MARIA DE FÁTIMA DE MELO • MARCUS ANTONIO MAIA • 177 O processamento da co-referência do sujeito pronominal em sentenças formadas por verbos de comunicação lingüística no Português do Brasil1 Maria de Fátima Benício de Melo* Marcus Antonio Rezende Maia** Resumo – O presente estudo psicolingüístico focaliza o processamento das relações co-referenciais entre o sujeito pronominal da oração complementar e os seus antecedentes potenciais (sujeito ou objeto) da oração matriz, cujo verbo é de controle do sujeito (autocentrado), do objeto (outro-centrado) ou de duplo controle (bicentrado). O objetivo principal do trabalho é o de verificar a natureza das informações acessadas pelo processador na atribuição da co-referência, contribuindo para avançar a compreensão sobre a arquitetura do processo de estabelecimento de relações coreferenciais. Palavras-chave – Processamento. Co-referência. Sujeito pronominal. Controle verbal. 1. Introdução O quadro teórico no qual este estudo se insere é o de processamento de frases, particularmente o processamento da coreferência. Pesquisa seminal desenvolvida na área (cf. NICOL, 1988) sustenta que, ao se estabelecerem relações entre pro* Da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil); Professora Adjunta de Lingüística da UFPb (Universidade Federal da Paraíba, Brasil); e-mail: [email protected]. ** Professor Adjunto de Lingüística da UFRJ; e-mail: [email protected]. Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 178 • O PROCESSAMENTO DA CO-REFERÊNCIA DO SUJEITO PRONOMINAL nomes e seus antecedentes potenciais (interpretação co-referencial), entra em ação o módulo da co-referência que constitui um estágio intermediário entre processos estritamente estruturais e processos interpretativos. A função deste módulo seria, assim, a de identificar quais os antecedentes potenciais de um item que apresenta dependência referencial, para poder reativá-los na memória do falante/leitor/ouvinte. Diversos estudos realizados na década de 80, nos EUA, buscaram investigar se os pronomes lexicais e as categorias vazias (pronomes nulos ou vestígios de movimento) possuem a característica de facilitar a compreensão ou interpretação de um sintagma nominal mencionado anteriormente na sentença. Outro desiderato tem sido descobrir os princípios que regulam as decisões acerca dos tipos de informação acessados no processamento on-line, isto é, na computação da co-referência no momento mesmo em que as relações entre os elementos pronominais e seus antecedentes são estabelecidas, o que pode ser aferido em milésimos de segundos. O presente trabalho centra-se no processamento de frases, especificamente no que tange à compreensão das relações co-referenciais, em sentenças constituídas de verbos de comunicação lingüística (exemplo: prometer, aconselhar, avisar) no português do Brasil. Observemos as seguintes frases: (1) Claras prometeu a Mariao, mesmo tendo combinado uma viagem com os amigos, que elas/o /Øs ficaria em casa no feriado. (2) Cláudios aconselhou a Pedroo, no momento exato em que iam se despedindo, que eleo /Øo fizesse a monografia. (3) Válters avisou a Júlioo, naquele instante fatídico e estressante, que eles/o / Øs não faria / eleo /Øo não fizesse aquele tipo de trabalho. Os verbos em destaque nas frases de (1) – (3) mostram-se especialmente pertinentes para o estudo sobre o processamento Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 MARIA DE FÁTIMA DE MELO • MARCUS ANTONIO MAIA • 179 da co-referência (resolução anafórica1), uma vez que permitem uma discussão em torno do fenômeno do controle verbal. Do ponto de vista da teoria lingüística, controle verbal é um fenômeno de natureza formal, que se faz presente em frases infinitivas, em estruturas com PRO – prozão – (sujeito de verbo no infinitivo, como é o caso do inglês, que só admite essa possibilidade de construção). No tocante ao português do Brasil, tem-se duas possibilidades de construção: não-finitas (exemplo: “Josés pediu a Marcoso para eles/o / Øs/o sair”) e finitas (exemplo: Josés pediu a Marcoso para que eleo / Øo saísse.). Este trabalho se restringe à análise deste último tipo de construção. A semântica do verbo da oração matriz, como podemos ver nos exemplos (1) – (3), parece ajudar a interpretação ou identificação dos elementos co-referentes (sujeito ou objeto ? identificados nas frases pelos índices subscritos s e o, respectivamente) do sujeito pronominal ele/ela/Ø. Investigamos se este tipo de informação é acessado pelo processador para estabelecer as relações co-referenciais adequadas. Vale salientar que, no caso da interpretação de Ø, tem-se um tipo de “controle obrigatório”, isto é, não há ambigüidade. No tocante ao pronome (ele/ela), porém, há uma ambigüidade a ser resolvida no processamento. Foram realizados dois experimentos psicolingüísticos, com a finalidade de testar o acesso pelo processador a informações de natureza semântica (controle verbal) e morfológica (modo verbal), quando da compreensão de frases envolvendo verbos de comunicação lingüística, por falantes nativos. No primeiro experimento, utilizou-se a técnica conhecida na literatura da área como efeito de pré-ativação ou priming, com o objetivo de testar se, no processamento da coreferência, as informações lexicais sobre o controle verbal (de Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 180 • O PROCESSAMENTO DA CO-REFERÊNCIA DO SUJEITO PRONOMINAL sujeito ou de objeto) são acessadas rapidamente, facilitando o estabelecimento das relações co-referenciais na mente do leitor/falante. No segundo experimento, foi utilizado o procedimento denominado de leitura auto-monitorada (selfpaced reading), que permite medir tempos de leitura associados a segmentos de frases, a fim de se capturar o acesso à informação de natureza morfológica que estaria atuando em verbos de comunicação lingüística de duplo controle (de sujeito e de objeto, ao mesmo tempo), os quais dependem do modo indicativo para o controle do sujeito e do modo subjuntivo para o controle do objeto. 2. Experimento 1 - Priming (efeito de pré-ativação) O paradigma de reativação psicolingüística foi aplicado, com o objetivo de comparar o efeito de reativação da categoria vazia em posição de sujeito, no Português do Brasil, com o efeito de reativação do pronome visível (realizado foneticamente) na mesma posição de sujeito, tomando como base os verbos auto-centrados (de controle de sujeito), outro-centrados (de controle de objeto) e de duplo controle (bi-centrados), em frases como: (4) Helenas afirmou a Mônicao, num momento de desespero, que elas / Øs havia falido. (5) Sandras ordenou a Tâniao, com muita arrogância, que elao / Øo saísse. (6) Joãos informou a Carloss, quando voltavam da faculdade, que eles/Øs daria aula aos sábados. eleo / Øo desse 2.1. Método Participantes – 24 alunos de graduação da UFRJ e da UFF participaram como voluntários deste experimento. Todos eram falantes nativos de português, com visão normal ou corrigida. Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 MARIA DE FÁTIMA DE MELO • MARCUS ANTONIO MAIA • 181 Estrutura e materiais – Os materiais consistiram de 12 conjuntos de 24 frases. Cada participante foi exposto a um desses conjuntos experimentais embutido em um conjunto extra de 24 frases distratoras. Cada conjunto experimental era composto de oito condições experimentais, constituindo uma estrutura experimental do tipo 3x2x3. Havia três tipos de verbos na oração principal (AC, OC e BC), dois níveis de anáfora na oração subordinada (com categoria vazia e com pronome lexical), sendo que a condição BC subdividia-se em quatro níveis (BC/Pron/ Ind; BC/Pron/Sub; BC/Æ/Ind e BC/Æ/Sub). Havia três níveis de sonda (sujeito/objeto/outro). As frases na condição com a sonda “outro” eram as mesmas que as experimentais, diferindo apenas quanto ao SN testado. Enquanto nas frases experimentais testava-se o efeito de reativação dos antecedentes sujeito ou objeto da categoria vazia e do pronome lexical, nas frases de controle testava-se o efeito de reativação de outros SNs, geralmente um SPrep interveniente, logo após o SN objeto. Note-se que, embora as frases fossem muito parecidas, diferindo apenas quanto à variável testada, a sua distribuição em 12 conjuntos permitiu que todas as frases fossem comparadas e que cada participante fosse exposto a apenas uma frase de cada tipo, caracterizando um desenho experimental do tipo “entre sujeitos” (between subjects). Procedimentos – O estudo usou uma técnica de reativação unimodal. Os participantes desempenharam uma tarefa de reconhecimento de sonda de fim de frase, com o propósito de capturar a reação do leitor imediatamente após o processamento. As frases alvo foram apresentadas por escrito na tela do computador, registrando-se os tempos de reação a sondas visuais correspondentes ao sujeito, objeto e outro. Logo após a apresentação de cada frase, o SN sondado aparecia na tela, devendo, neste momento, o participante decidir se aquela palavra havia ocorrido na frase que lera, apertando a tecla Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 182 • O PROCESSAMENTO DA CO-REFERÊNCIA DO SUJEITO PRONOMINAL “sim” (S) ou a tecla “não” (N). Após a resposta à pergunta interpretativa, o informante apertava a tecla de espaço, dando início ao próximo conjunto de estímulos. As frases experimentais, de controle e distratoras, eram apresentadas em ordem aleatória a cada participante. Os participantes foram testados individualmente, em sessões de aproximadamente 10 minutos e geralmente reportavam, em entrevistas posteriores, ter sido a tarefa relativamente simples. Foram computadas as médias dos tempos de resposta por condição, entre os 24 sujeitos, aproveitando-se apenas as respostas acertadas, tanto para a sonda, quanto para a pergunta sobre o conteúdo da frase. O experimento foi realizado no Laboratório de Psicolingüística da Faculdade de Letras (Labcoglin/Lapex) da UFRJ, em uma sala isolada. A realização do experimento, para cada participante, durou em média 10 minutos. Antes do início da tarefa, foi feita uma prática, seguindo as mesmas instruções, utilizando-se frases completamente diferentes das experimentais, porém com a mesma estrutura. Foi utilizado o programa Psyscope, rodado em um computador Power Macintosh 7100/66, 64 Mb RAM, com uma botoneira (button-box) como periférico, capaz de registrar tempos de resposta com precisão de milésimos de segundos. Esta caixa de botões, conectada ao computador, apresentava três indicações: à esquerda, o botão verde (SIM); no meio, o botão amarelo (prosseguimento), e à direita, o botão vermelho (NÃO). 2.2. Resultados Neste experimento, foram computadas as médias dos tempos de reação por condição, entre os 24 sujeitos, aproveitando-se apenas as respostas acertadas, tanto para a sonda (sujeito, objeto e outro), quanto para a pergunta sobre Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 MARIA DE FÁTIMA DE MELO • MARCUS ANTONIO MAIA • 183 o conteúdo da frase. Visando a uma maior segurança quanto aos resultados obtidos, realizamos dois testes: ANOVA, comumente utilizado em Psicolingüística Experimental, e um teste estatístico, relatados a seguir. ANOVAs com uma variável entre sujeitos (Grupos: I a XII) e com três variáveis dentro dos sujeitos (Verbo: AC, OC, BC/Ind e BC/Subj; Pronome: Pron ou ∅; Elemento: Objeto, Sujeito e Outro; onde Elemento está aninhado a Pronome e Pronome está aninhado a Verbo) revelaram um efeito principal significativo do verbo (AC=1348, OC=1395, BC/Ind=1265 e BC/Subj=1331) na análise de sujeito (F1(3,36)=4.5992; p < 0,01), e de item (F2(3,256)=4.3044; p < 0,01). A interação dos três fatores de interesse (Elemento/Pronome/Verbo) também se mostrou significativa (ver as médias na tabela 1) na análise de sujeito (F1(16,120) = 4.408; p < 0,01), e de item (F2(16,256) = 3.4184; p < 0,01). As demais combinações de fatores não se mostraram significativas. Tabela 1 – Médias dos tempos de reação para cada condição: Verbo/ Pronome/Objeto do Experimento 1 Objeto Pron AC 1398 BC/ind 1321 BC/subj 1367 OC 1191 Sujeito ∅ 1459 1189 1243 1223 Pron 1160 1243 1342 1487 Outro ∅ 1230 1296 1334 1534 Pron 1408 1342 1434 1595 ∅ 1440 1201 1268 1324 Tendo em vista que a combinação dos três fatores de interesse se mostrou significativa, fizemos comparações 2 a 2 de cada uma dessas combinações, ou seja, testamos quais duplas de combinações tinham tempos médios estatisticamente diferentes. Realizamos um Teste de Hipótese, com o objetivo de verificar se os tempos médios de resposta eram iguais. A hipótese Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 184 • O PROCESSAMENTO DA CO-REFERÊNCIA DO SUJEITO PRONOMINAL nula de que os tempos eram iguais foi rejeitada, e a hipótese alternativa de que os tempos eram diferentes foi aceita. As diferenças dos tempos médios de resposta foram significativas, levando-se em conta o nível de significância de 1%.Testamos as condições experimentais 2X2, com o propósito de comparar o efeito de reativação da categoria vazia com o efeito de reativação do pronome lexical na mesma posição de sujeito, verificando se o falante/leitor acessa rapidamente informações sobre o controle verbal, a fim de processar a co-referência. A média dos tempos de resposta para o cruzamento de AC/Pron/Suj com AC/Pron/Obj foi considerada estatisticamente significativa em uma análise de teste de hipótese (testet): P-valor= 0,0000 (Pv<0,01). A comparação das médias dos tempos de resposta entre AC/Pron/Suj com AC/Pron/Outro resultou em um P-valor=0,0003 (Pv<0,01). O cruzamento das médias dos tempos de resposta de AC/Æ/Suj com AC/ Æ/ Obj resultou em um P-Valor=0,0000 (Pv<0,01). Comparandose as médias dos tempos de resposta de AC/Æ/Suj com AC/ Æ/Outro, obteve-se um P-valor= 0.0001 (Pv<0,01). O pareamento das médias dos tempos de resposta de OC/Pron/ Obj com OC/Pron/Suj resultou em um P-valor= 0,0000 (Pv<0,01) e de OC/ Pron/Obj com OC/Pron/Outro, obtevese um P-Valor= 0,0004 (Pv<0,01). A comparação das médias dos tempos de resposta de OC/Æ/Obj com OC/Æ/Suj resultou em um P-valor=0,0029 (Pv<0,01) e OC/Æ/Obj com OC/Æ/Outro, em um P-valor=0,1972 (Pv>0,01). Para os verbos bi-centrados, apresentaremos, resumidamente, os resultados das médias dos tempos de resposta, utilizando-se o teste-t: BC/Pron/Ind/Suj com BC/Pron/Ind/Obj: Pvalor=0,3394 (Pv>0,01) e BC/Pron/Ind/ Suj com BC/Pron/ Ind/Outro: P-valor=0,3415 (pv>0,01); BC/Pron/Subj/Obj com BC/Pron/Subj/Suj: P-valor= 0, 8071 (P-v>0,01) e BC/ Pron/Subj/Obj com BC/Pron/ Subj/Outro: P-valor= 0,547 Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 MARIA DE FÁTIMA DE MELO • MARCUS ANTONIO MAIA • 185 (P-v>0,01); BC/Æ/Ind/Suj com BC/Æ/Ind/Obj: P-valor= 0,2746 (Pv>0,01) e BC/Æ/Ind/Suj com BC/Æ/Ind/Outro: P-valor= 0,2923 (Pv>0,01); BC/Æ/Subj/Obj com BC/Æ/ Subj/Suj: P-valor= 0,339 (Pv>0,01) e BC/Æ/Subj/Obj com BC/Æ/Subj/Outro: P-valor=0,7877 (Pv>0,01). Tabela 2 – Tempos médios de reação para as condições experimentais: tipo de verbo (AC, OC e BC ), tipo de anáfora (Pron e Æ), níveis de sonda (sujeito, objeto e outro) e modo verbal (indicativo e subjuntivo, no caso dos BC). COND/SONDA AC/Pron AC/ø OC/Pron OC/ø BC/Pron/Ind BC/Pron/Sub BC/ø/Ind BC/ø/Sub SUJEITO 1150 1230 1487 1534 1243 1342 1296 1334 OBJETO 1398 1459 1191 1223 1321 1367 1189 1243 OUTRO 1487 1440 1595 1324 1343 1434 1201 1268 Os resultados apresentados na tabela acima evidenciam uma interação entre tipo de verbo e anáfora. Observe-se que para as frases que contêm verbos AC, os tempos gastos no processamento da co-referência foram menores em relação ao “sujeito”, do que em relação às sondas “objeto” e “outro”. Em se tratando das frases com verbos OC na oração matriz, os tempos médios de resposta para o estabelecimento da coreferência com o “objeto” foram menores do que para as sondas “sujeito” e “outro”. Tais resultados corroboraram a hipótese de TANENHAUS ET AL. (1989) de que a resolução da co-referência parece ser afetada pelo tipo de verbo da matriz. No tocante aos verbos BC, houve, a priori, a subdivisão em quatro níveis, conforme mostra a Tabela 2, uma vez que não é um verbo de controle unidirecional, a exemplo de AC Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 186 • O PROCESSAMENTO DA CO-REFERÊNCIA DO SUJEITO PRONOMINAL e OC, mas de dupla possibilidade de co-referência, dependendo do modo verbal utilizado na oração subordinada (indicativo ou subjuntivo). De acordo com o exposto na tabela, os tempos médios de resposta, para essa tipologia verbal, não apresentaram diferença significativa entre as condições estabelecidas. Ademais, a variável “modo do verbo” da oração subordinada não demonstrou ser rapidamente acessada através do método experimental utilizado. Em outras palavras: a influência do controle verbal sobre a co-referência não pôde ser capturada nesta tipologia de verbo, utilizando-se a técnica de Priming, daí a necessidade de realizarmos um segundo experimento, de acordo com o explicitado na última seção deste trabalho. 2.3. Discussão dos resultados Os tempos médios de resposta, tanto em termos numéricos (número de ocorrências) quanto em termos estatísticos, foram significativos no tocante aos verbos auto-centrados (de controle do sujeito) e aos verbos outro-centrados (de controle do objeto) ¾ com exceção de OC/Æ/Obj, comparado com OC/Æ/Outro, na ANOVA e no Teste de Hipótese ¾, no sentido de mostrar a tendência do falante/leitor do português de acessar rapidamente a informação de natureza lexical de verbos como prometer, afirmar, garantir, que controlam a coreferência com o sujeito da oração matriz, e aconselhar, pedir, ordenar, que controlam a co-referência com o objeto. Em contrapartida, verbos bi-centrados, tais como dizer, avisar, informar, cujo processamento da co-referência condiciona-se mais ao modo verbal da oração subordinada do que propriamente à semântica do verbo da oração matriz, o resultado do teste de hipótese demonstrou que o cruzamento das condições experimentais estabelecidas não indicou diferença significativa quanto às médias dos tempos de resposta. Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 MARIA DE FÁTIMA DE MELO • MARCUS ANTONIO MAIA • 187 Os estudos acerca dos verbos de controle de sujeito, de objeto e de duplo controle ou de controle ambíguo (exemplo: prometer, pedir e dizer, respectivamente) forneceram evidência de que o processador tem acesso rápido à informação a respeito das propriedades de controle do verbo, mas não à estrutura morfológica dos elementos da 2a oração, no que tange aos modos indicativo e subjuntivo. Os resultados do experimento psicolingüístico demonstraram que o processamento da co-referência, em sentenças formadas por verbos de comunicação lingüística com complementos oracionais, no português do Brasil, é consistente com a idéia de que verbos de controle do sujeito reativam na memória dos falantes nativos adultos do português mais rapidamente o sujeito da oração matriz como o co-referente do pronome-sujeito da oração subordinada; verbos de controle do objeto, por sua vez, provocam no falante/leitor a reativação, em menor tempo, do objeto da oração matriz como o co-referente do sujeito pronominal ele/ela (lexicalizado) da oração complementar. Comparando-se o tempo gasto para a interpretação do pronome pleno com a categoria vazia na mesma posição de sujeito, no processamento da co-referência, nossa expectativa era a de que o efeito de reativação do segundo tipo de pronome (Ø) fosse mais rápido do que para o pronome explícito. No experimento off-line controlado, com sonda de fim de frase, essa tendência foi confirmada. Baseados nestes resultados experimentais, concluímos que a rapidez com que os falantes nativos do português do Brasil processam a co-referência entre o sujeito pronominal da oração subordinada (lexicalizado ou nulo) e os três referentes potenciais (sujeito, objeto e outro) depende diretamente do tipo de controle exercido pelo verbo da oração matriz. Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 188 • O PROCESSAMENTO DA CO-REFERÊNCIA DO SUJEITO PRONOMINAL Nosso experimento mostra-se relevante com relação a vários fatos psicolingüísticos: à realidade psicológica dos pronomes visíveis e das categorias vazias, ou seja, sua saliência perceptual; o acesso à estrutura gramatical no processo de priming e o acesso rápido pelo processador à informação sobre a estrutura argumental dos predicados. Finalmente, assumindo as posições de BOLAND, TANENHAUS E GARNSEY (1989), o Experimento 1 apresentou evidência para o uso imediato de informação de controle verbal no processamento de frases, especificamente quanto àquelas frases constituídas por verbos de comunicação lingüística do português (denominados de auto-centrados e outro-centrados ou, ainda, de controle do sujeito e do objeto, respectivamente – BC) com complementos oracionais. Os resultados do experimento atenderam à expectativa de que o falante/leitor leva em conta não apenas a sintaxe ou o conhecimento meramente lexical, na interpretação de primeiro passe, conforme ressalta F RAZIER (1987), mas também acessa informações na interface sintaxe (grade de subcategorização ou complementos, também chamados de predicadores previstos pelo verbo) / semântica (por exemplo, informações acerca de propriedades de controle do verbo ou com relação ao sujeito ou com relação ao objeto) e pragmática (efeito que se deseja produzir no ouvinte/leitor em determinadas situações concretas de comunicação: promessa, pedido, garantia, ordem etc). A integração destes fatores vai ao encontro da proposta de TANENHAUS ET AL. (1989) de que os módulos da mente são mais interativos do que a modularidade estrita, postulada por FRAZIER, CLIFTON E RANDALL (1983), os quais prevêem, como parte da teoria do Garden-Path, uma estratégia puramente sintática, a Estratégia do Preenchedor Mais Recente – MRFS. Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 MARIA DE FÁTIMA DE MELO • MARCUS ANTONIO MAIA • 189 Ressaltamos a idéia de que os tempos mais rápidos obtidos na compreensão demonstram que a informação lexical foi acessada, não a posição estrutural do SN mais recente. É preciso destacar que nos exemplos (7) Sílvios confessou a Ricardoo, durante uma longa e produtiva conversa, que Øs faria o acordo. (8) Lúcias determinou a Sarao, antes do início do período de férias, que Øo estudasse bastante. o SN mais recente não é atuante, justamente porque essa informação estrutural é sobrepujada pela informação lexical, no que se refere às propriedades de controle dos verbos confessar (de controle do sujeito) e determinar (de controle do objeto). Ressalte-se, contudo, que pela maneira como a MFRS é formulada por FRAZIER ET AL (1983), aplica-se a estruturas de movimento, o que não é o caso das estruturas frasais finitas utilizadas neste trabalho. Da MFRS, tomamos a idéia de recência, que é forte na literatura, inclusive justificando o princípio Late Closure. Note-se que, no Experimento 1, obtivemos efeitos relacionados à informação de natureza semântica associados ao item lexical, desprezando a informação do SN mais recente. Como no experimento off-line controlado, com sonda de fim de frase, utilizando a técnica de priming, não se capturou o acesso rápido ao modo verbal na compreensão dessas frases com verbos de duplo controle, como ressaltar, no exemplo abaixo: (9) Roberto s ressaltou a Marcelo o, durante a assembléia universitária, que Øs participaria/Øo participasse da greve., uma vez que, ao contrário das frases anteriores, em que a semântica do verbo da oração matriz se constitui um fator decisivo para estabelecer as relações co-referenciais adequadas, o falante/leitor necessita da informação acerca do modo verbal da oração subordinada, foi realizado um segundo experimento (on-line), apresentado a seguir, que teve como base a técnica de leitura auto-monitorada, capaz de identificar os tempos Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 190 • O PROCESSAMENTO DA CO-REFERÊNCIA DO SUJEITO PRONOMINAL relativos de leitura dos diferentes sintagmas, comparando-os entre si e entre as diferentes estruturas frasais relevantes. Os resultados do experimento 1 são compatíveis com a idéia de que as categorias vazias têm a propriedade de reativar rapidamente seu antecedente na frase, promovendo o estabelecimento da co-referência correta (cf. FODOR, 1989). Este efeito de reativação mostrou-se mais rápido, em se tratando de categoria vazia/antecedente do que entre o pronome pleno (ele/ela)/antecedente. 3. Experimento 2 – Leitura auto-monitorada Neste experimento on-line, utilizamos a tarefa de leitura auto-monitorada (Self-paced reading), com o propósito de testar o processamento da co-referência em frases que contêm verbos bi-centrados, como dizer, comunicar, avisar e informar, na oração matriz, confrontando a ocorrência de pronome-sujeito lexicalizado com a categoria vazia, nesta posição, e indicativo ou subjuntivo na oração subordinada. Quatro condições experimentais foram criadas, para servirem de linha de comparação (base-line): Sujeito/ Pronome (Suj/Pron); Sujeito/ Æ (Suj/Æ); Objeto/Pronome (Obj/Pron) e Objeto/ Æ). Estas variáveis foram testadas em relação aos dois (2) modos verbais da oração subordinada ( Indicativo e Subjuntivo), o que resultou em um conjunto 2X2x2. Dessa forma, tivemos: Suj/Pron/ Ind; Suj/Pron/Subj; Suj/Æ/Ind; Suj/Æ/Subj; Obj/Pron/Ind; Obj/Pron/Subj; Obj/Æ/Ind; Obj/Æ/Subj. Foram elaborados 8 conjuntos de frases, sendo que o falante foi exposto 4 vezes à mesma condição experimental. Disso, resultaram 192 frases experimentais e 32 frases distratoras. A lógica do experimento foi a de que, ao ler frases como as seguintes: Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 MARIA DE FÁTIMA DE MELO • MARCUS ANTONIO MAIA • 191 Indicativo/Sujeito/Pronome pleno (ISPr) (10) João disse a Pedro /que ele faria o trabalho,/ mas João não fez,/ porque estava cansado. Indicativo/ Sujeito/ Pronome nulo (ISØ) (11) João disse a Pedro /que faria o trabalho,/ mas João não fez/ porque estava cansado. Indicativo/Objeto/Pronome pleno (ISOPr) (12) João disse a Pedro /que ele faria o trabalho,/ mas Pedro não fez /porque estava cansado. Indicativo/Objeto/ Pronome nulo (IOØ) (13) João disse a Pedro /que faria o trabalho,/ mas Pedro não fez/ porque estava cansado. O falante deveria identificar o terceiro segmento como a parte crítica da sentença, uma vez que a forma verbal “faria”, no modo indicativo, conduz ao estabelecimento da coreferência entre o sujeito pronominal pleno ou nulo da oração subordinada e o sujeito da oração matriz “João”. Neste caso, nossa expectativa era a de que o sujeito “João” fosse processado mais rapidamente do que o objeto “Pedro”. Comparemos os quatro primeiros exemplos com os quatro últimos abaixo: Subjuntivo/Sujeito/Pronome pleno (SbSPr) (14) João disse a Pedro/ que ele fizesse o trabalho,/ mas João não fez / porque estava cansado. Subjuntivo/Sujeito/Pronome nulo (SbSØ) (15) João disse a Pedro /que fizesse o trabalho,/ mas João não fez/ porque estava cansado. Subjuntivo/Objeto/ Pronome pleno (SbOPr) (16) João disse a Pedro /que ele fizesse o trabalho,/ mas Pedro não fez /porque estava cansado. Subjuntivo/Objeto/ Pronome nulo (SbOØ) (17) João disse a Pedro/ que fizesse o trabalho, /mas Pedro não fez/ porque estava cansado. Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 192 • O PROCESSAMENTO DA CO-REFERÊNCIA DO SUJEITO PRONOMINAL Nestas frases, esperávamos que o falante do Português processasse a co-referência entre o pronome-sujeito “ele” ou Æ e o objeto “Pedro” de maneira mais rápida do que com o sujeito “João”, em virtude da ocorrência do modo subjuntivo “fizesse” na oração subordinada. Tal como nos exemplos anteriores, 3 (em rosa) é o segmento crítico da sentença. Vale ressaltar que, para todos os verbos bi-centrados, foram elaborados vários conjuntos de frases (experimentos do tipo between subjects). Para cada condição experimental, houve quatro tipos diferentes de frases, além das frases distratoras, para que não fosse repetida uma determinada frase para o mesmo falante/leitor. Em outras palavras, através do uso da tarefa de leitura auto-monitorada, pretendemos verificar se, no caso dos verbos bi-centrados ou de duplo controle, a informação de caráter morfológico, como modo verbal, é acessada em milissegundos, quando do processamento da co-referência, e se há uma diferença significativa entre estruturas com indicativo/ referente sujeito e subjuntivo/ referente objeto, em termos das médias dos tempos de resposta para a tarefa realizada. 3.1. Método Participantes – 32 estudantes de graduação da UFRJ participaram como voluntários deste experimento. Todos eram falantes nativos do português, com visão normal ou corrigida. Procedimentos – Foi dada a instrução de que os sujeitos deveriam ler, com atenção, frases mostradas na tela do micro, divididas em quatro segmentos e seguidas de uma pergunta interpretativa. Ao apertar a tecla de espaço, o primeiro fragmento da frase aparecia na tela. Após a leitura atenta, o falante apertava a tecla amarela na caixa de botões à sua frente, para que os fragmentos seguintes aparecessem. Ao serem apresentados os quatro fragmentos, a frase terminava com um Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 MARIA DE FÁTIMA DE MELO • MARCUS ANTONIO MAIA • 193 ponto final. Em seguida, uma pergunta sobre a frase lida aparecia na tela. O falante, então, respondia-a, pressionando a tecla verde da “botoneira”, se a resposta à pergunta fosse SIM, ou a tecla vermelha, se a resposta fosse NÃO. Para que a frase seguinte aparecesse na tela, o falante apertava a tecla amarela e procedia novamente, como indicado inicialmente. O experimento foi realizado no Laboratório de Psicolingüística da Faculdade de Letras (Labcoglin/Lapex) da UFRJ, em uma sala isolada. A realização do experimento, por cada participante, durou em média 10 a 12 minutos. Antes do início da tarefa, foi feita uma prática, seguindo as mesmas instruções, utilizando-se frases completamente diferentes das experimentais, porém com a mesma estrutura (cada frase com quatro segmentos). Foi utilizado o programa Psyscope, rodado em um computador Power Macintosh 7100/66, 64 Mb RAM, com uma botoneira (button-box) como periférico, capaz de registrar tempos de resposta com precisão de milésimos de segundos. Esta caixa de botões, conectada ao computador, apresentava três indicações: à esquerda, o botão verde (SIM); no meio, o botão amarelo (prosseguimento), e à direita, o botão vermelho (NÃO). 3.2. Resultados Os dados foram submetidos a uma análise de variância, com o intuito de comparar o efeito de vários fatores simultaneamente aplicados sobre a variável “tempo de leitura”. Eis, a seguir, a descrição dessa análise. ANOVAs com uma variável entre sujeitos (Grupos: I a VIII) e com três variáveis dentro dos sujeitos (Verbo: BC/Ind e BC/ Subj; Elemento: Objeto, Sujeito; Pronome: Pron ou Æ; onde Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 194 • O PROCESSAMENTO DA CO-REFERÊNCIA DO SUJEITO PRONOMINAL Pronome está aninhado a Elemento e Elemento está aninhado a Verbo) revelaram que a combinação dos fatores Elemento e Verbo (Verbo/Elemento: IO = 1787,4; IS = 1436,2; SO = 1378,6; SS = 1723) é significativa na análise de sujeito (F1(2,4) = 115.9; p < 0,01), e na análise de item (F2(1,184) = 0.0991; p < 0,01). Além disso, as interações (Verbo/Elemento):Grupos e (Verbo/ Elemento/Pron): grupos também se mostraram significativos na análise de sujeito (F1(14,48) = 2.4293; p < 0.05 e F1(28,94) = 1.7995; p < 0.05, respectivamente). As demais combinações de fatores não se mostraram significativas. Tendo em vista que a combinação de Verbo/Elemento se mostrou estatisticamente significativa, fizemos comparações 2 a 2, ou seja, testamos quais duplas de Verbo/Elemento tinham tempos médios estatisticamente diferentes. Pelas médias, vemos que as frases com IS e SO levam menos tempo para serem processadas do que aquelas com IO e SS. Testes-t confirmaram essa percepção. A Tabela 3, a seguir, apresenta os resultados dos testes. Tabela 3 – Comparações 2 a 2 para cada condição Verbo/ Objeto do Experimento 2 Comparações IOXIS IOXSO IOXSS ISXSO ISXSS SOXSS Resultados dos Testes t(296.86)=4.5843 ,p=0 t(292.17)=5.4285, p=0 t(311.25)=0.7964 ,p=0.4264 t(332.23)=0.9066, p=0.3653 t(314.97)=-4.0945, p=0.0001 t(314.59)=-5.0191, p=0 3.3. Discussão dos resultados Diferentemente do experimento 1, em que os verbos bicentrados (BC) ou de duplo controle, do tipo de dizer, comunicar, informar etc., não apresentaram efeitos de reativação Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 MARIA DE FÁTIMA DE MELO • MARCUS ANTONIO MAIA • 195 significativos, os resultados do experimento 2, utilizando a técnica de leitura auto-monitorada, permitiu medir tempos de leitura associados a segmentos de frases, revelando que em frases como as citadas abaixo, foi possível capturar o acesso à informação de natureza morfológica expressa no modo verbal da oração subordinada, no momento do processamento da co-referência. Isto ocorre porque os verbos BC dependem do modo indicativo, para o controle do sujeito, e do modo subjuntivo, para o controle do objeto. Observemos as frases abaixo, cujo fragmento crítico é o terceiro: (18) Paulo informou a Sérgio/ que ele realizaria o evento,/ mas Paulo não realizou, /conforme ficou provado. (18.a.) Paulo informou a Sérgio/ que ele realizaria o evento,/ mas Paulo não realizou, /conforme ficou provado. (18.b.) Paulo informou a Sérgio/ que Ø realizaria o evento,/ mas Paulo não realizou, /conforme ficou provado. (18.c.) Paulo informou a Sérgio/ que ele realizaria o evento,/ mas Sérgio não realizou, /conforme ficou provado. (18.d.) Paulo informou a Sérgio/ que Ø realizaria o evento, / mas Sérgio não realizou, /conforme ficou provado. (18.e.) Paulo informou a Sérgio/ que ele realizasse o evento, /mas Paulo não realizou, /conforme ficou provado. (18. f.) Paulo informou a Sérgio/ que Ø realizasse o evento,/ mas Paulo não realizou, /conforme ficou provado. (18. g.) Paulo informou a Sérgio/ que ele realizasse o evento,/ mas Sérgio não realizou, /conforme ficou provado. (18. h.) Paulo informou a Sérgio/que Ø realizasse o evento, / mas Sérgio não realizou,/ conforme ficou provado. A Tabela 3 mostra que houve um efeito de reativação diferenciado para indicativo e subjuntivo, em relação aos referentes sujeito e objeto da oração matriz, no processamento das frases analisadas. Pelos resultados, parece claro que, nas Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 196 • O PROCESSAMENTO DA CO-REFERÊNCIA DO SUJEITO PRONOMINAL frases com o modo indicativo, o estabelecimento da coreferência se deu de forma mais rápida com o sujeito da matriz (Paulo) do que com o objeto (Sérgio). Em contrapartida, nas frases com o modo subjuntivo, o efeito de reativação mais rápido ocorreu com o objeto da oração matriz (Sérgio) do que com o sujeito (Paulo), o que corrobora o acesso on-line pelo parser a informação sobre a morfologia verbal no processamento da co-referência. Todos os sujeitos/falantes/leitores do português tiveram acesso às mesmas condições experimentais. As frases foram propositalmente misturadas (‘randomizadas’), para evitar o uso de uma heurística ou estratégia de repetição de respostas no momento da compreensão. 4. Discussão geral e conclusão Neste trabalho, procuramos investigar se as categorias vazias e os pronomes visíveis (plenos) possuem a propriedade de facilitar a compreensão de um SN mencionado previamente na frase. Discutimos a questão dos verbos de controle de sujeito (auto-centrados), de objeto (outro-centrados) e de sujeito e objeto, respectivamente (bi-centrados). O fenômeno do controle suscitou uma questão específica estudada e apresentada, a saber: a informação de controle é rapidamente acessada pelo processador, a ponto de influenciar a resolução da co-referência? Com o propósito de responder a essa questão, projetamos e aplicamos dois experimentos psicolingüísticos, utilizando duas técnicas distintas: a técnica conhecida na literatura como efeito de pré-ativação ou Priming, e a técnica de leitura auto-monitorada (self-paced reading). A hipótese testada foi a de que, no processamento da co-referência, as Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 MARIA DE FÁTIMA DE MELO • MARCUS ANTONIO MAIA • 197 informações lexicais a respeito do controle verbal seriam acessadas rapidamente, contribuindo para o estabelecimento das relações co-referenciais na mente do falante/leitor. A hipótese estabelecida, em se tratando da aplicação da técnica de Priming, foi demonstrada: obteve-se um claro efeito de reativação dos sujeitos pronominais plenos e nulos dos verbos auto-centrados e outro-centrados. Os sujeitos pronominais plenos e nulos dos verbos bi-centrados, entretanto, não apresentaram efeitos de reativação significativos, o que foi interpretado como conseqüência da tarefa experimental, que não permitiu que se capturasse especificamente o acesso à informação de natureza morfológica em jogo nesta condição, já que os bi-centrados dependem do modo indicativo para o controle do sujeito e do modo subjuntivo para o controle do objeto. Propusemos, então, um novo procedimento experimental (leitura auto-monitorada), a fim de testar o acesso online à informação de natureza morfológica. Este procedimento, que permitiu medir tempos de leitura associados a fragmentos de frases, possibilitou a demonstração de que o processador também tem acesso rápido (on-line) à informação de cunho morfológico, associada a algum conteúdo lexical, que ajuda o falante/leitor a estabelecer as relações coreferenciais adequadas. Dessa forma, quando ocorre indicativo na oração subordinada, o referente pretendido é o sujeito da oração matriz; já quando ocorre subjuntivo na oração subordinada, o referente pretendido é o objeto. Cumpre salientar que este trabalho se coaduna com a proposta de NICOL (1988), que distingue atividades de parsing de árvore (tree-parsing), ou construção da árvore sintática, de atividades de estabelecimento da co-referência e de atividades gerais de interpretação. Em um primeiro passe, temos relações estruturais entre constituintes; posteriormente, ocorre a Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 198 • O PROCESSAMENTO DA CO-REFERÊNCIA DO SUJEITO PRONOMINAL interpretação de elementos referencialmente dependentes, freqüentemente chamados de anafóricos. O módulo da coreferência constitui, nesta perspectiva, um estágio intermediário entre processos estritamente estruturais (sintáticos) e processos interpretativos gerais. Nesta interface sintaxe / semântica, o papel do módulo da co-referência seria o de determinar quais os referentes potenciais de um item dependente referencialmente, para acessá-los e estabelecer a co-referência apropriada, influenciada também por fatores pragmáticos. O estudo em tela vai, ainda, ao encontro dos resultados experimentais apresentados por TANENHAUS ET AL.(1989), os quais consideram relevantes as propriedades lexicais dos elementos constitutivos do contexto frasal, buscando evidências para o uso imediato da informação acerca de propriedades de controle do verbo, no momento do processamento da co-referência. Neste sentido, este trabalho diverge da proposta de FRAZIER ET AL. (1983) de que este tipo de informação não era utilizado, na interpretação de primeiro passe, quando do processamento de categorias vazias dependentes de antecedentes (sentenças de longa distância), em inglês. Defendemos aqui, convergindo com TANENHAUS ET AL., a preponderância da evidência psicolingüística, a qual sugere que muitos tipos de conhecimento ligados a representações lexicais são acessados rapidamente durante o processamento de frases. Os experimentos 1 e 2 apresentaram resultados consistentes que nos permitiram argumentar em defesa de uma arquitetura de processamento da co-referência, em que o processador tem acesso rápido a informações de natureza lexical, vale dizer, à informação sobre propriedades de controle, bem como a informações de natureza morfológica (modo verbal), ao contrário do previsto por FRAZIER, CLIFTON & RANDALL, que prevêem, como parte da Teoria do Garden Path, uma estratégia de natureza puramente sintática, a Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 MARIA DE FÁTIMA DE MELO • MARCUS ANTONIO MAIA • 199 Estratégia do Preenchedor Mais Recente – MRFS. Como demonstrado nos experimentos 1 e 2, a estratégia de recência estrutural é sobrepujada pelo acesso à informação sobre as propriedades de controle dos verbos AC e OC, no primeiro caso, e sobre aspectos de caráter morfológico (modo verbal, IND e SUBJ), no segundo. Assim, ambos os experimentos nos ‘autorizam’ a concluir que os tempos mais rápidos obtidos na compreensão demonstram que a informação lexical foi acessada, não a posição estrutural do SN mais recente. É preciso destacar que, no conjunto de frases analisado, o SN mais recente não é atuante, em se tratando do processamento da co-referência, justamente porque essa informação estrutural é sobrepujada pela informação de cunho lexical, seja no que se refere ao controle (experimento 1), seja no que se refere à morfologia do modo verbal (experimento 2). Cumpre, no entanto, ressaltar o fato de que a Most Recent Filler Strategy (MRFS), tal como é formulada, aplica-se a estruturas de movimento, o que não é o caso das estruturas frasais utilizadas neste estudo. Conforme ressaltamos nas discussões dos resultados, tomamos da MRFS a idéia de recência, que é forte na literatura da área de processamento. No Experimento 1, obtivemos efeitos relacionados à informação de natureza semântica associados ao item lexical, desprezando a informação do SN mais recente (o efeito de facilitação no processamento da co-referência segue as propriedades de controle e não a proximidade do SN, embora haja um sintagma interveniente); no Experimento 2, também obtivemos uma facilitação decorrente de características morfológicas do item lexical, relacionadas à categoria modo verbal, que também sobrepujaram a resolução da co-referência baseada no antecedente mais próximo. Os resultados dos experimentos, em que utilizamos as técnicas de reativação e de leitura auto-monitorada, são Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 200 • O PROCESSAMENTO DA CO-REFERÊNCIA DO SUJEITO PRONOMINAL compatíveis com a idéia da realidade psicológica dos pronomes visíveis (plenos) e das categorias vazias: ambos os elementos têm a propriedade de reativar rapidamente seus antecedentes na frase, exercendo um papel importante no estabelecimento das relações de co-referência apropriadas Este efeito de reativação mostrou-se mais rápido, em se tratando da categoria vazia /antecedente, do que entre o pronome visível ou pleno (ele/ela)/antecedente. Em suma, esses experimentos possibilitaram testar o acesso no processamento a informações de natureza semântica (controle verbal) e morfológica (modo verbal), um estudo até então inédito sobre a compreensão de frases, especificamente sobre o processamento da co-referência, por falantes do português do Brasil. Nota 1 Este artigo resume a dissertação de doutorado de Maria de Fátima Benício de Melo, defendida no programa de pós-graduação em Lingüística da UFRJ em 2003. The processing of anaphoric relations in the comprehension of sentences with subject and object control verbs in Brazilian Portuguese Abstract – This study focus on the processing of anaphoric relations in the comprehension of sentences in which there is a coreference between a pronominal subject in a complement clause and the subject or the object antecedents in the matrix clause which contains either a subject control verb, an object control verb or a subject and object control verb. The goal of the research is to assess the nature of the information which is rapidly used by the processor in the establishment of coreferential relations. Key Words – Processing. Coreference. Pronominal Subject. Verbal Control. Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005 MARIA DE FÁTIMA DE MELO • MARCUS ANTONIO MAIA • 201 Referências bibliográficas BOLAND, J.E.; TANENHAUS, M.K.; GARNSEY, S.M. Evidence for the immediate use of verb control information in sentence processing. Journal of Memory and Language, v. 29, p. 413-432, 1990. CLIFTON, C.; FRAZIER, L. The use of syntactic information in filing gaps. Journal of Psycholinguistic Research, v. 15, p. 209-224, 1986. CLIFTON, C., JR..; FRAZIER, L. Comprehending sentences with long-distance dependencies. In: TANENHAUS, M.K; CARLSON, G. (Eds.) Linguistic Structure in Language Processing. Kluwer Academic Press, 1989. FODOR, J.D. Constraints on gaps: is the parser a significant influence? Linguistics, v. 21, p. 9-34, 1983 ______. Empty categories in sentence processing. Language and Cognitive Processes, v. 4, n. 3, SI 155-209, 1989. FRAZIER, L. Processing syntactic structures: Evidence from Dutch. Natural Language and Linguistic Theory, v. 5, p. 519-559, 1987. FRAZIER, L.; CLIFTON, C., JR.; RANDALL,J. Filling Gaps: Decision Principles and Structure in Sentences Comprehension. Cognition, v. 13, p. 187-222, 1983. Apresentado para publicação em outubro de 2005. Aprovado para publicação em outubro de 2005. Lingüística, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 177-201, dezembro de 2005