Adenocarcinoma gástrico - Faculdade de Ciências Médicas da

Propaganda
CARTA AO EDITOR
Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo
2015. [No prelo].
Adenocarcinoma gástrico
Gastric adecarcinoma
Albert Salviano dos Santos1, Lívia Castellari Burchianti1, Natália Aranha Netto1,
Vitor Augusto Petrilli Mazon1, Carlos Alberto Malheiros2
Prezado Editor,
fatores genéticos, citam-se a raça amarela, o grupo
sanguíneo A, a inativação de genes supressores p53 e
DCC e a redução da E-caderina. Parentes em primeiro
grau de pacientes com adenocarcinoma gástrico possuem duas a três vezes mais chance de desenvolver a
doença. Pacientes com polipose adenomatosa familiar
e polipose juvenil também possuem maior risco. A
importância da identificação desses fatores de risco
ficou evidente nos últimos 10 anos, com a diminuição
da incidência de câncer gástrico e com o diagnóstico
precoce em populações de risco, melhorando o prognostico dos doentes(4-6).
Apresentamos o relato de um doente atendido na
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo no período
de junho-julho de 2014, um caso típico de adenocarcinoma gástrico. Paciente A.J.S., 65 anos, casado, comerciante, natural de Alagoas e procedente de São Paulo,
deu entrada pelo ambulatório de cirurgia geral e do
estômago da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia
de São Paulo com queixa de vômitos pós-prandiais
há dois meses. Relatava dor em queimação em região
epigástrica, de média intensidade, associada a vômitos
pós-prandiais, náusea e uma perda ponderal de 10 kg
em 1 mês, negava febre.
Paciente com antecedente pessoal de tabagismo
(100 anos/maço). Negava doenças, uso de medicações
ou antecedentes familiares de neoplasia ou doenças
gástricas.
Ao exame físico apresentava-se em regular estado
geral, corado, desidratado, emagrecido, com abdome
escavado, doloroso em região epigástrica, sem massas
palpáveis, exames laboratoriais dentro dos limites da
normalidade.
Realizou endoscopia digestiva alta que mostrou:
esôfago limpo, com calibre e peristaltismo habituais,
estômago com capacidade e elasticidade diminuídas
com parede espessada em região antral devido à
tumoração subestenosante. A biopsia evidenciou adenocarcinoma gástrico pouco diferenciado com células
em anel de sinete em mucosa gástrica, com padrão de
transição antro-corpórea, ulcerada.
A partir desses achados e da avaliação clínica do
paciente foi optado pelo tratamento operatório. Foi
realizada gastrectomia total com linfadenectomia
O câncer gástrico é uma das neoplasias malignas
mais comuns e apresenta alta mortalidade, sendo
considerado a segunda causa de morte por câncer
mundialmente. Aproximadamente 22.220 pacientes
são diagnosticados anualmente nos EUA, dos quais
10.990 possuem prognostico reservado. O adenocarcinoma representa 95% de todos os cânceres gástricos,
dentre os 5% restantes, incluem-se os linfomas, e os
sarcomas/ Tumores estromais gastrointestinais. No
Brasil, o adenocarcinoma está entre as três primeiras
causas de morte por câncer no sexo masculino e entre as cinco primeiras nas mulheres. Sua incidência é
maior entre homens, na proporção de 2:1, sendo mais
frequente entre 50 e 70 anos, com pico por volta dos 70
anos em ambos os sexos. O adenocarcinoma apresenta
alta prevalência em países da Ásia como o Japão e a
Coréia do Sul, além de países andinos como o Chile(1).
Dentro desse cenário procuramos revisar os principais fatores de risco para o adenocarcinoma gástrico, relatar um caso típico correlacionando com seus
principais sinais e sintomas, revisar a classificação do
adenocarcinoma gástrico e discutir o diagnóstico e as
diferentes abordagens para tratamento curativo ou paliativo dessa neoplasia tão prevalente em nosso meio.
O desenvolvimento do adenocarcinoma gástrico
é multifatorial, envolvendo tanto aspectos ambientais
como genéticos. Dentre os fatores de risco ambientais(2), é importante citar o tabagismo, a infecção pelo
Helicobacter pylori(3-6), populações de baixa renda, trabalhadores em indústrias de carvão e níquel, dieta com
alto teor de sódio, consumo de alimentos contendo
nitrosaminas e benzopireno, entre outros. Dentre os
1. Acadêmico da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de
São Paulo - 6° Ano do Curso de Graduação em Medicina
2. Professor Titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa
Casa de São Paulo – Departamento de Medicina
Trabalho realizado: Faculdade de Ciências Médicas da Santa
Casa de São Paulo – Departamento de Cirurgia
Endereço para correspondência: Albert Salviano dos Santos.
Rua Santa Rita do Oeste, 138, Vila do Encontro, 04323-060 – São
Paulo – SP – Brasil. Email: [email protected]
1
Santos AS, Burchianti LC, Netto NA, Mazon VAP, Malheiros CA. Adenocarcinoma gástrico. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2015. [No Prelo].
D2 e reconstrução de Warren modificada. A peça
retirada apresentava lesão tipo IV na classificação de
Borrmann, T4A (invasão da serosa sem invasão de
órgãos adjacentes).
nodal. É subdividido em Tipo I (protruso), Tipo IIa
(superficial elevado), Tipo IIb (superficial plano), Tipo
IIc (superficial deprimido) e Tipo III (escavado). A importância do diagnóstico de tumores na fase precoce
está na alta possibilidade de cura com procedimentos
minimamente invasivos, através de abordagem endoscópica. Para o adenocarcinoma gástrico avançado,
utiliza-se a classificação macroscópica endoscópica de
Borrmann(8), que subdivide-se em: Borrmann I (lesão
polipóide ou vegetante, bem delimitada), Borrmann II
(lesão ulcerada, bem delimitada, de bordas elevadas),
Borrmann III (lesão ulcerada, infiltrativa em parte ou
em todas as suas bordas) e Borrmann IV (lesão difusamente infiltrativa, não se notando limite entre o tumor
e a mucosa normal – linite plástica).
Em relação ao quadro clínico, o adenocarcinoma
gástrico geralmente não possui sintomatologia importante em um estágio precoce e muitas vezes, no diagnostico, a doença se encontra em estágio avançado. Os
sintomas mais comuns incluem perda de peso, vômitos e dor abdominal (geralmente epigástrica). Náusea,
hiporexia e dispepsia também podem ocorrer. Tumores
da cárdia ou próximos à junção esofagogástrica podem
cursar com disfagia, enquanto que tumores em regiões
mais distais (como piloro) podem exibir sintomas de
obstrução digestiva alta, com vômitos alimentares.
Outros sinais clínicos que se desenvolvem tardiamente
com a evolução da doença, muitas vezes relacionados
ao processo de metástase, são massa abdominal palpável, linfonodo supraclavicular esquerdo (de Virchow)
ou periumbilicais (de Sister Mary Joseph), metástases
peritoneais palpáveis pelo toque retal (prateleira de
Blummer), ou massa ovariana (tumor de Krukenberg).
O diagnóstico se baseia em biópsia obtida por Endoscopia Digestiva Alta (EDA) e no exame citológico
do escovado de mucosa. A EDA possibilita o início do
estadiamento, podendo indicar também se o tumor é
precoce ou avançado, seu tamanho e sua localização.
A sensibilidade de uma biópsia isolada é de 70%,
podendo aumentar para até 98% quando realizadas
sete biópsias.
O sistema de estadiamento utilizado é o TNM(9),
que leva em consideração a invasão tecidual do tumor, os linfonodos acometidos e a presença ou não
de metástase. Habitualmente são realizados exames
de imagem tais como Tomografia Computadorizada de abdômen e tórax ou Ressonância Magnética,
Ultrassom Endoscópico ou ainda videolaparoscopia
diagnóstica.
O principal tratamento do adenocarcinoma gástrico é a ressecção do tumor, seja ela cirúrgica ou endoscópica(10-11). A cirurgia-padrão com intuito curativo
é a gastrectomia com linfadenectomia D2 (linfadenectomia estendida determinada pela localização do tumor). Com a dissecção linfonodal cuidadosa podemos
Figura 1- Peça cirúrgica mostra linite plástica
Paciente evoluiu bem, estável hemodinamicamente, com boa aceitação da dieta e ausência de dor,
recebendo alta hospitalar após três semanas de internação. O estudo anatomopatológico evidenciou adenocarcinoma gástrico com células em anel de sinete,
de padrão pouco diferenciado, medindo 17 cm em seu
maior eixo, do tipo Borrmann 4, com acometimento
da serosa e invasão sanguínea, linfática e perineural.
Uma das principais classificações de adenocarcinoma gástrico é a histológica de Lauren, que subdivide
os tumores em tipo intestinal e tipo difuso. O tipo
histológico mais frequente é o intestinal, resultado de
um processo inflamatório que se inicia com gastrite
crônica, progredindo para gastrite atrófica, para metaplasia intestinal, displasia e adenocarcinoma. Este tipo
normalmente é bem ou moderadamente diferenciado,
tem melhor prognostico, acomete preferencialmente
idosos e localiza-se mais comumente no antro e na
pequena curvatura. O tipo difuso não apresenta caracteristicamente lesão precursora, é indiferenciado,
costuma progredir rapidamente, tem alto poder metastatizante e possui prognostico reservado, acomete
principalmente indivíduos jovens. Com frequência,
o tipo difuso pode se apresentar como linite plástica,
resultado da tendência do tumor em invadir a parede
gástrica, muitas vezes infiltrando grande parte de
sua extensão, acarretando em rigidez e espessamento
da parede. Do ponto de vista histológico é comum
apresentar-se em padrão de “anel de sinete”.
Outra classificação de extrema importância é a
que divide o adenocarcinoma gástrico em precoce e
avançado(7). O precoce é aquele que não ultrapassa
a submucosa, independente do acometimento linfo-
2
Santos AS, Burchianti LC, Netto NA, Mazon VAP, Malheiros CA. Adenocarcinoma gástrico. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2015. [No Prelo].
da peça, porém havia um acometimento difuso do
órgão, o que justificaria a gastrectomia total realizada
e a tornaria cirurgia de escolha.
Devido ao diagnóstico tardio desse tipo de tumor,
a conduta cirúrgica muitas vezes não interfere na
sobrevivência do doente, porém pode melhorar sua
qualidade de vida.
O adenocarcinoma gástrico é uma neoplasia
maligna muito prevalente em nosso meio, estando
muitas vezes associado à alta mortalidade. A ressecção
cirúrgica é a única possibilidade real de tratamento
curativo. No entanto, esse objetivo nem sempre é
passível de ser atingido, seja pela extensão do tumor
no momento do diagnóstico ou pela impossibilidade
clínica do paciente em ser submetido a tal procedimento. Dessa maneira, é obrigatório considerar com
atenção o binômio risco-benefício e assim optar pela
conduta mais adequada a cada paciente, visando à
cirurgia curativa ou com finalidade paliativa.
melhorar o estadiamento cirúrgico, aumentar o grau
de cura e melhorar o prognostico do paciente. O tipo
de gastrectomia a ser feita dependerá basicamente da
localização do tumor e da margem cirúrgica desejada.
Em tumores proximais são realizadas as gastrectomias
totais, enquanto que nos tumores mais distais, principalmente se forem bem diferenciados, pode-se realizar
a gastrectomia subtotal. Quanto ao tipo de reconstrução a ser realizada, existem várias opções a serem
consideradas, como a Billroth I, a Billroth II, a Warren
modificada e a reconstrução em Y de Roux, todas com
seus prós e contras. A escolha depende da localização
do tumor e atualmente, a preferência da maioria dos
serviços é pela reconstrução em Y de Roux(4,10).
Outra possibilidade de tratamento é a ressecção
endoscópica, que poderá ser realizada em tumores
precoces, restritos à mucosa, bem diferenciados, sem
ulceração e menores que 2 cm(11). Da mesma maneira,
também se deve considerar como possibilidade para
o adenocarcinoma gástrico precoce, o tratamento
laparoscópico(12).
A quimioterapia tem sido empregada como neoadjuvante ou adjuvante no tratamento. Atualmente,
preconiza-se, além da ressecção do tumor, o emprego
de quimioterápicos em tumores T3/T4 ou N1/N2/N3.
A radioterapia tem sido cada vez menos utilizada(12).
Epidemiologicamente o paciente é homem, têm
mais de 50 anos, tabagista 100 anos/maço, baixa renda
e apresentou o adenocarcinoma que corresponde a
95% dos tumores dessa região. Com relação à clínica
se apresentou assintomático até que a neoplasia evoluiu para um estágio avançado, apresentando sinais
clássicos como a perda de peso, vômitos e a dor abdominal. O diagnóstico foi feito pela EDA com biopsia, O
estadiamento foi feito pelos exames de imagem, mas
no intra-operatório foi feito o estadiamento definitivo,
que diferia do estadiamento prévio e que resultou na
alteração da conduta cirúrgica.
A neoplasia gástrica é uma das principais causas
de morte por doenças malignas no mundo e a ressecção cirúrgica é o único tratamento que pode oferecer
cura para os pacientes com essa doença. Nos idosos os
benefícios da cirurgia devem ser correlacionados com
a morbidade e mortalidade. A extensão da ressecção
deve ser considerada na programação cirúrgica, já que
estudos japoneses mostram que ressecções maiores e
dissecção linfonodal extensa são associadas à mortalidade operatória elevada.
O paciente em questão apresentava uma grande
dificuldade para se alimentar e dores em região epigástrica, sua idade (65 anos) e a ausência de comorbidades
justificavam a realização do tratamento operatório.
O diagnóstico de adenocarcinoma gástrico de região
antral, mostrado pela biópsia realizada durante a
endoscopia, foi confirmada pelo anatomopatológico
Referências Bibliográficas
1. Covos FHC, Ferreira FMF, Navarro PF, David PM, Freitas WR
Jr, Malheiros CA. Câncer gástrico avançado: complicação pós
operatória: discussão de caso. Arq Med Hosp Fac Cienc Med
Santa Casa São Paulo. 2011; 56:145-9.
2. Britto AV. Câncer de estômago: fatores de risco. Cad Saúde
Pública. 1997; 13(Supl. 1):7-13.
3. Barbosa JA, Schinonni MI. Helicobacter pylori: Associação com
o câncer gástrico e novas descobertas sobre os fatores de virulência. Rev Cienc Med Biol. 2011;10:254-62.
4. Moreno RPV, Leme PLS, Malheiros CA, Ilias EJ, Rodrigues FCM,
Rahal F. Análise dos fatores prognósticos do câncer gástrico. Arq
Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2005; 50:85-91.
5. Leme PLS, Bove CR, Silva RA. H. pylori e câncer gástrico. Rev
Assoc Med Bras. 2003; 49:226.
6. Kassab P, Leme PLS. Epidemiologia do câncer gástrico. Rev
Assoc Med Bras. 2003; 49:234-5.
7. Pinto CE, Sousa Filho O, Correa JHS, Landim FM, Kuroda BR,
Oliveira IM. Câncer gástrico precoce: revisão de 47 casos do
instituto nacional de câncer nos últimos cinco anos. Rev Col
Bras Cir. 2001; 28:161-4.
8. Mercer DW, Robinson EK. Estômago. In: Townsend CM Jr,
Beauchamp RD, Evers BM, Mattox KL. Sabiston tratado de
cirurgia: a base biológica da prática cirúrgica moderna. 17ª ed.
São Paulo: Elsevier, 2005. v.2, p. 1302-14.
9. Eifler LS. Estadiamento e sobrevida no câncer gástrico: papel do
fator de crescimento Endotelial vascular (VEGF-A). Dissertação
[Mestrado]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande
do Sul; 2012.
10. Mincis M, Mincis R. Como diagnosticar e tratar o câncer gástrico.
Rev Bras Med. 2008; 65:78-84.
11. Andreollo NA, Lopes LR, Coelho Neto JS. Complicações pós-operatórias após gastrectomia total no câncer gástrico, analise
de 300 doentes. Arq Bras Cir Dig. 2011; 24:126-30.
12. Hopkins Medicine. Gastric cancer. [on line] Available from:
http://www.hopkinsmedicine.org/gastroenterology_hepatology/_pdfs/ esophagus_stomach/gastric_cancer.pdf [24 Jul
2014]
Trabalho recebido: 19/09/2014
Trabalho aprovado: 28/09/2015
3
Download