A "velha história" francesa no ensino superior: o exemplo de Affonso

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A "velha história" francesa no ensino superior: o exemplo de Affonso D'Escragnolle
Taunay na Faculdade Livre de Filosofia e Letras de São Paulo
Itamar Freitas1
Os itinerários da História no ensino superior em São Paulo são marcados por vários tipos de
experiências. Uma delas foi a instituição de cadeiras isoladas dentro dos primeiros
estabelecimentos de ensino superior não profissionais, ou seja, das escolas e faculdades que
não formavam bacharéis em direito, medicina e engenharia. Num período imediatamente
anterior à legislação específica sobre o ensino - o Estatuto das Universidades (1931) - esse
tipo de prática proliferou-se nos cursos de formação de padres, músicos, damas da alta
sociedade e bacharéis em filosofia. A configuração mais comum foram as matérias de história
do Brasil e História universal, ambas, na maioria dos casos, ministradas por um mesmo
titular. Essa comunicação traz à luz uma agência, um personagem e um documento-chave que
expressam parte da experiência do saber histórico transformado em disciplina "universitária"
em São Paulo, no início da década de 1910. O texto procura explorar vestígios das práticas
docentes de um personagem que participou, nos anos 1930, da montagem dos primeiros
cursos de graduação em História no Brasil. Dessa forma, ao problematizar o significado da
conferência "Os princípios gerais da moderna crítica histórica", pronunciada por Affonso
D'Escragnolle Taunay, catedrático de história, na Faculdade Livre de Filosofia e Letras de
São Paulo em 1911, procuro criar condições para resolver uma questão mais genérica que, no
momento, ocupa o meu horizonte de expectativa: o que havia de superior nos cursos
superiores de história inaugurados em 1934 e 1935, na Universidade de São Paulo e na
Universidade do Distrito Federal?
Da história para a filosofia
Antes de constituir-se como curso de formação superior – um agregado de cadeiras que
formariam o bacharel e o licenciado a partir de 1934 – a História constituía uma cadeira que
poderia ministrar cursos de conteúdo voltado para a arte, igreja, economia, direito, entre
outros temas. Na Faculdade Filosofia e Letras, como em muitas instituições do gênero na
Europa do último quartel do século XIX, a história não rendia um diploma, porém, compunha
os saberes necessários para a formação do licenciado em letras. De maneira idêntica foi
1
Doutorando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação – História, Sociedade e Educação. Esse
trabalho faz parte das atividades do Projeto de Cooperação Acadêmica – PROCAD/CAPES/2001, parceria entre
a Universidade Católica de São Paulo e a Universidade Federal de Sergipe.
1
pensada a primeira faculdade de filosofia aberta no Brasil e semelhante status obteve a cadeira
de história nesse estabelecimento de ensino.
A Faculdade Livre de Filosofia e Letras de São Paulo fazia parte do projeto de implantação de
uma universidade católica no Brasil, concretização de uma das teses do II Congresso Católico
Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro, em 1908 (Lacombe, 1976, p. 81). Esse projeto, que
seria gradativamente implantado – partindo de faculdades especiais – nascia em 1908 sob o
modelo da Universidade de Louvain, incorporando, com isso, o movimento neotomista
iniciado pelo Cardeal Mercier. Para o prelado belga, o aristotelismo era “simultaneamente a
filosofia verdadeira, ao menos em substância, e a verdadeira filosofia... a ciência que
completa a unidade do saber” (Sentrou, apud. Costa, 1998, p. 58; Derosa, 1916, p. 15). A
despeito da adoção do modelo doutrinário de Louvain, o neotomismo viria também reforçar o
combate às “más idéias” que grassavam na mocidade, a geração nascida no cipoal dos
materialismos configurados em evolucionismo, monismo, positivismo e tantos outros “ismos”
reinantes na virada do século XIX para o século XX no Brasil (cf. Relatório de 1916, p. 7;
Costa, 1956, p. 389-390). Assim, com o amparo desta doutrina, a instituição projetada por
Dom Miguel Kruse viabilizaria não somente a sua missão espiritual, mas a sua tarefa
patriótica, já que o estudo da filosofia poderia fundamentar a discussão sobre economia e
política brasileiras.
A Faculdade de Filosofia e Letras funcionava à noite, nas instalações do Mosteiro de São
Bento que lhe fornecia suporte administrativo. Possuía biblioteca – composta pela doação de
professores e alunos e era auxiliada pelo Centro de Filosofia e Letras (Relatório de 1912, p.
21). Este órgão, uma espécie de braço extensionista, tinha a função de promover, fora dos
cursos regulares da Faculdade, o “estudo da filosofia em particular, e da literatura em geral,
oferecendo conferências quase que semanalmente aos sócios da entidade – alunos, ex-alunos,
professores e convidados (Anuário da FLFL, 1911, p. 63; 1913, p. 67). Os matriculados eram
estudantes do nível superior e profissionais estabelecidos nas carreiras liberais. O quadro dos
resultados dos exames em 1916 dá uma mostra dos freqüentadores do estabelecimento; dos
vinte e três alunos com origem identificada (dos sete ouvintes não há informações) quatorze
eram ligados ao direito, três à politécnica, dois à medicina, dois à teologia e dois ao
magistério (Relatório de 1916, p. 5).
Para melhor compreender o papel da história na Faculdade Livre de Filosofia e Letras é
importante ter em mente que essa instituição fora criada para ministrar o ensino superior em
filosofia “e das matérias que, segundo o uso das universidades, se reúnem com o título de
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letras, compreendendo a literatura em geral e as ciências históricas e sociais (Estatutos, 1912,
p. 6). Por isso, foram criadas, inicialmente, as cadeiras de filosofia, história geral, e literatura.
Para o ano seguinte (1912), projetava-se constituir em sessões (com a criação de cadeiras
complementares) as áreas de letras e de história. Mas, enquanto isso não ocorria, apenas a
sessão de filosofia estava estabelecida, fornecendo cursos de lógica criteriologia, ontologia,
cosmologia, psicologia, teodicéia, filosofia moral e história da filosofia. Essas matérias, por
sua vez, deveriam ocupar quatro das cinco aulas semanais da Faculdade. A história, assim
como a literatura, poderia ser estudada em quaisquer dos três anos que duravam o curso e
estava submetida ao mesmo processo avaliativo das demais disciplinas: freqüência de 50%
das aulas, avaliação anual com aprovação a partir da nota cinco e conceitos variando entre a
grande distinção notas 9,5 a 10, distinção – 9, plenamente – 6 a 8, e simplesmente, nota 5 (cf.
Relatório de 1912, p. 29). No período 1908/1917, o curso de filosofia e letras foi sustentado
pelos catedráticos Monsenhor Carlos Centrou (filosofia, e literatura francesa), Dom Miguel
Kruse (literatura), Monsenhor Silveira Barradas (literatura portuguesa) e o próprio Affonso
D’Escragnolle Taunay, catedrático de história universal.
Da física para a história
O regente da cadeira de história, o professor Taunay, esteve presente na Faculdade desde a
sua fundação. Era muito ligado aos Beneditinos, fora escolhido, inclusive, para narrar a
história da ordem no Brasil. Sua formação inicial era a engenharia, cursada na Escola
Politécnica do Rio de Janeiro. Daí a sua contratação como professor de física do Ginásio São
Bento e da Escola Politécnica de São Paulo, em 1911, na cadeira de física experimental. Tal
saber, contudo, não segurou o professor durante muito tempo, já que em 1917 foi convidado
para assumir a direção do Museu Paulista. Para Odilon Nogueira Matos (1977), maior
especialista na obra de Taunay, outros motivos o levaram ao território de Clio. Os contatos
com os mestres Capistrano de Abreu e Alfredo Moreira Pinto, a convivência com o seu pai –
o também historiador, Alfredo D’Escragnolle Taunay (Visconde de Taunay) –, a convivência
com os sócios do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, onde foi admitido em 1911, e
a própria experiência da família – no governo do Paraná e de Santa Catarina, na Missão
Artística francesa do início do século XIX, na Guerra do Paraguai, e na fundação de agências
como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a Academia Brasileira de Letras – foram
os grandes responsáveis por sua transferência das ciências exatas para os domínios da história.
Da Faculdade Livre de Filosofia e Letras e do Ginásio de São Bento são poucos os registros
coletados que informam sobre práticas docentes. Sabe-se que ministrou algumas conferências
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promovidas pelo Centro de Filosofia e Letras, que foi professor dos seus futuros substitutos
na cadeira de História do Brasil na USP, Alfredo Ellis Júnior e Sérgio Buarque de Holanda,
ajudando a esse último a publicar o seu primeiro artigo (APL, apud. Oliveira Júnior, 1984, p.
17 n.; Holanda, 1982, p. 1175). Da sua produção historiográfica, todavia, pode-se inferir que o
professor Taunay soube integrar à atividade de pesquisador a labuta do professor. Alguns
textos publicados tinham origem nas exposições na Faculdade e, de modo inverso, alguns
cursos de história do Brasil devem ter servido como laboratório para os seus trabalhos em
livro. Isso é o que indicam alguns marcos bibliográficos inscritos em sua trajetória como “A
missão artística de 1916 e o meio colonial fluminense (Revista do IHGB, 1914), conferência
organizada pelo Centro de Filosofia e Letras a 28 de novembro de 1912, e “Os princípios
gerais da moderna crítica histórica” (Revista do IHGSP, 1914), “aula inaugural” do curso de
história do universal, ministrada a 3 de maio de 1911.
A aula inaugural tem sido apreciada como documento de valor historiográfico,
principalmente, por ser um distinto lugar onde Taunay disserta sobre a natureza do
conhecimento histórico e os limites dessa nova ciência. Para Odilon Nogueira Matos (1998),
peça é “uma admirável lição sobre crítica histórica, das primeiras certamente a serem
elaboradas no Brasil”. É obra não superada, “apesar dos quase setenta anos que dela nos
separam” (1977, p. 27, 41, 74). Para Oliveira Júnior (1994), o documento apresenta “um
balanço da situação do conhecimento histórico no seu tempo”. O autor é, portanto, um
“historicista romântico-erudito”. Entretanto, “não há nele senão uma conjugação de idéias e
concepções sobre o conhecimento histórico que objetivam perpetrar a sua meta primordial:
celebrar as tradições paulistas através do conhecimento científico da história” (Oliveira
Júnior, 1994, p. 1994). Em síntese, “os princípios gerais são um instrumental cientificista para
construir uma história não problematizadora; uma história memória”. Diferentemente dos
autores citados, proponho uma abordagem que privilegia o texto como um registro sobre o
ensino de história, dando a conhecer o que lia e como lia o professor Taunay, o material que
enformaria o aluno de sua matéria e o futuro bacharel em filosofia e letras. Isso não impede,
porém, que o diálogo entre as conclusões deste trabalho e as questões tipicamente
historiográficas levantadas por Odilon Nogueira Matos e Oliveira Júnior, venha a ser
estabelecido futuramente.
Da Sorbonne para a Faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo
Tratar de “Os princípios gerais da crítica histórica moderna” como fonte das práticas docentes
de Taunay é enfrentar um problema fundamental. O registro da aula é um trabalho publicado
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na Revista do IHGSP em 1914 e esse fato nos leva a indagar: o texto impresso corresponde ao
texto lido? Na hipótese de não serem a mesma coisa, o que teria sido acrescentado,
interpolado ou omitido no percurso entre a aula e a tipografia? Ficamos então condicionados a
essa dúvida. Entretanto, seja qual for a resposta a esse problema, por certo, as conclusões
sobre o exame do “texto publicado” não serão significativamente alteradas.
“Os princípios gerais da crítica histórica moderna” é um trabalho breve (20.000 caracteres,
uma hora e meia de fala, aproximadamente) que se inicia com uma discussão sobre a
emergência do espírito crítico na sociedade moderna. Para Taunay, até o século [XVIII], “a
alma da humanidade” era caracteristicamente emotiva e partidária. Refletindo-se na produção
do saber, o espírito inspirava uma história partidária, panegírica e apologética. Com a
instauração do espírito crítico, o debate e a discussão tornaram-se lugar comum, entre
historiadores, sobretudo, provocando mudanças no ofício. O historiador foi obrigado a
afastar-se de Cícero, no que diz respeito ao caráter pedagógico da história e, ao mesmo tempo,
aferrar-se ao seu principal aforisma sobre a escrita: não ousar dizer algo falso, não ousar dizer
algo que não seja verdadeiro, afastar qualquer suspeita de complacência e de rancor (Cícero,
in. Hartog, 2001, p. 151). Justificado está, o título da “conferência” – Os princípios gerais da
moderna crítica histórica – que é distribuída equilibradamente pelos seguintes tópicos: a
necessidade da heurística e o emprego das ciências auxiliares; o trabalho de crítica externa, de
restauração e de procedência; a crítica interna, de interpretação, de sinceridade e exatidão;
instruções para agrupar os fatos, de forma negativa; o estabelecimento de relações entre os
fatos, de forma positiva e as formas de exposição da matéria; e conclusão, que responde sobre
as funções da escrita da história e, por conseguinte, do ensino da matéria correspondente.
Pelo exposto, percebe-se que se trata dos passos fundamentais da crítica histórica elaborados
no final do século XIX. Mas, onde o professor Taunay teria buscado os seus referenciais? A
única nota apensa à conferência indica o emprego “das idéias de diferentes autores e críticos
de história contemporâneos” (p. 344). As obras que expunham esquematicamente os passos
da crítica, naquele período, foram produzidas por franceses e alemães. Dentre os mais
difundidos estavam os livros introdutórios de Droysen, Bernheim, Monod, e Langlois e
Seignobos. Na conferência, Taunay não explicita, mas o exame da estrutura do seu trabalho e
a coleta dos conceitos fundamentais levam-me à constatar que o professor Taunay
fundamentou-se no trabalho de Langlois e Seignobos, especificamente no texto da
Introduction aux études historiques, publicado treze anos antes. Este manual expunha as
regras do método crítico” e representou, na época em que foi lançado (1898), o rompimento
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definitivo dos historiadores profissionais com os amadores da historiografia: os diletantes, os
compiladores, os literatos e os filósofos da história. O texto era o resultado das aquisições da
disciplina em território francês, desde os anos 1870, e das apropriações de práticas alemãs,
desenvolvidas no campo da filologia e da crítica documental. A Introduction condensava as
conferências proferidas por Langlois e Seignobos no primeiro curso de historiografia da
Sorbonne, no ano acadêmico de 1896/1897. Era, portanto, um “ensaio sobre o método” que
procurava indicar o caráter e os limites da disciplina, respondendo a questões do tipo: o que é
possível se conhecer do passado? O que é documento, e como tratá-lo? Como agrupar os fatos
e construir a obra histórica: Enfim, como realizar as tarefas da busca de fontes (heurística), da
análise (crítica documental) e da síntese (exposição) históricas?
Na conferência, de temática semelhante, Affonso Taunay se utiliza das mesmas estratégias do
manual francês. Acompanhemos, então, as sete partes do trabalho iniciando do lugar onde
Taunay aborda os conhecimentos preliminares necessários a todo aprendiz, como a noção de
documento e os limites do saber:
A história se faz, com os documentos. Os atos cujos vestígios materiais
desapareceram estão para ela perdidos e quando muito podem concentrar-se
no domínio das reminiscências coletivas (Taunay, 1914, p. 236).
Na Introduction esse texto foi grafado da seguinte forma:
L’ histoire se fait avec des documents. (...) Or, toute pensée et tout acte qui n’a
pas laissé de traces, directes ou indirectes, ou dont les traces visibles ont
disparu, est perdu pou l’histoire: c’est comme s’ il n’avait jamais existé.
(Langlois e Seignobos, 1992, p. 29).
A segunda parte da conferência apresenta as operações de análise, a crítica documental em
suas versões de restauração e de procedência:
De posse das peças documentais que lhe servirão de base para a obra futura,
cabe ao escritor iniciar uma série de operações das mais trabalhosas, a crítica
de introspecção (...). Depois da comparação, impõe-se a crítica de origem
sabendo-se quanto é expontânea no espírito humano a tendência em aceitar
como autênticas as indicações de proveniência (Taunay, 1914, p. 329).
Seguem-se-lhes, na terceira parte, as operações analíticas – as críticas de interpretação, de
sinceridade e exatidão – e têm início as primeiras operações sintéticas. Nesse segmento,
Taunay incorpora um princípio fundamental para a historiografia “moderna”:
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Os progressos da atualidade introduziram, porém, um dos mais poderosos
ditames da crítica o que se chamou a dúvida metódica. Aplicada às afirmações
dos documentos, a dúvida metódica torna-se a desconfiança metódica. A
priori, deve o historiador desconfiar das afirmações de um autor, mesmo
quando é tido como muito verídico (Ibidem, p. 332, grifos do autor).
Ici, comme en tout science, le point de départ doit être le doute méthodique.
Tout ce qui n’est pas prouvé doit rester provisoirement douteux; pour affirmer
une proposition il faut apporter des reisons de la croir exacte. Appliqué aux
affirmations des documents, le doute méthodique devient la défiance
méthodique (Langlois e Seignobos, 1992, p. 134).
Sobre o agrupamento dos fatos, o professor afirma que “a história é obrigada a combinar, com
o estudo dos fatos gerais, a apreciação de outros, particulares, a adotar um caráter misto de
ciência de generalidades e narrativa de aventuras”. E, continua:
Para construir a história geral é necessário ainda procurar todos os
acontecimentos que possam explicar quer o estado de uma sociedade, quer
uma de suas evoluções. É preciso rebuscá-los em todas as ordens de fatos
políticos, religiosos, deslocamentos de população, inovações de qualquer
natureza; o importante é que tenham tido ação decisiva (Taunay, 1914, p.
338).
Pour construire l’histoire générale il faut chercher tous les faits qui peuvent
expliquer soit l’état d’une société, soit une de ses évolutions, parce qu’ils y ont
produit des changements. Il faut les chercher dans tous les ordres de faits,
déplacement de population, innovations artistiques, scientifiques, religieuses,
techniques, changement de personnel dirigeant, révolutions, guerres,
découvertes de pays.
Ce qui importe, c’est que le fait ait eu une action décisive (Langlois e
Seignobos, 1992, p. 203).
Na quinta parte, Taunay apresenta as regras para um adequado “raciocínio construtivo’
quando justifica que “os fatos históricos fornecidos pelos documentos não são bastante para
ocupar a composição, há claros a preencher”. Resumindo alguns parágrafos da Introduction,
enfatiza
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A necessidade do esforço construtivo, a que obedece o historiador, tomadas as
cautelas para que se não entrelacem o raciocínio e a análise documental, as
conclusões de um exame de documentos e os resultados da argumentação;
para que uma conjectura não assuma o aspecto da certeza, nem se lance mão
de conclusões defeituosas (Taunay, 1914, p. 339).
A temática do raciocínio construtivo ocupa também a sexta parte, assim como a construção
das fórmulas gerais (teses) e as mais adequadas formas de exposição da matéria. A esse
respeito, Taunay faz um alerta:
Não se deve escravizar o historiador de hoje à forma, mas também não lhe
assiste agora, mais do que nunca, o direito de traçar a sua narrativa com um
estilo incorreto, em língua frouxa e sem relevo (Ibidem, p. 343).
Ce n’est pas à dire, bien entendu, que la “forme” soit sans importance, ni que,
pourvu qu’il se fasse compreendre, l’historien ait le droit d’avoir une langue
incorrecte, vulgare, lâche ou pâteuse. Le mépris de la rhétorique, des faux
brillants et des fleurs en papier , d’exclut pas le goût d’un style pur et ferme,
savoureux et plein (Langlois e Seignobos, 1992, p. 252).
A conferência é finalizada com a defesa da cientificidade da história – centrada nos
documentos –, a premência da orientação da pesquisa para a idade moderna – sobre a qual há
copiosa documentação –, a crítica à história magistra vitae, e a apresentação de uma
finalidade mais abrangente para o saber de Clio:
Sem falar no íntimo, indestrutível, cada vez mais poderoso nas sociedades
cultas, que liga vivos e mortos numa solidariedade intensa entre a humanidade
vivente e a humanidade dos túmulos, constitui a história indispensável
elemento para a compreensão das ciências políticas e as sociais em vias de
formação. Eis porque a lingüistica, o direito, a economia política, a ciência
das religiões tomaram, nos tempos contemporâneos, a forma de ciências
históricas. E ainda: reside o principal mérito da história na sua superioridade
incomparável, como instrumento de cultura intelectual; quando acostuma o
espírito a reagir contra a credulidade sistemática! Quando dá ao homem a
certeza de que a evolução das sociedades não se produz sob a ação das
mesmas causas que determinam a evolução animal!
Essas citações dão uma mostra da transposição textual do manual de Langlois e Seignobos
para a conferência do professor Taunay. Observando-se os dois textos por inteiro, será fácil
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constatar que das dezessete partes da Introduction, quinze foram referenciadas, por certo, de
maneiras diversas: resumindo parágrafos, modificando a ordem de exposição dos exemplos,
transcrevendo o tópico frasal e sintetizando as questões e exemplos, transformando nota de
pé-de-página em texto principal, redistribuindo os capítulos do manual e, é claro,
transcrevendo integralmente as passagens fundamentais.
Examinar as formas de enunciação destacando as formas encontradas pelo “tradutor” para
ajustar o texto ao público e ao contexto requereria muito espaço e não vem ao caso fazê-lo no
momento. Todavia, é forçoso comentar algumas mudanças ocorridas nesse processo de
transposição que resultaram na produção de um novo sentido, talvez, para o texto dos
franceses. Na Introduction, o “advertissement” estabelece os limites do manual e também
elege os seus antípodas, no caso, os que buscaram as leis da história, os positivistas comtianos
como historiador P. J. Buchez. Na conferência, as ações do Papa Leão XIII, franqueando os
arquivos do Vaticano e reiterando o aforisma de Cícero apresentam, na introdução, a postura
crítica e atual da Igreja em relação ao conhecimento científico. Na conclusão da conferência,
porém, mudanças na tradução podem indicar um encaminhamento bastante singular para o
sentido do texto. Ao afirmar que “le principal mérite de l’histoire est d’être un instrument de
culture intellectuel”, Langlois e Seignobos apresentam três razões: “D’abord, la pratique de la
méthode historique d’investigation (...) est très hygiénique pour l’esprit, qu’elle guérit de la
crédulité (...); elle montre un grande nombre de sociétés différentes, preparè à comprendre et à
accepter des usages variés (...); [por fim], préserve de la tentation d´expliquer par des
analogies biologiques (sélection, lutte pour l´existence, hérédité des habitudes, etc.)
l’evolution des societés, qui ne se produit pas sous l’action des mêmes causes que l’evolution
animale (Langlois e Seignobos, 1998, p. 256-257). Se observarmos o fragmento da conclusão
de Taunay, transcrito no parágrafo anterior, verificaremos que o professor Taunay excluiu a
segunda finalidade da história – o respeito às diferenças entre as sociedades – e agregou uma
função judicativa: a história “responde ao chamamento dos que recorrem ao seu veredicto
como o inflexível juiz, e (...) faz ouvir essa voz que Pedro II proclama a antecipação do
julgamento divino (Taunay, 1914, p. 344). Além disso, “carregou nas tintas” ao traduzir as
duas outras funções principais da história: a primeira, “est très higienique pour l’esprit, qu’elle
guérit de la credulité”, assim traduzida, “quando acostuma o espírito a reagir contra a
credulidade sistemática!”. E a segunda, “préserve de la tentation d’expliquer par des analogies
biologiques... le evolution des sociétés, que ne se produit pas sous l’action des mêmes causes
que l’evolution animale”, traduzida de forma enfática, “quando dá ao homem a certeza de que
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a evolução das sociedades não se produz sob a ação das mesmas coisas que determinam a
evolução animal!” A mudança, como exposta, não se opera somente na tradução das palavras,
mas também com a inserção das figuras de exclamação (!) inexistentes no texto original.
Os indícios das formas de apropriação do manual sorbonnista pelo professor Taunay para uso
na Faculdade Livre de Filosofia e Letras de São Paulo, não passam de luzes de pirilampo (na
feliz metáfora braudeliana). São clarões instantâneos sobre o ensino de história nos anos 1910
em São Paulo que podem, por hora, apenas orientar a elaboração de algumas hipóteses. A
primeira delas é que a professor Taunay estaria instrumentalizando-se com a mais atualizada
literatura, já que a Introduction sintetizava práticas hegemonicamente alemãs (a crítica
documental) e francesas (a narrativa) e era, ainda, o vade mecum no ensino superior da
França, tanto para os “normaliens” como para os “sorbonnards” – pelo menos até os primeiros
“combats” desferidos pela geração fundadora dos Annales. Pensando nessa direção, a
possibilidade de criar-se uma seção de história na Faculdade, com posterior oferta de títulos
de bacharel em história pode ter significado muito mais do que uma simples formalidade
estatutária. A segunda hipótese procura pensar as alterações promovidas por Taunay como a
tentativa de transformar a ciência da história – e em seguida, o saber ensinado da história –,
em mais um instrumento da cruzada católica contra o cientifismo que havia se alastrado nas
instituições superiores de ensino, traduzindo-se, posteriormente, na produção bibliográfica
(científico-literária) dos explicadores do Brasil e nas reformas políticas operadas no Estado
até então. O combate às doutrinas “materialistas” conjugaria, então, dois interesses
particulares: do grupo majoritário de historiadores ligados aos Institutos Históricos do Rio de
Janeiro e de São Paulo, e do projeto católico de estender os domínios da Igreja ao ensino
superior. A terceira e última hipótese desencadeia uma série de questões. Se admitirmos (com
parâmetros francófilos) que, em 1911, o “novo” no ensino superior de história significava
aprender os passos da crítica, seguindo as orientações de Gustav Monod, Langlois e
Seignobos e, se pensarmos na possibilidade de que a opção por esses autores e essas formas
de “traduzi-los” não fossem prerrogativas apenas do professor Taunay, poderíamos continuar
enxergando a cultura “savant” anterior à universidade como ensimesmada, sectária,
indiferente ao que se passava no mundo universitário da Europa e dos Estados Unidos? A tese
da ausência de “renovação” da historiografia sobre o Brasil, mesmo vinte anos após à criação
dos cursos superiores de história, poderia continuar se sustentando-se apenas no argumento de
que o modelo de inteligibilidade dos catedráticos da história do Brasil das Faculdades de
Filosofia era centrado na erudição e na memória, não acompanhando, assim, os “avanços” da
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historiografia européia? Na verdade, a questão de fundo é bem mais complexa e nos obriga,
quem sabe, a cometer uma heresia: tínhamos mesmo que evoluir nessa ordem, velha história,
história nova e nova história? Não há muito de teleologia na história do ensino superior de
história no Brasil?
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