A PERCEPÇÃO TRANSCENDENTAL DE WERTHER E O SUBLIME SCHILLERIANO Selene Pedroso de Brito Universidade de São Paulo/Faculdade Filosofia, Letras e Ciências Humanas [email protected] Resumo Nosso trabalho propõe uma interlocução entre a filosofia e a literatura, através da análise do romance, Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe, articulado ao conceito do sublime de Friedrich Schiller. Partindo do princípio que o conceito filosófico se baseia na ideia de formação estética do sujeito, e este percebe a sua realidade de forma transcendental – isto é, ideal –, realizaremos uma interpretação da obra exaltando o aspecto da subjetividade, que transparece na ideia de percepção no livro. Em suma, este trabalho tem como objetivo a análise de Os Sofrimentos do Jovem Werther sob a perspectiva da filosofia do sublime, enquanto conceito debatido por Schiller, dando destaque à sua acepção segundo pensadores alemães dos séculos XVIII e XIX. Tal análise se baseia principalmente em Rüdiger Safranski (para entendimento da literatura alemã) e Thomas Weiskel (para entendimento do sublime numa conceituação estética). Palavras Chaves: sublime, subjetividade, arte Abstract This paper has the purpose of creating a dialogue between philosophy and literature through the analysis of Johann Wolfgang von Goethe’s novel The Sorrows of Young Werther by associating it with Friedrich Schiller’s concept of the sublime. We will perform an interpretation of the novel highlighting the aspect of subjectivity, which would be the principle of perception in the book. The same principle is found in the concept of the sublime. The philosophical concept would be based upon the idea of an aesthetic education of the subject, which means that the subject perceives his reality transcendentally, i. e., ideally. Ultimately, this essay has as its main goal the analysis of The Sorrows of Young Werther under the philosophical perspective of the sublime as a concept, focusing on the conception of it by German thinkers of the 18th e 19th centuries. Such analysis is mainly based upon Rüdiger Safranski for a better understanding of German literature and Thomas Weiskel for a better understanding of the sublime. Key words: sublime, subjectivity, art SIICUSP 2014 – 22º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP Introdução Tendo como ponto de partida a obra, Os Sofrimentos do Jovem Werther (1774) [GOETHE, ], de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), e os conceitos de Friedrich Schiller (1759-1805) [SCHILLER, 2011; 2002 e 1991], procuramos estabelecer aqui um diálogo entre a filosofia e a literatura. Tais autores nos pareceram abrir uma possibilidade de explorar uma aproximação entre essas disciplinas, por sua afinidade com ambas. Pretende-se não uma classificação ou definição de uma nova disciplina ou subdisciplina, mas sim articular um conceito schilleriano como possibilidade de leitura do romance do jovem Goethe. O termo “estética” aqui será entendido como esse ponto de encontro entre as obras e, portanto, entre essas áreas de conhecimento. O conceito escolhido foi o do sublime de Schiller, que, acreditamos, exibe um novo aspecto à leitura do romance do século XVIII. Nosso objetivo é explorar, através de uma visão crítico-filosófica, a obra literária. Acreditamos que essas formas de expressão humana, intelectual e artística, podem criar reflexões que, a princípio, parecem desnecessárias ou secundárias, mas concedem nova potência à compreensão humana. Temos como objetivo alcançar um novo entendimento da relação da literatura com a filosofia. Entendemos que nossa análise tem um foco delineado, sendo possível explorar de maneira mais aprofundada o romance num determinado aspecto, porque o consideramos relevante e pouco comentado, levando a uma contribuição ao conhecimento do romance como uma obra, como um todo. Nossa articulação de Werther com o sublime dar-se-á através da subjetividade moderna e sua concepção de experiência. Ou seja, tentaremos explicar como o sujeito vivencia a experiência sublime no fenômeno estético que é a literatura, lidando com os conceitos de sujeito, sublime, experiência e estética a partir da filosofia. Objetivos Pretendemos compreender a obra de Goethe, seu contexto e sua permanência com auxílio da crítica, para então nos dedicarmos aos textos de Schiller e comentarmos o conceito do sublime, aplicando nossa abordagem experimental ao romance. Isto é, apresentaremos uma perspectiva de leitura que responde aos nossos objetivos. Assim, nossa finalidade é aprofundar a compreensão do sublime e do romance através das análises e do diálogo entre os mesmos, possibilitando, também, uma reflexão sobre a filosofia e a literatura. Dessa forma, teremos uma introdução ao livro de Goethe e sua fortuna crítica; uma apresentação da teoria filosófica de Schiller, dando ênfase à sua formação estética e a ideia de sublime; e uma interlocução entre o sublime e a ideia de percepção (como perspectiva subjetiva) em Os Sofrimentos do Jovem Werther. Reiteramos que não é nosso objetivo sobrepor um autor ao outro, nem desprezar a filosofia ou a literatura. Nossa abordagem tem como intuito é aprofundar a percepção crítica das relações entre essas manifestações do conhecimento, além de compreender autores de uma época singular que se conheceram e discutiram as produções de seus contemporâneos. O que pretendemos é que as análises de ambos os objetos forneçam a base para sua interpretação, ou seja, o conhecimento de um, permite o conhecimento de vários aspectos do outro. Materiais e Métodos Para atingir os objetivos propostos, estabelecemos como método de análise a pesquisa de referências bibliográficas para estudar os Sofrimentos do Jovem Werther, buscando a crítica literária e as leituras do romance que comentem as questões da subjetividade, da modernidade e do contexto histórico do livro. Essas leituras incluem, por exemplo, Georg Lukács, embora procuremos não seguir uma escola específica da crítica literária. Para o conceito de Schiller, decidimos nos dedicar à leitura de textos do próprio autor, com o intuito de compreender sua proposta filosófica. E para compreender a relação de ambos, buscamos correspondência entre Goethe e Schiller, além de leituras que proporcionassem conhecimento geral sobre a produção intelectual alemã contemporânea aos autores (através da leitura de Immanuel Kant, da coletânea de SIICUSP 2014 – 22º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP ensaios organizada por HILL, 2002 sobre a corrente literária do Sturm und Drang e do panorama das produções dos séculos XVIII e XX na Alemanha elaborado pelo crítico SAFRANSKI, 2010). Quanto à articulação do romance com o conceito, pesquisamos a estética e utilizamos conceitos de WEISKEL, 1994 (que estabelece um estudo do sublime na literatura, filosofia e psicologia) como principal referência do uso estético na análise literária, pois esse autor estabelece um panorama do conceito do sublime na filosofia, na literatura e na psicologia, e utiliza da arte escrita para conceituar a ideia do sublime. Resultados Nosso resultado principal foi o da possível articulação de duas áreas do conhecimento. No caso, a literatura e a filosofia, sem qualquer sobreposição entre elas, tornando possível um aprofundamento do entendimento do conceito de Schiller e do romance de Goethe. Numa análise mais restritamente literária foi possível identificar a problematização da subjetividade enquanto conceito moderno. A subjetividade moderna tem como proposta uma completude no sujeito, contudo, o sujeito só existe em oposição ao objeto; ou seja, somente numa relação sujeito/objeto é que a subjetividade pode ser verdadeiramente completa. Mas isso implica numa certa dependência da exterioridade que contradiz o ideal moderno de emancipação do indivíduo. O ideal em Werther existe na sentimentalidade, é assim que o protagonista traça sua subjetividade, uma vez que se descobre indivíduo, um ser incluído numa sociedade, mas isolado em si mesmo. Contudo, mediante a articulação com o conceito filosófico do sublime, é possível perceber que há uma proposta estética no romance, que o sujeito pode se definir a partir da sua percepção voltada para a sensibilidade, a qual se equilibra com a razão em sua formação artística, ou estética. Assim, foi possível analisar a subjetividade através de uma experiência transcendental (ou o sublime) na percepção (estética) do protagonista. Ou seja, cremos que alcançamos nosso objetivo de uma interlocução entre literatura e filosofia e pudemos compreender de maneira mais aprofundada Os Sofrimentos do Jovem Werther relacionado ao sublime schilleriano, na perspectiva (subjetiva) transcendental intrínseca à problematização da subjetividade moderna. Conclusões Pela articulação do conceito schilleriano do sublime com o romance do jovem Goethe, foi possível tirar conclusões acerca da acepção moderna da subjetividade e a sua importância. Ambos estão questionando o homem num plano ideal, um na filosofia e o outro na arte. Conclui-se, assim, que na concepção geral (tirada de ambos os objetos de nossa pesquisa) o sujeito moderno perdeu sua unidade com a natureza, procura sua emancipação através da razão, reafirmando sua autonomia em sua auto-definição. Esta se dá pela união da razão e da sensibilidade, pois com ela ele atinge um conhecimento mais profundo de si. E esse conhecimento proporcionar-lhe-á uma percepção do mundo como seu objeto, mantendo, porém, sua autonomia. Essa relação, no entanto, não é completamente harmônica. Embora Schiller proponha a formação estética como solução do problema moderno da subjetividade, o protagonista do romance de Goethe falha em equilibrar o seu ideal com a sua realidade. É na percepção transcendental de Werther (ou seja, da arte, do fenômeno literário, da sensibilidade estética) que se pode alcançar a experiência do sublime – a superação da divisão e incompletude do sujeito em sua relação com o mundo. O ponto central deste trabalho não foi propor uma solução filosófica para o problema existencial de Werther, mas sim explicitar uma ideia em comum entre o conceito do sublime e o romance de Goethe. Encontramos na articulação da literatura e da filosofia a experiência estética capaz de transcender o isolamento da subjetividade moderna. Assim, refletimos acerca do rompimento do indivíduo com a dependência da natureza e de Deus na modernidade. Por meio da subjetividade é possível encontrar autonomia, mas perde-se a completude. E na busca por unidade, o sujeito pode ser pleno na arte. SIICUSP 2014 – 22º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP Referências Bibliográficas CAVALCANTI, Claudia. Goethe e Schiller – Correspondência. 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