Responsabilidade civil do médico na cirurgia plástica estética e o posicionamento de advogados da comarca de Muriaé (MG) Larissa dos Reis Alonso1; Paulo Sérgio Pires do Amaral2 e Roberto Santos Barbiéri2 1. Graduanda da primeira turma de Direito da Faculdade de Minas; 2. Professor no Curso de Direito da Faculdade de Minas (FAMINAS), Muriaé, MG. RESUMO: O presente trabalho tece esclarecimentos acerca da responsabilidade civil do médico na cirurgia plástica estética, com enfoque nas obrigações de meio e de resultado, haja vista opiniões antagônicas dos operadores do Direito em relação ao tema, e, por isto, foi realizada pesquisa na comarca de Muriaé (MG), envolvendo 19 advogados militantes nesta. O aumento acelerado pela busca de um padrão de beleza, característico dos tempos hodiernos, combinado com os avanços da medicina e tecnologia, corrobora para a popularização da cirurgia plástica estética e, é dentro deste contexto de mudanças de costumes e comportamentos na sociedade, que o Direito, instrumento de manutenção da ordem, deve conceder a cada um a sua devida responsabilização, o que exterioriza o objetivo deste trabalho. Palavras-chave: responsabilidade civil, cirurgia plástica estética, obrigação de meio e de resultado. RESUMEN: Responsabilidad civil del médico en la cirugía plástica estética y el posicionamiento de los abogados de la comarca de Muriaé (MG). El presente trabajo teje esclarecimientos sobre la responsabilidad civil del médico en la cirugía plástica estética, con enfoque en la obligaciones del medio y del resultado, siendo visto las opiniones antagónicas de los operadores del derecho en relación al tema, y por esto, fue realizada una pesquisa en la comarca de Muriaé (MG), envolviendo 19 abogados militantes en esta ciudad. El aumento acelerado por la busca de un modelo de belleza, característico de los tiempos hodiernos, combinado con los avances de la medicina y tecnología, ayuda para la popularización de la cirugía plástica y, es dentro de este contexto de cambios de costumbres y comportamientos en la sociedad, que el derecho, instrumento de manutención del orden, debe conceder a cada uno, su debida responsabilidad, lo que refleja el objetivo de este trabajo. Palabras llaves: responsabilidad civil, cirugía plástica estética, obligación del medio y del resultado. ABSTRACT: Civil responsibility of the doctor in the aesthetic plastic surgery and the positioning of lawyers of Muriaé (MG). The present work searches to draw explanations concerning the doctor’s civil responsibility in the aesthetic plastic surgery, with focus on the obligations of way and result, because of antagonistic opinions of the Law operators in relation to the theme, and, then, a research was accomplished in Muriaé (MG) involving 19 militant lawyers in it. The accelerated increase for the search of a beauty pattern, characteristic of the current times, combined with the progresses of the medicine and technology, it corroborates for the popularization of the aesthetic plastic surgery and, it is in this context of changes of habits and behaviors in the society, that the law, as an instrument of maintenance of the order must grant to each one, his owed responsibilization, what utters the objective of this work. Keywords: civil responsibility, aesthetic plastic surgery, obligations of way and result. 108 MURIAÉ – MG Introdução A cirurgia plástica estética, no momento de seu surgimento, sofreu rejeição; neste período, tais intervenções eram concebidas mais como experimentos do que como cirurgias dotadas de rigor científico. Com o passar do tempo, e principalmente nas últimas décadas, houve uma revolução de costumes por parte das sociedades, inclusive a brasileira, devido ao desenvolvimento da tecnologia. Neste contexto, surge um vasto apelo à beleza, mais intenso que anteriormente. Assim, a boa aparência física passa a ser requisito quase que imprescindível tanto para uma melhor colocação profissional quanto para uma melhor aceitação social. Destarte, o culto ao corpo e a luta pelo belo se transformaram em obsessão, popularizando a cirurgia plástica estética. O preço destas intervenções cirúrgicas diminuiu consideravelmente, fazendo com que elas deixassem de ser consideradas artigos de luxo, tornando-se patentes não só às classes situadas no ápice da pirâmide social. Sob tal influxo, aumentou, ainda, o número de clínicas estéticas, elevando a quantidade de pacientes que, insatisfeitos com os resultados obtidos com a intervenção cirúrgica a que foram submetidos, acabam buscando alguma maneira para reparar a frustração da expectativa gerada. Tal situação leva ao questionamento acerca da responsabilidade médica no tocante à cirurgia plástica estética. Tendo em vista o crescente número de ações judiciais que buscam a reparação dos danos sofridos em decorrência de tais cirurgias, realiza-se este trabalho. I– Fundamentação teórica 1.1 – Responsabilidade civil A noção de responsabilidade pode ser encontrada na própria origem da palavra, do latim respondere, responder a alguma coisa, leva à idéia de segurança, garantia de compensação, obrigação de recompor, ressarcir. Esta noção expressa a necessidade existente de se responsabilizar alguém por seus atos danosos. Esta responsabilização é meio e modo de exteriorização da Justiça e a responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico ao dever moral existente de não prejudicar ao outro. Neste conceito de responsabilidade, ressalta-se a diferença entre ato jurídico, também chamado de ato lícito, e ato injurídico ou ato ilícito, que impõe o dever de responsabilidade. De acordo com Washington de Barros Monteiro, há profunda diferença entre ato jurídico, lícito e ato injurídico, ilícito. REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 4, N. 2, Ago.-Dez. de 2008 109 Ato jurídico é ato de vontade que produz efeitos jurídicos independentemente da vontade do agente. Segundo o art. 81 do Código Civil o que se entende por ato lícito é ato fundado em direito, enquanto ato ilícito constitui delito, civil ou criminal, sendo portanto, uma violação à lei e é da prática deste ato ilícito que decorre a responsabilidade do agente (MONTEIRO, 2003). No âmbito jurídico, a responsabilidade pode ser de natureza penal ou civil. A responsabilidade penal, que extrapola os interesses deste trabalho, pressupõe, na opinião de Cretella Jr., apud Rodrigues (2003), “perturbação social, determinada pela violação da norma penal, sendo necessário que o pensamento exorbite do plano abstrato para o material, pelo menos em começo de execução”. Responsabilidade civil em sentido literal, etimológico, tem a ver com encargo, contraprestação. Ela passa a existir quando alguém tem que reparar um dano, um prejuízo decorrente da violação de outro dever. A responsabilidade civil advém do dever jurídico sucessivo, uma vez quebrado o dever jurídico originário, tendo, portanto, como sua fonte geradora o dever jurídico sucessivo. Impende gizar ainda, o ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves (2003), que conceitua responsabilidade civil como “um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário”. O dever jurídico é a conduta de uma pessoa imposta pelo Direito positivo por exigência da convivência social. O que leva à presunção de que violar um dever jurídico é cometer ato ilícito e este quase sempre acarreta um outro dever jurídico de reparar o dano. Portanto, dever jurídico originário, ou primário, é aquele que quase sempre acarreta a ilicitude do ato e o dever jurídico secundário, ou sucessivo, é o que surge da quebra do dever jurídico originário. A responsabilidade subjetiva tem como fundamental aspecto, em sua teoria, a necessidade da demonstração de culpa do suposto violador do direito da vítima, sendo da última a incumbência de provar tal situação para que tenha direito à indenização. Portanto, diz-se subjetiva a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa, sendo que a prova desta culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Já a responsabilidade objetiva tem como suporte a teoria do risco pautada em princípios e valores sociais, como a eqüidade e boa-fé. E fundamentada no fato de que toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiro e, por isso, deve ficar obrigado a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A noção desta é transferida para a idéia de risco encarada como risco-proveito. 110 MURIAÉ – MG A responsabilidade contratual, também chamada de responsabilidade negocial, se origina da inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral. Resulta de ilícito contratual, bem como da falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação. É uma infração a um dever especial determinado pela vontade dos contraentes, decorrendo de relação obrigacional preexistente e pressupondo capacidade para contratar. Se o contrato é fonte de obrigações, acontecendo o inadimplemento desse, surge uma nova obrigação, a de reparar o prejuízo decorrente da inexecução da obrigação assumida. A responsabilidade extracontratual, ainda conhecida como responsabilidade delitual, ou aquiliana, deriva de um fato lesivo à esfera jurídica de outrem, não tendo como pressuposto qualquer acordo anterior entre ofensor e ofendido. Essa é resultado do inadimplemento normativo, que é a inobservância da lei, a lesão a um direito, cabendo à vítima provar a culpa do agente. Silvio Rodrigues discorre a respeito destas duas espécies de responsabilidade aduzindo que: Ao menos aparentemente, existe uma responsabilidade contratual, diversa da responsabilidade extracontratual. Tal diferença, entretanto, é óbvia, (...) Na hipótese de responsabilidade contratual, antes da obrigação de indenizar emergir, existe entre o inadimplente e seu contratante, um vínculo jurídico derivado da convenção; na hipótese da responsabilidade aquiliana, nenhum liame jurídico existe entre o agente causador do dano e a vítima, até que o ato daquele ponha em ação os princípios geradores da obrigação de indenizar (RODRIGUES, 2003). 1.2 – Obrigação de indenizar A obrigação de indenizar, ou obrigação de reparar o dano, tem como fonte geradora o cometimento do ato ilícito. A indenização abrange despesas efetuadas, danos morais em razão do prejuízo estético e verba para tratamentos e novas cirurgias. Para que surja esta obrigação de indenizar, é necessária a existência de determinados fatores, denominados pressupostos ou elementos da responsabilidade civil. Sérgio Cavalieri Filho (2007) classifica tais pressupostos como: ação ou omissão do agente, dano experimentado pela vítima, nexo causal. Ação é ato humano, comissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, que cause dano a outrem, REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 4, N. 2, Ago.-Dez. de 2008 111 gerando o dever de satisfazer os direitos em que foi lesado. A diferença entre ação e omissão é que esta pressupõe ato humano omissivo. Silvio Rodrigues (2003) comenta: “a indenização pode derivar de uma ação ou omissão individual do agente, sempre que, agindo ou se omitindo infringe um dever contratual, legal ou social”. Após essas ponderações, é possível chegar à definição de culpa, que é em sentido lato a violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de ato não intencional. A culpa em sentido estrito, ou decorrente de ato intencional, configura o dolo. A culpa em sentido estrito, por sua vez, se apresenta sob três modalidades: a imperícia, que decorre da falta de habilidade no exercício da atividade técnica, caso em que se exige, em regra, maior cuidado do agente, por exemplo, erro médico grosseiro; imprudência, que é a falta de cuidado ou cautela por conduta comissiva, positiva, por ação; e por último ainda, a negligência, decorrente da mesma falta de cuidado e falta de cautela, só que por conduta omissiva, ou seja, por falta de conduta. O dolo compreende a violação intencional de um dever jurídico, podendo ser direto, quando o agente almejar deliberadamente alcançar o resultado; eventual, se tiver a vontade não dirigida à obtenção do resultado, querendo algo diverso, todavia, assumindo o risco de que em seu comportamento existe a possibilidade de causar dano a outrem. O dano é constituído pelo abalo sofrido pela vítima, podendo causar prejuízo de ordem econômica, consistindo no dano patrimonial, podendo ainda, acarretar repercussão física, ou ainda de ordem psíquica, consubstanciando então o dano moral. Não existe a hipótese de indenização sem a existência do dano, pois a admissão de tal idéia ensejaria o enriquecimento descabido daquele que receberia a indenização. Neste sentido preleciona Carlos Roberto Gonçalves (2003): “Sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser material ou simplesmente moral, ou seja, sem repercussão na órbita financeira do ofendido”. Diante do exposto, são requisitos à configuração do dano: a diminuição ou destruição de um bem ou interesse jurídico patrimonial ou moral pertencente a uma pessoa; a efetividade ou certeza do dano; causalidade, legitimidade, subsistência do dano no momento da reclamação do lesado; ausência de causas excludentes de responsabilidade. Para que se configure o nexo causal, é necessário que o prejuízo suportado pela vítima decorra da ação ou omissão do ofensor, e de uma perfeita relação de causa e efeito entre ação ou omissão e dano. Não havendo tal relação, inexiste a obrigação de indenizar. Conforme os ensinamentos de Maria Helena Diniz, 112 MURIAÉ – MG não será preciso que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Basta que se verifique que o dano não ocorreria se tal fato não tivesse acontecido. Não podendo ser este a causa imediata, mas sendo condição para a produção do dano, o agente responde pela conseqüência (DINIZ, 2003). 1.3 – Embasamento legal O art. 186 do Código Civil consagra regra aceita universalmente de que todo aquele que causa dano a alguém, se obriga a repará-lo. Estabelece o dispositivo informativo da responsabilidade extracontratual: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. A análise do artigo supratranscrito reforça a presença da ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima, como já foi tratado no tópico anterior. Há ainda o art. 927 do mesmo Código que apresenta inovações e dispõe: “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Por esse dispositivo, a responsabilidade objetiva aplica-se, além dos casos descritos em lei, também quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, em sua natureza, risco para os direitos de outrem. Nesse caso, com base em tal dispositivo, poderá definir-se como objetiva a responsabilidade do causador do dano no caso concreto. E em seu parágrafo único: haverá obrigação de reparar o dano independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os deveres de outrem (CAHALI, 2007). O Código de Defesa do Consumidor traz em seu art. 14: o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. §4º, a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante verificação de culpa (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2006). REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 4, N. 2, Ago.-Dez. de 2008 113 Fica, entretanto, através do que está elencado neste dispositivo, exceção existente para os profissionais liberais para os quais existe responsabilidade subjetiva e não objetiva como é o caso das outras situações que não possuem tal tratamento. O parágrafo 4º privilegia, de certa forma, os profissionais liberais retornando-os ao sistema subjetivo da culpa, mas este privilégio não é dispensado ao tipo de serviço, mas à pessoa física do profissional liberal. 1.4 – Obrigação de meio versus obrigação de resultado Com os avanços da medicina, a cirurgia plástica vem sendo utilizada como instrumento de alcance aos anseios da sociedade por uma beleza ideal. A cirurgia plástica pode ser classificada em estética ou reparadora. A cirurgia plástica reparadora ou corretiva busca reparar deformidade física congênita ou traumática. Situação que acontece quando um paciente tem o seu rosto cortado ou até mesmo deformado por algum acidente sofrido, ou ainda, pessoas que nascem com alguma parte defeituosa em seu físico. A cirurgia plástica reparadora representa uma obrigação de meio na relação contratual médico paciente, ligada a um estado de necessidade ou a uma condição terapêutica, bastando tão somente que o médico preste ao paciente cuidados conscienciosos e atentos, de acordo com as condições evolutivas da ciência médica. Em tais casos, o médico, por mais competente que seja, não tem condições de garantir eliminação completa do defeito. Neste caso, a obrigação do médico cirurgião é de meio. Este deve usar, entretanto, de todos os recursos que possui para melhorar a aparência física de seu paciente, procurando fazer com que o defeito diminua, da forma mais empenhada possível, mesmo que na maioria das vezes, para que isto aconteça, haja a indispensabilidade de serem realizadas várias e sucessivas cirurgias. A civilista Maria Helena Diniz conceitua obrigação de meio: é aquela em que o devedor se obriga tão somente a atuar com a prudência e a diligência normais na prestação de certo serviço, para alcançar um resultado, sem contudo, obrigar-se a obtê-lo. Infere-se que sua prestação não consiste em um resultado certo e determinado a ser conseguido pelo o obrigado, senão tão só em atividade prudente, diligente deste em benefício do credor (DINIZ, 2003). 114 MURIAÉ – MG Segundo Demogue apud Kfouri Neto, há obrigação de meio, quando a própria prestação nada mais exige do devedor do que pura e simplesmente o emprego de determinado meio sem olhar o resultado. E o caso do médico que se obriga a envidar seus melhores esforços e usar de todos os meios indispensáveis à obtenção da cura do doente, mas sem jamais, assegurar o resultado, ou seja, a cura. Na obrigação de resultado o devedor se obriga a alcançar determinado fim sem o qual não terá cumprido sua obrigação. Ou consegue o resultado avençado ou então terá que arcar com as conseqüências (KFOURI NETO, 2003). Já a cirurgia plástica estética é o procedimento que não tem por escopo curar uma enfermidade, mas sim eliminar imperfeições físicas que, sem alterar a saúde da pessoa, tornam-nas feias do ponto de vista estético. Esse tipo de cirurgia apresenta situação diferente da anterior, porque busca apenas o aperfeiçoamento de algo que é considerado perfeito; apenas não satisfaz aquele que almeja a realização da cirurgia. Esse assunto tem dado margem a opiniões distintas entre os doutrinadores e juristas. Ataz López apud Kfouri Neto é incisivo: Quando a vida do paciente corre perigo, o médico tem uma grande margem de atuação ao contrário, quando o paciente não corre risco, essa liberdade de atuação resta seriamente diminuída. Deve haver uma proporção razoável entre riscos assumidos e benefícios esperados e isso deve ser levado em consideração, concretamente nestes casos em que os prováveis benefícios não permitem arriscar o paciente mediante tratamento duvidoso e pouco provado (KFOURI NETO, 2003). O escólio de Silvio Rodrigues, quanto à cirurgia plástica, atenta para que No caso de cirurgia plástica o paciente é pessoa sadia que almeja remediar uma situação desagradável, mas não doentia. Por conseguinte, o que o paciente busca é um fim em si mesmo tal como uma nova conformação de REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 4, N. 2, Ago.-Dez. de 2008 115 nariz, supressão de rugas, remodelação de pernas, seios, queixo etc. De modo que o paciente espera do cirurgião não que ele se empenhe em conseguir um resultado apenas, mas que obtenha o resultado esperado pelo paciente (2003). Em sua obra O dano estético, Teresa Ancona Lopes de Magalhães obtempera que: na verdade, quando alguém, que está muito bem de saúde, procura um médico somente para melhorar algum aspecto seu, que considera desagradável, quer exatamente este resultado, não apenas que aquele profissional desempenhe seu trabalho com diligência e conhecimento científico, caso contrário não adiantaria arriscar-se e gastar dinheiro por nada. Em outras palavras, ninguém se submete a uma operação plástica se não for para obter um determinado resultado, isto é, a melhoria de uma situação que pode ser, até aquele momento, motivo de tristezas (MAGALHÃES, 1999). A tais posicionamentos, se opõem as opiniões de alguns juristas. Ruy Rosado de Aguiar Júnior apud Stoco, anota que a orientação hoje vigente na França, na doutrina e na jurisprudência, se inclina para admitir que a obrigação a que está submetido o cirurgião plástico não é diferente daquela dos demais cirurgiões, pois corre os mesmos riscos e depende da mesma álea. Seria portanto, como a dos médicos em geral uma obrigação de meios (STOCO, 2004). Luís Adorno admite ter defendido entendimento de que a obrigação do médico na cirurgia plástica estética seria de resultado, mas seu posicionamento atual, com uma análise mais profunda do assunto é de que essa não se distingue da dos demais médicos, sendo, portanto, uma obrigação de meio, necessitando o profissional agir com toda a prudência e diligência necessárias. François Chabas, jurista francês, analisa ainda que, de acordo com as constatações da medicina, ultimamente, a pele humana tem desempenhado papel essencial na cirurgia plástica, tornando-a imprevisível em vários casos (STOCO, 2004). E também Nestor José Foster apud Stoco diz que para sustentar entendimento de que a obrigação do médico na cirurgia meramente estética é apenas de meio expressa: 116 MURIAÉ – MG É certo que o médico não pode controlar todos os fatores a influírem na cirurgia estética. Basta dar o exemplo do ‘quelóide’, aquela calosidade cicatricial que pode ocorrer no local da cirurgia. A ciência médica simplesmente desconhece, hoje, porque o quelóide ocorre em algumas pessoas, ao passo que não se apresenta em outras. Portanto, ao realizar cirurgia estética, o cirurgião não tem condições de assegurar ao paciente que não resultará a cicatrização sob forma de quelóide. Se a realidade é esta, e aqui cita-se apenas um exemplo, não há como exigir do médico o resultado. Ainda aqui, pois, seria de meio e não de resultado o contrato do cirurgião plástico (STOCO, 2004). Rui Stoco (2004), em sua obra Tratado de responsabilidade civil, defende com clareza: “comungamos de opinião diversa, pois para nós a obrigação em tais hipóteses é de resultado”. Diante de tais considerações, realizou-se o presente trabalho, visando levantar o posicionamento de advogados da comarca de Muriaé (MG) frente ao tema responsabilidade civil do médico na cirurgia plástica estética. II – Metodologia Para realização da parte experimental do presente trabalho, foi solicitado a 20 advogados militantes que respondessem a um questionário estruturado constituído por 11 questões, das quais duas foram de caráter subjetivo. Na aplicação do questionário, tentou-se envolver no montante dos advogados alguns com vivência prática a respeito do tema abordado. Um dos advogados que havia aceito responder ao questionário não fez a entrega do mesmo e a pesquisa foi conduzida, então, com os outros 19 advogados participantes. Foram realizados, ainda, estudos em diversas doutrinas, o que possibilitou percepção de divergência acerca do tema e a realização de análise crítica a respeito da pesquisa realizada. III – Apresentação de dados Inicialmente, buscaram-se caracterizar os entrevistados na presente pesquisa, levando-se em consideração o tempo decorrido desde a conclusão de seus cursos jurídicos e a experiência profissional. Da Tabela 1, pode-se verificar que a maioria dos 19 entrevistados concluiu seus cursos recentemente, a REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 4, N. 2, Ago.-Dez. de 2008 117 TABELA 1 Períodos de conclusão dos cursos jurídicos dos bacharéis entrevistados partir de 2000, o que está em concordância com suas experiências profissionais, conforme indicado na Tabela 2. Na Tabela 3, indicam-se as áreas de atuação no Direito dos bacharéis entrevistados neste trabalho. Cabe ressaltar que o somatório do número de áreas de atuação é maior que o número de advogados, uma vez que vários deles atuam em uma ou mais destas áreas. Em seguida, perguntou-se aos entrevistados se eles saberiam diferenciar a obrigação de meio da obrigação de resultado e todos os advogados responderam positivamente. Questionados se a obrigação assumida pelo médico na realização de uma cirurgia plástica estética era caso de obrigação de resultado, apenas um dos profissionais entrevistados manifestou-se de forma negativa. Foi informado aos entrevistados que a doutrina e a jurisprudência francesas têm entendido que a obrigação do médico na realização de cirurgias plásticas estéticas é de meio, o que vem causando influências nas manifestações de juristas brasileiros. Depois, argüiu-se dos bacharéis se eles comungavam da mesma interpretação, ao que, apenas um deles respondeu sim, o mesmo que havia se manifestado de forma negativa à questão anterior. Na continuidade da entrevista, os bacharéis em Direito foram questionados se tinham conhecimento de casos de cirurgias plásticas estéticas que não tivessem levado aos resultados esperados pelos clientes. E, em tendo conhecimento, se saberiam informar de casos que provocaram esta responsabilidade. Os resultados obtidos estão indicados na Tabela 4. Ao serem questionados se ingressariam com ação de responsabilidade em caso de serem procurados por clientes que tivessem se submetido a cirurgias plásticas estéticas com resultados não esperados, a maioria deles posicionou-se positivamente. Somente dois dos bacharéis entrevistados afirmaram que não ingressariam com tal ação e que indicariam outros profissionais para o ato. Infere-se que esta posição negativa deva-se ao fato de que os dois advogados são das áreas penal e trabalhista, respectivamente. Em questão aberta, reforçou-se o fato de alguns juristas brasileiros estarem adotando o entendimento de que a obrigação do profissional de medicina de cirurgia plástica estética seria apenas de meio e solicitou-se dos entrevistados um parecer sobre tal situação. Na manifestação por extenso de suas respostas quase houve unanimidade em não concordar com tal posicionamento, por acreditarem inteiramente que a obrigação do médico assumida na cirurgia plástica estética era de resultado e não apenas de meio. Somente um dos entrevistados concordou com posicionamento da doutrina e jurisprudência francesas. No entanto, em seguida, foi feita ainda, a suposição pessoal de que se o posicionamento da obrigação de resultado deixasse de ser majoritário e passasse a prevalecer a obrigação de meio, esta situação daria margem a um REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 4, N. 2, Ago.-Dez. de 2008 119 TABELA 2 Tempo de experiência profissional dos bacharéis entrevistados TABELA 3 Área de atuação no Direito dos bacharéis entrevistados TABELA 4 Posicionamento dos bacharéis entrevistados sobre o conhecimento ou não de situações de responsabilidade de cirurgiões plásticos estéticos em casos de cirurgias que não apresentaram resultados esperados menor dever de cuidado por parte dos profissionais de cirurgia estética. Em relação a esta hipótese mencionada aos entrevistados, aparentemente em conflito com as respostas da questão anterior, obteve-se a concordância de onze dos profissionais, a não concordância de sete outros e um deles não se posicionou. Finalizando o questionamento, solicitou-se aos entrevistados que conceituassem com palavras próprias obrigação de meio e obrigação de resultado. A não ser por um entrevistado, que preferiu não responder à questão, os outros 18 advogados praticamente escreveram em respostas que a obrigação de meio estava ligada à disposição de todos os meios para que o paciente tivesse progresso no que estivesse buscando, porém, não seria obrigado a ‘produzir’ tal resultado. Já com a obrigação de resultado, na opinião deles, o profissional ficaria categoricamente sujeito à ‘produção’ de tal resultado. IV – Considerações finais A responsabilidade civil do médico é a obrigação que o profissional da saúde tem de reparação de um dano causado a um paciente, erro este decorrente do exercício de sua profissão. Mas na cirurgia plástica estética, entretanto, existe a aplicação de todos os princípios gerais regentes da responsabilidade médica, combinada ainda, com algumas características singulares, em plano ainda mais restrito. A análise da responsabilidade civil do médico na cirurgia plástica estética conduz ao entendimento de que não é suficiente o cirurgião empreender todo seu conhecimento, prudência, perícia e diligência para a obtenção do melhor resultado, tendo visto que uma maioria significativa de juristas, doutrinadores e operadores do Direito, têm firmado posicionamento que o profissional da medicina deve alcançar o resultado pretendido originariamente pelo paciente, tornando a obrigação assumida não apenas de meio, como acontece nas demais situações, mas de resultado, o que leva aos médicos a terem que garantir o fim pretendido. A pesquisa realizada com 19 advogados da comarca de Muriaé tem ratificado esta idéia, haja vista que a maioria destes entende que a obrigação assumida pelo médico na cirurgia plástica estética é de resultado. Em contrapartida, existe uma pequena porcentagem de operadores do direito que comunga com doutrinadores e jurisprudências francesas para os quais a obrigação assumida é de meio, da mesma forma que nas demais situações. Assim, o presente trabalho demonstra, através de pesquisa de campo realizada na comarca de Muriaé (MG) e entendimento adquirido sobre o tema, a importância da distinção da obrigação de meio e de resultado oriunda da REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 4, N. 2, Ago.-Dez. de 2008 121 TABELA 5 122 Bacharéis que ingressariam com ações em caso de serem procurados por clientes submetidos a cirurgias plásticas cujos resultados foram inesperados MURIAÉ – MG responsabilidade do cirurgião plástico estético, já que será determinante no surgimento do dano para dar a cada responsabilizado e a cada prejudicado a aplicação da justiça. Referências bibliográficas CAHALI, Yussef Said (org.). Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 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