Remição - Associação Paulista do Ministério Público

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Remição - Legislação penal. Qual o futuro
pretendido pelos Administradores do Estado?
César Dario Mariano da Silva e
Valdir Vieira Rezende,
Promotores de Justiça das Execuções Criminais da
Capital/SP.
Sumário: 1. Remição; 1.1. Regramento anterior; 1.2 Regramento
atual; 1.3. Interpretando as principais inovações. 2. Remição legislação penal: seus principais objetivos. 3. Sociedade e
indivíduo. 4. Conclusão.
1. Remição
A remição é um instituto de direito penal destinado a incentivar o trabalho e
o estudo pelo sentenciado, que são dois dos pressupostos para sua recuperação e
reinserção social.
O período de tempo de trabalho e/ou estudo durante o cumprimento de
penas implicará em remição (redução) da pena.
O instituto é positivo para a recuperação do preso, pois, por meio do
trabalho e/ou estudo ele poderá remir (reduzir) o tempo de prisão e ser reinserido mais
rapidamente na sociedade.
Por outro lado, tanto o trabalho quanto o estudo evitam a ociosidade do
preso no interior de unidades prisionais, sabendo-se ser o ócio um dos fatores adversos
para o adequado controle dos presos nos estabelecimentos penais.
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1.1. Regramento anterior.
Pelo regramento anterior à mudança do instituto pela Lei nº 12.433, de 29
de junho de 2011, a remição implicava reduzir a pena de forma totalmente condicional
ao bom comportamento carcerário futuro.
Isto porque, na hipótese de cometimento de falta grave, o beneficiado pelo
instituto perdia todo o período de pena remida.
Ademais, havia forte posicionamento jurisprudencial contrário à cumulação
de remição por estudo e trabalho no mesmo período, ou seja, não se admitia remir a
pena por trabalho e estudo realizados nos mesmos dias.
A remição era instituto destinado exclusivamente aos presos em unidades
prisionais, em efetivo cumprimento de pena privativa de liberdade.
E a conclusão com aproveitamento de cursos freqüentados por presos era o
que se esperava daqueles que postulavam e alcançavam remição por estudo.
Enfim, na prática diária de processos envolvendo o instituto da remição,
estas eram suas principais características anteriormente à mudança provocada pela Lei
nº 12.433, de 29 de junho de 2011.
1.2. Regramento atual.
A Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011, alterou consideravelmente o
instituto da remição, solucionando algumas dúvidas existentes na doutrina e na
jurisprudência.
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O direito à remição vem previsto no art. 126, “caput”, da LEP, com a nova
redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011, que diz:
"O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou
semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de
execução da pena.".
A contagem do tempo vem regulada pelo § 1º, do art. 126 da LEP, e será:
I – Um dia de pena a cada 12 horas de freqüência escolar – atividade de
ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de
requalificação profissional – divididas, no mínimo, em três dias;
II – Um dia de pena a cada três dias de trabalho.
Com efeito, a cada 12 horas de estudo e/ou três dias de trabalho, o
sentenciado terá descontado um dia de pena.
As atividades de estudo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por
metodologia de ensino à distância e deverão ser certificadas pelas autoridades
educacionais competentes dos cursos freqüentados (art. 126, § 2º, da LEP).
Para efeito de cumulação da remição por estudo e trabalho as horas diárias de
trabalho e de estudo serão definidas de forma a se compatibilizarem (art. 126, § 3º, da
LEP). Acidentando-se, o preso continuará a beneficiar-se com a remição (art. 126, § 4º,
da LEP).
O tempo de pena a remir em função das horas de estudo será acrescido de
1/3 no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o
cumprimento da pena, havendo necessidade, para este efeito, da certificação do término
do curso pelo órgão competente do sistema de educação (art. 126, § 5º, da LEP).
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Mesmo o sentenciado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o
que se encontra em livramento condicional será beneficiado pela remição por estudo,
quando frequentar curso de ensino regular ou de educação profissional (art. 126, § 6º, da
LEP).
A remição alcança os sentenciados com condenação definitiva, provisória
ou mesmo nas hipóteses de prisão cautelar (art. 126, § 7º, da LEP).
A remição será declarada pelo Juízo da Execução, depois de ouvido o
Ministério Público e a Defesa (art. 128, § 8º, da LEP).
Cometendo falta grave (arts. 50 e 52 da LEP), o Juiz das Execuções
Criminais poderá revogar até 1/3 do tempo remido, recomeçando a contagem a partir da
data do ato faltoso. Para efeito da mensuração da revogação dos dias remidos, será
levada em consideração a natureza, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do
fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão (art. 127 da LEP).
O tempo remido será computado como pena cumprida para todos os efeitos
(art. 128 da LEP).
Mensalmente, caberá à autoridade administrativa encaminhar ao Juízo da
Execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou
estudando, com informação dos dias de trabalho e/ou das horas de freqüência escolar ou
de atividade de ensino de cada um deles (art. 129, “caput”, da LEP). Com a finalidade
de controlar a frequência e o aproveitamento escolar, o condenado autorizado a estudar
fora da unidade prisional terá de comprová-la mensalmente por meio de declaração da
respectiva unidade de ensino (art. 129, § 1º, da LEP). Também será fornecida relação
dos dias remidos para o condenado (art. 129, § 2º, da LEP).
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1.3. Interpretando as principais inovações.
É possível, conforme simples leitura do novo regramento, a cumulação dos
dias trabalhados e de estudo, sendo obrigação da direção da unidade prisional
compatibilizar o trabalho com o estudo do condenado para que ele possa usufruir desse
benefício.
Esta é uma das situações que provocava divergências de posicionamentos ao
considerar o instituto, pois, alguns entendiam ser inaceitável cumulação de estudo e
trabalho realizados nos mesmos dias para obter remição, enquanto outros entendiam
pertinente esta cumulação.
A prerrogativa do benefício da remição na hipótese de preso acidentado
somente alcança aquele que se encontra cumprindo pena privativa de liberdade em
qualquer dos regimes, uma vez que a norma se refere expressamente a “preso”,
diferentemente das outras hipóteses em que diz “condenado(s)”.
A conclusão de curso de estudo formal ou profissionalizante com
aproveitamento implicar em aumento dos dias a serem remidos da pena na proporção de
1/3 é uma inovação com objetivo de incentivar a conclusão do curso durante o tempo
em que o sentenciado cumpre sua pena.
Outra inovação está na previsão de aplicação do instituto aos presos em
regime aberto ou beneficiados com livramento condicional. Assim, mesmo aqueles que
não se encontram em unidades prisionais por força de obtenção do regime aberto nas
comarcas em que não existam casas do albergado (situação do Estado de São Paulo) e
aqueles que alcançaram o livramento condicional e, deste modo, não estão mais
vinculados a estabelecimentos prisionais poderão reduzir a pena a cumprir, desde que
comprovada a freqüência a curso de ensino regular ou destinados à educação
profissional.
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Embora a remição dos dias trabalhados não configure direito adquirido e
nem ato jurídico perfeito ou coisa julgada, ela fica condicionada à inexistência de
punição por falta grave para que o condenado mantenha a totalidade do benefício,
ficando em observação até o efetivo cumprimento da pena. Portanto, a remição está
sujeita à cláusula “rebus sic stantibus”, podendo ser parcialmente revogada, quando do
cometimento de falta grave.
Para deixar clara a constitucionalidade da perda dos dias remidos e a
impossibilidade de sua limitação temporal em 30 dias, o Supremo Tribunal Federal
aprovou a Súmula Vinculante nº 9, que diz: "O disposto no artigo 127 da Lei 7.210/84
foi recebido pela ordem constitucional vigente e não se lhe aplica o limite temporal
previsto no caput do artigo 58."
Nada obstante a profunda alteração do instituto da remição pela Lei nº
12.433/2011, a aludida súmula vinculante não perdeu seu objeto, exceção feita à
limitação temporal da perda dos dias remidos, que atualmente é de 1/3.
A Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011, veio a sacramentar posição
adotada pelo Superior Tribunal de Justiça quanto ao cômputo da remição como pena
cumprida e ser possível no caso de estudo, como, aliás, já era preconizado pela Súmula
nº 341, que diz: “A freqüência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do
tempo de execução de pena sob regime fechado ou semi-aberto”.
No pertinente ao cômputo da pena e frações de benefícios há duas maneiras
de aplicar a remição:
a) considerar o período de remição para abater a pena a cumprir e, sobre a
pena remanescente, calcular as frações de benefícios;
b) somar o período remido à pena cumprida para antecipar as datas de
benefícios e, com isto, data de efetiva saída da prisão, além de abater a pena a cumprir.
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Forte corrente jurisprudencial existia em ambos o sentidos, sendo que a
posição pacífica do Superior Tribunal de Justiça era no sentido de que a remição deveria
ser calculada como pena cumprida.
Os que defendiam que dias remidos deveriam abater o total de pena a
cumprir e, sobre o montante de pena restante, calcular os benefícios asseveravam não
ser razoável antecipar a data de término de cumprimento de pena e também somar o
período remido à pena já cumprida, o que configuraria dupla valoração (bis in idem). É
inaceitável antecipar a data de término da pena imposta e, além disto, somar o período
remido à pena cumprida, ou seja, considerar maior o período de pena cumprida do que
aquela efetivamente cumprida e também diminuir a pena originariamente imposta.
Por outro lado, para os defensores da remição como pena cumprida, o único
argumento razoável é que a metodologia era mais benéfica para o sentenciado. Assim,
de acordo com este posicionamento, os dias remidos seriam somados à pena cumprida e
não apenas abatido do total da reprimenda a cumprir, atingindo diretamente o lapso para
todos os benefícios legais (progressão de regime, livramento condicional, indulto e
comutação).
De qualquer sorte, mesmo com a modificação da legislação, ainda é possível
a defesa dos dois posicionamentos.
Os dias remidos por força de estudo e/ou trabalho devem abater o total da
pena a cumprir, antecipando-se o dia de término do cumprimento de pena, uma vez que
os dias de pena que não serão cumpridos de forma efetiva devem ser considerados como
já cumpridos pelo sentenciado. E sobre o total de pena remanescente, se o caso, realizar
os cálculos de frações para benefícios.
Operar-se o desconto tanto sobre as frações para benefícios quanto sobre o
total de pena a cumprir, implica reduzir a pena duas vezes com o mesmo fundamento, o
que é vedado em Direito Penal (no bis in idem) tanto para prejudicar quanto para
beneficiar alguém.
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Tentaremos tornar mais prática a explicação sobre as consequências práticas
dos dois posicionamentos a respeito das formas de calcular a remição. Para tanto,
partindo-se de hipotética condenação de um indivíduo ao cumprimento da pena de 05
anos e 06 meses de reclusão com início da pena em 10/01/2010 e, portanto, seu término
em 09/07/2015, com regime inicial semiaberto, por cometimento de um crime de roubo
qualificado (crime comum).
Como se sabe, nesta hipótese ele terá direito a progressão depois de cumprir
1/6 de sua pena (artigo 112, da Lei de Execuções Penais).
Portanto, depois de cumprir 11 meses de sua pena atingirá 1/6 do total da
pena imposta. A data de benefício será: 09/12/2010.
Imagine-se que este indivíduo tenha trabalhado no interior da unidade
prisional e formule pedido de remição e progressão ao regime aberto, instruído
regularmente com atestado de 180 dias trabalhados, em 10/10/2010. Desta forma ele
terá direito a remir 60 dias de sua pena, pois, cada 03 dias resulta em 01 dia de remição
(180 : 3 = 60).
Aqui começa a divergência , pois, para o primeiro entendimento a operação
a ser realizada é reduzir da pena imposta os dias remidos e, desta pena restante, calcular
os benefícios, assim teremos: 05 anos e 06 meses (pena imposta) – 60 dias de remição =
05 anos e 04 meses (pena restante).
Nesta situação hipotética: 1/6 da pena restante = 10 meses e 20 dias. Assim,
a nova data de benefício ocorrerá em 30/11/2015 e o término de cumprimento de pena
será em 09/05/2015.
Para o segundo entendimento ocorreria somatória da pena cumprida aos dias
remidos e abatimento da pena a cumprir. Assim, se o indivíduo remiu 60 dias e cumpriu
09 meses de sua pena já teria cumprido 11 meses da pena imposta (9 meses + 60 dias ou
2 meses = 11 meses), portanto, atingiu o lapso temporal para progredir ao regime aberto
porque a previsão inicial era de 11 meses para obtenção de progressão.
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No tocante aos cálculos a operação consiste em reduzir da data prevista
inicialmente para o benefício os dias remidos e abater os dias remidos do total da pena
imposta. Assim: previsão inicial de 1/6 da pena era 09/12/2010, passando para
10/10/2010 (redução de 60 dias da remição) e o término de cumprimento da pena
passaria para 09/05/2015.
Com todo o respeito, mas este posicionamento provoca uma séria ofensa aos
princípios matemáticos para interpretar a legislação. Isto porque a Lei de Execuções
Penais determina que a progressão ocorrerá depois de cumprido 1/6 da pena no regime
anterior (artigo 112, da Lei de Execuções Penais).
Ora, se a lei determina que o benefício será concedido depois de cumprido
1/6 da pena no regime anterior, como é possível compatibilizar esta determinação legal
com a situação fática acima referida ??
Se a progressão ocorre em 10/10/2010, com início de cumprimento de pena
em 10/01/2010, percebe-se que houve cumprimento de 09 meses da pena. É fácil
perceber que 09 meses representam 1/6 de 54 meses (6 x 9 = 54), isto permite afirmar
que a progressão – segundo a interpretação do artigo 112, da Lei de Execuções Penais ocorreu como se a pena a cumprir fosse de 04 anos e 06 meses (54 meses).
Ora, a interpretação sistemática da Lei de Execuções Penais exige,
primeiramente, obter a pena a cumprir, em razão de deferimento de remição, unificação
de penas ou perda de dias remidos e, depois de conhecida a pena a cumprir (acaso
ocorra somatória de penas) ou restante a cumprir (acaso deferida detração, remição,
comutação ou perda de alguns dias remidos) realizando as operações matemáticas
determinadas (frações de 1/6, 2/5, 1/2, 2/3 etc) para conhecer as datas dos benefícios e
também previsão do término de cumprimento da pena.
Situação contrária, ainda que sob argumento de prestigiar o interesse do
sentenciado, ofende à lógica da interpretação da norma jurídica (artigo 112, da Lei de
Execuções Penais) e, mais que isto, exige ignorar princípios matemáticos.
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E, ao menos por isto, há que ser reconhecido o erro deste entendimento,
pois, não é possível ignorar que ciência exata não permite divergência de opiniões no
tocante às operações matemáticas, ao menos para apresentar resultado correto.
Repete-se: se foi imposta a pena de 05 anos e 06 meses, com 60 dias
remidos, para deferir progressão em 10/10/2010, com início de cumprimento de pena
em 10/01/2010, ou seja, depois de 09 meses de pena cumprida, como entender que
houve respeito à determinação legal de realizar operação matemática para obter 1/6 da
pena, nos termos do artigo 112, da Lei de Execuções Penais?
Como antecipado, embora inovando o instituto da remição, a nova lei
determina que dias remidos são considerados como pena cumprida, mas não fez
qualquer determinação pertinente à forma de como proceder os cálculos de benefícios
depois de deferida a remição, razão pela qual os dois posicionamentos sobre a questão
ainda podem ser sustentados.
O tempo, salvo equívoco, tornará um ou outro mais aceito e dominante.
Após esta explicação é possível continuar apreciando outra alteração
provocada pela Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011.
Também não mais ocorrerá a perda de todos os dias remidos anteriores à
prática de falta grave, limitando-a a 1/3, a critério do Juiz, que deverá observar o
disposto no artigo 57 da Lei de Execuções Penais.
2. Remição - legislação penal: seus principais objetivos.
Ora, como se sabe, são dois os principais objetivos da legislação penal:
prevenir e reprimir condutas ilícitas.
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No tocante à prevenção especial, a pena a ser cumprida tem por objetivo
impor ao condenado a vontade de não cometer conduta semelhante a fim de não sofrer
nova restrição a seus direitos fundamentais. Quanto à prevenção geral negativa, o
objetivo é fazer com que membros da sociedade entendam que comportamento análogo
não será tolerado.
Assim, surge o conflito entre os interesses do indivíduo e os da sociedade. O
primeiro pode pretender satisfazer sempre seus interesses e, não raras vezes,
desconsiderando o direito alheio. A sociedade, por sua vez, quer ser protegida do
indivíduo que não respeita regras de convivência coletiva.
Não é de agora que a sociedade clama por adequada punição de infratores
das normas vigentes, como forma de viabilizar o convívio social.
3. Sociedade e indivíduo.
Percebe-se, assim, ser imperioso solucionar e, mais que isto, prevenir o
conflito entre os interesses individuais e coletivos.
O conflito entre o direito individual e o coletivo não é contemporâneo. Ele
remonta a séculos passados e os filósofos não ficaram alheios a ele.
Thomas Hobbes observou o estado de caos em que os homens se
encontravam, levando à denominada ‘guerra de todos contra todos’, o que acarretou a
organização do Estado para defesa dos interesses comuns ou aqueles direitos naturais.
As pessoas abriram mãos de parte de sua liberdade ou direito, sujeitando-se
à autoridade maior do Estado, esperando em troca respeito a direitos que lhe são
assegurados pela natureza humana: liberdade, vida, saúde etc.
Vejamos um trecho do ensino deixado por este pensador:
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“A NATUREZA criou os homens tão iguais nas faculdades do
corpo e do espírito que se um homem, às vezes, é visivelmente mais forte de
corpo ou mais sagaz que outro, quando se considera em conjunto, a
diferença entre um homem e outro não é tão importante que possa fazer um
deles reclamar, tendo o fato por argumento, um benefício qualquer que o
outro não possa aspirar.
...
Quanto às faculdades mentais (...) ainda encontro maiores
igualdades entre os homens do que a força.
...
Dessa igualdade de capacidade entre os homens resulta a
igualdade de esperança quanto ao nosso Fim. Essa é a causa de que, se os
homens desejam a mesma coisa e não possam desfrutá-la por igual, tornamse inimigos e, no caminho que conduz ao Fim (...) tratam de eliminar ou
subjugar uns aos outros.” 1
Por essa razão, visando evitar o conflito entre todos, surge a necessidade de
regulamentar a vida em sociedade pacificando os conflitos ou evitando seu
aparecimento.
Outro pensador que poderíamos citar seria Jean Jacques Rousseau para
quem a formação do Estado surgiu da necessidade do homem defender seus interesses,
mas anota-se que para este autor a sociedade seria a maior responsável pelas
desigualdades entre os homens.
“… a desigualdade moral, autorizada unicamente pelo direito
positivo, é contrária ao direito natural todas as vezes que não concorre na
mesma proporção com a desigualdade física. Essa distinção determina
suficientemente o que se deve pensar, nesse sentido, da espécie de
desigualdade que reina entre todos os povos policiados, pois, é
1
Hobbes, Thomas. Leviatã ou A matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil.
Editora Ícone. São Paulo, 2008, p. 94/95
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manifestamente contra a lei de natureza, de qualquer maneira que a
definamos, que uma criança mande um velho, que um imbecil conduza um
homem sábio, ou que um punhado de pessoas nade no supérfluo, enquanto à
multidão esfomeada falta o necessário.” 2
O Prof. Salinas Fortes analisou a obra desse autor e escreveu:
“São extremamente variadas as maneiras segundo as quais a
ordem legal aparece ou se manifesta: há ‘mil maneiras de reunir os homens’.
Mas só há uma maneira de uni-los, ou seja: eles só se unem efetivamente
quando se colocam sob a suprema direção da vontade geral. Por outras
palavras: uma união perfeita atende adequadamente à intenção mais
profunda presente em toda associação entre homens; é aquela que atende
integralmente às exigências contidas na sua própria natureza, isto é, a
liberdade e a utilidade.” 3
Destaca-se que por associação deve se entender uma sociedade baseada no
contrato social 4.
A sociedade organizadamente constituída e formada deve ter respeitados
seus anseios maiores, única forma de compreender a razão para respeitar as autoridades
constituídas.
Este é o pressuposto do contrato social.
Neste aspecto, considerado o perfil pacífico da sociedade brasileira, é
possível compreender a situação atual.
2
Rousseau, J. Jacques. ‘Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os
homens’. Os Pensadores. Ed. Nova Cultural, 1997
3
Fortes, Luis Roberto Salinas. “Rousseau: da teoria à prática.” São Paulo, Editora Ática, 1976,
p. 81
4
Bobbio, Norberto. ‘A era dos direitos’. Rio de Janeiro, Nova Editora, 2004, p. 87
13
Há muito tempo a sociedade brasileira clama às suas autoridades, pois, não
é possível sair de casa com segurança e tranquilidade. Também, lamentavelmente, não
se pode permanecer em casa de forma sossegada. Não é fácil permanecer na espera de
filhos que saem para estudar ou trabalhar. É angustiante pensar nos familiares que
precisam sair diariamente para buscar o sustento de suas casas ou na situação de mães
que precisam deixar filhos aos cuidados de terceiros, mas não conseguem dominar sua
ansiedade.
Outras situações análogas deixam clara a situação caótica que vivenciamos
no tocante ao temor do que poderá ocorrer, em razão da sensação de insegurança que
atinge a todos, fomentada pelas notícias de jornais sensacionalistas.
Esta é uma situação corriqueira em todos os lares brasileiros.
Felizmente, como não poderia deixar de ser, a maior parte das autoridades é
extremamente zelosa de suas funções e as cumpre com galhardia, apesar de
dificuldades, alcançando seus objetivos.
No entanto, os brasileiros a cada dia são surpreendidos por situações mais
decepcionantes: autoridades de alto escalão
envolvidas em situações nada
recomendáveis, mas prestigiadas; policiais cotidianamente envolvidos em crimes;
crimes bárbaros rotineiramente estampando manchetes de veículos de imprensa escrita e
televisiva; criminosos conseguindo impedir a ação dos órgãos policiais por meio de
liminares em habeas corpus; criminosos soltos por interpretação benevolente de
institutos legais cometendo outros crimes chocantes etc.
Como afirmado, os brasileiros são caracterizados por sua índole pacifista,
mas preocupa-nos a situação atual.
O brasileiro é pacífico, mas jamais poderá ser considerado tolo.
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Embora não seja hábito movimentos rebeldes contra a autoridade
constituída, há de ser constatado que o humor característico de nossa sociedade – para a
qual tudo vira motivo de piada – deve ser interpretado como intolerância contra o estado
atual da legislação responsável por impedir ou evitar o cometimento de ilícitos penais e
também pela forma como ocorre sua interpretação pelos operadores do direito.
Certamente não somos contra os direitos dos criminosos. A atuação dos
envolvidos na prevenção e repressão de ilícitos de forma enérgica é voltada
exclusivamente contra o ato criminoso e não contra aquele que o praticou, embora este
sofra a conseqüência da atuação repressora.
Muitos defensores dos direitos de criminosos costumeiramente citam a
Declaração Universal dos Direitos do Homem fundamentando suas postulações, mas é
importante lembrar que:
“Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, não
aparece o direito de resistência; mas, no preâmbulo, lê-se que os direitos do
homem, que seriam sucessivamente enumerados, devem ser protegidos, ‘se se
quer evitar que o homem seja obrigado, como última instancia, à rebelião
contra a tirania e a opressão.’ É como dizer que a resistência não é um
direito, mas – em determinadas circunstâncias – uma necessidade (como o
indica a palavra obrigado).” 5
Com todo o respeito, a razão única e maior da convivência em sociedade é
prestigiar o interesse e direito da maioria em detrimento do direito daqueles que buscam
agir contrariando o interesse da coletividade.
Deste modo, plenamente compreensível o direito de cercear o direito natural
de liberdade de quem agiu contrariamente às regras de convivência em sociedade.
5
obra anteriormente citada, p. 89/90
15
Seria ótimo se a pretensão de punir infratores da legislação penal com penas
brandas, mas efetivamente aplicadas, surtisse o efeito desejado.
Contudo isto não ocorreu.
Infratores de delitos de pequena lesividade deixam de ser punidos;
criminosos violentos são beneficiados por abrandamentos de suas penas por legislação
de natureza extremamente liberal.
Não podemos nos esquecer do instituto do indulto, que é uma das formas de
clemência soberana, que deveria ser empregado com parcimônia, mas, infelizmente, tem
como seu principal propósito o esvaziamento do sistema penitenciário.
Há alguns anos o indulto era benefício condicionado à ausência de novo
crime, sob pena de, acaso cometido crime no período de prova, o indultado cumprir a
pena então restante. Passados alguns anos o indulto passou a ser incondicionado, ou
seja, ainda que no mês seguinte à concessão do indulto o beneficiado cometesse novo
crime – de qualquer natureza – não sofrerá qualquer sanção, salvo cumprir a nova pena.
Anteriormente os decretos de indulto estabeleciam que o benefício seria
concedido aos condenados em condições de merecê-lo. Atualmente, esta menção
contida no preâmbulo do decreto e que permitia sustentar que criminosos violentos,
habituais na prática de faltas e com histórico de frustração de benefícios não poderiam
obtê-lo foi suprimida, com evidente intento de frustrar a negativa do benefício pelo
Poder Judiciário.
Com efeito, não há como fugir da interpretação de que a legislação (em
sentido amplo) está sendo feita com intuito de favorecer o criminoso, sem preocupação
com a coletividade.
Lembramos, ainda, de outras alterações recentes na legislação e também um
afrouxamento de sua interpretação, como por exemplo:
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a) lei de drogas que reduziu a pena para traficantes por força de primariedade e bons
antecedentes, que não se dedique à prática de crimes e nem integre organização
criminosa;
b) o abrandamento da interpretação da legislação para beneficiar autores de crimes
hediondos, deferindo-se progressão, reiteradamente negada em passado recente;
c) deferimento de penas restritivas de direitos para crimes de média gravidade e por
tráfico de drogas;
d) suspensão de processo para réus não localizados e que não tenham defensor
constituído.
Mais recentemente ocorreu nova alteração na legislação processual para
restringir o decreto de prisão preventiva, substituindo-a por medidas cautelares.
Seria elogiável a intenção de evitar manter o criminoso preso por muito
tempo, desde que ele não representasse risco algum à coletividade. No entanto,
infelizmente, manter alguns indivíduos em restrição de liberdade é a única forma de
trazer um pouco mais de paz e tranqüilidade à sociedade.
4. Conclusão.
É preciso repensar o rumo dado à legislação penal brasileira e sua
interpretação, pois, rotineiramente é tendente a favorecer o criminoso, quando a
sociedade clama por sua proteção e está demonstrado no cotidiano a situação de
insegurança social que prevalece.
Parte expressiva da sociedade não está satisfeita com as autoridades
responsáveis pela prevenção e repressão de crimes (Policiais, membros do Poder
Judiciário e do Ministério Público).
Inaceitável, anote-se, transferir responsabilidade exclusiva à legislação, já
que sua interpretação benevolente ou rígida é feita por operadores do direito.
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A sociedade é a maior razão da existência da legislação penal e, quando esta
não retrata seu interesse, ou seja, não reproduz no direito positivo a vontade da
coletividade, não atingirá seus objetivos e não contará com respaldo. Por isso, será
ineficaz para atingir seus principais objetivos: prevenção e repressão dos crimes.
Portanto, é preciso repensar a legislação penal e sua interpretação para que
os anseios coletivos possam ser atingidos, como forma de efetiva expressão da vontade
geral; é o que se espera daqueles que são compromissados com a sociedade.
A continuar neste ritmo, qual seja: priorizando o atendimento de interesses
de indivíduos que cometeram crimes; isentando-os de efetiva quitação de suas dívidas
com a sociedade de forma compatível ao mal causado e acarretando prejuízo ao direito
da coletividade, há que se temer pelo futuro da sociedade brasileira.
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