CARTA AO EDITOR Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo 2015;60:156-9 Adenocarcinoma gástrico Gastric adecarcinoma Albert Salviano dos Santos1, Lívia Castellari Burchianti1, Natália Aranha Netto1, Vitor Augusto Petrilli Mazon1, Carlos Alberto Malheiros2 Prezado Editor, Helicobacter pylori (3-6), populações de baixa renda, trabalhadores em indústrias de carvão e níquel, dieta com alto teor de sódio, consumo de alimentos contendo nitrosaminas e benzopireno, entre outros. Dentre os fatores genéticos, citam-se a raça amarela, o grupo sanguíneo A, a inativação de genes supressores p53 e DCC e a redução da E-caderina. Parentes em primeiro grau de pacientes com adenocarcinoma gástrico possuem duas a três vezes mais chance de desenvolver a doença. Pacientes com polipose adenomatosa familiar e polipose juvenil também possuem maior risco. A importância da identificação desses fatores de risco ficou evidente nos últimos 10 anos, com a diminuição da incidência de câncer gástrico e com o diagnóstico precoce em populações de risco, melhorando o prognostico dos doentes(4-6). Apresentamos o relato de um doente atendido na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo no período de junho-julho de 2014, um caso típico de adenocarcinoma gástrico. Paciente A.J.S., 65 anos, casado, comerciante, natural de Alagoas e procedente de São Paulo, deu entrada pelo ambulatório de cirurgia geral e do estômago da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo com queixa de vômitos pós-prandiais há dois meses. Relatava dor em queimação em região epigástrica, de média intensidade, associada a vômitos pós-prandiais, náusea e uma perda ponderal de 10 kg em 1 mês, negava febre. Paciente com antecedente pessoal de tabagismo (100 anos/maço). Negava doenças, uso de medicações ou antecedentes familiares de neoplasia ou doenças gástricas. Ao exame físico apresentava-se em regular estado geral, corado, desidratado, emagrecido, com abdome escavado, doloroso em região epigástrica, sem massas palpáveis, exames laboratoriais dentro dos limites da normalidade. Realizou endoscopia digestiva alta que mostrou: esôfago limpo, com calibre e peristaltismo habituais, estômago com capacidade e elasticidade diminuídas com parede espessada em região antral devido à tumoração subestenosante. A biopsia evidenciou adenocarcinoma gástrico pouco diferenciado com O câncer gástrico é uma das neoplasias malignas mais comuns e apresenta alta mortalidade, sendo considerado a segunda causa de morte por câncer mundialmente. Aproximadamente 22.220 pacientes são diagnosticados anualmente nos EUA, dos quais 10.990 possuem prognostico reservado. O adenocarcinoma representa 95% de todos os cânceres gástricos, dentre os 5% restantes, incluem-se os linfomas, e os sarcomas/ Tumores estromais gastrointestinais. No Brasil, o adenocarcinoma está entre as três primeiras causas de morte por câncer no sexo masculino e entre as cinco primeiras nas mulheres. Sua incidência é maior entre homens, na proporção de 2:1, sendo mais frequente entre 50 e 70 anos, com pico por volta dos 70 anos em ambos os sexos. O adenocarcinoma apresenta alta prevalência em países da Ásia como o Japão e a Coréia do Sul, além de países andinos como o Chile(1). Dentro desse cenário procuramos revisar os principais fatores de risco para o adenocarcinoma gástrico, relatar um caso típico correlacionando com seus principais sinais e sintomas, revisar a classificação do adenocarcinoma gástrico e discutir o diagnóstico e as diferentes abordagens para tratamento curativo ou paliativo dessa neoplasia tão prevalente em nosso meio. O desenvolvimento do adenocarcinoma gástrico é multifatorial, envolvendo tanto aspectos ambientais como genéticos. Dentre os fatores de risco ambientais(2), é importante citar o tabagismo, a infecção pelo 1. Acadêmico da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - 6° Ano do Curso de Graduação em Medicina 2. Professor Titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – Departamento de Medicina Trabalho realizado: Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – Departamento de Cirurgia Endereço para correspondência: Albert Salviano dos Santos. Rua Santa Rita do Oeste, 138, Vila do Encontro, 04323-060 – São Paulo – SP – Brasil. Email: [email protected] 156 Santos AS, Burchianti LC, Netto NA, Mazon VAP, Malheiros CA. Adenocarcinoma gástrico. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2015;60:156-9 células em anel de sinete em mucosa gástrica, com padrão de transição antro-corpórea, ulcerada. A partir desses achados e da avaliação clínica do paciente foi optado pelo tratamento operatório. Foi realizada gastrectomia total com linfadenectomia D2 e reconstrução de Warren modificada. A peça retirada apresentava lesão tipo IV na classificação de Borrmann, T4A (invasão da serosa sem invasão de órgãos adjacentes). em rigidez e espessamento da parede. Do ponto de vista histológico é comum apresentar-se em padrão de “anel de sinete”. Outra classificação de extrema importância é a que divide o adenocarcinoma gástrico em precoce e avançado(7). O precoce é aquele que não ultrapassa a submucosa, independente do acometimento linfonodal. É subdividido em Tipo I (protruso), Tipo IIa (superficial elevado), Tipo IIb (superficial plano), Tipo IIc (superficial deprimido) e Tipo III (escavado). A importância do diagnóstico de tumores na fase precoce está na alta possibilidade de cura com procedimentos minimamente invasivos, através de abordagem endoscópica. Para o adenocarcinoma gástrico avançado, utiliza-se a classificação macroscópica endoscópica de Borrmann(8), que subdivide-se em: Borrmann I (lesão polipóide ou vegetante, bem delimitada), Borrmann II (lesão ulcerada, bem delimitada, de bordas elevadas), Borrmann III (lesão ulcerada, infiltrativa em parte ou em todas as suas bordas) e Borrmann IV (lesão difusamente infiltrativa, não se notando limite entre o tumor e a mucosa normal – linite plástica). Em relação ao quadro clínico, o adenocarcinoma gástrico geralmente não possui sintomatologia importante em um estágio precoce e muitas vezes, no diagnostico, a doença se encontra em estágio avançado. Os sintomas mais comuns incluem perda de peso, vômitos e dor abdominal (geralmente epigástrica). Náusea, hiporexia e dispepsia também podem ocorrer. Tumores da cárdia ou próximos à junção esofagogástrica podem cursar com disfagia, enquanto que tumores em regiões mais distais (como piloro) podem exibir sintomas de obstrução digestiva alta, com vômitos alimentares. Outros sinais clínicos que se desenvolvem tardiamente com a evolução da doença, muitas vezes relacionados ao processo de metástase, são massa abdominal palpável, linfonodo supraclavicular esquerdo (de Virchow) ou periumbilicais (de Sister Mary Joseph), metástases peritoneais palpáveis pelo toque retal (prateleira de Blummer), ou massa ovariana (tumor de Krukenberg). O diagnóstico se baseia em biópsia obtida por Endoscopia Digestiva Alta (EDA) e no exame citológico do escovado de mucosa. A EDA possibilita o início do estadiamento, podendo indicar também se o tumor é precoce ou avançado, seu tamanho e sua localização. A sensibilidade de uma biópsia isolada é de 70%, podendo aumentar para até 98% quando realizadas sete biópsias. O sistema de estadiamento utilizado é o TNM(9), que leva em consideração a invasão tecidual do tumor, os linfonodos acometidos e a presença ou não de metástase. Habitualmente são realizados exames de imagem tais como Tomografia Computadorizada de abdômen e tórax ou Ressonância Magnética, Figura 1- Peça cirúrgica mostra linite plástica Paciente evoluiu bem, estável hemodinamicamente, com boa aceitação da dieta e ausência de dor, recebendo alta hospitalar após três semanas de internação. O estudo anatomopatológico evidenciou adenocarcinoma gástrico com células em anel de sinete, de padrão pouco diferenciado, medindo 17 cm em seu maior eixo, do tipo Borrmann 4, com acometimento da serosa e invasão sanguínea, linfática e perineural. Uma das principais classificações de adenocarcinoma gástrico é a histológica de Lauren, que subdivide os tumores em tipo intestinal e tipo difuso. O tipo histológico mais frequente é o intestinal, resultado de um processo inflamatório que se inicia com gastrite crônica, progredindo para gastrite atrófica, para metaplasia intestinal, displasia e adenocarcinoma. Este tipo normalmente é bem ou moderadamente diferenciado, tem melhor prognostico, acomete preferencialmente idosos e localiza-se mais comumente no antro e na pequena curvatura. O tipo difuso não apresenta caracteristicamente lesão precursora, é indiferenciado, costuma progredir rapidamente, tem alto poder metastatizante e possui prognostico reservado, acomete principalmente indivíduos jovens. Com frequência, o tipo difuso pode se apresentar como linite plástica, resultado da tendência do tumor em invadir a parede gástrica, muitas vezes infiltrando grande parte de sua extensão, acarretando 157 Santos AS, Burchianti LC, Netto NA, Mazon VAP, Malheiros CA. Adenocarcinoma gástrico. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2015;60:156-9 res e dissecção linfonodal extensa são associadas à mortalidade operatória elevada. O paciente em questão apresentava uma grande dificuldade para se alimentar e dores em região epigástrica, sua idade (65 anos) e a ausência de comorbidades justificavam a realização do tratamento operatório. O diagnóstico de adenocarcinoma gástrico de região antral, mostrado pela biópsia realizada durante a endoscopia, foi confirmada pelo anatomopatológico da peça, porém havia um acometimento difuso do órgão, o que justificaria a gastrectomia total realizada e a tornaria cirurgia de escolha. Devido ao diagnóstico tardio desse tipo de tumor, a conduta cirúrgica muitas vezes não interfere na sobrevivência do doente, porém pode melhorar sua qualidade de vida. O adenocarcinoma gástrico é uma neoplasia maligna muito prevalente em nosso meio, estando muitas vezes associado à alta mortalidade. A ressecção cirúrgica é a única possibilidade real de tratamento curativo. No entanto, esse objetivo nem sempre é passível de ser atingido, seja pela extensão do tumor no momento do diagnóstico ou pela impossibilidade clínica do paciente em ser submetido a tal procedimento. Dessa maneira, é obrigatório considerar com atenção o binômio risco-benefício e assim optar pela conduta mais adequada a cada paciente, visando à cirurgia curativa ou com finalidade paliativa. Ultrassom Endoscópico ou ainda videolaparoscopia diagnóstica. O principal tratamento do adenocarcinoma gástrico é a ressecção do tumor, seja ela cirúrgica ou endoscópica(10-11). A cirurgia-padrão com intuito curativo é a gastrectomia com linfadenectomia D2 (linfadenectomia estendida determinada pela localização do tumor). Com a dissecção linfonodal cuidadosa podemos melhorar o estadiamento cirúrgico, aumentar o grau de cura e melhorar o prognostico do paciente. O tipo de gastrectomia a ser feita dependerá basicamente da localização do tumor e da margem cirúrgica desejada. Em tumores proximais são realizadas as gastrectomias totais, enquanto que nos tumores mais distais, principalmente se forem bem diferenciados, pode-se realizar a gastrectomia subtotal. Quanto ao tipo de reconstrução a ser realizada, existem várias opções a serem consideradas, como a Billroth I, a Billroth II, a Warren modificada e a reconstrução em Y de Roux, todas com seus prós e contras. A escolha depende da localização do tumor e atualmente, a preferência da maioria dos serviços é pela reconstrução em Y de Roux(4,10). Outra possibilidade de tratamento é a ressecção endoscópica, que poderá ser realizada em tumores precoces, restritos à mucosa, bem diferenciados, sem ulceração e menores que 2 cm(11). Da mesma maneira, também se deve considerar como possibilidade para o adenocarcinoma gástrico precoce, o tratamento laparoscópico(12). A quimioterapia tem sido empregada como neoadjuvante ou adjuvante no tratamento. Atualmente, preconiza-se, além da ressecção do tumor, o emprego de quimioterápicos em tumores T3/T4 ou N1/N2/N3. A radioterapia tem sido cada vez menos utilizada(12). Epidemiologicamente o paciente é homem, têm mais de 50 anos, tabagista 100 anos/maço, baixa renda e apresentou o adenocarcinoma que corresponde a 95% dos tumores dessa região. Com relação à clínica se apresentou assintomático até que a neoplasia evoluiu para um estágio avançado, apresentando sinais clássicos como a perda de peso, vômitos e a dor abdominal. O diagnóstico foi feito pela EDA com biopsia, O estadiamento foi feito pelos exames de imagem, mas no intra-operatório foi feito o estadiamento definitivo, que diferia do estadiamento prévio e que resultou na alteração da conduta cirúrgica. A neoplasia gástrica é uma das principais causas de morte por doenças malignas no mundo e a ressecção cirúrgica é o único tratamento que pode oferecer cura para os pacientes com essa doença. Nos idosos os benefícios da cirurgia devem ser correlacionados com a morbidade e mortalidade. A extensão da ressecção deve ser considerada na programação cirúrgica, já que estudos japoneses mostram que ressecções maio- Referências Bibliográficas 1. Covos FHC, Ferreira FMF, Navarro PF, David PM, Freitas WR Jr, Malheiros CA. Câncer gástrico avançado: complicação pós operatória: discussão de caso. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2011; 56:145-9. 2. Britto AV. Câncer de estômago: fatores de risco. Cad Saúde Pública. 1997; 13(Supl. 1):7-13. 3. Barbosa JA, Schinonni MI. Helicobacter pylori: Associação com o câncer gástrico e novas descobertas sobre os fatores de virulência. Rev Cienc Med Biol. 2011;10:254-62. 4. Moreno RPV, Leme PLS, Malheiros CA, Ilias EJ, Rodrigues FCM, Rahal F. 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