- náuseas, vômitos e diarreia;
- dificuldade respiratória com sensação de fechamento no pescoço;
- coçar do nariz, espirros e lacrimejamento.
Orleand é um arbusto de beleza estonteante e perfume agradável, que na
patogenesia ressoa com sonhos voluptuosos e inquietos, vertigem ao girar, ao
abaixar o olhar e ao deitar-se, pensamentos em cachos como suas flores.
Sendo que estre caráter estonteante chega a confusão mental e a delírios.
Orlenad, flor de jardim, recusa o pão( agravação) com queijo( aversão) da
senzala. Esta metáfora tem uma deficiência que é o desconhecimento sobre o
os desejos alimentares do processo orleand.
A coceira – coça todo corpo, coça ardendo, coça aqui e ali, as erupções, por
todo corpo e, principalmente, no couro cabeludo, retratam a penugem das
sementes que descama e as flores murchas que parece um eczema na copa
florida do arbusto, tal qual as lesões da cabeça.
Pele hipersensível, como se na periferia as flores se identificasse com as
dores do mundo, e com a própria dor de carregar o doído ofício de ser bela,
ereta e resistente
Ao revés, o perfume das flores pode ser visto no odor fétido de flatulências e
arrotos de orleand.
Orleand não tolera contradição, aborta seus frutos.
Um coração taquicardíaco e a pele coçando irritada, dá uma ideia da
dificuldade de orleand vivenciar, continente, sua própria vulnerabilidade de
alguém que voa nas ilusões, embora sofra ter que expurgar , vômitos, diarreia,
erupções e etc, a toxicidade própria e do mundo.
As dores pululam por todo corpo, como se não construindo um plano de
consistência, frutos comestíveis ou madeira, para seus voos - ilusões,
fantasias e sonhos,orleand tivesse que jogar no próprio corpo a couraça álgica
de suas frustrações.
Todos dores – pressiva, latejante, pontada, ardente, terebrante, peso,
dolorida; e por todo o corpo – cabeça, fronte, órbita ocular, face, ouvido, língua,
peito, abdome, membros.
Há muitos jardins – jardim do Éden, o horto das Oliveiras, os jardins
suspensos da Babilônia. Sendo este último o mais próximo de orleand: sonhos
voluptuoso, não tolera contradição, bonitas ilusões, fantasias...
O quadro a seguir, ficará mais claro no percurso das próximas reflexões.
Aqui, antecipado para que vejamos através das analogias o dinâmica do
funcionamento de orleand, marcada pela preguiça, aversão ao trabalho e o
refúgio nas ilusões, hegemonia do princípio do prazer com dificuldade de lida e
operacionalização do princípio de realidade, a “geada” da existência que não é
tolerada por orleand.
Quadro A. Visão da Dinâmica do Funcionamento de Orleand através de
analogias
Orleand, no jardim da vida
1. Falta de Confiança ↔ Não tolera Contradição ↔ Fantasias, ilusões,
si mesma
Sonhos voluptuosos
2. Planta ornamental ↔ Jardim ↔ Jardins Sunspensos da Babilônia
3. Falos da mãe ↔ Sem lei, sem limites ↔ Cultura do prazer, do tudo
posso
4. As Polaridades no Processo Orleand
Não esgotaremos todos sintomas, mas organizaremo-los na releitura para
uma compreensão dinâmica do processo orleand.
Neste sentido, veremos as polaridades, os sintomas contraditórios.
Um medicamento apresenta sintomas
verdadeiras antíteses sintomáticas, devido:
contraditórios,
a. A diferença entre ação primária e secundária;
polaridades,
b. A presença de ações alternantes (párag 115 e 251 do Organon), a
alternância de estados de Kent( Herlo, H e Luz, H. L,, 1996, pg. 22-23).
c. A própria evolução miasmática;
d. Ou ainda, devido a ocorrência de uma raiz fisiopatológica ou
psicodinâmica comum.
São muitos os sintomas contraditórios em orleand. Vê-se, de um lado, um
quadro de angústia, com palpitação, medo da morte e opressão; e por outro
lado, inconsciência, mente obtusa e distraída, esquecida, com dificuldade de
ler... Numa apatia que contrasta com as ilusões bonitas, o sonhar com o futuro
e seus sonhos voluptuosos.
Embora tenha uma noite difícil pois o agrava, sente perturbado e apresenta
tosse entrecortada e curta, palidez com dificuldade de levantar da cama pela
manhã, a mesma cama que o agrava em suas dores.
Triste, mal-humorado e indisposto é avesso do sonhador.
Apresenta ora fome voraz, e ora nenhum apetite; náuseas, vômitos e diarreia
com flatulência e ruídos , e em outros momentos, constipação e sensação de
vazio. É sedento, mas pode ter febre sem sede.
Tabela 2. Sintomas contraditórios do processo Orleand.
Anorexia ↔ Bulimia
Constipação ↔ Diarreia
Insônia ↔ Sonolência
Punho lento e fraco ↔ Pulso rápido e rápido
Retenção urinária ↔polaciúria
Palidez ↔ vermelhidão
Sensação de frio ↔ sensação de calor
Há outras polaridades. Um grupo delas pode ser visto a partir da ideia de
excesso e falta. Excesso e falta como se pensa na filosofia e não na
classificação de sicose por excesso e por falta. Um funcionamento marcado
pelo exacerbação e outro pelo deficiência ou debilidade.
Tabela 3. Polaridades de Orleand
Excesso
Palpitação
Náusea e vômito
Coceira aqui e ali, e corrosiva
Flatulência, e burburinhos
Ruídos no ouvidos
Falta
Grande vazio no peito
Síncope
Dormência
Grande vazio no abdome
Debilidade\obtusidade dos sentidos
Fantasias, ilusões
Ansiedade, tremores e fasciculações
Confusão
Mente obtusa, lento e esquecido,
Espreguiçamento dá bem estar
Inconsciência
É um incontinente: incontinência intestinal, bocejos, lacrimejamento,
espirros, eructações, flatos com ruídos.
Sua memória é silenciosa para nomes familiares.
Dores pelo corpo e vazios... Peso e ardências... Pescoço com sensação de
estrangulamento a ponto de não suportar a gravata. Dores e oco nos dentes
que os sentem moles na mastigação. Língua áspera... Coração oprimido e com
peso.
Nota-se em orleand pouco expresso melhorias e desejos, polo afirmativo;
predominam o negativo: aversões e agravações. Vejamos:
Tabela 4. Olnd , polaridades afirmativas – desejos e melhorias, e negativas –
aversões e agravações.
Polo Afirmativo
1. Flexionar e estender as pernas
am
2. Deixar a cama am.
3. Afrouxar a gravata am
4. Desejo de água fresca, fria.
Sede
Polo Negativo
1. Caminhando, em pé e sentado,
agr
2. Deitar na cama agr
3. Aversão a queijo
4. Pão agr
5. Piora no anoitecer e ao
despertar
Triste, sério. Mal-humorado, indisposto. Aborrecido. Cheio de fantasias e
sonhos; dores por todo o corpo; peito oprimido; com tosse, espirro,
lacrimejamento... Anorético ou bulímico; constipado ou diarreico; tem a pele
que arde e coça... com erupções e descamação. É alérgico, Pior a noite, e a
cama lhe é ofensiva, embora sofra ao despertar e tenha sonhos sensuais e
fantasias belas. Eis orleand, complexo e intenso.
6. Uma visão dialética de Orleand
No Dialética do Concreto, Kosik (,2010) traduz a produção do
conhecimento pela dialética como um movimento do todo que é dissecado em
partes pela abstração, para então ser reconstruído como um todo pensado,
concreto pensado, totalidade concreta.
Tentemos, assim, aproximarmo-nos da totalidade concreta Orleand.
Visualizando totalizações nas entidades patológicas e complexos
sindrômicos, chegando na percepção do funcionamento\personalidade orleand,
com a possibilidade, então, de desvelar o tema central do processo orleand.
6.1 Da pele ao mental. No entre, coração e vísceras
Na pele, vê-se coceira, definida como corrosiva e ardente, como se com
piolhos, que o força coçar, chegando a carne viva. No couro cabeludo, aparece
erupção com despelação. Às vezes, pode ser exsudantes e sanguinolentas,
sobretudo, testa, couro cabeludo e atrás da orelha. Quadro que faz de orleand
um medicamento vinculado as doenças parasitárias de pele (piolho, sarna,
micose) e dos processos alérgicos.
Alergia que se mostra também em espirros, coceira no nariz, lacrimejamento,
tosse curta e entrecortada, com asfixia, sugerindo-o ligado as rinites, faringites
e bronquites alérgicas; inclusive, as sinusites já que apresenta concomitante
todas as dores de face e cabeça.
Na cabeça, cefaleia, que melhora olhando para o lado, e vertigem, de manhã
ao acordar, associa-se a dores oculares e dor de ouvido com tinidos e ruídos
complexos.
Todo o quadro alérgico permite suspeitá-lo ligado a imunodeficiência, como
crê a cultura popular; bem como, dá para aferi-lo um medicamento com
sintomas da fibromialgia: dores; dores por todo corpo, ardentes, em peso,
pontado ou corrosivas, e latejante; mais fasciculações e câimbras.
Ele expurga não só pele, mas também por diarreias, inclusive com alimentos
ingeridos na véspera, e vômitos, chegando a incontinência fecal.
Com fome voraz ou nenhum apetite, nele se nota aspectos da anorexia e da
bulimia. A psicodinâmica diz que na anorexia há uma relação sedutora
dependente com um pai afetuoso, porém passivo; e uma culpa pela
agressividade em relação a mãe. Oralidade com evitação do sexo, rejeitando o
desejo de engravidar e as fantasias de fecundação oral.
Lacan crê que é uma bulimia em que come nada.
Já na bulimia é evidente o nexo com depressão e voracidade.
No coração, pulula uma sintomatologia que contempla do infarto ao pânico:
opressão, dor, peso, com sensação de a vida dele vai expirar a cada
respiração.
Contempla no mental: pânico, depressão, transtornos alimentares, déficit de
atenção e transtorno de personalidade do tipo bordelaine.
Pânico – inquieto, com opressão no peito e medo da morte. Depressão –
triste, indisposto, descontente, distraído, lento, obtuso e com dores.
Transtornos alimentares: fome vozraz e nenhum apetite. Déficit de atenção –
lento, não consegue concentrar nem entender o que lê. Transtorno Bordeleine
– não tolera contradição, vive sonhos belos fora da realidade que nega. O que
sugere a hipótese de uma possível, ainda não observada vinculação de orleand
com a problemática da dependência química.
6.2 Funcionamento\ personalidade Orleand
Podemos extrair da Matéria Médica Pura os seguintes traços de
personalidade:
- “Falta de confiança própria, e por conseguinte, espírito triste e sério”;
- “Não consegue tolerar contradições”;
- Distraído e sonhador – “enquanto estuda ele apresenta outros
pensamentos, ele sonha com o futuro, e sua fantasia se entretém em visões
bonitas”;
- “Indisposto para tudo, aversão ao trabalho”;
- “”Sonhos inquietos, sonhos voluptuosos com emissão de sêmen”;
- Concentração difícil e esquecido – “ ao ler... é difícil compreender o sentido;
ele não compreende o que lê; mente é obtusa; confusão; poder de lembrar está
fraco, não consegue lembrar os nomes mais familiares”
Dufilho (, 1996) retrata a criança orleander como um mal aluno, que aparenta
preguiça, e tem aversão por todo trabalho intelectual. Se estimulado fica com a
impressão de calor como se tivesse feito um esforço físico; é lento para tudo
que é útil; desatento na escola; com dificuldade de compreensão e distraído,
nunca está presente, é sonhador.
Assim, analisando o processo orleand e as entidades clínicas e complexos
sindrômicos a ele relacionados, identificamos nele as seguintes características
lhe que marca a alma:
- o mundo lhe dói, pesa e corrói;
- ele expurga tudo que lhe é “indigesto”;
- tem alergia à realidade;
- e refugia-se num universo de fantasias e ilusões
Vendo-o em sua desvalia, com sonhos\fantasias onipotentes, pensamento
mágico e cheio de projeções, intolerante a toda contradição, pode-se perceber
que seu tema básico é um funcionamento sem lei, sem limite, a cultura do
prazer, do tudo posso.
7. Tema Central: A cultura do prazer, do tudo posso
“Hora de comer — comer!
Hora de dormir — dormir!
Hora de vadiar — vadiar!
Hora de trabalhar?
— Pernas pro ar que ninguém é de ferro!”
Ascenso Ferreira
O tema central do processo oleander é um funcionamento que não tolera
limites nem falta e vive movida pelo prazer, busca de um prazer oceânico, há,
assim, uma negação e evitação da realidade hostil, não tolerada, e a busca de
um mundo de ilusões e fantasias, onde onipotente, apesar de ser um inseguro,
busca-se um prazer ilimitado, simbiótico.
Este funcionamento é conceituado em psicanálise como perversão. Falta-lhe
a inscrição da lei, a censura. A lei é dada pela função paterna, o que pressupõe
no perverso uma mãe fálica, superprotetora, que não lhe apresenta o pai. Ele
é o troféu de uma mãe onipotente, que não lhe possibilita a noção de limite e
frustrações. ( Olivientein, ). Já Freud, em Totem e Tabu ( Freud, ), percebia
a rebeldia como momento de constituição da personalidade no socius, e
também via no papel da fantasia na adolescência, quando no indivíduo, se dá
afirmação do ego em relação à lei do mundo real.
Nota-se em Oleander, estes traços:
- império do prazer com evitação\negação da realidade;
- não tolera falta; vive-se sem limite, à revelia da lei;
- sem censura, pois não houve a inscrição do nome do pai, ele se refugia no
prazer e na mundo das ilusões.
Assim, é oleander: alguém inseguro que não tolera contradição e preguiçoso
– indolência e aversão ao trabalho, encastela-se em belas ilusões e sonhos
voluptuosos. Vivendo no limite, sente medo da morte pois está sempre ali na
fronteira, e não suportando o mundo real, expurga-o e o recusa alergicamente.
Clinicamente, ele se mostra, neste sentido, álgico, alérgico, panicado,
anoréxico, e bulímico, um preguiçoso e sensual, que expurga o mundo hostil e
se encastela nas ilusões, o que nos sugere a hipótese de que o processo
orleand possa abarcar a problemática da dependência química, fato não
verificado ainda pela Matéria Médica Homeopática.
Sob a ode do prazer nirvânico e da cultura do tudo posso, podemos ler e
eleger como Síndrome Mínima Característica ( Candegabe, ) de orleand: a
falta de confiança em si mesmo; intolerante a contradição; exaltação das
fantasias; indolência, aversão ao trabalho; distração; exaltação das fantasias;
esquecido; memória fraca para nomes próprios; embotamento lendo; sonhos
inquietos e sonhos eróticos com poluções. E aí descobrimos que apenas
Lycopodium e Nux-vomica compartem com orleand todos os sintomas. A
Lachesis e alumina lhes faltam sonhos inquietos; a Silicea e opium, memória
fraca para nomes próprios; a sulphur, intolerância a contradição; e
staphysagria, embotamento lendo. Phosphorus, kali carbônica, beladona e
thuya não apresentam embotamento lendo e memória fraca para nomes
próprios. Faltam a anacardim embotamento lendo e sonhos eróticos; a natrum
muriaticum, exaltação das fantasias e embotamento lendo; a phosphoricum
acidum, falta de confiança e intolerância a contradições; a pulsatilla,
embotamento lendo e sonhos inquietos; a natrum carbonicum, exaltação das
fantasias e memória fraca para nomes próprios; e a ambra grisea, intolerância
a contradição e memória fraca para nomes próprios.
Destes, sulphur, phosphoricum acidum natrum muriaticum e natrum
carbonicum parecem menos próximos a orleand, pois carecem de sintomas
que compõem o núcleo temático básico de orleands. O núcleo temático básico
de orleand constitui-se de falta de confiança, intolerância a contradição,
indolência e exaltação das fantasias. A sulphur lhe falta a intolerância a
contradição, a natrum muriaticum e natrum carbonicum , a exaltação das
fantasias; e a phosphoricum acidum, a falta de confiança e a intolerância a
contradição.
Nesta comparação, ressalta em Lachesis a lateralidade esquerda e a
agravação ao despertar, além de ambos não suportarem aperto e pressão no
pescoço. Lachesis é mais loquaz e ciumento. A orleand lhe falta a covardia e o
caráter ditatorial de lycopodium e o espírito apaixonado e ativismo de nux
vômica.
Assim, num esquema podemos desenhar o processo orleand com a dinâmica
representado no esquema abaixo:
Esquema. Oleander, traços de personalidade: núcleo temático e
desdobramentos.
Falta de confiança em si mesmo
↨
↨
Intolerância a contradição
↨
Indolência
↨
Exaltação das fantasias
Núcleo temático ↑
Desdobramentos ↓
↓
Sonhos inquietos
↓
↓
Esquecido
Distraído
Medo da morte
↓
↓
( não consta no repertório)
↓
Sonhos lascivos
↓
Memória fraqueza Embotamento
com poluções
nomes próprios
lendo
---------------------------------------------------------------------------------------------------------Re-dobras ↓
↓
Mal-humorado
↓
Descontente
↓
Indisposto\cansado
Visualizando a repertorização da Síndrome Mínima Característica, com os
medicamentos que contém os sintomas do núcleo temático central, aparecem
como os mais próximos do processo orleand os seguintes medicamentos: lyc,
nux-v, lach, sil, op, staph, alum, anac, phos, kali-c, puls, bell, thuj e iod.
Comparemo-os a partir de outros sintomas, também valiosos, de Olnd.
Tabela 5. Relação dos medicamentos que possuem o núcleo temático de olnd
e alguns sintomas gerais da patogensia de orleand na MMP.
Medicamento
Sede
Lyc
Nux-v
Olnd
Lach
Sil
Op
Staph
Alum
Anac
Phos
Kali-c
Puls
Bell
Thuj
iod
1
2
1
2
3
3
1
1
2
3
2
1
2
2
3
Lateralidade
esquerda
2
2
3
3
2
1
1
2
3
1
1
1
1
2
Fome voraz
3
3
3
1
3
2
2
2
3
1
3
2
2
3
Nenhuma
fome
3
3
1
1
3
1
2
2
3
1
3
1
2
2
Esta tabela revela, por um lado, a grande proximidade entre estes
medicamentos; por outro, a necessidade de aprofundar a leitura da matéria
médica pois o repertório, em alguns momentos tende a uniformizar os quadros.
Quanto ao desejo de bebidas frias, Alum, bell, lyc, nux-v, phos, e puls, são
como olnd que as deseja. Também, possui agravação com pão, junto com
olnd, lyc, nux-v, kali-c, phos, puls e staph. E quanto a aversão a queijo staph e
sil partilham com olnd este sintoma,
7.1 Personagens Tipo Orleand
Personagens da literatura e da vida nos lembram orleand. Entre muitos,
podemos citar Jeca Tatu de Urupês de Monteiro Lobato; Macunaíma de Mario
de Andrade e o compositor e cantor Cazuza.
Em Jeca Tatu, vê-se o processo de orleand numa fase psórica, com
parasitoses, prurido e problemas gastrointestinais – flatulências, borborigmos e
arrotos, entre um e outro coçar, tecem a melodiosa vida de um preguiçoso e
sonhador.
Em Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, o processo oleander marcado
por ações de esperteza e preguiça, e chega a radical viagem de negação do
real, indo morar numa constelação, ursa maior, expressão da sua fase sicótica.
Já em Cazuza – rebelde, indolente e sonhador, oleander consuma uma fase
syphilítica – drogadização, aids e impulsividade sem freio.
7.2 Oleander, trimiasmático
Finalmente, pode-se perceber em orleand um recurso medicamentoso que
abarca sintomas que nos permite defini-lo como um medicamento
trimiasmático.
Neste sentido, segue na tabela informações com dados da Matéria Medica
Pura e deduções hipotéticas, baseadas nas reflexões anteriores deste texto,
que clareiam tal situação:
Tabela 6. Orleand e os miasmas. Estudo de sintomas e transtornos por
miasmas.
Miasma
Psora
Sicose
Syphilis
Transtorno ou
sintoma
Sintoma
Transtorno
Mental
Sonhos inquietos
Ansiedade\pânico
Depressão
ansiosa
Sarna, piolho,
Memória fraca p.
Nomes próprios
Depressão. –
com delírios
Micose, erupções
Embotamento
lendo
Transtorno
bordelaine.
Suicídio
Erupções
Pele
prurido
exsudantes
Intestino
Diarreia
Constipação
sanguinolentas
Evacuação
involuntária
Apetite
Gula
Bulimia
Anorexia
No anexo Z, vemos uma categorização da problemática mental por miasmas.
Orleand é , de fato, rico em sintomas que assinalam sua condição de
medicamento trimiasmático.
7.3 Novos desdobramentos
Orleand é medicamento menor, pouco estudado; assim, sua pequena
participação na clínica se deve ao desconhecimento dos seus pródigos
sintomas e efeitos curativos.
Parece claro que alguns temas podem melhor serem compreendidos em
novas experimentações. Esperamos assim poder ver a possibilidade de melhor
ajuda de orleand em dores da humanidade tão vultuosas nos dias de hoje.
São linhas de expectativa para orleand:
- alergia, imunodeficiência e aids;
- transtornos alimentares, déficit de atenção e personalidade bordelaine;
- dependência química;
- cólon irritável;
- pânico e depressão;
- enxaqueca e fibromialgia etc.
Orleand, flor de jardim, "a mimosa nívea ou rósea espirradeira" (Drummond,
é também na homeopatia um recurso de valores insofismáveis.
8. Conclusão
"Apenas adormeci
entre espirradeiras" (Leila Míccolis)
No final desta viagem pelo conhecimento, releitura da Matéria Médica Pura
de Hahnemann podemos reconhecer a potência de se reler um medicamento
com a estratégia de disseca-lo via analogia, polaridades, relações dialéticas e o
tema básico.
Oleander, medicamento menor, embora desconhecido, é um rico
medicamento e muito apropriado a um tempo onde o homem sofre com a
realidade hostil que ele tenta em vão negá-la.
Oleander se mostra, então, potencialmente fértil para nossa pósmodernidade, um tempo de individualismo exarcebado e crise dos valores
éticos.
Esquecido, ele precisa ser melhor estudado.
Ele – nosso rebelde sonhador – álgico e alérgico, com sua preguiça está na
transversal do tempo: ora, fala do incapacidade de trabalhar e lutar dos
rebeldes superprotegidos, ora anuncia o que pode o ócio, que também,
conserva o poder de criar vida.
Sobre este estudo presente, assim, podemos parafrasear Mario de Andrade
no final do livro Macunaíma e dizer, “só o papagaio conservava no silêncio os
feitos do herói” – oleander, e, eu - os autores - ”ponteei na violinha e em toque
rasgado botei a boca no mundo”, e agora “tem mais não”: oleander merece ser
observado, estudado, pois muito parece poder auxiliar, como entre tantos, que
Deus na natureza teceu como recursos de cura para nossas dores.
9. Bibliografia
1. Andrade, Mario de. Macunaíma.São Paulo, Agir-Sinergia, 2008.
2. Araújo, L. Só as mães são felizes Rio de Janeiro, Globo, 1997.
3. Bergo, H e Luz, H. S. Entrevista com Kent. Rio de Janeiro, Instituto
de Homeopatia James Tyler Kent, 1996.
4. Candegabe, E. F. Materia médica comparada. Buenos Aires, UCH
editores, 2012.
5. Demarque, D et ali. Farmacologia e matéria médica homeopática.
São Paulo, Organon, 2009.
6. Farmacopeia Homeopática Brasileira
7. Dufilho, R. Os sintomas mentais em Homeopatia. São Paulo, Andrei,
1996.
8. Hahnemann, S. Organon da arte de curar. São Paulo, GEHSP Benoit
Mure, 2010.
9. Hahnemann, S Matéria Médica Pura:
http://www.bentomure.com.br/revistasimilia/materia_medica_pura.pdf
10. Lobato, M. Urupês. Rio de Janeiro,Globo, 2007.
11. Metzner, B. S. Sintomas característicos da matéria médica
homeopática. São Paulo, Organon, 2006.
12. Paschero, T. P. Homeopatia. Buenos Aires, editorial Kier, 2006
13. pt.wikipedia.org\wiki\Orleandro
14. Kent,J. T. Homeopatia: escritos menores, aforismos y preceptos.
Buenos Aires, Editorial albatroz, 1981.
15. Kent, J T. Matéria Medica. Rio De Janeiro, Luz Menescal, 2003.
16. Kosik, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2010.
17. www.guiadelahomeopatia.com\tratamientos\oleander
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