UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS ANA CAROLINA MORENO MAZINI O CERRADO COMO BERÇO DE CURA: PLANTAS MEDICINAIS SOB A ÓTICA DO CONHECIMENTO E DA TRADIÇÃO DE ERVEIROS NO CAMPUS DA UFSCAR – SÃO CARLOS São Carlos 2016 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS ANA CAROLINA MORENO MAZINI O CERRADO COMO BERÇO DE CURA: PLANTAS MEDICINAIS SOB A ÓTICA DO CONHECIMENTO E DA TRADIÇÃO DE ERVEIROS NO CAMPUS DA UFSCAR – SÃO CARLOS Monografia apresentada junto ao curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Carlos como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Ciências Biológicas. Orientadora: Profa. Dra. Maria Waldenez de Oliveira Coorientadora: Profa. Dra. Cristina Paiva de Sousa São Carlos 2016 FICHA CATALOGRÁFICA Mazini, Ana Carolina Moreno O Cerrado como berço de cura: plantas medicinais sob a ótica do conhecimento e da tradição de erveiros no campus da UFSCar – São Carlos. / Ana Carolina Moreno Mazini. -- São Carlos, 2016. xiii, 107 p. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação) - Universidade Federal de São Carlos. Curso de Bacharelado em Ciências Biológicas. Título em inglês: The Cerrado as a curing cradle: medicinal plants from the perspective of healer´s knowledge and tradition in the campus of UFSCar – São Carlos. 1. Cerrado. 2. Plantas medicinais. 3. Conhecimento popular. 4. Práticas Integrativas. FOLHA DE APROVAÇÃO ANA CAROLINA MORENO MAZINI O CERRADO COMO BERÇO DE CURA: PLANTAS MEDICINAIS SOB A ÓTICA DO CONHECIMENTO E DA TRADIÇÃO DE ERVEIROS NO CAMPUS DA UFSCAR – SÃO CARLOS Monografia apresentada junto ao curso de Ciências Biológicas para obtenção do título de Bacharel em Ciências Biológicas. Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, 04 de abril de 2016. ________________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Maria Waldenez de Oliveira Universidade Federal de São Carlos ________________________________________ Coorientadora: Profa. Dra. Cristina Paiva de Sousa Universidade Federal de São Carlos ________________________________________ Examinador: Prof. Dr. Ricardo Monezi Julião Oliveira Universidade Federal de São Paulo As nuvens de lá não são as mesmas da cidade. Acho que o céu só abre seu sorriso mais largo e sincero quando avista a mata que resiste, e então se enlaçam num vermelho ancestral... Dedico... Aos sábios curadores populares, livres docentes das matas, águas e caminhos. Ao Cerrado da UFSCar, por me reconectar com a terra. AGRADECIMENTOS Aos meus guias e mentores, pela paciência, presença e força nos momentos dolorosos da vida. Aos meus queridos avós, em especial à minha avó Aida, por tanto amor que recebi durante a sua existência aqui na Terra. Amor eterno, vó! Sempre comigo! À querida Índia e Sr. Antônio, erveiros detentores de um conhecimento lindo e gigantesco, que com todo amor disponibilizaram tempo e paciência para compartilhar seus saberes. Muito, muito grata, este trabalho não sairia sem vocês! Aos meus pais, Stella e Gervasio, pela oportunidade estudar e realizar a graduação em outra cidade, o que ampliou minha visão em diversos aspectos da existência. À Luna, Júlia, Branca e Zoé, meus anjos de quatro patas, pelo amor incondicional e por me receberem com tantos pulos, latidos e lambeijos todas as vezes que retornava para casa! À Vanessa, minha irmã de alma e coração, uma das poucas pessoas que me entende verdadeiramente e me acolheu em todos os momentos mais difíceis em São Carlos, sempre com o maior amor do mundo. Gratidão também aos seus avós, irmãs e pais, que se tornaram minha família também. À Nani, Nini, Rosa e Seu Albino, minha segunda família amada mariliense que mesmo de longe sempre torceu muito pela minha caminhada. Ao Bat, por ter me puxado de uma fila de certificados e me ensinar o que verdadeiramente significa esta passagem de O Pequeno Príncipe: “O verdadeiro amor: uma rede de relações que lhe permite ser você mesmo”. Gratidão por não soltar minha mão nos 100 metros finais dessa Guerra nas Estrelas, Hans! À Cida, por tantos benzimentos “à la italiana” com vidros e mais vidros de azeite...grazie per tanto affetto e riguardo. Ao Bob, Dory e Catarina, pela presença tão reconfortante quanto pelos de pelúcia, companheiros fiéis de todos os dias. Ao Léo, por ter me ensinado a enxergar e amar a beleza do Cerrado, por todo o apoio e cuidado durante os anos da graduação, pela ajuda imensa em campo. À Gleydis, amada amiga que conheci em um retiro de silêncio, apenas com o olhar, e que hoje ocupa um lugar muito especial em minha vida e coração. Obrigada por dividir seus sonhos comigo e encorajar os meus, te admiro muito! À Réa, por ter me ajudado imensamente em todos os meus processos nesses últimos meses. Você não é apenas uma terapeuta, é uma irmã, uma alma curadora que me abraçou quando eu já não tinha forças. Gratidão, bela flor! À Marta, amada amiga, por tantos almoços, pela escuta paciente, por me ensinar a ver o cinza como um início em cor! Obrigada pelo abraço acolhedor e carinhoso de sempre! À Sandra, querida amiga, vizinha e guerreira que me ensinou tanto sobre a vida nesses últimos meses. Obrigada pelos cafés, risadas, sessões de terapia e trocas musicais, você é um daqueles anjos que aparecem no caminho! Ao Carlitos, meu brother mais novo, e à dona Eva pelos chocolates na véspera de entrega do TCC! Aos meus alunos de Yoga, que me ensinaram tanto no ano passado e foram indispensáveis para que eu não perdesse a fé no caminho. Agradeço a Ju e ao Victor pela oportunidade. À Vani e Seu Edson, pela escuta, orações, por tantos bolos, chás e brigadeiros compartilhados no pátio da Bio. À Tenda de Oxossi e do Pai Joaquim, que tantas vezes me acolheram com carinho, atenção e ervas medicinais. Ao Coletivo do Cerrado e seus amados membros, que mantêm o Cerrado da UFSCar de pé. Juntos compartilhamos a luta e o amor pelos ideais. À Sueli, secretária da Bio que hoje está no céu, por ter resolvido vários dos nossos pepinos acadêmicos! deste trabalho. Às Professoras Waldenez e Cristina, que foram um canal para a realização A tantas outras pessoas que cruzaram meu caminho e participaram de alguma maneira do meu crescimento ao longo desses anos. Por fim, ao Cerrado da UFSCar, lugar que aprendi a amar e respeitar, por me ensinar tanto sobre resistência, resiliência e transmutação. O cerrado é entortado. Assim meio fora de esquadro Parece que cresce num rumo E resolve mudar de lado E tem um jeito, um cheiro, Um som que é do cerrado De um barulhinho comprido, Dos bichinhos falando de lado antes de dormir. Do vento mexendo com as folhas, Do rio, que vem fininho, de repente fica alargado. O cerrado é entortado. E tem o povo que beira, Que beira de todo o lado, um povo do pé rachado Dos pensamento nascente que nem árvore do cerrado Parece que cresce num rumo E resolve mudar de lado Um povo meio entortado Que sabe o de cumê, o de curar e o de benzer Que sabe o da viola, sem nunca ter ido pra escola É um povo que faz questão de fincar o pé no chão, E olhar bem pro cerrado, Que é pra ninguém esquecer Como é bom ser entortado. Velha do Cerrado, Brasília, 02 de abril de 2005. RESUMO O Cerrado é um dos hotspots mundiais, considerado a savana tropical com a maior diversidade do planeta. Sua heterogeneidade vegetal única abriga aproximadamente sete mil espécies vegetais, grande parte desconhecida. Apesar disso, 55% de sua área já foi desmatada. No estado de São Paulo, resta apenas 0.8% da vegetação, responsável pela recarga do Aquífero Guarani. No município de São Carlos, o domínio também é bastante fragmentado, sendo que uma área importante está localizada no campus da Universidade Federal de São Carlos. Graças à sua heterogeneidade vegetal e a características morfológicas específicas, a flora do Cerrado apresenta grande potencial medicinal, amplamente disseminado na cultura popular. Com o objetivo de conhecer as plantas medicinais do Cerrado da UFSCar sobre a ótica do conhecimento popular de erveiros da região, foi realizada uma turnêguiada na área e uma entrevista semiestruturada (abordando, entre outras questões, aspectos da cultura e conservação), a fim de contribuir para a valorização do saber e da vegetação local num momento onde a Política Nacional de Práticas Integrativas e o movimento de Educação Popular (intensamente ligados à fitoterapia e às tradições) ganham espaço no município. Os resultados obtidos revelaram o profundo conhecimento dos erveiros e a importância de se conservar a área de Cerrado da UFSCar como fonte de estudos sobre plantas medicinais no estado e no país. Palavras-chave: Cerrado; plantas medicinais; conhecimento popular; práticas integrativas ABSTRACT The Cerrado is one of the world's hotspots, considered the tropical savanna with the greatest diversity of the planet. Your plant heterogeneity houses approximately 7000 plant species, largely unknown. Despite this, 55 % of your area has already been deforested. In São Paulo State, there´s only 0.8 of vegetation, responsible for the Guarani aquifer recharge. In the municipality of San Carlos, the domain is also fairly fragmented, with an important area is located on the campus of the Federal University of São Carlos. Because of the heterogeneity and the specific morphological features, the Cerrado flora presents great medicinal potential, widely disseminated in popular culture. In order to get to know medicinal plants of the Cerrado of UFSCar on the optics of the popular healers knowledge in the region, a tour guided in the area and a semi-structured interview (discussing, among other issues, aspects of culture and conservation) in order to contribute to the enhancement of knowledge and local vegetation at a time where the national Integrative Practices Policy and the movement of Popular Education (intensely connected to the traditions and herbs) gain space in the city. The results obtained revealed the deep knowledge of the healers and the importance of conserving the Cerrado area of UFSCar as a source of studies on medicinal plants in the State and in the Country. Keywords: Cerrado; medicinal plants; popular knowledge; integrative practices. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 Área de Cerrado dentro dos limites da UFSCar................................. Ilustração 2 Percurso Portão Cerrado UFSCar - Quiosque.................................... Ilustração 3 Percurso Quiosque - Portão Cerrado UFSCar.................................... 26 28 29 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Tabela 2 Nome popular da planta medicinal citado pelos erveiros, nome científico da espécie, família da espécie e usos prescritos pelos informantes-chaves e por três literaturas específicas sobre plantas medicinais de Cerrado....................................................................... Nome popular da planta medicinal, nome científico da espécie e sistemas do organismo humano que apresentam envolvimento com as ações terapêuticas das plantas medicinais relatadas pelos informantes-chaves............................................................................ 34 55 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Gráfico 2 Indicação (em porcentagem) dos procedimentos utilizados para a administração das plantas medicinais segundo os informanteschaves.................................................................................................. Indicação (em porcentagem) dos sistemas do organismo humano que apresentam envolvimento com as ações terapêuticas das plantas medicinais relatadas pelos informantes-chaves................................... 53 57 SUMÁRIO 1. 2. 2.1. 2.2. 3. 4. 4.1. 4.2. 4.2.1. 4.2.2. 4.2.3. 4.2.4. 5. 5.1. 5.2. 5.3. 5.4. 5.5. 6. 7. DEDICATÓRIA AGRADECIMENTO EPÍGRAFE RESUMO ABSTRACT LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE TABELAS LISTA DE GRÁFICOS INTRODUÇÃO............................................................................................................ REVISÃO DE LITERATURA O Cerrado: importância ecológica e medicinal Relações da medicina popular e da fitoterapia com as Políticas Públicas Nacionais.. OBJETIVOS................................................................................................................. METODOLOGIA......................................................................................................... Área de estudo.............................................................................................................. Coleta de dados............................................................................................................. Identificação dos Informantes-Chaves......................................................................... Identificação das plantas medicinais pelo método turnê-guiada ou walk-in-thewoods............................................................................................................................ Entrevista com os informantes-chaves......................................................................... Compartilhamento de saberes....................................................................................... RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................................................. Sobre a turnê-guiada ou “walk-in-the-woods”............................................................. Sistematização das plantas medicinais identificadas e seus usos segundo os informantes-chaves e as literaturas............................................................................... Procedimentos utilizados para a administração das plantas medicinais segundo os informantes-chaves....................................................................................................... Sistemas do organismo humano que apresentam envolvimento com as ações terapêuticas das plantas medicinais relatadas pelos informantes-chaves..................... Sobre a entrevista realizada com os informantes-chaves............................................. CONCLUSÕES............................................................................................................ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... ANEXOS...................................................................................................................... 13 16 16 19 25 27 26 27 27 27 29 30 31 31 33 52 54 57 65 66 70 13 1. INTRODUÇÃO Tudo que os livros me ensinassem os espinheiros já me ensinaram. Tudo que nos livros eu aprendesse nas fontes eu aprendera. O saber não vem das fontes? Manoel de Barros O conhecimento, sem conhecimento do conhecimento, sem a integração daquele que conhece, é um conhecimento mutilado. Edgar Morin Como são longos, tortos, cheios de meandros os caminhos da vida. Assim foi a jornada da graduação. Depois de passar por muitas experiências, departamentos, laboratórios, estágios, ainda existia um vazio. A especificidade dos trabalhos em Ciências Biológicas simbolizava um grande obstáculo para mim, que sempre fui empática a outros campos de saber, como as áreas de humanas e da saúde. Certo dia de semana, recebi de última hora a informação sobre uma palestra. Um seringueiro viria do Acre e iria transitar por algumas universidades do estado, relatando os problemas que os trabalhadores estão enfrentando na região com desmatamento descontrolado da Floresta Amazônica. As palavras que ouvi naquela tarde me marcaram profundamente, expressavam a relação amorosa e harmoniosa que os povos tradicionais estabeleceram com terra, o respeito por aquilo lhes dava sustento e cura. Osmarino Amânncio narrou a riqueza dos conhecimentos populares e como eles estavam se perdendo ao longo do tempo junto com a floresta, cada vez mais devastada, para dar lugar a grandes empreendimentos agropecuários. E pediu ajuda às Universidades, para que elas atuassem em conjunto com a comunidade na conservação das áreas e do conhecimento ancestral gerado ali na mata. 14 O que se tem observado é a prática da supervalorização dos conhecimentos acadêmicos, muitas vezes respaldados em estudos de casos ocorridos foram da região de sua aplicação, ou ainda fora da nossa própria extensão territorial, onde as condições econômicas, sociais e culturais são, como os recursos naturais, diversos. O que tem se observado é a prática da teoria, desenvolvida de forma a manter as mãos limpas de terra, os pés altos do chão, a pele longe dos insetos tropicais, o coração distante dos saberes locais. (MALTY, 2007, p.40) O assunto que antes já me agradava, passou a ter uma dimensão ainda mais significativa. O conhecimento, a vivência de quem atua e luta longe dos muros acadêmicos, são extremamente grandiosos e valiosos, e deveriam dialogar mais com o mundo científico. Como dizia o sábio escritor e educador Rubem Alves: A ciência é muito boa - dentro dos seus precisos limites. Quando transformada na única linguagem para se conhecer o mundo, entretanto, ela pode produzir dogmatismo, cegueira e, eventualmente, emburrecimento. (ALVES, 1999, p.115) Há tanto a compartilhar, tanto a aprender com as vozes dos antigos e sábios, com os ensinamentos de pessoas que não perderam a afeição, reverência e gratidão pela mata e seus elementos. Cuidam da terra para que a terra também possa cuidar delas, numa relação harmoniosa e livre de exploração. O resgate dessa mutualidade frente ao parasitismo escancarado que observamos há décadas é imprescindível para que o cenário atual seja transformado. A fala do pagé Ikamuru Agostinho, do povo Huni Kui, que habita a região do Rio Jordão no Acre, traz essa ideia com clareza: [...] nós temos sociedade com a natureza. Natureza cuida de nós e nós cuidamos dela. Por quê? Se nós destruíssemos tudo aqui, não tinha essa sombra, não tinha esse espaço de preservar nossas culturas, a nossa riqueza, a nossa biodiversidade que temos nessa floresta [...]. (MURU; QUINET, 2014, p.7) Depois desta palestra, comecei a pesquisar mais sobre a Etnobiologia, área transdisciplinar que estuda a relação do homem com a natureza segundo aspectos biológicos, conservacionistas, culturais, antropológicos, psicológicos, econômicos, entre outros. Um de seus recortes, a etnobotânica, tem profunda relação com o conhecimento popular sobre plantas medicinais. Em 2013, conheci o projeto de “Mapeamento de Práticas Populares de Educação e Saúde” (MAPEPS) na UFSCar, que desde 2006 tem como objetivo promover processos de Educação Popular e Saúde através do diálogo e da troca entre os saberes das 15 práticas populares e técnico-científicas no âmbito da universidade e do Sistema único de Saúde (SUS), procurando aproximar e integrar os agentes dos serviços de saúde, da gestão, dos movimentos sociais populares, das práticas populares de cuidado e das instituições de ensino. Em 2014, me inscrevi como aluna em uma Aciepe (Atividade Curricular de Integração de Ensino, Pesquisa e Extensão) promovida pelo grupo, e tive a oportunidade de participar de vivências muito agregadoras. A identificação com o propósito do projeto foi grande, principalmente porque muitas das práticas abordadas faziam parte da minha história de vida há alguns anos. Durante as minhas pesquisas, deparei-me com a Farmacopéia Popular do Cerrado, publicação riquíssima apoiada pelo Ministério do Meio Ambiente e organizada pela Articulação Pacari, responsável por reunir pessoas e organizações comunitárias que trabalham com medicina popular e biodiversidade nas várias regiões de Cerrado do país. Depois de todas essas passagens, vislumbrei a possibilidade de unir as áreas de conhecimento com as quais tinha afinidade. E o local de estudo estava muito próximo, dentro da universidade. A UFSCar tem o privilégio de abrigar uma das poucas áreas de Cerrado da cidade em seus limites, constituindo um local importantíssimo para as atividades de ensino, pesquisa e extensão da própria instituição e também de outras universidades. Infelizmente, a área se encontra ameaçada pelos projetos de expansão do campus. Foi então que surgiu a ideia deste projeto de pesquisa, com o propósito de conhecer algumas das plantas medicinais da área de Cerrado da UFSCar sob a ótica do conhecimento popular de erveiros da nossa região, valorizar seus saberes e a flora local, resgatar a relação amorosa com a terra e promover a conservação da área como importante fonte de estudos sobre o tema no estado de São Paulo e no país, contribuindo também para aumentar a lista de plantas medicinais no SUS através de políticas nacionais (como as PNPICs, PNPMF) e do movimento de EPS. 16 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1 . O Cerrado: importância ecológica e medicinal Apesar do termo enraizado até mesmo no meio acadêmico, o Cerrado não é um bioma, e sim um mosaico de biomas. Devido às suas várias fitofisionomias e tipos de solo, nos referimos ao Cerrado como um domínio biogeográfico (MACHADO et al., 2008). De acordo com Batalha (2011), devemos considerar o cerrado sensu lato como um conjunto de três biomas: o campo tropical (campo limpo), a savana (campo sujo, campo cerrado e cerrado sensu stricto) e a floresta estacional (cerradão). Para Proença et al. (2000), ele é o mais brasileiro dos ecossistemas sul-americanos, pois, com exceção de algumas pequenas áreas no Paraguai e na Bolívia, ele está totalmente inserido no território nacional. Cerrado, por definição, quer dizer fechado, denso, e se origina de “campos cerrados”, um tipo de campo que não é formado apenas por capins, mas também por arbustos, pequenas e médias árvores com galhos tortuosos, cascas grossas, troncos resistentes e folhas duras (DIAS; LAUREANO, 2010). Também encontramos dentro do Cerrado as matas galerias, com uma vegetação característica das áreas úmidas (semelhante à Mata Atlântica). Certas literaturas associam a aparência mais “robusta” da vegetação aos seus solos pouco férteis, ácidos e com alta concentração de ferro e alumínio, enquanto outras afirmam que os traços marcantes das plantas do Cerrado são decorrentes da falta de água no ambiente; é contemplado por uma estação seca, que ocorre geralmente de abril a setembro, e um período chuvoso de outubro a março (DIAS; LAUREANO, 2010). No tempo da seca, as queimadas naturais e os incêndios provocados pelo homem são comuns. Após as queimadas, o Cerrado renasce das cinzas e os ramos das plantas incendiadas rebrotam e crescem tortos. Por isso é comum, quando caminhamos por essa vegetação savânica, nos depararmos com cascas de árvores pretas, aparentemente sem vida, mas que em breve exibirão centenas de brotos. O Cerrado ocupa a região central do Brasil, o que lhe confere características ainda mais peculiares. É uma vegetação de contato, ou seja, conecta-se com todos os outros ecossistemas brasileiros: Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Caatinga e Pantanal, formando diversas áreas de transição (ou ecótonos) em suas fronteiras; também é considerado o berço das águas do país, pois nele se formam três (3) das maiores bacias hidrográficas brasileiras e 17 sul-americanas: bacia do rio São Francisco, bacia dos rios Tocantins/Araguaia, e bacia Platina, formada pelos rios Paraná/Paraguai (SILVA, 2009). O Cerrado tem importância indiscutível no Brasil. Sua heterogeneidade vegetal única abriga aproximadamente sete mil espécies vegetais, entre plantas herbáceas, arbustivas, arbóreas e cipós, grande parte desconhecida (RIGORATO, 2003). É considerado um dos“hotsposts” para a conservação da biodiversidade mundial (KLINK; MACHADO, 2005). Myers, em 1988, conceituou “Hostsposts” como uma área rica em biodiversidade, principalmente em espécies endêmicas, que possui alto grau de degradação ambiental (OLIVEIRA et al., 2008). Quarenta e quatro por cento da flora é endêmica e, nesse sentido, o Cerrado é a mais diversificada savana tropical do mundo. As fitofisionomias diversas fazem com o que o cerrado apresente uma diversidade de espécies muito expressiva. Segundo dados de um inventário florístico, das 914 espécies de árvores e arbustos registrados em 315 localidades de Cerrado, somente 300 espécies ocorrem em mais de oito localidades, e 614 espécies foram encontradas em apenas uma localidade. (RATTER et al., 1977 apud NETO; MORAIS, 2003, p.562) A degradação do Cerrado e a consequente perda de biodiversidade são alarmantes. Segundo Klink e Machado (2005), “Cerca de metade dos 2 milhões de km² originais do Cerrado foram transformados em pastagens plantadas, culturas anuais e outros tipos de uso. As pastagens plantadas com gramíneas de origem africana cobrem atualmente uma área de 500.000km², ou seja, o equivalente à área da Espanha. Monoculturas são cultivadas em outros 100.000km², principalmente a soja. A área total para conservação é de cerca de 33.000km², claramente insuficiente quando comparada com os principais usos da terra no Cerrado. A destruição dos ecossistemas que constituem o Cerrado continua de forma acelerada. Um estudo recente, que utilizou imagens do satélite MODIS do ano de 2002, concluiu que 55% dos Cerrados já foram desmatados ou transformados pela ação humana, o que equivale a uma área de 880.000km², ou seja, quase três vezes a área desmatada na Amazônia brasileira. [...] Estas diferenças se devem em parte ao modo que o Código Florestal trata os diferentes biomas e domínios brasileiros: enquanto é exigido que apenas 20% da área dos estabelecimentos agrícolas sejam preservadas como reserva legal no Cerrado, nas áreas de floresta tropical na Amazônia esse percentual sobe para 80%”. Os mesmos autores afirmam ainda que apenas 2,2 % da área total do Cerrado encontra-se protegida por lei, sendo que aproximadamente 20% das espécies endêmicas ou ameaçadas não ocorrem nas áreas protegidas, e por isso é a vegetação em maior risco no país. 18 De acordo com Klink e Moreira (2002), o Cerrado foi amplamente modificado, e essas transformações trouxeram grandes perdas ambientais, como a fragmentação de hábitats, extinção da biodiversidade, invasão de espécies exóticas, erosão dos solos, poluição de aquíferos, degradação de ecossistemas, alterações nos regimes de queimadas, desequilíbrios no ciclo do carbono e possivelmente até mesmo modificações climáticas regionais. Os autores afirmam ainda que as queimadas feitas para o rebrotamento das pastagens e para abrir novas áreas agropecuárias provoca a perda de nutrientes, compactação e erosão dos solos e degradação permanente da biota nativa, pois, apesar do Cerrado ser um ecossistema adaptado ao fogo e ter grande capacidade de regeneração, o acúmulo de material combustível (biomassa vegetal seca) somado à baixa umidade do período de estiagem (período em que as queimadas antrópicas são intensas), tende a gerar temperaturas extremamente altas no solo, prejudicando permanentemente o rebrotamento da flora. No estado de São Paulo, o Cerrado está localizado sobre o Aquífero Guarani, constituindo um solo de recarga para os lençóis freáticos graças às raízes profundas de sua formação vegetal, um motivo a mais não só para preservar o que resta, mas também para promover sua recuperação (BITENCOURT, 2004). As áreas remanescentes concentram-se principalmente nas regiões de Ribeirão Preto, Bauru, São José do Rio Preto e Presidente Prudente (KLEIN, 2000). Infelizmente, a redução do Cerrado no estado de São Paulo ao longo das últimas quatro décadas foi de 88,5%, restando atualmente apenas 0,8% da extensão original (KRONKA, 2005). O município de São Carlos, localizado na região central do Estado de São Paulo, tem o Cerrado como vegetação dominante. Atualmente, as áreas verdes estão bem fragmentadas e empobrecidas, predominando cerrado com diferentes fisionomias, floresta estacional semidecídua, mata ripária e capoeira (SOARES, 2003). Através dos cálculos das áreas estimadas para os diferentes tipos vegetacionais, foi possível constatar que o município era ocupado por 27% de cerrados (cerrado sensu stricto, campo sujo e brejos), 16% de cerradão, 55% de floresta semidecídua e mata ripária, sendo que, atualmente, há 2% de cerrados, 2,5% de cerradão, 1% de floresta semidecídua e ripária, e 1,5% de capoeiras (SOARES, 2003). Parte dessa vegetação de Cerrado remanescente está localizada no campus da UFSCar. A flora do Cerrado tem um imenso potencial medicinal não só pela sua diversidade, mas também por questões morfológicas de sua vegetação. 19 O cerrado é bastante rico em espécies utilizadas na medicina popular, em função de características morfológicas, como xilopódios e cascas, que acumulam reservas e, com frequência, possuem substâncias farmacologicamente ativas. Além disso, apresenta grande diversidade de como ordem, famílias e gêneros, e quanto maior for a diversidade taxonômica em níveis superiores, maior é o distanciamento filogenético entre as espécies e maior é a diferença e diversidade química entre elas, demonstrando, assim, sua importância para pesquisas com plantas medicinais. (PEREIRA et al., 2007, p. 249) Sendo assim, considerando a diversidade taxonômica do Cerrado em níveis superiores, os compostos bioativos produzidos pelas espécies do Cerrado seriam maiores que os da Floresta Amazônica (NETO; MORAIS, 2003). Em uma pesquisa utilizando o mesmo método de extração fitoquímica, constatou-se que há diferenças contrastantes também entre compostos de plantas de Mata Atlântica e compostos de plantas de Cerrado, visto que as espécies de Mata Atlântica apresentam um pequeno número em grandes quantidades, enquanto as de Cerrado, um grande número de compostos estreitamente relacionados, mas em quantidades tão pequenas que só poderiam ser identificados através de análise espectral; por essas características, o Cerrado deveria ser considerado área prioritária de pesquisas com plantas medicinais e conservação de recursos naturais. (KAPLAN et al., 1994 apud NETO; MORAIS, 2003) Atualmente, os olhos do Brasil e do mundo começam a se voltar para a riqueza desse bioma de tanta variedade de vida e de tanta diversidade de recursos naturais para o uso humano. E com isso, redescobre-se como índios e sertanejos faziam para dele se utilizar, mantendo, ao mesmo tempo, sua vida e vitalidade. Projetos de uso sustentável do Cerrado se multiplicam, através do diálogo entre o saber popular e o conhecimento dos técnicos, envolvendo comunidades camponesas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, assentamentos de reforma agrária, grupos de artesãos, mulheres, jovens e tantas outras diversificadas formas de organização popular. O coração do Brasil não pode morrer, pois, assim, ele deixará de bombear água e vida para todos os outros biomas: o Cerrado possui muitas plantas medicinais para combater diversas doenças, mas quem tem que cuidar da saúde do Cerrado somos nós, que acreditamos em sua força e dependemos dela para viver! Usar as suas riquezas, com a sabedoria dos antigos, é a melhor maneira de mantê-lo vivo e forte e, ninguém sabe melhor disso do que este nosso povo que vive nos seus grotões. (DIAS; LAUREANO, 2010, p. 31) 2.2 . Relações da medicina popular e da fitoterapia com as Políticas Públicas Nacionais De acordo com Dias e Laureano (2010), questões que abordam a medicina popular estão fragmentadas em diversas políticas públicas e programas de governo, tais como: Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto nº 6.040/07); Sistemas de Produção de Orgânicos (Decreto 6.323/07); Programa de 20 Bens Culturais de Natureza Imaterial (Decreto IPHAN/MinC 3551); Política Nacional de Agricultura Familiar (Lei 11.326/06); Política Nacional de Biodiversidade (Decreto 4.339/02); PNPIC – Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS (Portaria MS 971/06); Legislação de Acesso a Recursos Genéticos, Conhecimentos Tradicionais e Repartição de Benefícios (Medida Provisória 2186/16-01); Política Nacional de Assistência Farmacêutica (Resolução CNS/MS 338/04); Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (Decreto MS 5.813/06); entre outros. Atualmente, a Política de Práticas Integrativas e Complementares vem ganhando espaço no Sistema Único de Saúde (SUS). Em setembro de 2015, um fórum foi realizado na cidade de São Carlos, com a participação de representantes do Ministério da Saúde, Prefeitura Municipal, ONGs, UFSCar, Conselho Municipal da Saúde, servidores da saúde, entre outros interessados, visando à implantação de duas políticas nacionais: a das PICs, de 2006, e a da Educação Popular em Saúde (EPS), de 2013. Esta experiência de integrar ambas as políticas foi considerada inédita no Brasil por representantes do Ministério da Saúde. No encerramento, o fórum elegeu uma comissão responsável por elaborar um plano municipal, integrando as duas políticas nacionais. Em novembro o documento foi concluído e repassado para análise do Conselho Municipal da Saúde, onde foi aprovado. O próximo passo será provação do projeto pela prefeitura, para que enfim ele se torne lei no município. Segundo Oliveira (2013), o campo das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), que atualmente estão inseridas no universo da chamada “Medicina Alternativa”, “Medicina Alternativa e Complementar” ou “Medicina Integrativa”, vem apresentando um crescente interesse por parte dos órgãos de saúde dos governos de vários países e também de grandes centros médicos, que atualmente vem adotando tais práticas em suas rotinas. No Brasil, o uso de PICS está relacionado às diferentes raízes culturais das populações que aqui residiram. Durante os três primeiros séculos de colonização, as pessoas recorriam às formas de cura trazidas da Europa ou àquelas utilizadas por etnias diversas, com as quais mantiveram contato. Os missionários jesuítas aproveitaram muito da medicina indígena (a primeira aqui existente), sendo a eles imputada a iniciativa de intercâmbio entre os universos da medicina e do cuidado ao próximo. Com a chegada dos escravos africanos, a sociedade também aderiu a certas práticas de cura relacionadas à magia (EDLER; FONSECA, 2006). 21 Desde a década de 90, pesquisadores apontam diversos motivos para o crescimento da procura pelas PICS, entre eles: maior atenção dada pelo terapeuta ao paciente, que o convida e estimula a participar do seu tratamento, enfatizando a responsabilidade sobre a sua própria saúde; o custo da medicina alopática-científica muito maior que o de práticas terapêuticas atualmente reconhecidas como PICS; o reconhecimento e a ênfase na importância de um estilo de vida saudável, com a preocupação de uma boa alimentação, exercícios físicos e a manutenção do equilíbrio emocional e espiritual; o caráter humano e integrativo, uma vez que o tratamento é administrado ao indivíduo como um todo e não apenas de uma determinada parte doente; respeito e atenção a fatores relacionados à espiritualidade e sua ação na promoção da saúde; a ênfase na prevenção das doenças e na manutenção da saúde (ASTIN, 1998; OLIVEIRA, 2013). No ano de 2006 foi estabelecida a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), através da lei 917/06 do Ministério da Saúde do Brasil. Segundo a publicação “Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS - PNPIC- SUS”, de 2006, o campo da PNPIC contempla sistemas médicos complexos e recursos terapêuticos, os quais são também denominados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de medicina tradicional e complementar/alternativa (MT/MCA) (WHO, 2002). Tais sistemas e recursos envolvem abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenção de agravos e recuperação da saúde por meio de tecnologias eficazes e seguras, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade. Outros pontos compartilhados pelas diversas abordagens abrangidas nesse campo são a visão ampliada do processo saúde-doença e a promoção global do cuidado humano, especialmente do autocuidado (BRASIL, 2006). Ainda, segundo este documento, O Ministério da Saúde, atendendo à necessidade de conhecer experiências que já vêm sendo desenvolvidas na rede pública de muitos municípios e estados, adotou como estratégia a realização de um Diagnóstico Nacional que envolvesse as racionalidades já contempladas no Sistema Único de Saúde, entre as quais se destacam aquelas no âmbito da Medicina Tradicional Chinesa, Acupuntura, Homeopatia, Fitoterapia e da Medicina Antroposófica, além das práticas complementares de saúde. Barros e colaboradores (2007) descrevem que no período entre março a junho de 2004 o DAB/SAS/MS enviou um questionário de mapeamento de utilização de PICS aos 5.560 gestores municipais e estaduais de saúde brasileiros. Retornaram 1.340 questionários, 22 levando à conclusão de que em 232 municípios, dentre estes 19 capitais, em 26 estados, disponibilizam algum tipo de práticas complementares em seus serviços públicos de saúde, destacando-se que (i) que as práticas complementares mais frequentes no SUS são Reiki, Lian Gong, Fitoterapia, Homeopatia e Acupuntura; (ii) que as práticas complementares são ofertadas preferencialmente na Atenção Básica – Saúde da Família; (iii) que a capacitação dos profissionais é desenvolvida principalmente nos próprios serviços de saúde; (iv) que apenas 9,6% dos medicamentos homeopáticos e 35,5% dos fitoterápicos são distribuídos por farmácias públicas; e (v) que apenas 6% do total de municípios e estados dispõem de Lei ou Ato Institucional criando serviços de práticas complementares (BARROS et al., 2007). Contemplada pela PNPIC e de consagrada utilização pela população, a Fitoterapia vem ganhando, a cada ano, destaque no cenário das PICS no Brasil, devido especialmente ao vasto conhecimento popular sobre o assunto e a sua grande disponibilidade no território brasileiro. A Fitoterapia é uma terapêutica caracterizada pelo uso de plantas medicinais em suas diferentes formas farmacêuticas, sem a utilização de substâncias ativas isoladas, ainda que de origem vegetal. O uso de plantas medicinais na arte de curar é uma forma de tratamento de origem muito antiga, relacionada aos primórdios da medicina e fundamentada no acúmulo de informações por sucessivas gerações. Ao longo dos séculos, produtos de origem vegetal constituíram a base para tratamento de diferentes doenças. O Ministério da saúde destaca que desde a Declaração de Alma-Ata, em 1978, a OMS tem expressado a sua posição a respeito da necessidade de valorizar a utilização de plantas medicinais no âmbito sanitário, tendo em conta que 80% da população mundial utiliza estas plantas ou preparações destas no que se refere à atenção primária de saúde. Ao lado disso, destaca-se a participação dos países em desenvolvimento nesse processo, já que possuem 67% das espécies vegetais do mundo. O Brasil possui grande potencial para o desenvolvimento dessa terapêutica, já que concentra a maior diversidade vegetal do mundo, ampla sociodiversidade, uso de plantas medicinais vinculado ao conhecimento tradicional e tecnologia para validar cientificamente este conhecimento (BRASIL, 2006). Corroborando estes pressupostos, foi aprovado, por meio da Portaria Interministerial Nº 2.960/08, o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF). São objetivos desse programa, entre outras atribuições, a criação de regulamentações direcionadas a salvaguardar, preservar e apoiar conhecimentos, práticas, saberes e fazeres tradicionais e populares relacionados às plantas medicinais, remédios 23 caseiros e demais produtos para a saúde que se estruturam em princípios ancestrais e imaterial (DIAS; LAUREANO, 2010). Ainda conforme a portaria, o PNPMF visa garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional (BRASIL, 2007). O PNPMF, segundo Dias e Laureano (2010), estabelece que a validação e garantias de uso, eficácia e qualidade desses produtos deverão ser referendadas pela tradição. Define, ainda, que o incentivo, apoio e fomento ao aprimoramento técnico e sanitário de seus agentes, processos e equipamentos, deverão propiciar a inserção dos detentores desses saberes e de seus produtos no Serviço Único de Saúde – SUS e nos demais mercados. No momento em que o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos propõe identificar experiências e definir instrumentos de validação/reconhecimento dos conhecimentos tradicionais para o uso seguro e sustentável de plantas medicinais, nasce a Farmacopéia Popular do Cerrado: um sistema de registro de conhecimentos tradicionais elaborado pelas próprias comunidades (BRASIL, 2009). Esta publicação exemplifica nitidamente a importância do saber popular e de sua aplicação direta no movimento de Educação Popular em Saúde (EPS), onde os chamados e reconhecidos “erveiros” ou “raizeiros”, membros da comunidade que adquirem e transmitem um tipo de saber aplicado à cura dos males do corpo e da alma dentro do que se entende como medicina popular (DANTAS; FERREIRA, 2013), desempenham um protagonismo essencial no cuidado que brota da terra. Autores como Albuquerque e Stotz (2004), ressaltam que a educação popular, além de permitir a inclusão de novos atores no campo da saúde, fortalecendo a organização popular, permite também que as equipes de saúde ampliem suas práticas, dialogando com o saber popular. Atualmente o movimento da EPS é legitimado pela Política Nacional de Educação Popular em Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (PNEPS-SUS) (BRASIL, 2012). Através da Portaria nº 2.761, de 19 de novembro de 2013, foi instituída a PNEPS-SUS, com o objetivo geral de implementar a Educação Popular em Saúde no âmbito 24 do SUS, contribuindo com a participação popular, com a gestão participativa, com o controle social, o cuidado, a formação e as práticas educativas em saúde. Para tanto, a PNEPS-SUS estabeleceu como seus princípios norteadores: I) Diálogo, como o encontro de conhecimentos construídos histórica e culturalmente por sujeitos, ou seja, o encontro desses sujeitos na intersubjetividade, que acontece quando cada um, de forma respeitosa, coloca o que sabe à disposição para ampliar o conhecimento crítico de ambos acerca da realidade, contribuindo com os processos de transformação e de humanização; II) Amorosidade, como a ampliação do diálogo nas relações de cuidado e na ação educativa pela incorporação das trocas emocionais e da sensibilidade, propiciando ir além do diálogo baseado apenas em conhecimentos e argumentações logicamente organizadas; III) A problematização, que implica na existência de relações dialógicas e propõe a construção de práticas em saúde alicerçadas na leitura e na análise crítica da realidade; IV) Na construção compartilhada do conhecimento, consistindo em processos comunicacionais e pedagógicos entre pessoas e grupos de saberes, culturas e inserções sociais diferentes, na perspectiva de compreender e transformar de modo coletivo as ações de saúde desde suas dimensões teóricas, políticas e práticas; V) Na emancipação como um processo coletivo e compartilhado no qual pessoas e grupos conquistam a superação e a libertação de todas as formas de opressão, exploração, discriminação e violência ainda vigentes na sociedade e que produzem a desumanização e a determinação social do adoecimento; VI) No compromisso com a construção do projeto democrático e popular é a reafirmação do compromisso com a construção de uma sociedade justa, solidária, democrática, igualitária, soberana e culturalmente diversa que somente será construída por meio da contribuição das lutas sociais e da garantia do direito universal à saúde no Brasil, tendo como protagonistas os sujeitos populares, seus grupos e movimentos, que historicamente foram silenciados e marginalizados (BRASIL, 2013). 25 3. OBJETIVOS Objetivo geral Realizar o levantamento de plantas medicinais presentes na área de Cerrado do campus da UFSCar - São Carlos, suas formas de uso e indicações segundo o conhecimento de Maria do Socorro, mais conhecida como Índia, erveira praticante de São Carlos e atuante nos processos que visam à implantação das PNPICs e EPS no município, e de Sr. Antônio, erveiro praticante do município de Ibaté. Objetivos específicos 1) Estabelecer um diálogo entre o conhecimento popular compartilhado e o conhecimento compilado em três literaturas conceituadas no meio científico sobre plantas medicinais do Cerrado, a fim de agregar e trocar saberes. 2) Contribuir para as Políticas de Práticas Integrativas e de Educação Popular em Saúde do município de São Carlos no âmbito da fitoterapia, a fim de evidenciar a potencialidade dos saberes regionais e da vegetação local, fornecendo subsídios para que novas plantas medicinais sejam incorporadas aos programas. 3) Valorizar e ressaltar a importância da conservação do Cerrado presente no campus como uma área relevante para o estudo de plantas medicinais no estado de São Paulo e no país. 26 4. METODOLOGIA 4.1. Área de Estudo O estudo foi realizado em uma área de Cerrado de aproximadamente 200 ha (MOTTA-JUNIOR; VASCONCELOS, 1996) localizado no campus da UFSCar, situado na área rural do município, fazendo limite ao sul com a Rodovia Washington Luís (SP-310), que o separa da área urbana, a oeste com a Rodovia São-Carlos – Ribeirão Preto (SP-318) e a leste com a estrada municipal Guilherme Scatena. Seguindo a Ilustração 1, temos o Córrego do Espraiado à direita, cuja nascente está localizada na área de Cerrado da UFSCar. É responsável pela água superficial destinada a 15% do abastecimento público feito pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de São Carlos (SANTIAGO, 2014), e faz confluência com o Córrego do Monjolinho na área sul da universidade. À esquerda, temos o córrego do Fazarri, que também tem sua nascente localizada dentro do campus. O fragmento de Cerrado é uma região importantíssima para a conexão e manutenção das Áreas de Preservação Permanentes (APPs), onde estão as nascentes e seus córregos. Ilustração 1. Área de Cerrado localizada dentro dos limites da UFSCar FONTE: Google Earth 27 4.2. Coleta de dados 4.2.1. Identificação dos Informantes-Chaves O primeiro passo para a coleta de dados foi a escolha dos informantes-chaves, pessoas selecionadas para contribuir ativamente com a pesquisa segundo critérios estabelecidos pelo pesquisador (ALBUQUERQUE et al., 2010). No presente trabalho, Maria do Socorro, mais conhecida como Índia, erveira do município de São Carlos e Sr. Antônio, erveiro do município de Ibaté (localizado a aproximadamente 15 km de São Carlos) foram selecionados por serem reconhecidos e indicados pelas comunidades locais e da região como grandes conhecedores das plantas medicinais, especialistas locais que ainda realizam atendimentos e tratamentos utilizando as ervas. Por praticidade nas discussões, os informantes-chaves foram denominados IC1 (informante-chave um) e IC2 (informante-chave dois), respectivamente. 4.2.2. Identificação das plantas medicinais pelo método turnê-guiada ou walk-inthe-woods Utilizando uma metodologia etnobotânica proposta por Albuquerque et al. (2010) e Amorozo e Viertler (2010), conhecida como turnê-guiada ou “walk-in-the-woods”, os informantes chave foram, juntos, conduzidos à área de vegetação de Cerrado do campus da UFSCar, a fim de percorrer um caminho pré-determinado para a identificação das plantas medicinais conhecidas. Apesar de ser demorada e, algumas vezes, de difícil realização devido às condições ambientais e à disponibilidade dos informantes (BORGES, 2009), essa metodologia mostra aspectos relevantes, pois através dela é possível identificar o potencial medicinal da área de estudo. Priorizou-se um trajeto que não estivesse tão impactado por ações antrópicas e que ao mesmo tempo fosse de fácil acesso (trilhas mais abertas), com local para descanso e café antes do retorno. Considerando esses aspectos, caminhamos por um trajeto de aproximadamente 900 metros, começando pelo portão do Cerrado na área norte do campus até um quiosque, lugar coberto com alguns bancos e mesas dentro da vegetação. O percurso é mostrado em vermelho na imagem de satélite: 28 Ilustração 2. Percurso Portão Cerrado UFSCar - Quiosque FONTE: Google Earth Sempre que uma planta era reconhecida, os erveiros paravam e discorriam sobre seu uso, guiados por algumas perguntas que constam no Anexo 1. Os dados obtidos foram sistematizados na Tabela 1. O retorno, mostrado em laranja na Ilustração 3, foi realizado praticamente pelo mesmo trajeto, saindo do quiosque, passando por uma trilha mais fechada, de poucos metros, e culminado no caminho percorrido anteriormente. 29 Ilustração 3. Percurso Quiosque-Portão Cerrado UFSCar FONTE: Google Earth 4.2.3. Entrevista com os informantes-chaves No quiosque, a fim de obter informações relevantes a respeito da relação dos informantes-chaves com as plantas medicinais e a terra, sua cultura, tradição e história, foi realizada uma entrevista semiestruturada, que consta no Anexo 2. A entrevista é um instrumento importante, pois possibilita a obtenção de dados relacionados a vários aspectos da vida social, além de ser um método eficiente para captar diversos pontos de vista do comportamento humano (GIL, 2008). Os objetivos devem ser muito bem definidos e o pesquisador deve conhecer, com certa profundidade, o contexto em que pretende realizar a investigação (DUARTE, 2004). A interação face a face permite observar também a expressão corporal, entonação de voz, e a ênfase nas respostas, garantindo certa liberdade para que o entrevistado expresse sua opinião, sem que o mesmo fique preocupado em responder questionamentos formulados com maior rigidez. É interessante que o entrevistado seja parceiro de conversação (RUBIN, 1995 apud ZANELLI, 2002). Muitos trabalhos utilizam entrevistas semiestruturadas justamente porque elas proporcionam certa abertura para que o informante possa discorrer, dentro dos 30 interesses da pesquisa, da maneira que lhe parecer melhor, proporcionando liberdade e certa espontaneidade ao entrevistado (ZANELLI, 2002; GIL, 2008). A filmagem do percurso, fotos e gravação da entrevista foram realizadas com a autorização dos informantes-chaves e assinatura do Termo de Consentimento (Anexo 3). Estes recursos foram imprescindíveis para a transcrição na íntegra da entrevista e preservação detalhada dos dados; alguns registros fotográficos da turnê-guiada constam no Anexo 5. 4.2.4. Compartilhamento de saberes Três livros conceituados sobre plantas medicinais de Cerrado foram incluídos na Tabela 1, para que fosse possível realizar um intercâmbio entre o conhecimento compartilhado pelos informantes-chaves e literaturas do meio científico a respeito do tema. A primeira delas, “Plantas medicinais do Cerrado de Botucatu” (MARONI et al., 2006), apresenta um valioso conjunto de informações sobre plantas medicinais de áreas de cerrado do município de Botucatu (SP), obtidas em um extenso trabalho de levantamento realizado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) entre 2004 e 2005. Neste livro estão registradas 72 espécies medicinais e suas indicações segundo trabalhos publicados, uma literatura importante para fins comparativos, pois considera especificamente a vegetação de Cerrado do estado de São Paulo, já que as espécies de Cerrado podem variar de uma região do Brasil para outra. A segunda literatura, “Plantas Medicinais no Domínio dos Cerrados” (CARVALHO; RODRIGUES, 2001), publicada pela Universidade Federal de Lavras, reúne plantas medicinais da região do Alto do Rio Grande (MG) indicadas por raizeiros reconhecidos pela população da área urbana e rural. O terceiro livro, “Cerrado: espécies vegetais úteis” (ALMEIDA et al., 1998), publicado pela Embrapa, traz informações sobre o uso de plantas do Cerrado para fins variados, entre eles o medicinal. Os dados foram obtidos através de entrevistas com a população rural tradicional em feiras, margens de rodovias, fazendas e associações de moradores, enriquecidas com extensa revisão de literatura, pesquisas em herbários e trabalhos desenvolvidos na própria Embrapa Cerrados. 31 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1. Sobre a turnê-guiada ou “walk-in-the-woods” A visita ao Cerrado da UFSCar foi realizada em janeiro de 2016, no período da manhã, com a presença dos dois informantes-chaves. Assim que entramos pelo portão do Cerrado, algo que logo me chamou a atenção foi o respeito que nos erveiros demostraram pela mata. Iniciamos a caminhada com um instante de silêncio e uma oração. Pisar naquele chão com reverência simbolizava honrar a terra, demonstrar gratidão pelo acolhimento que ela estava nos proporcionando para a realização dos estudos: “Vamos pedir a Deus, Nossa Senhora, aos Caboclos da mata, licença pra nós entrarmos, fazermos o estudo do que vem da parte de deus e de nossa senhora também, essa mãe natureza que tudo nos dá.” (Relato de IC1) “Eu entro descalça. Eu bato na terra, peço licença pra mãe natureza três vezes (...). A gente agacha e pega a primeira erva que está do nosso lado (...). Pra simpatia ficar completa, nós anexamos aqui (No cabelo, atrás da orelha).” (Relato de IC1) Logo no início da caminhada fomos agraciados por uma sagui com seu filhote nas costas, nos observando com ar de curiosidade. Ao longo do percurso, além das informações a respeito das indicações terapêuticas das plantas medicinais e modos de preparo, outras colocações pertinentes feitas pelos informantes-chave foram destacadas. Algumas delas referem-se ao cuidado e à consciência na administração das ervas: “O que é sempre bom nós falarmos: teve qualquer tipo de problema, descobriu qualquer sintoma que já está te incomodando, que está tendo uma repetição dos sintomas, procure o seu médico, faça sua consulta. Vá realizar os exames necessários, pra você ter uma certeza do realmente está acontecendo com você. E aí, nós temos graças a deus o livre-arbítrio de procurar o natural, o alopático, o homeopático, fitoterápico. Temos as escolhas.” (Relato de IC1) “Você tem que ter uma responsabilidade do que você está tomando e do que você orientando, você está lidando com vidas. Então, toda causa tem um efeito, como administrar as dosagens que é o segredo, cada caso é um caso.” (Relato de IC1) “É de fundamental importância a orientação de quem conhece. Ah, ‘eu ouvi a fulana de tal...’ Mas será que essa informação que você ouviu da fulana de tal vai 32 ter benefício pra você ou vai te trazer uma complicação? Então tudo isso é importante nós avaliarmos.” (Relato de IC1) “Só que tem um porém. O barbatimão, quando é uma ferida brava, não deve usar muito ele, porque ele vai cicatrizar, vai formar aquela casca em cima. Então a cura tem que vir daqui pra lá e não de lá pra cá (de dentro pra fora, não de fora pra dentro). Então ele tampa, já forma a casca. O cara fala que o barbatimão é bom, mas dali uns dias que vai aparecer o problema, porque começa a minar em volta daquela casca. Você tira aquela casca, tá cheio daquela água, aquela coisa. A inflamação fica atrás da casca. Quando tira, a ferida tá até maior do que era. Então tem que lavar antes, lavar bem, de preferência com sabão virgem, lavar sem medo mesmo, com a buchinha, enxugar, aí aplica o barbatimão, que aí ele vai pegar de lá pra cá (de dentro pra fora).” (Relato de IC2) Também é interessante notar que as indicações das plantas medicinais não preconizam apenas o alívio dos sintomas. O reestabelecimento da saúde é um processo muito mais profundo, e pode passar por várias fazes de tratamento, com ervas variadas. Assim, observamos que o cuidado não é realizado de maneira superficial, ele vêm do âmago para a superfície visando à cura integral do indivíduo: “Cada caso é um caso, se a pessoa chega com uma ferida que já está com um grau de intoxicação no organismo, está bem inflamada, está com febre no local, que o local fica vermelho, quente, com muitas ferradas, aí você rapidamente vai fazer a limpeza, desintoxicação, desinflamação interna tomando um chá já apropriado de alguma ervas, como por exemplo chapéu de couro, a caroba do campo, a salsaparrilha, que é de fundamental importância, trabalha muito o fígado, a desintoxicação do fígado, eu uso muito o fedegoso também, um pouquinho da carqueja e a água do limão preparada , Isso aproximadamente sete dias direito, um litro por dia. Mas também, durante esses sete dias, já vou passando ervas específicas pra ir tirando a quentura, a febre, o grau crítico do sofrimento da ferida”. (Relato de IC1) Outro fato curioso relatado por ambos os erveiros foi a associação das cores, formas das ervas, sementes e frutos, com as enfermidades a serem tratadas, como se as plantas já trouxessem informações intrínsecas sobre onde devem agir no organismo: “Você vê, a cicatrização dela é tão instantânea que a própria semente dela já dá uma aparência que tá fechando, é só acompanhar a semente.” (Relato de IC2 sobre o Açoita-cavalo) “Vocês estão vendo aqui a miniatura da flor dela: tem roxo e branco, olha que coisa mais linda do mundo! E também essa lança que ela traz aqui, uma varinha (...). Então quando se fala do gervão, se fala da circulação (...), para eliminar sofrimentos, inflamações internas femininas e masculinas, principalmente das partes íntimas, genitais. As folhinhas aqui no começo são roxas, então você já vai olhando a característica das ervas, a característica da flor. A característica dessa flor roxa é da dor, do sofrimento, da angústia, da tristeza. Deus já caracteriza, já simboliza bem essa erva, pra que serve”. 33 “Dentro é tipo uma estrela de cinco pontas, essa pétala branca, dentro amarela e dentro pretinho também. Então, a cor da paz, o sol da esperança. E também tem tristeza, angústia e morte , preto né, luto (...) Eu sempre gosto de associar as coisas, o porquê, as cores.“ (Relato de IC1 sobre o Gervão) “Dentro é tipo uma estrela de cinco pontas, essa pétala branca, dentro amarela e dentro pretinho também. Então, a cor da paz, o sol da esperança. E também tem tristeza, angústia e morte , preto né, luto (...) Eu sempre gosto de associar as coisas, o porquê, as cores. (Relato de IC1 sobre a Chanana) “O fruto dele, quando ele fica maduro, quando ele cai, fica desidratado, ele fica marrom, com a característica totalmente de fígado, o fígado tá ali, a cor do fígado associadamente.” (Relato de IC1 sobre o Marolo-do-campo) A preocupação com o modo de coletar, a fim de não agredir a planta, pode ser verificada na fala de um dos informantes-chaves a respeito do barbatimão: “O barbatimão é de fundamental importância em todas as praças, para disseminar muito mais. Porque nós temos aí a eliminação pelas pessoas que conhecem, sabem do poder, mas fazem a retirada e muitas vezes matam a árvore, não tem a preservação e o amor pela árvore, por essa vida.” (Relato de IC1) erveira: Os relatos obtidos na pesquisa de Guido et al. (2014) corroboram a fala da A conservação das plantas foi uma preocupação relatada quando afirmaram ter o cuidado em se utilizar somente pequenos ramos das ervas no preparo de chás e infusões. Quando fazem uso da casca e entrecasca do barbatimão (Stryphnodendron obovatum Benth.) e da aroeira (Myracrodruon urundeuva Allem), por exemplo, retiram apenas poucas quantidades, evitando sempre a destruição dessas espécies nativas. Uma motivação para isto foi muito bem apresentada por uma moradora quando afirmou que isso é necessário porque demonstra o respeito às coisas da natureza, a manutenção de um bem que pode durar por gerações. (GUIDO et al., 2014, p. 88) 5.2. Sistematização das plantas medicinais identificadas e seus usos segundo os informantes-chaves e as literaturas As plantas medicinais apontadas foram sistematizadas na Tabela 1, que contém o nome popular citado pelos erveiros, nome científico da espécie, família e os usos prescritos pelos informantes-chaves e por três literaturas conceituadas sobre plantas medicinais de Cerrado: 34 Tabela 1. Nome popular da planta medicinal citado pelos erveiros, nome científico da espécie, família da espécie e usos prescritos pelos informantes-chaves e por três literaturas específicas sobre plantas medicinais de Cerrado. Nome popular Nome científico Família Usos descritos pelos informanteschaves Usos descritos no livro “Plantas Medicinais do Cerrado de Botucatu” (MARONI et al., 2006) Abacaxi-docerrado Ananas ananassoides (Baker) L.B. Smith. Bromeliaceae Suco (com casca): rico em vitaminas, fibras, ajuda a limpar as vias digestivas. Xarope: contra problemas no aparelho respiratório, expectorante. Fruto: males estomacais (carminativo, estomáquico e contra neurastenia). Suco do fruto com levedura de cerveja: afecções de pele (acne, espinhas, cravos) Fruto picado e misturado com farinha de arroz: pasta “rejuvenescedora”. A mesma pasta com farinha de trigo: tratar feridas, úlceras, chagas e psoríases. Macerado do fruto Usos descritos no livro “Plantas Medicinais no Domínio dos Cerrados” (CARVALHO; RODRIGUES, 2001) Decocto, infuso ou suco do fruto: diurético e digestivo. Usos descritos no livro "Cerrado: espécies vegetais úteis” (ALMEIDA et al., 1998) NC* 34 35 Açoita-cavalo Luehea paniculata Mart. Malvaceae Alecrim-docampo Baccharis dracunculifolia DC. Asteraceae Chá das folhas: dores reumáticas, inchaço nos pés, nervos, dores articulares e também para fortalecer imunidade. Casca e raiz: para fazer escalda pés, cura feridas, frieira, eczema. Chá das folhas, casca e raiz: usada para lavagem, cicatrização, secagem de feridas. Própolis do alecrim: para autoimunidade. Banho: tira inflamações, energiza o corpo, usado contra mau olhado. misturado com mel e própolis: afecções das vias respiratórias (bronquite, tosse catarral). NC* Decocto dos ramos picados: antifebril. Banho ou clisteres com a casca do caule: antidesentérica e hemorrágica, para reumatismo. Infuso da casca do caule e do caule: contra úlceras, feridas gangrenosas e queimaduras. Folhas: disenteria, leucorréia, reumatismo, blenorragia, hemorragia e tumores. Infusão das flores: bronquite. Raiz: depurativa. Decocto dos ramos com folhas: antifebril NC* 35 36 Angico preto Anadenanthera falcata (Benth.) Speg. Fabaceae Araçá, goiabinha do campo Psidium firmum Berg. Myrtaceae Assa-peixe Vernonia sp Asteraceae Avoadinha, buva Conyza bonariensis (L.) Cronquist Asteraceae Barbatimão Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville Fabaceae Chá da casca: Inflamações no nervo ciático, bursite, tendinite, broncodilatador, cicatrizante de feridas Chá do líquen presente na casca: eliminar problemas de pulmão, limpar os alvéolos. Chá com folhas: cicatrizante, adstringente, antidiarreica (fruto também é utilizado para este fim). Xarope da raiz: expectorante, para asma, bronquite, pneumonia, sinusite, rinite. Chá das folhas: infecção urinária, prevenção anemia, câncer, diurética. Chá da casca (fazer a fervura): utilizada para lavar NC* NC* Folhas: propriedades analgésica, antifúngica, antibiótica e imunossupressora. NC* Cascas do caule em decocto: ação adstringente e NC* sca: adstringente, para curar feridas e para curtumes. Gomo-resina: moléstias pulmonares. Decocto ou infuso da raiz e casca do caule: diurética, antidiarreica. Chá: combate diarreia. Infuso da raiz: depurativa, diurética. Decocto ou infuso da planta toda: antifebril, bronquites, pneumonias, gripes, tosses. Folhas: depurativas e diuréticas. NC* Decocto da casca do caule: adstringente, NC* Casca: afecções escorbúticas, 36 37 Cambará Lantana câmara L. Verbenaceae feridas, limpar e fechar feridas, poderoso cicatrizante. O chá bem diluído pode ser ingerido para cicatrização de úlcera gástrica (muitas vezes associado com a espinheira-santa) e para emagrecer. Usado também para o estreitamento da vagina, coceira, corrimento vaginal (elimina fungos e bactérias, também usado em sabonetes, shampoos, cremes). antisséptica, casos de blenorreia, diarreia, hemorragias, úlceras e uretrites, conhecida como “casca da virgindade” pela sua propriedade estíptica e adstringente (uso oral). Externamente, em feridas ulcerosas e pele oleosa. Extrato alcoólico da casca do caule: inflamações de garganta, diarreias, corrimento vaginal. Macerado de folhas em água com cascas e raízes picadas: calvície. Propriedades cicatrizantes, hemostáticas, contra hemorroida e para “limpar o útero" (após o parto). cicatrizante, na blenorragia, diarreia, hemorragias, nas úlceras e uretrites. Infuso das folhas maceradas, casca do caule e raiz picados (depois de deixar em repouso por 24 horas e fazer aplicação cutânea direta): contra calvície. Xarope: tosse, ação expectorante. Chá das folhas (infusão ou decocção): tônico, sudorífico, Infuso das folhas: sudorífera, antifebril, gonorreia, hérnia, feridas hemorrágicas, diarreias. É cicatrizante, adstringente, conhecida como “casca da virgindade”, hemostática, paralisante das hemoptises e hemorragias uterinas. A casca em decocção é antisséptica, usada para combater gastrites e dores de garganta. A garrafada da casca do caule (macerada) combate úlcera, inflamações e hemorroidas. 37 38 Canela-develho, planta da Miconia albicans (Sw) Melastomataceae Chá das folhas: reumatismo, febrífugo, expectorante, infecções das vias respiratórias, bronquite, rouquidão (uso interno), sarnas, dermatites, eczema (banhos), reumatismo, contusões, dores musculares e articulares (compressas). Pasta com folhas e flores frescas: colocar sobre o local em caso de dores reumáticas. Chá e xarope das folhas e flores: febre, tosse, bronquite, resfriado, catarro, rouquidão, asma, coqueluche e dores no estômago. Pó das raízes (raiz pulverizada): mistura-se no leite para tratar dores estomacais de crianças. infecções das vias respiratórias, bronquite, rouquidão e expectorante. NC* 38 39 cotia, Carobinha Chanana, flordo- guarujá Jacaranda decurrens Cham. Turnera ulmifolia L. Bignoniaceae Turneraceae artrite, artrose, tendinite, bursite (inflamações das articulações). Chá das folhas: estômago, depurativa, purifica o sangue, cicatrizante, contra afecções de pele. Chá, xarope e tintura das folhas: ameniza o sofrimento de pessoas que realizam tratamentos quimioterápicos e radioterápicos, NC* NC* Infuso ou decocto da casca do caule e folhas em água: depurativo, para afecções cutâneas. Chá das folhas secas trituradas em água: aplicar o cataplasma diretamente no local afetado em caso de úlceras externas. Infuso, decocto ou garrafada das raízes: propriedades antissifilíticas, antirreumáticas, anti-inflamatórias, contra doenças de pele. Infuso do caule: trata coceiras. Decocto ou infuso da casca do caule e folhas: depurativo, afecções cutâneas. Cataplasma das folhas secas: úlceras externas. NC* NC* NC* NC* NC* 39 40 Cipó-de-sãojoão Cipó-prata Embaúba, Pyrostegia venusta Miers. Banisteriopsis campestres (A. Juss.) Little. Cecropia pachystachya Bignoniaceae Malpighiaceae Cecropiaceae para sintomas como enjoos, dor no corpo, baixa imunidade. Folhas e flores são usadas em chá, pomada, cataplasma, banho, para o tratamento de vitiligo. Tintura das raízes: dores no nervo ciático, dores lombares, bico de papagaio, hérnia de disco. Xarope (associado Chá (decocto ou infuso) dos ramos com as folhas ou flores: antidiarreico, tônico, contra dores no ventre e bronquite. Flores e folhas (decocto ou infuso): reumatismo, bronquites, doenças dos rins, vitiligo e toxoplasmose. Infuso ou decocto em águas dos ramos com folhas e flores: diurético, contra problemas renais. Chá das raízes: antiinflamatório, hemorragias ovarianas, blenorreia e nefrites. Decocto ou infuso dos ramos com folhas ou flores: antidiarreico, dores de ventre, tônico e para bronquites. Decocto ou infuso das raízes: antiinflamatório, hemorragias ovarianas, nefrites e blenorreia. Decocto ou infuso dos ramos com folhas e flores: diurético, problemas renais, cálculos nos rins. Decocto ou NC* NC* 40 41 umbaúba Gabiroba Gervão-azul Trécul. com assa-peixe roxo, quinacruzeiro e própolis): broncodilatador, para expelir catarro. Campomanesia pubescens O. Berg. Myrtaceae Stachytarpheta cayennensis (Rich.) Vahl. Verbenaceae Banho preparado com as folhas: usadas para “quebrar macumba”, energizar o corpo, associadas às folha da mangaba e arnicão. Chá com a planta inteira e banho de assento: inflamação nos testículos, irregularidades no aparelho urogenital de homens e mulheres (varicocele, má NC* Chá das folhas e cascas do caule (infuso ou decocto): diarreia e infecções do aparelho urinário. Chá com planta inteira: ação béquica, febrífuga, vermífuga, trata sarampo e espinhas. Chá com folhas (uso interno): tônico estomacal, estimulante digestivo, diurético, emoliente, infuso da raiz: afecções das vias respiratórias, asma, bronquite, tosses e coqueluche. Decocto ou infuso das folhas frescas: diurética. Infuso dos brotos: antiblenorrágica. Decocto ou infuso das folhas e cascas do caule: afecções do aparelho urinário e na diarreia. NC* NC* Decocto ou infuso de toda a planta: febrífuga, béquica, vermífuga. 41 42 circulação das vias urinárias, inflamações), tratamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Girassol mexicano, cinco-quinas, mão de deus * Tithonia diversifolia (Hemsl.) A. Gray Asteraceae Folhas batidas com água e cebola: controla a diabetes. Tintura: elimina o vício da bebida alcoólica. Tintura da mão-de-deus associada com a tanchagem ajuda a eliminar o vício do sudorífico, problemas hepáticos crônicos, disenteria, febres e inflamações reumáticas. Chá das folhas (uso externo): na forma de cataplasma ou banhos, para feridas, contusões, afecções de pele e úlceras purulentas. Raízes: ação antirreumática, cicatrizante, dor nas costas. Propriedade antiinflamatória, antidiarreica, laxante, antiácido, cicatrizante de úlceras estomacais, ação analgésica. NC* NC* NC* NC* 42 43 Gravatá Guaçatonga Bromelia antiacantha Bertol. Casearia sylvestris Sw. Bromeliaceae Flacourtiaceae cigarro. Xarope do fruto: expectorante poderoso, contra gripes, resfriados. Chá das folhas: cura e ameniza dores no corpo, é diurético, auxilia no emagrecimento, anti-inflamatório, desintoxica gradativamente o organismo. Xarope dos frutos: doenças respiratórias (bronquite e asma), pedra nos rins, edemas (hidropisia) e casos de icterícia. Chá das folhas com própolis: tratamento de aftas e feridas da mucosa oral. Propriedades diuréticas, purgativas, vermífugas e abortivas. Decocto ou infuso com folhas ou cascas picadas: diarreia, febre, reumatismo, mordeduras de cobra, afecções de pele e como depurativo. Suco das folhas: fazer compressas no local da picada de cobra. Folhas: analgésico, antirreumático, tônico, para tratar queimaduras, NC* NC* Decocto ou infuso das folhas e casca do caule: antidiarreica, antifebril, depurativa, antirreumática, afecções de pele e mordeduras de cobras. Folhas, casca e raiz: características antissépticas e febrífugas. Suco ou decocção: tratamento de sífilis, febres inflamatórias, depurativo do sangue e cicatrizante. Chá das folhas e raízes: bronquite asmática. 43 44 ferimentos e afecções cutâneas. Infuso das folhas frescas e picadas: ação contra gastrite, úlceras internas, mau hálito. Infuso também usado para herpes labial e genital, gengivites, estomatite, aftas e feridas na boca (compressa direto no local). Indaiá Attalea exígua Drude Palmae (Arecaceae) Japecanga Smilax brasiliensis Spreng. Smilacaceae (Liliaceae) Chá das folhas: auxilia no emagrecimento. Tintura: contra picadas de insetos (repelente), irritações da pele, cicatrizante. Chá das folhas: dores reumáticas e inflamações (tintura também é utilizada para o mesmo fim). NC* Chá da raiz (decocto ou infuso): antissifilítica, antirreumática, depurativa, diurética, sudorífica, para tratar gota e afecções de pele. Ação tônica, purificadora do sangue, contra impotência sexual , fortificante, contra artrite, febre, tosse, hipertensão Casca: antidiarreica, combate de moléstias herpéticas, picadas de cobra. Decocto da raiz: dores do peito e do corpo. NC* Decocto ou infuso da raiz: afecções de pele, antissifilítica, antirreumática, depurativa, diurética, sudorífera, contra gota. NC* Depurativa. Raiz: afecções dérmicas e reumatismos. Chá das folhas, raiz e rizomas: diurético, problemas hepáticos. 44 45 Jatobá Hymenaea stigonocarpa Mart. Ex Hayne Leguminosae (Caesalpinoideae) Chá da casca: utilizado para tratamento de tuberculose, problemas de próstata. problemas digestivos, psoríase, DSTs. Decocto, infuso, xarope da casca e ramos mais velhos: bronquites, tosse, coqueluche. NC* Jurubeba Solanum paniculatum L. Solanaceae Fruto curtido no vinho branco: retira impurezas no fígado, limpeza dos órgãos digestivos (estômago, esôfago, intestino). Chá da raiz: dores profundas abaixo das costelas, diurético. Raízes em infusão: Diabetes, afecções do fígado, febres. Pomada, compressas ou gargarejos feitos com decocto das folhas: ação cicatrizante contra úlceras, pruridos e contusões. Chá das folhas: ressacas após Infuso da raiz: diabetes, icterícia, hepatite, febres, ação sudorífica. Líquido viscoso extraído do tronco: propriedades reconstituintes e tônicas para o organismo, tratamento de úlcera estomacal. Resina em forma de melado: peitoral, tônica, vermífuga. Casca: cistites e prostatites. NC* 45 46 Lobeira Solanum Lycocarpum A. St. Hil. Solanaceae Fruto: consumir maduro, gradativamente (fruta toda pode causar desarranjos intestinais fortes) para fazer uma limpeza do intestino. Auxilia no emagrecimento consumo excessivo de álcool ou comida. Suco: tônico, problemas do fígado e estômago, inflamações do baço e bexiga. Planta inteira (raiz, folha e frutos): gastrite crônica, anemia, hidropsia e tumores internos (abdômen e útero) Sementes: tuberculose Infusão de frutos: prisão de ventre e má digestão. Frutos em álcool ou cachaça: alivia picadas de insetos e escorpiões. Diminuição da secreção gástrica. Raízes na forma de infuso: hepatite. Folhas em decocto: afecções das vias urinárias, cólicas abdominais e renais, espasmos e epilepsia. Banhos e compressas das Banho ou compressa com as folhas: emoliente, antirreumática. Infuso das flores e frutos: tônico, contra asma, gripes e resfriados. Infusão da raiz: contra hepatite. Xarope dos frutos: contra asma. Pó branco extraído do fruto: combate diabetes. 46 47 (reduz apetite). folhas: emoliente e antirreumática. Xarope com rodelas dos frutos, flores e açúcar cristal: asma, gripes, resfriados. Infuso de flores e fruto em água: tônico. Flores em decocto: hemorroidas. Frutos assados e quentes: reconstituição de órgãos atrofiados Suco dos frutos: elimina verrugas. Amido (pó branco) extraído do fruto: tratamento de diabetes. Propriedades sedativas, diuréticas, agente hipoglicêmico, diminuidor de colesterol e contra obesidade. Anti-inflamatório. Frutos verdes contém solasodina, pode ser usada na fabricação de anticoncepcionais, anabolizantes, anti- Frutos verdes contém solasodina, substância percursora de esteroides. 47 48 Marcelinha, erva- dossoldados Marolo-docampo Achyrocline satureioides (Lam.) DC. Annona coriacea Mart. Asteraceae Annonaceae Chá das folhas (decocção ou fervura): para cólicas intestinais, menstruais, dores nas articulações (artrite, artrose, reumatismo) relaxante, calmante (folhas também são colocadas nos travesseiros). Chá das folhas secas: chá concentrado diluído em argila para fazer cataplasma no fígado. Uso interno do chá das folhas: para fígado infartado, cheio de gordura inflamatórios. Decocto ou infuso das folhas e flores frescas ou secas: antiemética, estomática e calmante. NC* Sementes trituradas: eliminação de piolhos e ectoparasitas. Folhas umedecidas ou amassadas: colocar na testa para enxaquecas. Propriedades sudorifica, carminativa, Decocto ou infuso das sementes: diarreia crônica. Problemas digestivos. Infusão das flores: sudorífera. Chá das sementes: prisão de ventre, má digestão, calmante e problemas no fígado. Infusão da planta inteira: distúrbios intestinais e uterinos, hipotensivo e espasmolítico do extrato aquoso. Infusão das folhas e das sementes pulverizadas: combater diarreia e induzir a menstruação. Infusão das sementes com óleo: afecções 48 49 (desintoxicante), elimina boca amarga, dor de cabeça, acelera o metabolismo. Murici, muruci Pequi Byrsonima intermediata A. Juss. Caryocar brasiliense Camb. Malpighiaceae Caryocaraceae Fruto: adstringente, cicatrizante, usado para cortar diarreia, elimina inflamação da mucosa do estômago. Óleo do fruto: casos de inflamações, é cicatrizante, utilizado em pomadas para desinflamar nervos, bursite, estomáquica, antirreumática e anti-helmíntica (via oral), para tratar estomatites, nevralgias, cefaleias (bochechos e compressas). Flores, frutos e cascas: diarreia, dor generalizada e desordens intestinais. Chá das folhas: contra diarreias, infecções intestinais, protege a mucosa intestinal. Chá das raízes em compressas: feridas crônicas, chagas, afecções da boca e garganta. Banho de assento: casos de corrimento vaginal. Óleo da castanha: expectorante (misturado com banha de capivara e aplicado no peito), asma, bronquite, resfriados e coqueluche. parasitárias do couro cabeludo. NC* NC* Óleo da castanha: asma, bronquite, coqueluche. Óleo dos caroços: asma, bronquite, coqueluche, Óleo da polpa: tonificante, contra bronquites, gripes, resfriados, controle de tumores. 49 50 tendinite. Fruto: intestino preso, rico em vitamina C, tratamento de anemia. . Quaresmeira Tibouchina granulosa (Desr.) Cogn Melastomataceae Ucuúba Virola sebifera Aubl. Myristicaceae Chá da casca: usada para cicatrização (o uso não é tão comum). Chá das folhas: ajuda a recuperar a memória, ativa os neurônios. Para circulação, oxigenação do sangue. Caroços de molho na aguardente: Tônico e afrodisíaco. Folhas: regular o fluxo menstrual. NC* NC* resfriados. Caroço em repouso na cachaça: afrodisíaco e tônico. Óleo misturado com mel ou banha de capivara: expectorante. Chá das folhas: regula fluxo menstrual. NC* NC* NC* Suco da incisão da casca: reumatismo, inflamação da faringe e perda de memória. Sementes: resolutivas em tumores. Afrodisíaca, contém alcaloides. *Não contém. **Espécie Exótica 50 51 No total, foram identificadas 31 espécies pelos informantes-chaves durante o trajeto. Destas, apenas uma é exótica (Tithonia diversifolia, o girassol-mexicano), o que demonstra que a área, apesar de sofrer alguns impactos por ações antrópicas, ainda se encontra em bom estado de conservação, com suas características de Cerrado preservadas. O número de espécies medicinais encontradas foi surpreendente considerando a distância percorrida. Vale destacar que a ideia inicial era percorrer um trecho maior, abrangendo outros pontos da área; todavia, devido à quantidade de informações que surgiram pelo caminho e às limitações de tempo, foi necessário reduzir a extensão do percurso. Apenas para fins complementares, um levantamento de literatura foi realizado em fevereiro de 2016 na PUBMED, uma das maiores bases de dados eletrônicas relacionadas à área da saúde, vinculada ao Instituto Norte Americano de Saúde (National Institutes of Health). Ao se colocar como descritor/palavra chave o termo “Brasilian Cerrado”, foram apontados 445 artigos, um número bastante significativo e que revela o grande potencial medicinal da flora do Cerrado. mesma base Usando como descritor/palavra chave o nome científico de cada espécie na de dados, Baccharis dracunculifolia; 15 foram sobre encontrados: Acryrocline 30 trabalhos satureioides; 12 publicados sobre sobre Cecropia pachystachya; 12 sobre Solanum Lycocarpum; 10 sobre Lantana câmara; 10 sobre Tithonia diversifolia; 9 sobre Stryphnodendron adstringens; 8 sobre Turnera ulmifolia; 7 sobre Caryocar brasiliense; 7 sobre Pyrostegia venusta; 7 sobre Solanum paniculatum; 7 sobre Stachytarpheta cayennensis; 6 sobre Miconia albicans; 5 sobre Byrsonima intermediate; 5 sobre Vernonia scorpioides; 4 sobre Casearia sylvestris; 4 sobre Hymenaea stigonocarpa; 3 sobre Annona coriácea; 3 sobre Conyza bonariensis; 3 sobre Jacaranda decurrens; 2 sobre Ananas ananassoides; 2 sobre Virola sebifera; 1 sobre Campomanesia pubescens; 1 sobre Luehea paniculata e 1 sobre Smilax brasiliensis, todos listados no Anexo 6. Nenhum dos trabalhos mencionou questões sobre o conhecimento popular ou conservação do Cerrado no Brasil; todos discorreram apenas sobre os aspectos farmacológicos, bioquímicos de substâncias presentes nas plantas medicinais. Das 31 espécies, seis delas não constam em nenhuma das três literaturas referidas na Tabela 1: Conyza bonariensis (avoadinha), Miconia albicans (canela-de-velho), Turnera ulmifolia (chanana), Tithonia diversifolia (girassol-mexicano), Attalea exígua (Indaiá) e Tibouchina granulosa (quaresmeira). Isso não quer dizer que elas sejam menos eficientes que as demais ou tenham um poder terapêutico menor, pelo contrário, são sugestões 52 para pesquisas, pois suas propriedades talvez ainda sejam pouco conhecidas; devemos considerar também que as espécies vegetais podem variar de uma região de Cerrado para outra. Em relação às outras 25 espécies, podemos afirmar que as indicações de uso relatadas pelos informantes-chaves se relacionam intimamente com as indicações descritas pelas literaturas, o que agrega maior fidelidade ao uso das mesmas como fitoterápicos, pois, apesar das fontes serem variadas, com relatos de diferentes pessoas, o conhecimento é comum e leva às mesmas enfermidades (BORGES, 2009). Isso reafirma a riqueza do conhecimento popular dos erveiros de nossa região e a preciosidade da flora da área de estudo. Uma das recomendações do gervão-azul, que diz respeito às doenças do aparelho genital masculino e feminino, não está presente em nenhuma das três bibliografias, porém foi algo muito enfatizado pelos informantes-chaves. O pequi também teve uma de suas prescrições não relatadas publicações, que foi a indicação de pomadas para desinflamar nervos, bursite e tendinite. É pertinente fazer uma ressalva a respeito da gabiroba, indicada para “quebrar macumba” com benzimentos, de acordo com os informantes-chaves. Segundo o conhecimento popular, muitas doenças ditas “espirituais” são somatizadas, ou seja, manifestadas no corpo físico através de dores variadas, inflamações. De acordo com Polak et al. (1996), analisar a doença apenas com um olhar fisiopatológico é um risco, sendo que os sentidos psico-emocional e espiritual devem ser considerados. Estes aspectos são muitos observados na medicina indígena, onde as doenças do corpo e da alma estão intimamente conectadas (FROÉS; ROCHA, 1977). 5.3. Procedimentos utilizados para a administração das plantas medicinais segundo os informantes-chaves O uso de chás foi o mais citado, abrangendo praticamente 40% dos casos dos procedimentos indicados. A Resolução RDC Anvisa nº 277/2005, aprovou o “Regulamento técnico para Café, Cevada, Chá, Erva-Mate, e Produtos Solúveis” na área de alimentos que não possuem indicações terapêuticas (BRASIL, 2005). Logo, segundo as descrições, chá é um produto que não pode ter finalidade medicamentosa, apenas alimentícia. 53 A resolução proferida pelo governo federal não considerou e/ou valorizou a cultura popular, colocando à margem de suas leis, pois sabe-se pela literatura científica farmacológica e etnobotânica que os chás têm uso medicinal efetivo e comum em várias comunidades (BORGES, 2009). É imprescindível ressaltar a importância deste modo de preparo para fins medicinais e não apenas alimentícios, já que muitas espécies requerem extrema cautela na dosagem e administração, como relata o IC2 a respeito do barbatimão: “Se for tomar ele é bem pouco porque ele é complicado. Ele pode dar estreitamento do esôfago. Tem que ser bem pouquinho mesmo, fazer fraco.” (Relato de IC2 sobre o barbatimão) Indicação (em porcentagem) dos procedimentos utilizados para a administração das plantas medicinais segundo os informantes-chave 45,00% 40,00% 35,00% 38,77% 30,00% 25,00% 20,00% 15,00% 10,00% 5,00% 0,00% 12,24% 8,16% 6,12% 6,12% 4,08% 4,08% 4,08% 2,04% 2,04% 2,04% 2,04% 2,04% 2,04% 2,04% 2,04% Gráfico 1. Indicação (em porcentagem) dos procedimentos utilizados para a administração das plantas medicinais segundo os informantes-chave. Em seguida, temos o xarope como o segundo mais citado, com cerca de 12 % das indicações. Segundo os dados da tabela, observamos que o uso do xarope está intimamente ligado às doenças do sistema respiratório. O fruto consumido “in natura” vem em terceiro, mostrando que os alguns frutos do cerrado são alimentos com grande poder medicinal. 54 Logo após, temos a tintura e o banho. Cabe apontar que os banhos com ervas estão muito relacionados às questões de energização do corpo, a fim de curar as doenças “da alma” (MACIEL; NETO, 2006). Também é muito comum nas práticas ritualísticas da cultura afro-brasileira: O banho de descarrego é feito com ervas próprias de cada orixá. Em cada banho são usadas entre uma e sete ervas. As de uso mais comum são as folhas de alecrim, arruda e guiné. Para o preparo do banho as ervas são colocadas em um recipiente com água, de preferência água de poço ou mineral, e maceradas com uma colher de pau. Depois de bem esmagadas as ervas são coadas e colocadas em descanso por alguns minutos. Depois do banho de higiene a pessoa derrama a água do descarrego sobre o corpo, do pescoço para baixo. Esse banho tem a função de eliminar as energias negativas que circulam em torno da pessoa ou que ocupam o seu corpo físico. (GOMES, 2012, p.85) Cataplasma, suco e pomada abrangeram cerca de 4% dos tratamentos. Os demais modos de uso, como banho de assento, creme, escalda-pés, óleo, própolis, sabonete, shampoo e vinho medicinal foram citados em aproximadamente 2% dos casos. Uma breve explicação sobre os procedimentos utilizados para a administração das plantas medicinais pode ser encontrada no Anexo 4. 5.4. Sistemas do organismo humano que apresentam envolvimento com as ações terapêuticas das plantas medicinais relatadas pelos informantes-chaves Os tratamentos indicados pelos informantes –chaves têm ação sobre os mais diversos sistemas do organismo humano, sendo que, em todos os casos, uma planta medicinal envolve mais de um sistema, como mostra a Tabela 2. A classificação dos sistemas foi realizada segundo Agur et al. (2014) e Porth et al. (2015), de acordo com as enfermidades descritas pelos erveiros. 55 Tabela 2. Nome popular da planta medicinal, nome científico da espécie e sistemas do organismo humano que apresentam envolvimento com as ações terapêuticas das plantas medicinais relatadas pelos informantes-chaves Nome popular Nome científico Sistemas do organismo humano que apresentam envolvimento com as ações terapêuticas das plantas medicinais relatadas pelos informantes-chaves Abacaxi-do-cerrado Ananas ananassoides (Baker) L.B. Smith. Sistema Digestório, Sistema Respiratório, Sistema Imune Açoita cavalo Luehea paniculata Mart. Sistema Imune, Sistema Nervoso, Sistema Articular, Sistema Tegumentar Alecrim-do-campo Baccharis dracunculifolia DC. Sistema Imune, Sistema Nervoso Angico preto Araçá, goiabinha do campo Anadenanthera falcata (Benth.) Speg. Sistema Imune, Sistema Nervoso, Sistema Articular, Sistema Muscular, Sistema Tegumentar, Sistema Respiratório Psidium firmum Berg. Sistema Imune, Sistema Digestório, Sistema Tegumentar Assa-peixe Vernonia sp Sistema respiratório, Sistema Imune Avoadinha, buva Conyza bonariensis (L.) Cronquist Sistema Imune, Sistema Renal, Sistema Circulatório Barbatimão Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville Sistema Imune, Sistema Digestório, Sistema Reprodutor, Sistema Tegumentar Cambará Canela de velho, planta da cotia Lantana câmara L. Sistema Imune, Sistema Respiratório Miconia albicans (Sw.) Sistemas Imune, Sistema Nervoso, Sistema Articular, Sistema Muscular Carobinha Jacaranda decurrens Cham. Sistema Imune, Sistema Digestório, Sistema Tegumentar, Sistema Circulatório Chanana Turnera ulmifolia L. Sisstema Imune, Sistema Nervoso, Sistema Digestório Cipó-de-são-joão Pyrostegia venusta Miers. Sistemas Imune, Sistema Nervoso, Sistema Tegumentar Cipó-prata Banisteriopsis campestres (A. Juss.) Little. Sistema Nervoso, Sistema Ósseo, Sistema Articular, Sistema Imune Embaúba, umbaúba Cecropia pachystachya Trécul. Sistema Imune, Sistema Respiratório 55 56 Gabiroba Campomanesia pubescens O. Berg. Sistema Imune, Sistema Nervoso Gervão-azul Stachytarpheta cayennensis (Rich.) Vahl. Sistema Imune, Sistema Nervoso, Sistema Reprodutor Girassol-mexicano Tithonia diversifolia (Hemsl) A. Gray Sistema Nervoso, Sistema Endócrino Gravatá Bromelia antiacantha Bertol. Sistema Respiratório, Sistema Imune Guaçatonga Casearia sylvestris Sw. Sistema Imune, Sistema Nervoso, Sistema Renal, Sistema Circulatório Indaiá Attalea exígua Drude Sistema Nervoso, Sistema Digestório Japecanga Smilax brasiliensis Spreng. Jatobá Hymenaea stigonocarpa Mart. Ex Hayne Sistema Imune, Sistema Nervoso, Sistema Tegumentar . Sistema Imune, Sistema Respiratório, Sistema Reprodutor Jurubeba Solanum paniculatum L. Sistema Imune, Sistema Nervoso, Sistema Muscular, Sistema Digestório, Sistema Renal Lobeira Solanum Lycocarpum A. St. -Hil. Sistema Nervoso, Sistema Digestório Marcelinha, ervados-soldados Achyrocline satureioides (Lam.) DC. Sistema Imune, Sistema Nervoso, Sistema Digestório, Sistema Articular, Sistema Muscular, Sistema Reprodutor Marolo-do-campo Annona coriacea Mart. Sistema Nervoso, Sistema Digestório Murici, muruci Byrsonima intermediata A. Juss. Sistema Imune, Sistema Nervoso, Sistema Digestório Pequi Caryocar brasiliense Camb. Sistema Imune, Sistema Nervoso, Sistema Articular, Sistema Muscular, Sistema Digestório, Sistema Circulatório Quaresmeira Tibouchina granulosa (Desr.) Cogn Sistema Imune, Sistema Tegumentar Ucuúba Virola sebifera Aubl. Sistema Nervoso, Sistema Respiratório, Sistema Circulatório 56 57 Indicação (em porcentagem) dos sistemas do organismo humano que apresentam envolvimento com as ações terapêuticas das plantas medicinais relatadas pelos informantes-chaves 30,00% 25,00% 20,00% 15,00% 10,00% 5,00% 26,26% 20,20% 12,12% 8,08% 8,08% 6,06% 5,05% 5,05% 4,04% 3,03% 0,00% 1,01% 1,01% Gráfico 2. Indicação (em porcentagem) dos sistemas do organismo humano que apresentam envolvimento com as ações terapêuticas das plantas medicinais relatadas pelos informantes-chaves. 5.5. Sobre a entrevista realizada com os informantes-chaves A entrevista com os informantes-chave se deu no quiosque, antes do retorno, enquanto tomávamos um café. A primeira pergunta, visando conhecer a raiz do conhecimento dos erveiros, foi a seguinte: “Com quem aprendeu o conhecimento das plantas medicinais? Transmite para alguém?” E as respostas foram: “A gente foi nascido no sítio, é do mato mesmo, a gente já conhecia uma infinidade mesmo. A gente já tem um pouco dali e depois pra aumentar mais o conhecimento, a gente fez uns cursos em São Carlos para aumentar o conhecimento da gente. Hoje o conhecimento graças a deus tá bastante adiantado. A gente fez também aquele curso pra escapar de laboratórios, medicina, essas coisas, para de fitoterapeuta, né? A gente mesmo sem poder teve que fazer pra escapar, porque é melhor você gastar um pouco do que levar uma multa muito grande ou um processo, como a gente vai responder um processo depois? E o conhecimento da gente, cada dia que passa, a gente vai adquirindo mais. Na natureza, nada como fazer na prática. Você vê aqui, o que ela não sabe, se eu souber eu falo. A gente vai formando uma corrente, que isso aí já chama uma corrente, né? Quanto mais levar o conhecimento pro próximo, aquele expande pra outro, pra outro e vai alastrando. Vê que todos canais de televisão hoje: plantas medicinais, ninguém pode barrar.” (Relato de IC2) 58 “Tenho uma origem indígena, minha mãe é filha de índia, somos da tribo dos Tupinambás, uma nativa lá da baixada do Rio Amazonas. Nasci no meio do mato. Quando nós falamos da ilha tubinambarana, nós estamos falando da nossa família, da nossa origem das nossas raízes. E quando se se fala a linguagem indígena, nós vivemos o dia a dia, nós vivemos a nossa vida, dentro fora, no olhar, nas lembranças indígenas, também do nosso conhecimento. E quando se fala das ervas medicinais, nós já nascemos com esse conhecimento, nós nascemos no meio do mato. No meio do mato, você fica doente, a mãe automaticamente vai no jardim, vai no quintal, vai ali no meio do mato mesmo, e já conhece a planta, pega a folha, já faz o chá, ou já faz um banho também, nós somos muito de banho, e já realiza ali aquela prevenção, aquela cura, automaticamente, naturalmente , isso é importante. Então já vem de uma descendência indígena, da minha origem, graças a Deus e Nossa Senhora (...). Com passar do tempo, que nós vamos crescendo, ganhando experiência, educação, convívio com outras pessoas também, com outras culturas diferentes, e vamos sentindo o amor no coração, a necessidade de ajudar, de transmitir, de fazer o bem sem ver a quem, não tem preço. É automaticamente, sabe? Nós vamos sim passando o conhecimento. Perseguições, nós temos sim, muitas. Tem o ciúme, tem a inveja, mas eu falo assim, que cada um está em cima dessa mãe natureza, desse espaço sagrado que se chama Terra, pra aprimorar o seu conhecimento, pra diversificar, pra doar também. É o que nós estamos fazendo aqui (...). É muito bom quando nós podemos estar do lado de pessoas que querem fazer a diferença, levar o conhecimento gratuitamente, doando o que recebeu também (...). Na realidade, nós temos jatobá, nós temos faveiro também. Quando se fala das plantas da Amazônia, muitas pessoas de outras cidades, de outros continentes, já habitaram aquela região e já plantaram também. E, quando eu vim - eu saí da ilha com sete anos de idade - fui pra Manaus e de repente me deparei aqui. Me deparei com um homem muito especial, sagrado, que eu amo de paixão pelo conhecimento, pelo amor, pelo carinho (...). Ele nos passou muita coisa, esse homem levava muitas pessoas pro meio do mato pra conhecer, doando o amor dele. E olha que ele não é índio, mas ele conviveu com índios no mato grosso e conheceu muitas coisas.” (Relato de IC1) Através dos depoimentos, podemos observar que a relação que os erveiros têm com a terra é muito íntima, e foi construída desde cedo, com informações passadas de geração a geração. Porém, ambos sempre buscaram conhecer mais a respeito, estudar, trocar e compartilhar saberes. Este é um dos propósitos do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, para que os detentores do conhecimento possam também atuar no Sistema Único de Saúde: O Programa estabelece que a validação e garantias de uso, eficácia e qualidade desses produtos deverão ser referendadas pela tradição. Define, ainda, que o incentivo, apoio e fomento ao aprimoramento técnico e sanitário de seus agentes, processos e equipamentos, deverão propiciar a inserção dos detentores desses saberes e de seus produtos no Serviço Único de Saúde – SUS e nos demais mercados. (DIAS; LAUREANO, 2010, pág. 16) Perguntei ao IC2 se os jovens têm interesse em aprender esse conhecimento transmitido, e a resposta: 59 “Poucos viu, poucos. Tem aqueles uns que você fala, e não adianta. O negócio deles é outro, não é planta não.” (Relato de IC2) Com a diversidade de tecnologias inovadoras disponíveis, os jovens passaram a ter outras formas de adquirir informação e desenvolveram outros interesses, fato que os distanciou da sabedoria popular e dos tratamentos com ervas medicinais transmitidos pelos mais velhos (GUIDO, 2014). Estreitar novamente esta relação e realizar registros é indispensável para que o conhecimento precioso das gerações antigas não seja perdido. Através das respostas da pergunta “Qual a importância de transmitir esse conhecimento?” podemos reiterar essa importância: “É muito importante passar o conhecimento adiante. Porque realmente a saúde é muito simples de ser recuperada quando você tem o conhecimento, quando você tem o discernimento e a responsabilidade, porque pra cada planta existe uma função, e cada órgão muitas vezes necessita de algumas ervas diferenciadas pra trazer a recuperação da saúde.” (Relato de IC1) “É importante porque, primeiro passo, é que a gente tá servindo o próximo né. Às vezes uma pessoa tá com uma enfermidade, e tá naquele desespero. Então você entra lá, já faz o que tem que fazer, passa um chazinho pra ela, que não custa nada fazer, e dá resultado. Quer dizer, aquela lá depois passa pra outra...a gente vai alastrando devagar.” (Relato de IC2) A preocupação e o cuidado com seus semelhantes são nítidos nas falas, e ambos destacam a importância do compartilhamento desses saberes para que a cura através das plantas medicinais seja disseminada. É interessante notar que o saber popular não aprisiona o conhecimento, pelo contrário, quanto mais pessoas forem beneficiadas, maior é a satisfação. Isso demonstra a humanidade com que os erveiros acolhem aqueles que buscam soluções para suas dores; o altruísmo, sem dúvida alguma, é uma característica marcante desses curadores. O respeito pela terra demonstra que o zelo não se restringe ao cuidado com as pessoas. Seguem as respostas da pergunta “Existe um cuidado ao coletar a planta para não danificá-la?”: “Na verdade, eu vou falar uma coisa pra você, todo lugar onde existe mato, terra, árvore, é um lugar sagrado. Aqui, é um lugar maravilhoso, de se viver essa vida, de saber se viver, nós viemos aqui pra aperfeiçoar. Deus nos dá totalmente, gratuitamente Se nos começarmos a avaliar, a fazer a preservação, a ter consciência que nós devemos preservar pra passar pra nossa futura geração, nós vamos ter sim qualidade de vida, nós vamos ter saúde, nós vamos ter muitas pesquisas ainda a serem desenvolvidas.“ (Relato de IC1) 60 “É importante (coletar com cuidado) pra que isso não aconteça, né” (Relato de IC2) A fala de IC1 demonstra que existe uma relação harmoniosa com a natureza, e não a exploratória. Mostra, também, a plena consciência de que conservação é essencial para a qualidade de vida das gerações e para que novas pesquisas sobre plantas medicinais sejam desenvolvidas. É evidente que s aspectos socioculturais e ambientais estão extremamente conectados, como afirma Santos (2014): A prática de uso das plantas medicinais tanto na cura física quanto espiritual faz parte das relações que a comunidade desenvolveu ao longo de séculos com a natureza, consigo mesma e com o mundo que a cerca. Os saberes e práticas de cuidado com a saúde, atrelados ao uso das plantas medicinais, dizem respeito à estreita relação existente entre aspectos socioculturais e ambientais. (SANTOS, 2014, pág. 245) Na pergunta “Onde coleta as ervas medicinais para realizar os tratamentos?”, os informantes-chaves destacaram que o local deve ser livre de contaminações. Ambos têm plantas medicinais em casa e também coletam em áreas verdes: “Na realidade, quando nós vamos colher planta pra um determinado tratamento de saúde, nós temos que avaliar muito o local. Porque existem aí várias contaminações. Você vai pegar aí uma planta da calçada, onde cai a chuva, lixo, tudo mais, tem córrego, esgoto, entulho? Não. Você vai pra um lugar distante, um lugar adequado que não tem nada de contaminação e principalmente num lugar desse, o Cerrado. Agora o bom, sempre, é você ter uma fonte segura e eficaz, ou seja, aquisição é importante. Ou você planta num terreno onde você toma conta ou você colhe também de um lugar que você acha que é seguro e eficaz para fazer a complementação ou até mesmo a recuperação dessa saúde da pessoa. Compro diretamente do distribuidor, plantador, agricultor, coleto também. Quando eu vejo que tem um lugar seguro, tranquilo, que não existe contaminação, eu colho.” (Relato de IC1) “Estou mais no mato de Ibaté que em casa (risos). Tenho várias (plantas) em casa. Vou nos dois, onde eu souber. Na cidade não dá, tem que ir lá (no mato), porque tem muita impureza.” (Relato de IC2) Sobre os aspectos da conservação, perguntei: “Como o conhecimento das ervas medicinais pode contribuir para a conservação da área?” 61 “Nós temos que, em primeiro lugar, educar, reeducar, contar a história do passado, do que nós vivemos pros nossos filhos atuais. Esse conhecimento tem que ser contato dentro da escola, tem que participar as crianças sim, tem que contar essa história pra eles, pra eles irem tomando gosto, tomando respeito, tomando a consciência, se conscientizando que é necessário nos fazermos a preservação do planeta. Porque se nós não fizermos a preservação do meio ambiente em que nós vivemos, e ir passando essa cultura com das ervas medicinais, fauna e flora, nós não temos longevidade, nós não temos qualidade de vida também. Nós estamos plantando o amor para colher a flor também, isso é fundamental. Eu penso muito nessa parte da educação de casa, em primeiro lugar, e depois sendo levada pras escolas também, isso é importante.” (Relato de IC1) Mais uma vez, notamos que biodiversidade não adquire prestígio apenas nos laboratórios, através de pesquisas em engenharia genética e biotecnologia, há um grande valor intrínseco às comunidades, sendo que a maioria dos saberes populares é baseada na capacidade que o ambiente tem de manter a vida, e não em seu valor comercial (SHIVA, 2003), o que os transforma também em instrumentos para a conservação. Vários programas conservacionistas têm fracassado por não incorporarem padrões locais de usos de plantas e paisagem, atribuindo somente um valor mercadológico à área e deixando de lado valores locais como as crenças, espiritualidade e processos de subsistência (ROCHA, 2004). A erveira fala também sobre a importância de inserir as tradições e os saberes populares nas escolas e, acrescento, nas universidades. Nesse contexto, a Educação Popular se faz presente; é preciso agregar os detentores desse vasto conhecimento aos espaços escolares, acadêmicos e ampliar as discussões sobre o assunto dentro das próprias comunidades. [...] quando se realiza estudos pedagógicos sobre plantas medicinais, tanto se trabalha a temática do meio ambiente, quanto à orientação sobre economia, saúde e qualidade de vida criando-se um elo entre Educação Ambiental e Saúde Pública, e a escola deve aproveitar essa ferramenta e orientar os alunos a respeito das riquezas dos recursos naturais despertando neles o fascínio pela pesquisa das propriedades medicinais das plantas e sua correta aplicação terapêutica, pois as plantas medicinais surgem como uma das alternativas para o trabalho preventivo da saúde das pessoas (SILVEIRA, 2005 apud SILVA, 2012, p.1355). Referente à questão “Qual o significado das plantas medicinais para você, o que elas representam?”, ambos relataram que elas são como uma “farmácia”: “Ela representa assim, como a gente vai dizer, uma farmácia né? Porque você fica doente, você corre na farmácia, a gente corre pra natureza. Quer dizer, nós vamos em busca, nós estamos no caminho mais certo, porque nada é como uma coisa pura. E aquela lá é contaminada né, tem químicos, tem isso e aquilo. Então pra nós 62 representa um lugar onde fica guardado medicamento e que a gente vai lá buscar, e é a natureza.” (Relato de IC2) “É a farmácia de deus, ali não tem contaminação, tem o amor mais puro da mãe natureza, conciliando ali a necessidade do filho em busca da sua recuperação, do seu bem estar físico, emocional, social, principalmente o espiritual. A índia não entra nessa terra sagrada, nesse solo, calçada, porque sou uma consagrada. E eu vejo meus irmãos mortos, sendo esfaqueados, roubados, sendo expulsos da casa deles e ninguém fala muita coisa. E eles vão morrendo, sendo eliminados, mas a o ciclo da vida continua. E isso aqui é sagrado demais, aqui a gente esquece todos os problemas, esquece que é mãe, que tem gente passando mal, e estamos aqui dando nossa contribuição, é pequena, é muito pequena, mas é de coração e eu estou feliz de estar com ele (IC2) também.” (Relato de IC1) Nota-se que ambos fazem uso das plantas para tratar também os seus problemas pessoais. Essa é uma das maiores riquezas do conhecimento popular, pois seus detentores utilizam de maneira prática em suas vidas aquilo que indicam para outras pessoas, o que lhes confere uma propriedade de fala ainda maior. Como disse Freire (2000), “(...) devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes.”. Ainda, nas palavras de Jung (1998): [...] aquilo que atua não é o que o educador ensina mediante palavras, mas aquilo que ele “verdadeiramente é”. Todo o educador, ao sentido mais amplo do termo, deveria propor-se de novo à pergunta essencial: ele procura realizar em si mesmo e em sua vida, do modo melhor possível e de acordo com sua consciência, tudo aquilo que ensina. Na psicoterapia tivemos que reconhecer que em última instância não é a ciência nem a técnica que tem efeito curativo, mas somente a personalidade; o mesmo acontece na educação: ela pressupõe a “educação de si mesmo”. (JUNG, 1998, p. 145) As respostas da pergunta “Qual a particularidade do tratamento com as ervas?” revelam que as plantas medicinais tratam o ser humano de maneira integral, resolvendo as raízes das enfermidades, desintoxicando o organismo, e não apenas tratando os sintomas: “Aí vem aquele problema...Eu vou lá porque aquele remédio tira a dor, aquele lá presta, né? Não são todos iguais, uns gostam dos olhos, outros da ramela (risos). Então, se pra nós aqui tá bom, e pra quem tá procurando a gente tá bom, pra gente tá melhor ainda. Porque o intuito da gente é levar conhecimento e dar as plantas já 63 adequadas pra ele. Se ele acha que ele melhorou, pra nós tá mais que bom. Agora aquele lá (remédio alopático), eu não posso sem discutir. Eu francamente não tomo uma gota de nada.” (Relato de IC2) “Elas conseguem energizar, tocar fundo, isso que é diferenciado, entendeu? Você sente o poder, a energia, é impressionante como você, descalça, descarrega tudo, eu estou livre...livre, livre, livre (...), não estou com dor nenhuma (...). Limpa, harmoniza, equilibra, traz a paz e o equilíbrio, não tem pagamento, não tem preço. Não tem que ter medo. Agora, quando estava diante de um juiz, a cor dos olhos dele era azul, ele era branco. Aí eu falei assim: ‘Excelência! (ele estava intimando uma pessoa muito querida, fazendo assinar um TAC ) Por gentileza, uma pergunta: ‘Eu, que nasci no meio do mato, sou filha de índia, conheço as ervas!’. Aí ele levantou, parabenizou, apertou minha mão: ‘Você tem algum estudo, algum certificado, que comprove que você estudou as ervas?’ Eu falei: ‘Não senhor.’ Aí ele disse assim: ‘Então vai estudar.’ Aí eu parti e só parei na especialização com três casos de cura apresentados. Quando nós falamos desses dois lados, o natural e o alopático, existe o benefício de ambos os lados, eu já atuei dez anos na área de enfermagem como técnica em enfermagem. Eu falo que existe a necessidade. Se existe a necessidade dos dois, nós temos que amar, respeitar e usar quando necessário, cada caso é um caso. Por isso que eu falo: já foi ao médico? Já fez teus exames pra você ter uma certeza absoluta do que é que você tem, o que é que você está sentindo? Aí depois, qual o tratamento adequado que você vai usar e será encaminhado pra você, quem vai demandar, quem vai autorizar, é teu coração. Medicamentos da farmácia, é ótimo, é muito bom, tira com a mão. Mas você não tratou a raiz do problema, você tirou os sintomas, acalmou o fogo, baixou o fogo na hora do problema. Depois, daqui a dez, quinze dias, ele retorna mais forte ainda. Por quê? Porque você tomou um medicamento alopático, sanou o problema, remediou o problema, acalmou. Mas você tem que ter a noção que você tem que tratar a raiz do problema, e você só vai tratar, curar, eliminar a raiz do problema com tratamento natural, pra não intoxicar mais ainda esse corpo que já está intoxicado (...). É importante fazer a desintoxicação dos medicamentos, de uma cirurgia grande ou pequena. Quando nós tomamos também uma quantidade de anestesia no corpo, tudo causa efeito colateral. Você fica com baixa imunidade, você fica com uma baixa resistência, e de repente vem uma anemia, vem uma fraqueza. Uma coisinha que você não preste bastante atenção, você nunca mais recupera. E você só vai se intoxicando, se intoxicando, e não trata a raiz do problema.” (Relato de IC1) Uma passagem do trabalho de Santos et al. (2011), também revela a integralidade dos tratamentos feitos com as ervas medicinais: [...] a fitoterapia faz com que o ser humano volte a se conectar com a natureza e assim buscar na vegetação uma forma de ajudar o organismo em vários sentidos, como a restaurar a imunidade enfraquecida, normalizar funções fisiológicas, desintoxicar órgãos e até mesmo para rejuvenescer. (FRANÇA et al., 2008 apud SANTOS, 2011, p. 487) Em Muru e Quinet (2014), o pajé tem uma passagem interessante sobre esta questão: afirma que o remédio químico mata a doença ao invés de mandá-la embora, como fazem as plantas medicinais. Ou seja, a cura pode até vir, mas algo ficará impregnado no organismo, ao contrário do tratamento com as ervas, que leva a doença sem deixar impurezas no corpo. 64 Por fim, pergunto sobre a área de Cerrado do campus: “Conhecia área de Cerrado no campus da UFSCar? Qual sua impressão sobre ela?” “Não, essa aqui eu nunca entrei. Sagrada, abençoada, muito especial. Principalmente pra estudo, nós estamos vendo aqui que os ciclistas estão passando, pai e mãe trazendo os filhos nesse local sagrado, e com o passar do tempo eles vão ver que aqui é uma preservação sagrada, que eles também vão trazer a geração dos filhos deles.” (Relato de IC1) “Não conhecia. Que é muito bom demais. É um lugar propício pra fazer esse tipo de coisa e adquirir novos conhecimentos do que tem, o que existe aqui. Ali tá a prova, os macaquinhos (sobre a sagui com filhote que avistamos no início da caminhada). Foi um prazer imenso conhecer isso daqui.” (Relato de IC2) O relato dos informantes-chave reitera a importância da área de cerrado do campus como um rico local para a realização de mais estudos sobre plantas medicinais, e que deve ser conservado inclusive para que as futuras gerações possam conhecê-lo. 65 6. CONCLUSÕES Os resultados demonstram que os erveiros identificaram com facilidade um número muito significativo de plantas medicinais no local de estudo, mesmo sem o conhecimento prévio da área. Isso revela uma sabedoria preciosa sobre as ervas, que extrapola as questões fitoterápicas em si e se expande para aspectos culturais e ambientais. As indicações terapêuticas relatadas pelos informantes-chaves visam o cuidado integral do ser humano, e relacionaram-se intimamente àquelas descritas nas literaturas específicas. Os dados coletados na turnê-guiada e os relatos dos informantes-chaves apontam a importância da conservação da área de Cerrado da UFSCar, por sua relevância ecológica e por ser uma área riquíssima para o estudo sobre plantas medicinais de Cerrado no estado de São Paulo e no Brasil. A valorização do saber popular regional e da flora local são aspectos fundamentais para o fortalecimento dos movimentos de Educação Popular em Saúde e das Práticas Integrativas, pois fornecem subsídios valiosos para a incorporação de novas plantas medicinais aos programas de fitoterapia dos municípios. 66 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUR, A. M. R.; DALLEY A. F.; MOORE, K. L. Anatomia orientada para a Clínica. São Paulo: Guanabara, 2014. ALBUQUERQUE, P. C.; STOTZ, E. N. Popular education in primary care: in search of comprehensive health care, Interface - Comunic., Saúde, Educ., v.8, n.15, p.259-74, mar/ago 2004. ALBUQUERQUE, U. P.; LUCENA, R. F. P.; ALENCAR, N. L. 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Psicologia, Natal, vol.7, no.spe, p.79-88, 2002. 70 ANEXOS Anexo 1 Roteiro de perguntas durante a turnê-guiada 1) Qual o nome ou os nomes populares da planta? 2) Para que a planta é indicada? 3) Qual a parte da planta é utilizada? 4) Qual o procedimento utilizado para preparar a planta para o uso? 71 Anexo 2 Roteiro de entrevista com os informantes-chaves 1) Com quem aprendeu o conhecimento sobre as plantas medicinais? Transmite para alguém? 2) Qual a importância de transmitir esse conhecimento? 3) Existe um cuidado ao coletar a planta para não danificá-la? 4) Onde coleta as ervas medicinais para realizar os tratamentos? 5) Como o conhecimento das ervas medicinais pode contribuir para a conservação da área? 6) Qual o significado das plantas para você, o que elas representam? 7) Qual a particularidade do tratamento com as ervas? 8) Conhecia área de Cerrado no campus da UFSCar? Qual sua impressão sobre ela? 72 Anexo 3 Termo de Consentimento Nome:____________________________________________________________________ Nacionalidade:_____________________________________________________________ Estado Civil:________________________________________________________________ Ocupação:__________________________________________________________________ Data de nascimento: _____/______/________________ Endereço:__________________________________________________________________ Cidade: ________________ Estado: ______ RG:___________________________ Tel. Res. ( CPF:____________________________ ) _____________________ Tel. Cel. ( )_________________________ Aceito participar da pesquisa de monografia do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Carlos sobre plantas do Cerrado no campus da UFSCar, no município de São Carlos, SP, sob a responsabilidade da aluna Ana Carolina Moreno Mazini e orientação da Profa. Dra. Maria Waldenez de Oliveira e Profa. Dra. Cristina Paiva de Sousa. Minha participação será inteiramente livre e por minha vontade. Autorizo expressamente a utilização da minha imagem e voz, em caráter definitivo e gratuito, constante em fotos, filmagens e gravações de áudio decorrentes da minha participação. As imagens e a voz poderão ser exibidas: nos relatórios parcial e final do referido projeto de pesquisa, na apresentação audiovisual do mesmo, em publicações e divulgações acadêmicas, em eventos nacionais e internacionais relacionados ao tema, bem como disponibilizadas no banco de imagens resultante da pesquisa e na Internet, fazendo-se constar os devidos créditos. Por ser esta a expressão de minha vontade, nada terei a reclamar a título de direitos conexos à minha imagem e voz ou qualquer outro. Fui esclarecido que responderei a perguntas semiestruturadas durante o trajeto proposto e ao final do percurso. Minha identidade será preservada, isto é, meu nome e demais dados não serão divulgados e, caso seja necessário, poderei interromper a entrevista a qualquer momento. São Carlos, ________ de ________________________, de_________________. Assinatura do entrevistado___________________________________________ Assinatura do entrevistador___________________________________________ 73 Anexo 4 Procedimentos utilizados para a administração das plantas medicinais segundo o livro “Folhas de Chá: Remédios Caseiros e Comercialização de Plantas Medicinais, Aromáticas e Condimentares” (SILVA et al. – Viçosa, MG: UFV, 2008) Chás Esta preparação é, sem dúvida, a mais tradicional e conhecida forma de utilização das plantas medicinais. Existem três maneiras de preparação dos chás, conforme detalhado nos tópicos subsequentes. Infusão Usa-se esse tipo de preparação com as partes tenras de algumas plantas, como flores e folhas. Tais partes são normalmente ricas em componentes voláteis e princípios ativos que se degradam pela ação conjunta da água e do calor prolongado. A infusão é obtida colocando-se a quantidade de planta suficiente ao preparo, em recipiente de vidro ou louça. Em seguida, derrama-se água fervente sobre a erva num desses recipientes e tampa-o, aguardando de 5 a 10 minutos para, após esse tempo, coar-se o infuso, que deve ser utilizado no mesmo dia da preparação. É recomendável que o s chás sejam preparados em quantidades suficientes para o consumo imediato. refrigeração, deve ser evitado. O armazenamento dos chás, mesmo que sob Decocção Deve ser empregada quando se utilizam os órgãos menos tenros das plantas, como raízes, cascas, rizomas e sementes e outras partes de maior resistência à ação da água quente. Lavam-se as partes das ervas colocando-as em uma panela (é melhor que esta não seja de alumínio) com água fria. Leva-se ao fogo e deixe-se ferver por tempo relacionado ao volume final da decocção desejada, sendo recomendado, em geral, um mínimo de 10 e um máximo de 20 minutos. A seguir, deixa-se o decoto em repouso por 5 a 10 minutos em recipiente bem tampado, coando após decorrido esse tempo e consumindo de imediato, preferencialmente. Maceração 74 É uma preparação realizada a frio. Coloca-se parte da planta medicinal rasurada a ser utilizada em água fria por até 12 horas. O recipiente deve permanecer em lugar fresco, ao abrigo da luz direta. Findo o tempo previsto, coa-se o preparado. Suco ou Sumo Obtém-se o suco espremendo o fruto ou outra parte da planta, podendo ser diluído em água e ingerido logo após o seu preparo. O sumo, por sua vez, é obtido triturando- se a planta medicinal fresca num pilão, liquidificador ou em uma centrífuga. Durante o processo de extração do sumo, pode-se adicionar pequena quantidade de água, caso a planta possua pouco líquido. Essas preparações devem ser feitas imediatamente antes do uso. Tintura Grande parte das substâncias que conferem propriedades terapêuticas a diversas plantas medicinais é solúvel em água, por isso, a elaboração de tinturas é a forma mais simples de conservar os seus princípios ativos por longo período. A tintura consiste em deixar as partes picadas das plantas já secas imersas em álcool por 8 a 15 dias, em local ao abrigo da luz e à temperatura ambiente. O álcool utilizado preferencialmente utilizado é o de cereais, que deve estar a 60°GL. A proporção de plantas em relação à quantidade de álcool é de uma parte de plantas secas para cinco partes de álcool. Exemplo: duzentos gramas de folhas secas para 1 litro de álcool de cereais a 60 °GL. Escolhidas as plantas e o álcool de cereais após a maceração as tinturas devem ser colocadas em vidros âmbares, devidamente rotulados e armazenados em local escuro. Em geral, podem ser usadas por até dois anos na forma de gotas dissolvidas em água para uso interno e no preparo de pomadas, cataplasmas e fricções (uso externo). Alcoolaturas As alcoolaturas são obtidas pela ação do álcool sobre as plantas frescas, sem secagem, uma vez que esse procedimento estabiliza seus princípios ativos. Na alcoolatura, são empregadas partes iguais em peso de planta fresca e de álcool (de cereais, preferencialmente). Por exemplo: 100 g de folhas frescas picadas para 100 ml de álcool de cereais 60 °GL. O modo de preparação é muito simples, basta deixar as partes da planta fresca em maceração por oito dias em recipiente fechado com álcool. Após esse período, o preparado deve ser filtrado. 75 Depois da maceração, as alcoolaturas, assim como as tinturas, também devem ser colocadas em vidros âmbares devidamente rotulados, que devem ser armazenados em local escuro. Em geral, elas podem ser utilizadas por até um ano na forma de gotas dissolvidas em água, para uso interno, e no preparo de pomadas, cataplasmas e fricções, para uso externo. Xarope Os xaropes são preparações simples, baratas. Existem diversas maneiras de prepará-los. Uma delas é a seguinte: utilizam-se como ingredientes água, açúcar mascavo ou rapadura ralada e as plantas medicinais, por exemplo alho, cebola, gengibre, gergelim, manjericão. A forma de preparo consiste em colocar-se o açúcar mascavo ou a rapadura ralada numa panela com água, deixando-os derreter até atingir a fervura, formando uma calda. Logo após, juntam-se as plantas em fogo mínimo, por apenas dois minutos. Apaga-se o fogo e deixa-se o xarope descansando por cerca de 15 minutos em panela tampada. Depois, coa-se, colocando-o em vidros preferencialmente escuros, que devem ser rotulados. Sugere-se a seguinte proporção dos ingredientes: 3 partes de açúcar mascavo ou rapadura ralada, 1 parte de água e 1 parte da planta fresca picada e lavada, ou ½ parte da planta seca picada. O xarope pode ser guardado até por 15 dias em geladeira, mas, se observarmos sinais de fermentação, deve ser descartado. Recomenda-se adicionar gotas de tintura de própolis ao xarope, como conservante, além de ser também um auxílio terapêutico. Devido à grande quantidade de açúcar mascavo ou mesmo rapadura, os xaropes não devem ser usados por diabéticos. Vinho medicinal Nesta preparação, pode-se utilizar o vinho branco ou o tinto, com graduação alcoólica de aproximadamente 11° GL. Macerando-se cerca de 5 g da planta seca (10 g da planta fresca) em cada 100 ml de vinho (ex. em uma garrafa de 750 ml de vinho, acrescentamse cerca de 35 g de plantas secas). O vinho deve ser mantido em maceração por um período de 10 a 15 dias, sendo agitado uma vez ao dia. Deve ser adicionado em uma garrafa tampada, armazenada em local escuro. Após a maceração, filtra-se o preparado. Recomenda-se tomar com moderação. Cataplasma 76 É um preparado de princípio terapêutico, em forma de pasta produzida a partir da mistura de pós de origem vegetal (como farinhas) ou mineral (como argila) com o sumo de plantas medicinais e água quente. A pasta formada deve ser aplicada diretamente sobre a pele ou envolvida em tecido fino ou gaze. A finalidade desde preparado é fornecer calor e umidade e agir como estímulo local, por meio dos princípios ativos que contém. O calor úmido permite a ação mais prolongada desses princípios, pois penetra mais facilmente no organismo que o calor seco. Compressa Preparação de uso tópico, geralmente feita com pequenos pedaços de tecido, gazes ou chumaços de algodão embebidos em infuso, decocto, sumo, tintura ou alcoolatura da planta diluída em água. A compressa é colocada sobre a parte afetada e mantida levemente apertada; pode ser aplicada quente ou fria. Pomada Pode ser preparada de diversas formas. Serão descritas a seguir duas maneiras de preparação de pomada caseira de plantas medicinais, com os ingredientes: óleo vegetal, tintura de planta, cera de abelha e lanolina: - Misturar, em panela esmaltada, 2 partes de lanolina em 1 parte de cera de abelha. Levar a panela ao banho-maria até que a mistura se torne líquida e homogênea. Aos poucos, adicionar 10 partes de óleo de girassol ou canola, mexendo sem parar até a uniformização da mistura. Retirar a panela do banho-maria e acrescentar 3 partes de tintura da planta medicinal. Mexer até que a pomada adquira consistência pastosa. - Fritar 50g da planta fresca em 250 g de gordura vegetal hidrogenada já derretida, durante cerca de 3 minutos (não se deve torrar as plantas). Após esse processo, coar e deixar em repouso ou resfriamento. Antes do completo endurecimento, colocar a pomada em potes, que devem ser rotulados com a data do preparo. As pomadas têm durabilidade de cerca de 3 meses, podendo ampliar esse prazo se forem armazenadas em geladeira. Banho de imersão relaxamento. Esses banhos sempre auxiliam os processos de restabelecimento, purificação e 77 A temperatura da água, a duração dos banhos e a sua frequência devem ser cuidadosamente observadas, levando-se em conta a necessidade de cada indivíduo. A temperatura não deve ser alta, uma vez que pode causar choque térmico no corpo, e nem tão baixa, porque diminui o efeito das ervas ou das essências no meio líquido. A frequência deve ser determinada individualmente, podendo dar-se em dias alternados ou uma vez por semana. As plantas são preparadas sob forma de chá, por decocção: 7 a 10 colheres (sopa) da planta medicinal seca em 2 litros de água fria; levar ao fogo e, após a fervura, abaixá-lo e deixar mais 5 minutos; apagar o fogo, abafar a panela por 10 minutos e coar o chá, que é, então, acrescentado à água do banho. Como parte do processo do banho de imersão, é recomendável que no dia se tenha uma alimentação mais leve. Banho de ervas Os banhos de ervas têm efeitos muito positivos sobre o organismo. Pode-se usufruir desses efeitos benéficos em banheiras ou mesmo em chuveiro. Forma de preparo: cortar um círculo de 30 cm de diâmetro em tecido de algodão cru. Escolher ervas desidratadas, aproximadamente 30 g, e arrumá-las no centro do círculo. Esse é o “refil”, que pode ser usado em banhos consecutivos, porém deve-se coloca-lo ao sol após o uso. Em outro tecido de sua preferência, cortar um círculo de 40 cm de diâmetro, no qual deve ser feito o suporte que irá encaixar no chuveiro. Acomodar o “refil” dentro desse saquinho e amarrar com barbante ou fita. Essa fita deverá ficar presa no bocal do chuveiro ou pendurada na banheira. Banho de assento É utilizado na eliminação de toxinas do organismo, especialmente no descongestionamento do abdômen (barriga) e no combate à prisão de ventre, na normalização da digestão e no combate ao nervosismo. Este banho é feito dentro de uma bacia ou banheira contendo chá de plantas revigorantes. O chá deve estar frio, entre 8 e 15 °C. A pessoa senta-se dentro do recipiente 78 contendo o infuso, que deve ultrapassar a altura do umbigo. A duração do banho pode variar de acordo com o tratamento. Banho genital O banho genital é simples e fácil de aplicar, mas seus efeitos são dos melhores: tonifica os nervos, elimina matérias estranhas, normaliza a digestão; refresca o interior do corpo, eliminando a febre; combate prisão de ventre; é calmante, estimula os rins e o fígado; e revigora a força vital. Esse banho é semelhante ao de assento, porém abrange apenas a parte genital. Neste caso, a pessoa deve colocar a vasilha com o chá diluído em água sobre um banco e banhar-se pelo menos por uns 15 ou 20 minutos. Podem-se tomar vários banhos por dia, mas sempre meia hora antes das refeições e, no mínimo, duas horas depois. Pedilúvio O pedilúvio ou escalda-pés é uma forma de aplicação externa, em que os pés são mergulhados em recipiente contendo preparação terapêutica específica (chás e tinturas), na temperatura adequada e por tempo determinado. Em geral, essa preparação é empregada quente, não devendo exceder 40 °C. É feito colocando-se água na temperatura adequada em bacia ou balde que possam conter os pés de modo confortável e cobrir por completo os tornozelos. A duração varia de 5 a 20 minutos. Em geral, é realizado à noite, antes que a pessoa se recolha, pois provoca sonolência. 79 Anexo 5 Alguns registros fotográficos da turnê-guiada 80 81 82 83 84 85 86 87 Anexo 6 Levantamento de literatura realizado em fevereiro de 2016 na base de dados eletrônica PUBMED sobre as espécies identificadas pelos informantes-chaves Baccharis dracunculifolia 1. Antibacterial activity of Baccharis dracunculifolia in planktonic cultures and biofilms of Streptococcus mutans. Pereira CA, Costa AC, Liporoni PC, Rego MA, Jorge AO. J Infect Public Health. 2015 Nov 21. pii: S1876-0341(15)00195-1. doi: 10.1016/j.jiph.2015.10.012. [Epub ahead of print] 2. Baccharis dracunculifolia methanol extract enhances glucose-stimulated insulin secretion in pancreatic islets of monosodium glutamate induced-obesity model rats. Hocayen PA, Grassiolli S, Leite NC, Pochapski MT, Pereira RA, da Silva LA, Snack AL, Michel RG, Kagimura FY, da Cunha MA, Malfatti CR. Pharm Biol. 2015 Jul 21:1-9. [Epub ahead of print] 3. 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