CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. BARREIRAS SOCIAIS À DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À EDUCAÇÃO Ana Paula Antunes Novaes Cavalcanti Resumo O presente artigo trata dos obstáculos sociais que dificultam a democratização do acesso à educação, conforme previsto na Constituição Federal do Brasil de 1988, onde determina que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Devendo ainda a educação ser disponibilizada de forma gratuita e universal, garantindo igualdade de condições de acesso e permanência na escola. Ocorre que vários são os problemas sociais que afetam diretamente a inclusão das crianças e adolescentes no ambiente escolar, tais como as desigualdades sociais e a marginalidade. Palavras-chave: Problemas sociais. Democratização. Educação. Resumen Este artículo se ocupa de los obstáculos sociales que obstaculizan la democratización del acceso a la educación a lo dispuesto en la Constitución Federal de lo Brasil de 1988, que establece que la educación, derecho universal y deber del Estado y de la familia, busca el pleno desarrollo de la persona, su preparación para el ejercicio de la ciudadanía y su calificación para el trabajo. La educación debe estar disponible de forma gratuita y universal, lo que garantiza la igualdad de condiciones de acceso y permanencia en la escuela. Resulta que hay varios problemas sociales que afectan directamente a la inclusión de los niños y adolescentes en el ámbito escolar, cómo la desigualdad social y la marginalidad. Palabras clave: Problemas sociales. Democratización. Educación. INTRODUÇÃO A educação é o elemento da vida social responsável pela organização das experiências dos indivíduos na vida cotidiana, pelo desenvolvimento de sua personalidade e pela garantia da Advogada, Especialista em Administração Pública, Mestranda em Educação na Universidad de la Empresa (UDE), Professora no curso de Direito na Faculdade de Integração do Sertão – FIS. E-mail: [email protected] 19 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. sobrevivência e do funcionamento das próprias coletividades humanas. Portanto, olhar a educação do ponto de vista da sociologia é compreender que se a pedagogia é o fundamento das práticas educacionais, as crenças, os valores e as normas sociais são os fundamentos da pedagogia. Por outro lado, quando se fala de educação moderna, na realidade está se fazendo referência a um fenômeno de origem relativamente recente que surge no cenário mundial a partir da Revolução Francesa, sendo dos Estados democráticos, a forma de sistemas nacionais de ensino. Portanto, para Ocaño (2010), a educação na modernidade significa a escola pública, laica, obrigatória e universal, implantada a partir do século XIX. É dessa forma que a pedagogia embutida nas práticas educacionais, se vinculam às normas e aos valores sociais. As normas são tanto as leis e regulamentos inscritos na estrutura jurídica, quanto às convenções estabelecidas no seio dos grupos sociais. Enquanto os valores são as escalas de aprovação e reprovação de critérios de julgamento de si e dos outros, que nunca são individuais, mas sim compartilhados pelos indivíduos na vida social. Portanto, para Durkheim, a educação é essencialmente o processo pelo qual se aprende a ser membro da sociedade, educação é socialização. Pois através da educação o ser individual transforma-se em ser social. Essa socialização se opera desde o nascimento, na família, porém é na escola que é sistematizada. Dessa forma, Durkheim (1985) entende a educação como sendo a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tendo por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio moral a que a criança, particularmente, se destine. Segundo Piaget (1977), falar de um direito à educação é, pois, em primeiro lugar, reconhecer o papel indispensável dos fatores sociais na própria formação do indivíduo e, mais, entender que as principais condições sociais do homem são adquiridas por transmissão exterior, desenvolvendo-se em função das interações sociais múltiplas e diferenciadas. Portanto, se pode dizer que a educação é um dos processos de formação da pessoa humana, inserindo estas na sociedade. Assim, no desenvolver deste artigo, serão tratados os obstáculos sociais atinentes ao acesso à educação. Passando pela questão das desigualdades sociais frente à educação, pela problemática da marginalidade e, utilizando a educação como forma de mudança e inclusão social. 20 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. AS DESIGUALDADES SOCIAIS FRENTE À EDUCAÇÃO A origem da desigualdade social na humanidade está diretamente ligada a relação de poder, estabelecida desde o princípio dos tempos, popularmente conhecida como a lei do mais forte. O homem sempre teve seu lugar de destaque, constituído através da força e da inteligência, em que, por meio de combates, através de um melhor uso das aptidões que possuem, estabelecia domínio e liderança sobre os demais, causando, assim, as primeiras relações de desigualdade social que se tem notícias no mundo. Uns detinham as melhores partes da caça, as melhores companheiras sexuais, as melhores moradias, enquanto que outros estavam fadados a morrer de fome ou nos enfrentamentos com os semelhantes mais fortes e inteligentes. Após o surgimento das relações de comércio, os tipos de desigualdades sociais foram se tornando mais e mais complexos e crescentes, principalmente com a consolidação do capitalismo e a expansão industrial. A antiga sociedade do período medieval estava, portanto, se transformando, inclusive no que diz respeito aos tipos de desigualdades que antes se davam apenas na relação de poderio entre senhores e vassalos, monarquia e plebe. Com a revolução industrial e a crescente relação comercial estabelecida em todo o mundo, passa a se perceber diferenças em todo o contexto social, e em esferas mais específicas das camadas sociais, como patrão e empregado. Uma das principais características do capitalismo é o acúmulo do capital que faz movimentar a economia. Então, quem detém o capital é quem possui as melhores condições de moradia, acesso aos recursos, educação, etc. Ao mesmo tempo, quem está do outro lado do sistema, que o faz funcionar, são os trabalhadores que não detém renda nem capital, estão na extremidade inferior da relação. Portanto, percebe-se assim um contexto de desigualdade social, gerada primordialmente pela diferenciação econômica entre pessoas, entre classes. Corroborando com esse entendimento, Rousseau (1989) declarara: Concebo uma espécie humana, duas espécies de desigualdade: uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste esta nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles. 21 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. A desigualdade social e a pobreza são problemas sociais que atingem a grande maioria dos países atualmente. No entanto, a pobreza existe em todos os países, pobres ou ricos, mas a desigualdade social é um fenômeno que afeta principalmente os países não desenvolvidos. Ademais a desigualdade social compreende diversos tipos de desigualdades, desde desigualdade de oportunidades, resultado, etc., até desigualdades de escolaridades, de renda, de gênero, entre outros. Sendo a desigualdade econômica a mais conhecida e habitualmente chamada de desigualdade social. É talvez por um efeito de inércia cultural que se toma o sistema escolar como um fator de mobilidade social, segundo a ideologia da escola libertadora, quando, ao contrário, tudo tende a demonstrar que esse é um dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência de legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural. Nesse sentido, conforme os ensinamentos de Bourdieu (2013), Justamente porque os mecanismos de eliminação agem durante todo o cursus1, é legítimo apreender o efeito desses mecanismos nos graus mais elevados da carreira escolar. Ora, vê-se nas oportunidades de acesso ao ensino superior o resultado de uma seleção direta ou indireta que, ao longo da escolaridade, pesa com rigor desigual sobre os sujeitos das diferentes classes sociais. Um jovem da camada superior tem oitenta vezes mais chances de entrar na universidade do que o filho de um assalariado agrícola e quarenta vezes mais do que um filho de operário, e suas chances são, ainda, duas vezes superiores àquelas de um jovem de classe média. É digno de nota o fato de que as instituições de ensino mais elevadas tenham também o recrutamento mais aristocrático. No entanto, não é suficiente enunciar o fato da desigualdade diante da escola, é preciso descrever os mecanismos objetivos que determinam a eliminação contínua das crianças desfavorecidas. Para Bourdieu, na realidade, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas do que diretas, certo capital cultural e certo ethos, sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. Uma análise multivariada, levando-se em conta não apenas o nível cultural do pai e da mãe, o dos avós paternos e maternos e a residência no momento dos estudos superiores e durante a adolescência, mas também uma soma de características do passado escolar, como, por exemplo, o tipo de estabelecimento de ensino, possibilita explicar os diferentes graus de êxito 1 Expressão latina empregada pelo autor para designar percurso efetuado pelo aluno ao longo de sua carreira escolar. 22 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. obtidos pelos diferentes subgrupos definidos pela combinação desses critérios, e isso sem apelar, absolutamente, para as desigualdades inatas. O nível de instrução dos membros da família e a residência são apenas indicadores que permitem situar o nível cultural de cada família, sem nada informar sobre o conteúdo da herança que as famílias mais cultas transmitem a seus filhos, nem sobre as vias de transmissão. Para Bourdieu (2013), as crianças oriundas dos meios mais favorecidos não devem ao seu meio somente os hábitos e treinamento diretamente utilizáveis nas tarefas escolares, e a vantagem mais importante não é aquela que retiram da ajuda direta que seus pais lhes possam dar. Elas herdam também saberes e um bom gosto, cuja rentabilidade escolar é tanto maior, quanto mais frequente esses imponderáveis da atitude são atribuídos ao dom. As atitudes dos pais e crianças de diferentes classes sociais a respeito da escola, da cultura escolar e do futuro oferecido pelos estudos são, em grande parte, a expressão do sistema de valores que eles devem à sua posição social. Isso explica como, em nível igual de êxito escolar, as diferentes classes sociais enviam à quinta série partes tão desiguais de suas crianças, invocando-se explicações, tais como a vontade dos pais. Essas mesmas condições que definem as atitudes dos pais e dominam as escolhas importantes da carreira escolar, regem ainda a atitude das crianças diante dessas escolhas. Ainda que o êxito escolar e a taxa de entrada na quinta série dependam da classe social, as desigualdades das taxas de entrada nessa série são mais afetadas pela origem social do que pela desigualdade de êxito escolar. Tal fato demonstra que os obstáculos são cumulativos, tendo em vista que as crianças de classes populares e médias que atingem em regra uma taxa de êxito menor, devem ter um êxito maior para que sua família e seus professores as estimulem a prosseguir seus estudos. O princípio que leva à seleção das crianças das classes populares e médias, se estabelecem de forma que as crianças dessas camadas sociais que, por falta de capital cultural, têm menos oportunidades que as outras de demonstrar um êxito excepcional devem, no entanto, apresentar um êxito excepcional para chegar ao ensino secundário. Nesse sentido, as estatísticas mostram que o crescimento da taxa de escolarização secundária dissimula o fato de que as crianças das classes populares devem pagar seu acesso a esse nível de ensino com um estreitamento considerável do campo de suas possibilidades de futuro. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, pois segundo dados da ONU, em 2005 o Brasil era o 8º país mais desigual do mundo. Alguns pesquisadores atribuem a persistente desigualdade brasileira a fatores que remontam ao Brasil Colônia, antes de 1930, ao 23 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. defenderem que são três os pilares coloniais que sustentam a desigualdade: a influência ibérica, os padrões de títulos de posse de latifúndios e a escravidão. Resta claro que essas variáveis contribuíram muito para a desigualdade brasileira continuar por séculos em níveis inaceitáveis. Entretanto, a desigualdade social no Brasil tem sido percebida nas últimas décadas, em decorrência do efetivo processo de modernização que tomou conta do país no início do século XIX. Agregado ao desenvolvimento econômico, cresceram também a miséria, as disparidades sociais, a concentração de renda, o desemprego, a fome que atinge milhões de brasileiros, a mortalidade infantil, a baixa escolaridade, a violência, expressando a que grau chegaram as desigualdades sociais no Brasil. Apesar de ser um país rico em recursos naturais, o Brasil é um país extremamente injusto no que diz respeito à distribuição de seus recursos entre a população. Um país rico, porém, com um número elevadíssimo de pessoas pobres, devido ao fenômeno da desigualdade social. A ONU mostra ainda como principais causas de tanta desproporcionalidade social, a falta de acesso à educação de qualidade, uma política fiscal injusta, baixos salários e dificuldades da população em desfrutar de serviços básicos oferecidos pelo Estado, como saúde, transporte público e saneamento básico. É extremamente delicado se realizar um estudo cuidadoso sobre o caráter assumido pela escola pública elementar num país onde a superação da pobreza jamais compôs efetivamente a pauta política nacional. No entendimento de Victor Vicent Valla (1994), A partir da investigação das práticas históricas de utilização instrumental da escola pública para a realização de ações que deveriam caber a outras políticas setoriais sociais, como saúde e assistência, fazendo uma análise original da escola pública fundamental, no Brasil, predominantemente “a escola dos pobres”. Possibilita uma melhor avaliação das funções estratégicas assumidas pela expansão escolar no processo histórico de formação do Estado brasileiro, bem como no contexto atual, de seu reajuste estrutural. Nesse sentido, empreende, igualmente, rico exame da história da contenção do acesso dos pobres aos direitos sociais no país, evidenciando a desigualdade como marca estrutural de nossa organização social, econômica e política. A desigualdade está muito mais presente do que se imagina, seja no contexto social, político, econômico, etc. Certamente, a solução mais eficiente para essas diferenças sociais, é o acesso a uma educação de qualidade, democraticamente garantida a todos os cidadãos, especialmente às crianças e adolescentes, por estarem em idade de formação da personalidade. Além disso, acabar com a ideia de que escola pública é para pobre e escola particular, para rico. O ideal que se deve alcançar é de que o ensino seja de qualidade e formador de cidadania, independentemente da escola, bairro ou preço. Só assim, se formam cidadãos investidos do 24 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. princípio da igualdade entre todos, conforme preceitua a Constituição Federal do Brasil, corroborado pelos ensinamentos de Bourdieu (2013), Para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção ás desigualdades iniciais diante da cultura. A igualdade formal que pauta a prática pedagógica serve como máscara e justificação para a indiferença no que diz respeito às desigualdades reais diante do ensino e da cultura transmitida. Assim, deve-se compreender que a educação é a principal forma de intervenção no mundo, de construção do conhecimento e de inclusão social. No entanto, os Estados não veem cumprindo satisfatoriamente o dever de disponibilizar o acesso à educação para todos, sem distinção de cor, sexo ou religião. O DIREITO À EDUCAÇÃO E O PROBLEMA DA MARGINALIDADE O contingente de crianças em idade escolar que sequer tem acesso à escola, já se encontra, a princípio, marginalizadas dela. De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011, o Brasil tem mais de 3,5 milhões de crianças e adolescentes, entre 4 e 17 anos, fora da escola. Segundo a pesquisa, o país possuía em 2011 um total de 45,5 milhões de crianças e adolescentes com idades entre 4 e 17 anos, idades estas correspondentes aos ciclos da préescola, ensino fundamental e ensino médio. É nessa faixa etária que é imprescindível que crianças e adolescentes estejam na escola, pois é por meio da educação que se dar a formação do cidadão, de sua personalidade. Além disso, foram identificadas, nesta mesma pesquisa, 13,2 milhões de pessoas que não sabiam ler nem escrever, tendo 15 anos ou mais de idade, ou seja, eram 8,7% do total da população, formados por analfabetos. Os simples dados acima indicados lançam de imediato a realidade da marginalidade relativamente ao fenômeno da escolarização. 25 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. A marginalidade considera que as minorias têm uma cultura diferente e inferior em relação à cultura dominante. E, portanto, a marginalidade social aplica-se à pessoa que se encontra à margem do contexto social, sem usufruir das oportunidades e privilégios, tais como a oportunidade de acesso à educação, moradia, saúde, dentre outra. Entretanto, de acordo com os ensinamentos de Demerval Saviani (2008), pode-se dizer que, em relação à questão da marginalidade, as teorias educacionais podem ser classificadas em dois grupos. No primeiro, tem-se a teoria que entende ser a educação um instrumento de equalização social, portanto, de superação da marginalidade. No segundo, estão as teorias que entendem ser a educação um instrumento de discriminação social, logo, um fator de marginalização. Diz ainda que, para o primeiro grupo, A sociedade é concebida como essencialmente harmoniosa, tendendo à integração dos seus membros. A marginalidade é, pois, um fenômeno acidental que afeta individualmente um número maior ou menor de seus membros, o que, no entanto, constitui um desvio, uma distorção que não só pode como deve ser corrigida. A educação emerge aí como um instrumento de correção dessas distorções. Constitui, pois, uma força homogeneizadora que tem por função reforçar os laços sociais, promover a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social. Enquanto o segundo grupo das teorias entende a sociedade como sendo essencialmente marcada pela divisão entre classes antagônicas que se relacionam à força, a qual se manifesta fundamentalmente nas condições de produção da vida material. Nesse contexto, a marginalidade é entendida como um fenômeno inerente à própria estrutura da sociedade. Sendo assim, a educação é totalmente dependente da estrutura social geradora da marginalidade e está longe de ser um instrumento de superação da marginalidade, convertendose num fator de marginalização, já que a sua forma de reproduzir a marginalidade social é a produção da marginalidade cultural, mais especificamente, escolar. A constituição dos sistemas nacionais de ensino tem origem em meados do século XIX e sua organização foi inspirada no princípio de que a educação é direito de todos e dever do Estado. Este direito de todos à educação decorria da sociedade correspondente aos interesses da nova classe que vinha a se consolidar no poder: a burguesia. Entretanto, para superar a situação de opressão, se fazia necessário romper a barreira da ignorância. Só assim seria possível transformar os súditos em cidadãos livres por serem esclarecidos. Assim, a causa da marginalidade se identifica com a ignorância. Pois, era marginalizado da nova sociedade, quem não era esclarecido. A escola surge neste contexto, como um antídoto à ignorância. O papel da escola era difundir os conhecimentos acumulados pela humanidade e 26 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. sistematizados logicamente. Mas, esta escola, além de não conseguir cumprir seu objetivo de universalização, ainda teve que se curvar ao fato de que nem todos os bem-sucedidos se enquadravam ao tipo de sociedade que se queria consolidar. As críticas à pedagogia tradicional, surgidas no final do século XIX, foram dando lugar à outra teoria da educação. A teoria mantinha a crença no poder da escola e em sua função de equalização social. Mas a esperança de corrigir as distorções do fenômeno da marginalidade por meio da escola sobreviveu. Pois se a escola não vinha cumprindo essa função, isto se devia ao tipo de escola implantado, de certo, inadequado. Para esta nova teoria, a marginalidade deixa de ser vista sob o âmbito da ignorância, ou seja, o marginalizado não é mais o ignorante, mas sim o rejeitado. Surge, assim, uma pedagogia que apresenta um tratamento diferente a partir da descoberta das diferenças individuais. Para Saviani (2008, grifos do autor) a grande descoberta é que Os homens são essencialmente diferentes; não se repetem; cada indivíduo é único. Portanto, a marginalidade não pode ser explicada pelas diferenças entre os homens, quaisquer que elas sejam: não apenas diferenças de cor, de raça, de credo ou de classe, o que já era defendido pela pedagogia tradicional; mas também diferenças no domínio do conhecimento, na participação do saber, no desempenho cognitivo. Marginalizados são os “anormais” [...] Mas a “anormalidade” não é algo, em si, negativo; ela é, simplesmente, uma diferença. Portanto, não é suficiente para caracterizar a marginalidade, que haja fenômenos associados à rejeição. Pois a educação é ferramenta de correção da marginalidade, na medida em que adaptar os indivíduos à sociedade, colocando neles o sentimento de aceitação dos demais; ao passo em que contribuir para a constituição de uma sociedade onde não importem as diferenças de quaisquer tipos, onde todos se aceitem mutuamente e se respeitem nas suas individualidades. No entanto, ao invés de resolver o problema da marginalidade, esta teoria o agravou. Ela enfatizou a qualidade de ensino, tirando a preocupação do âmbito político para o técnicopedagógico, realizando simultaneamente duas funções: manter a expansão da escola em limites suportáveis pelos interesses dominantes e desenvolver uma forma de ensino adequado a esses interesses. Em meados do século XX, esta teoria se mostrava com sinais de exaustão. Uma triste desilusão se alastrava nos meios educacionais. Articulando-se, por conseguinte, uma nova teoria, a partir do pressuposto da neutralidade científica e dos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade. Teoria esta que buscava planejar a educação de modo a dotá-la de 27 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. uma organização racional, capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência. Diante disso, se deu a padronização do sistema de ensino a partir de esquemas de planejamento previamente formulados aos quais devem se ajustar as diferentes disciplinas e práticas pedagógicas. Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor; e se na pedagogia nova esta iniciativa desloca-se para o aluno; na pedagogia tecnicista, em questão, o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária, num processo cuja concepção, planejamento e controle ficam a cargo de especialistas habilitados, objetivos, imparciais. Para esta teoria, então, a marginalidade não será identificada com a ignorância nem com a rejeição. O marginalizado será o incompetente, ineficiente e improdutivo. A educação virá a contribuir para vencer à marginalidade ao passo em que formar pessoas eficientes, aptas a contribuir para o aumento da produtividade social. E, portanto, a equalização social é identificada com o equilíbrio do sistema. Após analisar as três teorias, Demerval Saviani (2008) conclui que estas concebem a marginalidade como um desvio, tendo a educação por função, a correção desse desvio. A marginalidade é vista como um problema social, e a educação, que dispõe de autonomia em relação à sociedade, estaria, por esta razão, capacitada a intervir eficazmente na sociedade, transformando-a, tornando-a melhor, corrigindo as injustiças. A EDUCAÇÃO NO PROCESSO DE MUDANÇA SOCIAL Não há como se falar em mudanças, sem se fazer referência á Paulo Freire, tendo em vista que este tema, assim como o tema da conscientização, acompanha todas as suas obras. Ele trata da mudança de uma sociedade de oprimidos para uma sociedade de iguais, e o papel da educação, nesse processo de mudança, é a sua preocupação principal. Segundo Moacir Gadotti, no prefácio da obra de Paulo Freire, intitulada Educação e Mudança, do ano de 1983, “Paulo Freire combate a concepção ingênua da pedagogia que se crê motor ou alavanca da transformação social e política. Combate igualmente a concepção oposta, o pessimismo sociológico que consiste em dizer que a educação reproduz mecanicamente a sociedade”. Assim, surge um pensamento pedagógico que leva o educador a se engajar social 28 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. e politicamente, a perceber as possibilidades da ação social e cultural na luta pela transformação das estruturas opressivas da sociedade. Contudo, na sociedade evidencia-se de um lado, o poder abusivo, as influências políticas, a corrida pelo poder e pelo consumo, de outro, a falta de conhecimento do povo, a falta de engajamento político, a omissão dos reais agentes de transformação, a alienação dos menos favorecidos. Nesse contexto, a educação tão fundamental para mudança social, vem exercendo sua função de forma distorcida, onde o papel principal é legitimar os interesses da classe dominante. Percebendo-se assim, o descompasso entre a educação e as transformações na sociedade. Para Émile Durkheim, um dos principais teórico da educação liberal, a educação atua como agente de mudanças, ou seja, é provocador de modificações sociais e culturais na sociedade envolvente. Dessa forma os educadores, principalmente os do ensino fundamental, poderiam promover alterações no comportamento individual dos alunos e, através deles, da sociedade. Foi Durkheim quem primeiro definiu o conceito de educação escolar moderna, pois os pensadores que o procederam diziam como a educação deveria ser, mas ele disse o que a educação é, a ação exercida pelos adultos sobre aqueles que ainda não estão maduros para vida social. Essas ideias de Durkheim vieram a influenciar o educador John Dewey, um dos principais pensadores da educação no século XX. Para Dewey (1978), a escola deve educar para o tipo de sociedade que pretende estabelecer. Sendo assim, à medida que a escola produzir pessoas diferentes, contribuirá para a melhoria dessa sociedade. “a escola não é uma preparação para a vida; a escola é a própria vida”, significa que o papel da escola é vivenciar em seu cotidiano todos os comportamentos que deveriam promover a vida social. Logo, a escola se tornará um viveiro de novos e melhores predicados, como a democracia e o desenvolvimento social, que surgirão naquela sociedade. Assim, a educação pode ser interpretada como a porta de entrada para mudança de paradigma. Vive-se num momento de transformações de estruturas, tais como: globalização, revolução tecnológica, formação de blocos econômicos. É preciso democratizar essas informações com a finalidade de dar ao homem condições que lhe permita entender os contextos históricos, sociais e econômicos em que estão inseridos. Tais pressupostos dão base ao homem para uma perspectiva de inclusão social numa convivência justa, pacífica e de respeito às diferenças. Em Pedagogia do oprimido (2011), Freire crer numa educação que contribua para a democratização por meio de um movimento de homens e mulheres que dedicam suas vidas a 29 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. transformar a realidade. A educação pensada por ele, deve ser para a promoção do homem como sujeito-histórico, movido por um compromisso ético e político com a superação de todas as formas de opressão. Paulo Freire reconhece ainda que a educação é essencialmente de conhecimento e de conscientização e que, por si só, não leva uma sociedade a se libertar da opressão. E tem o mérito não apenas de denunciar uma educação supostamente neutra, mas de distinguir com clareza a pedagogia das classes dominantes da pedagogia das classes oprimidas. Uma conscientização que parte apenas do educador, limitada ao ambiente escolar, é insuficiente para construir uma verdadeira mudança social. Pois a educação e o papel do educador não se resumem a isso. Se em alguma época o papel do educador parecia ser esse, ultimamente, o pedagogo, intelectual engajado, cimentado com o oprimido, não pode limitarse a conscientizar dentro da sala de aula. Deverá aprender a se conscientizar com a massa. Ademais, não se pode ignorar que a educação é sempre um ato político. Os que defendem o contrário, afirmam que o educador não pode fazer política, defendem uma política de despolitização. Mas, se ao contrário, se a educação brasileira sempre ignorou a política, a política nunca ignorou a educação. A educação sempre foi política e sempre esteve a serviço das classes dominantes. Para falar na educação no processo de mudança social, não é possível refletir sobre o que é a educação, sem juntamente refletir sobre o próprio homem. Pois não haveria razão de existir a educação, se o homem fosse um ser acabado. Conforme os ensinamentos freireanos, o homem pode fazer uma reflexão sobre si e se colocar num dado momento, numa certa realidade de que é um ser que busca constantemente ser mais, e se descobrir como um ser inacabado, que está em constante busca. Para Freire, esta sim é a raiz da educação. Para tanto, existem concepções que envolvem ou são envolvidas pelos homens que procuram a plenitude, fazendo com que a sociedade esteja em constante mudança. Pois existem fatores que rompem o equilíbrio e daí os valores começam a decair, não correspondendo aos novos anseios da sociedade. Mas, como a sociedade não morre, os novos valores começam a buscar a plenitude. É este período acima descrito que se chama transição, e toda transição é uma mudança, visto que não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada. Além disso, existe uma série de fenômenos sociológicos que têm ligação com o papel do educador. Para Freire, nesta etapa da sociedade, existem as massas populares espectadoras passivas. Quando a sociedade se incorpora nessas massas, começa um processo chamado democratização. As massas populares começam a se procurar e a procurar seu processo 30 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. histórico. As massas descobrem na educação um canal para um novo status2 e começam a exigir mais escolas. Começam a ter um desejo que não tinham, surgindo uma correspondência entre a manifestação das massas e a reivindicação. As massas passam a exigir voz e voto no processo político da sociedade, percebem que outras pessoas têm mais facilidades e vantagens que eles e descobrem que a educação lhes abre uma perspectiva. Às vezes emergem em posição ingênua e de rebelião ao se depararem com alguns obstáculos. Querem ainda as massas, participar mais da sociedade, no entanto, acham esta ideia absurda e criam instituições de assistência social para domesticá-las. Mas uma sociedade justa dá oportunidade às massas para que tenham opção, mesmo não sendo a opção dada a elite, e sim a própria opção das massas. Para tanto, a educação, como diretriz para mudança social, perpassa pelo projeto político pedagógico, a qual deve ser articulada por uma gestão participativa que visualize a dinamicidade do currículo na comunidade escolar e de seu entorno. No entanto, os projetos não podem permanecer apenas nas mentes dos diferentes grupos, não é suficiente, que existam projetos pensados coletivamente, é necessário que os projetos e os seus pensadores assumam uma dimensão política de forma a defender formas de superação da realidade social. As mudanças no âmbito educacional dependem primordialmente da vontade política dos diversos grupos que fazem a educação em suas variadas instâncias, a começar pela comunidade escolar, que deve atuar de forma ativa buscando soluções para a problemática vigente da escola e da comunidade. Para um desenvolvimento satisfatório da escola, é preciso instituir uma relação horizontal, onde faça valer a liberdade de falar, sugerir e buscar soluções para o bom caminhar da escola. A socialização e a participação ativa do indivíduo na sociedade contribuem d certa forma, para estimular uma reflexão sobre a realidade sociocultural, educativa e tecnológica e, também o encaminhamento, das inovações e evolução social, pois, o currículo tem que está com seus objetivos entrosados com os avanços sociais. Da mesma forma que os alunos precisam construir conhecimentos para viverem em sociedade, também se faz necessário trabalhar com toda gama de valores, atitudes e sentimentos essenciais a sua existência numa sociedade em transformação. Acredita-se, portanto, que a educação tem como função promover mudanças na sociedade e, sabe-se que, a democracia, por preservar os princípios da igualdade e da 2 Status é um termo oriundo do latim e significa a posição social de um indivíduo, o lugar que ele ocupa na sociedade. 31 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. fraternidade, mantém abertos os caminhos para a construção da liberdade e da justiça entre os homens e as nações. Compreende-se que muito há que se fazer a favor da instalação e consolidação de formas verdadeiramente mais justas e democráticas de convivência entre as pessoas e instituições que integram a sociedade. Para que se faça cumprir a função da escola é preciso que além de desenvolvimento da aprendizagem cognitiva o homem também aprenda sobre solidariedade. INCLUSÃO SOCIAL POR MEIO DO DIREITO À EDUCAÇÃO Neste ponto faz-se uma abordagem sobre a questão do direito à educação em uma perspectiva para além do texto constitucional. Pois não basta o Estado dá o direito à educação, se faz necessário ainda que o ensino público seja de qualidade, igual para todos, formador de cidadãos e sintonizado com a inovação científico-tecnológica. Pois o momento em que se vive, clama por uma educação que tenha como eixo principal, a formação para o exercício pleno da educação. Sobre cidadania Covre (2002) enfatiza que, As pessoas tendem a pensar a cidadania apenas em termos dos direitos a receber, negligenciando o fato de que elas próprias podem ser o agente da existência desses direitos. Acabam por revelar os deveres que lhes cabem, omitindo-se no sentido de serem também, de alguma forma, parte do governo, ou seja, é preciso trabalhar para conquistar esses direitos. Em vez de meros receptores, são acima de tudo sujeitos daquilo que podem conquistar. Dessa forma, é de fundamental importância que o Poder Público, através da legislação, proponha diretrizes que almejem à melhoria do processo educativo, garantindo além da aprendizagem do aluno, a capacidade de cada um aplicar os conhecimentos adquiridos, nas mais diversas situações da vida cotidiana, fazendo pleno gozo da sua cidadania. Visto que a educação deve criar nos indivíduos a capacidade de compreender os seus direitos diante dos problemas que afligem a sociedade contemporânea e a capacidade de desempenhar ações que permitam reverter esta situação em prol de uma sociedade mais justa e comprometida com o bem comum. Conforme preceitua John Dewey (1953), se tem visto que uma comunidade ou grupo social se sustenta mediante uma contínua auto renovação, e que esta renovação tem lugar por meio do desenvolvimento educativo dos membros imaturos do grupo. A educação é, assim, um processo de estimulação, de nutrição e de cultivo. Todas estas palavras significam que aquela 32 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. supõe uma atenção as condições de crescimento. Etimologicamente, a palavra educação significa justamente um processo de dirigir ou repassar, ou seja, o ato de repassar conhecimentos. Os sistemas de ensino atualmente não têm incorporado essa nova dimensão do desenvolvimento dos indivíduos, como cidadãos, a partir da construção, via Constituição, do conceito de cidadania. O direito à educação exige uma resposta para os valores da cidadania social e política, a qual requer uma reinterpretação do sentido de inclusão social que transcenda o sentido dado pelo direito, a partir da perspectiva do desenvolvimento social. Para Eliane Ferreira de Sousa (2010), o tema da inclusão social é tratado como um dever. O seu processo de construção conceitual é constante, caminha em paralelo com a concretização do próprio direito à educação e com desenvolvimento técnico-científico. A ideia parte do fato de que a verdadeira inclusão social exige a superação da racionalidade técnica, hoje presente nos discursos sobre a educação. Na realidade do mundo de hoje, apenas existe o lado do capital. Os indivíduos vêm passando de escravo a servo, de servo a súdito, de súdito a cidadão e de cidadão a consumidor. Tendo em vista que na atualidade, quem não consome não têm direitos, pois não é útil ao sistema voltado ao lucro. Neste contexto, quem não consome é excluído, e os excluídos não têm direitos. É como defende Bittar (2004): Numa sociedade marcadamente influenciada pelo ideal do capital (lucro como meta de vida), pelo valor material (ter no lugar de ser), pela dimensão da vantagem pessoal na organização das relações humanas (reificação das relações interpessoais), sem dúvida alguma será o despossuído a nova figura a ser demonizada. Então, o despossuído será o desviante, por não ter condições de estar incluído nas múltiplas dimensões da vida socioeconômica contemporânea, carecendo de acesso ao emprego, a condições dignas de vida, informação e participação nas decisões sociais. Estar fora do mercado é o decreto suficiente dado pela sociedade para o princípio do processo de degradação da pessoa humana, nisso envolvido seu esquecimento, seu desprezo, a diminuição de sua liberdade, a castração de seu acesso a bens etc. estar fora do mercado é sinônimo de estar fora da dimensão de inclusão social e, portanto, tornar-se um convidado a participar da divisão do grande bandejão da miséria social, do refugo do que a própria sociedade é capaz de produzir, exatamente porque é incapaz de distribuir adequadamente. Por sua vez, Foucault (1996) defende que existem em nossa sociedade alguns princípios de exclusão, tais como o da separação e da rejeição. Para ele, o sistema de exclusão apoia-se sobre um suporte institucional: é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um compacto conjunto de práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, da edição, 33 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. das bibliotecas, como as sociedades de sábios outrora, os laboratórios hoje. Mas ela é também reconduzida, mais profundamente sem dúvida, pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído. Assim, o ser humano foi gradativamente sendo reconhecido, pois a pessoa humana possui valores que lhes são inerentes e, por isso, não podem ser relativizados, tendo em vista serem intrínsecos à condição humana. De acordo com Nunes (2002), o conceito de dignidade foi sendo elaborado no decorrer da história e chega ao início do século XXI como um valor supremo, construído pela razão jurídica e pela prática social. Desta forma, a dignidade pode ser entendida como qualidade daquele que é digno, merecedor de respeito e de consideração, qualidade esta inerente a todo ser humano. A educação como pilar da ideologia liberal, passa por um grave perigo de se transformar em apenas mais uma mercadoria no setor de serviços. Dessa forma, a educação fica prestes a perder o seu caráter de bem social para tornar-se nada mais que um serviço do setor terciário. Nesse caso, fica a cargo do Estado encarar a educação como um valor social, um bem intangível, sob pena de se tornar igual a qualquer outro tipo de serviço, atentando contra a soberania nacional, o desenvolvimento e a cultura do país. A inclusão social, por sua vez, obrigatoriamente, passa pelo desenvolvimento tecnológico, econômico, político e social. Sendo o alicerce desse desenvolvimento, a inovação tecnológica, que influencia a capacidade de geração de riqueza e acumulação de poder. Na proporção em que se tem conhecimento, mais possibilidades existem de se romper as barreiras dos mínimos existenciais. Entretanto, hoje, a maior barreira não é encontrar informação, mas sim ter acesso a uma informação de qualidade, que permita potencializar o desenvolvimento dos indivíduos, e assim, se tornem menos distantes da exclusão social, que tem como principal ingrediente, a falta de informação. Nesse contexto Sousa (2010, grifos do autor) ainda afirma que, Na contemporaneidade, em que vai se constituindo a chamada “sociedade do conhecimento”, a distância entre pobres e ricos aumenta também por causa do acesso aos conhecimentos disponíveis e às novas formas de linguagem que necessitam de uma socialização própria. Essa distância também tem aumentado a distância entre países ricos e pobres, no momento em que o conhecimento tem-se constituído em mais-valia intelectual e base para o desenvolvimento autossustentado dos países. Por isso, proporcionar aos indivíduos uma educação de qualidade é dever da escola, garantido constitucionalmente, como requisito essencial ao desenvolvimento social. Educar 34 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. cientificamente é preparar para o futuro, formar cidadãos conscientes e críticos. No entanto, são muitos os obstáculos para se conseguir implementar políticas públicas voltadas para a democratização do acesso ao conhecimento, como por exemplo, deficiências na formação docente, escassez de recursos financeiros, entre outros. Por isso se faz necessário dominar mais metodologias e linguagens, estar sempre conectado em rede. Não é mais possível ter um modelo que reserve a educação científica apenas a uma elite. É imprescindível que todos os setores da população tenham acesso ao conhecimento científico para que estejam aptos a compreender o mundo e, assim, conquistar uma melhor qualidade de vida. Medeiros (2001), ver o direito à educação fundamental como uma ferramenta para atingir o desenvolvimento econômico e social, bem como erradicar a pobreza e as desigualdades. Pode-se dizer ainda que este direito está estreitamente relacionado com as políticas sociais e econômicas que devem ser instituídas pelos governos. Dessa forma, o direito à educação advém do reconhecimento de que o saber é mais do que uma simples herança cultural. O cidadão é parte integrante da herança cultural e, assim sendo, torna-se capaz de se apossar de padrões cognitivos e formativos através dos quais se passa a ter maiores possibilidades de atuar nos destinos de sua sociedade e contribuir na sua transformação. E então Sousa (2010) afirma que, Para alcançar o objetivo constitucional de preparar o cidadão para o exercício da cidadania e para o trabalho, deve-se reconhecer que a necessidade do ensino não se encerra no âmbito do aprimoramento pessoal. É preciso que se dê ao fundamental do ensino um sentido mais abrangente, como sendo fundamental também para o Estado, que necessita do indivíduo para alcançar a sua meta de desenvolvimento. Nesse aspecto, o acesso de todos a um ensino de qualidade amplia a competência do país para operar transformações e cria um clima favorável para mudanças. O direito à educação, nesse ponto, é o que possibilita o crescimento do cidadão e o faz ter estima e admiração por si próprio. No atual contexto brasileiro, percebe-se que o ensino tem se apresentado insuficiente, no que diz respeito à quantidade de vagas disponibilizadas para atender o número de alunos, se tendo como um dos maiores desafios à melhoria de sua qualidade. Com a perspectiva de incluir aqueles que se encontram em processo de exclusão social, a escola possibilita aos seus alunos fazerem parte da sociedade em que vivem. 35 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. A escola enquanto ferramenta social deve compreender as mais diversas formas de exclusão social as quais possam estar acontecendo, desde questões quem envolvam a violência urbana, atitudes discriminatórias, de etnia, de gênero, de sexo, de classe social, etc., reprovações até a evasão escolar, que por vezes é provocada pela necessidade do aluno de trabalhar para ajudar na renda familiar, no sustento de sua família e seu próprio sustento. Assim, diante deste contexto social, a escola deixa de ser apenas uma instituição responsável por transmitir conhecimento, existindo a necessidade de entender todos os aspectos sociais que permeiam a existência do aluno. Tal existência é marcada por conflitos envolvendo a prostituição e o trabalho infantil, as diferentes formas de violência, o alcoolismo e uso de drogas, entre outros. Portanto, se faz imprescindível a identificação e posterior encaminhamento e atendimento a essas demandas para que o corpo técnico da escola possa dar continuidade em seu trabalho pedagógico. Então, é essencial criar uma rede de atendimento multiprofissional e ao mesmo tempo interdisciplinar no interior da escola, é uma saída para que o aluno possa, além de ter garantido seu direito à educação, também tenha atendido outros direitos básicos que configuram sua existência humana. CONCLUSÃO Percebe-se, dessa forma, que os problemas sociais que dificultam o acesso à educação, tanto são vários, como são graves. As desigualdades sociais, bem como a marginalidade, por exemplo, não são problemas fáceis de solucionar, principalmente em países pobres ou em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Atualmente o mundo encontra-se marcado por contrastes e desigualdades de recursos, oportunidades e direitos. Onde, cada vez mais, uns poucos concentram muito e a grande maioria sofre escassez e exclusão. Não se trata apenas de recursos financeiros, mas de outros bens e direitos, como espaço de participação, voz ativa, poder de decisão, informação e oportunidades de aprendizagem. Um dos principais sintomas das falhas que impedem a civilização de atingir o bem comum é a desigualdade que pode ser a que se deve às características individuais de cada ser humano ou aquela causada por circunstâncias sociais. A primeira forma de desigualdade pode ser considerada natural, no entanto, esta segunda deve ser combatida. Pois esta segunda forma 36 CAVALCANTI, Ana Paula A. N.. Barreiras sociais à democratização do acesso à educação. In: Construindo Direito – Periódico eletrônico do curso de Direito da Faculdade de Integração do Sertão – FIS, Serra Talhada, ano VI, v. 1, p. 19-38, jan.-jun. 2016. ISSN 2177-9481. de desigualdade, se caracteriza como nociva e teria suprimido gradativamente a liberdade dos indivíduos, e em seu lugar restaram artifícios como o culto das aparências e as regras de polidez. No caso do Brasil, apesar da garantia do direito à educação ser prevista na Constituição Federal, na prática existem inúmeros fatores tanto sociais, como políticos e econômicos, que formam barreiras à democratização desse direito que é fundamental à formação do cidadão, da sua personalidade, da sua dignidade enquanto ser humano. Portanto, apesar dos problemas sociais serem obstáculos ao acesso à educação, é a educação que pode causar mudanças sociais e, por conseguinte, a inclusão social dessas pessoas menos favorecidas. Ou seja, ao mesmo tempo em que esses problemas impedem o acesso das crianças à escola, é a própria escola que vai possibilitar a formação da cidadania e dignidade humana nessas pessoas, possibilitando assim, a inclusão social. Dessa forma, se conclui que a educação é a principal forma de resolver as desigualdades sociais, a marginalidade, a violência infantil, a prostituição infantil, etc. É preciso que existam políticas públicas educacionais que consigam garantir o acesso de todas as crianças à escola. No entanto, não se faz suficiente apenas o acesso à escola, é imprescindível que o ensino seja de qualidade, que a escola possua estrutura adequada, que haja acompanhamento psicopedagógico individual a cada problema específico. REFERÊNCIAS BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. 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