Preocupado em preservar a vida, setor da saúde não está

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360
FIM
edIçÃO 03 • NOVEMBRO de 2016
FIM
Preocupado em preservar a
vida, setor da saúde não está
preparado para a morte digna
Ana Claudia Quintana Arantes
defende mais cuidados paliativos
e menos obstinação terapêutica
Diabetes: uma realidade nada doce
EDITORIAL
Brasil deu seu
recado nas urnas
Não seria preciso esperar encerrar o segundo turno das
eleições municipais no país para obtermos a mais importante constatação desse pleito: o Partido dos Trabalhadores (PT) foi o maior derrotado nas urnas. Em 2012, no seu
apogeu, chegou a eleger 638 prefeitos, amparado por uma
máquina pública poderosa, cujos lastros se construíam no
governo federal. Bastava um prefeito pedir a “benção”, e
tudo se ajeitava.
Em 2016, após mensalão, Lava Jato e tantos escândalos,
o partido, que afundou o país, elegeu somente 256 prefeitos,
foi para o segundo turno em apenas sete cidades e em uma
capital, Recife (PE), cujas chances de vitória seriam mínimas.
Especula-se até que o partido não concorra às eleições de
2018, com receio de uma derrota esmagadora que enterre
ainda mais a legenda.
O PT perdeu inclusive em seus redutos históricos, como
a região do ABC paulista e o Nordeste brasileiro. Em São
Paulo, capital, sofreu sua maior derrota em 20 anos, com a
vitória de João Dória Jr (PSDB) já em primeiro turno. Um recorte sobre a votação na cidade revela o quanto o PT perdeu
sua capacidade – se é que teve um dia – de dialogar com a
população. Fernando Haddad foi derrotado principalmente
nas periferias, mesmo afirmando ter tomado medidas em
prol da população de baixa renda, como a construção de
creches, a implementação das faixas de ônibus ou o estabelecimento da rede Hora Certa, na saúde.
Por falar em saúde, este é, sem dúvida, o maior abismo
de muitas cidades brasileiras. Em São Paulo, embora o Estado seja uma referência para muitos municípios, a falta de
diálogo e a alternância de projetos aventureiros na maior
cidade brasileira tornam a assistência prestada à população
desconexa e ineficiente.
Quando assumiu sua gestão, em janeiro de 2013, Fernando Haddad anunciou um plano emergencial que previa a parceria com clínicas privadas para diminuir espera por exames,
consultas e cirurgias. Reportagem do jornal Folha de S. Paulo
destacou a notícia, para a qual me recordo ter concedido entrevista, afirmando que parcerias público-privadas bem estruturadas certamente poderiam contribuir para a melhora da
saúde na cidade. Quatro anos depois, segundo reportagem
do jornal O Dia, de agosto de 2016, ainda há espera de mais de
dois anos para a retirada de um tumor benigno e mais de quatro meses para consultas com especialistas, por exemplo, na
rede Hora Certa. Palavras da reportagem: “médicos da própria
Prefeitura incentivam pacientes a realizar exames em clínicas
privadas porque não há data no Sistema Único de Saúde”.
Será este sistema de saúde que queremos? Uma conquista social que virou letra morta da Constituição? O quanto o SUS mal gerido e subfinanciado oferece de qualidade
à população? Precisamos, antes de tudo, quebrar paradigmas, sejam eles ideológicos ou corporativistas. Admitir que
o SUS não é capaz de oferecer tudo a todos, a qualquer tempo, já é um bom começo. E propor parcerias com a iniciativa
privada para aumentar a eficiência do serviço público não
significa mexer em direitos ou conquistas sociais.
Os eleitores deram seu recado. Agora cabe aos governantes fazer acontecer.
Yussif Ali Mere Jr
Presidente
ÍNDICE
05
Entidades da saúde dão sugestões
e parabenizam a revista
06
Confira a agenda de cursos e eventos
para novembro
07
O que acontece no setor na
seção de notas
08
A realidade nada doce do
diabetes no Brasil
12
Entrevista exclusiva com a geriatra
Ana Claudia Quintana Arantes
24
Ampliado o debate sobre a
criação dos planos acessíveis
26
O paciente tratado como cliente
28
Almir Pazzianotto fala sobre
a ética do trabalho
CAPA 16
Preocupado em preservar vidas,
setor da saúde não está
preparado para a morte digna
PAINEL DO LEITOR
ONLINE
Estatísticas do setor
Parabéns à presidência da Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo pela Revista
FEHOESP 360. Sugiro nas próximas edições ter alguns dados estatísticos dos prestadores de serviços do setor.
Paulo Henrique Fraccaro, superintendente
da Associação Brasileira da Indústria de
Artigos e Equipamentos Médicos e
Odontológicos (Abimo), São Paulo
Agenda positiva
A Revista FEHOESP 360 é um veículo importante e necessário de divulgação e fomento de ações, que visam construir uma agenda positiva na área da saúde para beneficiar
a população e toda a cadeia do setor. A publicação complementa a atuação da Federação, que tem tido presença
constante na promoção da melhoria do sistema de saúde
e participado de todas as discussões voltadas à formulação dessas melhorias.
Carlos Goulart, presidente executivo
da Associação Brasileira da Indústria
de Alta Tecnologia de Produtos
para Saúde (Abimed), São Paulo
Comunicação integrada
Só tenho a parabenizar a Revista FEHOESP 360, que nasce
com o propósito de promover uma comunicação integrada
e ao mesmo tempo múltipla entre os agentes do setor, estendendo-se para as plataformas digitais. A saúde brasileira
é promissora, mas carece há anos de uma visão unificada e
transparente na direção do cuidado coletivo. E a SBPC/ML
acredita no poder da informação com qualidade, na abertura de diálogos e reivindicações públicas amparadas por
uma revista que já estreou discutindo novos caminhos para
os modelos assistenciais vigentes e ultrapassados.
Alex Galoro, presidente da Sociedade
Brasileira de Patologia Clínica/Medicina
Laboratorial (SBPC/ML), Rio de Janeiro 360
Confira na edição digital os
conteúdos exclusivos da
Revista FEHOESP 360
em seu smartphone,
tablet ou computador
capa
Leia conteúdo exclusivo com
o depoimento de uma
advogada e de um médico
que optaram por deixar
registradas suas escolhas
de tratamento em caso de
doenças terminais.
Entrevista
Ouça trechos da entrevista
com a geriatra
Ana Claudia Quintana Arantes
e veja a opinião da médica
sobre investimento
em cuidado paliativo,
ortotanásia, acolhimento e
qualidade de vida.
s
a
p
#ie
CURSOS & EVENTOS
Vivenciando as
diversas formas de
atendimento para
melhorar o relacionamento
com o seu cliente
Conhecendo e
entendendo a CBHPM
e as cobranças de
procedimentos médicos
9 de novembro
9h às 17h
Jundiaí
Gerenciamento de
serviços de enfermagem
24 de novembro
9h às 17h
Ribeirão Preto
Etiqueta empresarial
23 de novembro
9h às 14h
Campinas
10 de novembro
9h às 13h
Suzano
Estruturando
serviços de saúde: suas
obrigatoriedades e
necessidades para
segurança e qualidade
24 de novembro
9h às 17h
Mogi das Cruzes
Formação e aperfeiçoamento das lideranças para
processos de feedback e
gestão de equipes
28 de novembro
9h às 17h
São José do Rio Preto
Formação e
aperfeiçoamento das
lideranças em gestão e
planejamento estratégico
23 de novembro
9h às 17h
Bauru
Atendimento
humanizado – como um
diferencial para o seu cliente
17 de novembro
9h às 17h
São Paulo
Relacionamento e
comunicação para uma
empresa mais produtiva
19 de novembro
9h às 17h
Santos
Gestão em
faturamento e auditoria
de convênios médicos
hospitalares - TISS 3.02
22 de novembro
9h às 17h
São José dos Campos
#AgendaCompleta
www.iepas.org.br
06
*As datas podem estar sujeitas a alterações
NOTAS
50º Congresso da SBPC/ML reúne 4 mil pessoas
O 50º Congresso da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/
Medicina Laboratorial (SBPC/ML) recebeu mais de quatro mil
participantes, entre congressistas, palestrantes e expositores,
durante os dias 27 e 30 de setembro, no Rio de Janeiro, com
uma grande diversidade de temas sobre medicina laboratorial e
com a maior feira de novidades laboratoriais da América Latina.
O presidente do evento, Armando Fonseca, destacou que
o congresso tem contribuído para uma maior visibilidade
da medicina laboratorial no Brasil. “Nem todos se dão conta
de que por trás de toda decisão médica tem um exame de
laboratório. O segmento foi o precursor na integração da informática com a medicina.”
Envelhecimento
Presidente do IEPAS é
homenageado pelo CRF-SP saudável é possível
O Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo
(CRF-SP) entregou, no dia 23 de setembro, na Assembleia Legislativa de SP (Alesp), a Comenda do Mérito Farmacêutico Paulista a personalidades que contribuíram para o fortalecimento da
categoria farmacêutica. O presidente do IEPAS e diretor da FEHOESP e do SINDHOSP,
José Carlos Barbério, farmacêutico, pioneiro na produção de
radiofármacos no Brasil, diretor e professor da Faculdade de
Ciências Farmacêuticas da USP, com longa carreira no setor de
laboratórios, recebeu sua nona homenagem em vida. “A honra
que me concede o CRF-SP, me dá o ensejo de dizer que nada
conquistei em minhas atividades profissionais se não fora a
equipe de trabalho que me acompanhava e com o estímulo e
apoio de minha família. Foram esses os degraus que subi, levado por aqueles que comigo colaboraram.”
O IEPAS promoveu, no dia 7 de outubro, no auditório da
FEHOESP e do SINDHOSP, na capital paulista, a palestra
“Longevidade saudável: um sonho possível”, com o geriatra
e diretor do Centro de Estudos do Envelhecimento da Escola Paulista de Medicina e coordenador do Departamento de
Medicina Preventiva da Unifesp, Luiz Roberto Ramos. Ele explicou a transformação epidemiológica, a reforma da Previdência Social e o aumento das doenças crônicas num futuro
não tão distante.
“O brasileiro ganhou nos últimos 50 anos quase 30 anos
a mais. Essa é uma equação complicada, porque mexe com
o planejamento de vida dos indivíduos. Em pouco tempo,
as pessoas estão tendo de administrar três décadas a mais
e isso tem uma série de implicações até para o sistema da
Previdência Social. É uma mudança ignorada pelos gestores. Há 19 anos discute-se a reforma previdenciária, mas só
agora os olhos públicos voltaram-se para o problema.”
Ramos alertou para a necessidade de políticas públicas
e privadas para os idosos. “Sonhar com uma velhice sem
doenças crônicas é impossível, mas podemos envelhecer
controlando os sintomas. O sistema de saúde não evoluiu.
Continua estruturado para o velho paradigma das doenças,
enquanto há um aumento das enfermidades comportamentais, que evoluem para a incapacitação.”
Luiz Ramos alertou para a
necessidade de políticas para o idoso
José Carlos Barbério (à esq.) e Pedro
Eduardo Menegasso, presidente do CRF-SP
07
PREVENÇÃO
Realidade nada doce
Como a epidemia de diabetes tem transformado o Brasil
Por Rebeca
N
o mês em que é lembrado o Dia Mundial do
Diabetes (14 de novembro), uma informação preocupante vem à tona: mais de 130 mil pessoas
morreram no Brasil, em 2015, por complicações
causadas pelo diabetes mellitus (DM). O dado, da
Internacional Diabetes Federation (IDF), assusta e
aponta para uma necessidade urgente do nosso
país: aceitar que é uma doença crônica em epidemia. Segundo o Atlas Diabetes 2015, publicação anual da IDF, o Brasil ocupa a quarta posição
no top cinco dos países com mais adultos com
a enfermidade: 14,2 milhões, atrás somente da
China, Índia e Estados Unidos, respectivamente,
08
Salgado
em primeiro, segundo e terceiro lugares. Nesse
universo, 6 milhões de pessoas nem sabem que
possuem a doença.
O diabetes é uma condição crônica que ocorre
quando o pâncreas não produz ou não emprega
adequadamente a insulina, hormônio necessário
para o transporte de glicose a partir da corrente
sanguínea para as células do organismo, onde se
transforma em energia. A falta ou ineficácia desse hormônio faz com que a glicose alcance níveis
elevados no sangue.
A doença é democrática. Não escolhe classe
social, cor de pele ou sexo. Pessoas com histórico
familiar, que tenham uma vida sedentária, que já
apresentem sobrepeso ou obesidade e mulheres
que tenham tido diabetes na gestação fazem parte do grupo de risco do tipo 2 da doença, mais
comum entre os brasileiros. Entre os sintomas
estão urinar excessivamente, sede, aumento do
apetite, perda de peso, cansaço, vista embaçada
e infecções frequentes. Já o diabetes tipo 1 é uma
enfermidade autoimune.
A gravidade das complicações e os meios necessários para controlá-las tornam a enfermidade cara não apenas para as pessoas afetadas e
suas famílias, mas, também, para o sistema de
saúde. Estima-se que os custos dos cuidados de
assistência, nos Estados Unidos, para um indivíduo com a doença são de duas a três vezes maior
do que para alguém sem a patologia. No Brasil,
cada paciente diabético gasta aproximadamente
R$ 6 mil ao ano em tratamentos ambulatoriais
pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O país tem
um custo anual de mais de R$ 40,3 milhões, sendo 91% decorrentes de internações hospitalares.
Para Augusto Pimazoni-Netto, coordenador
do Grupo de Educação e Controle do Diabetes do
Hospital do Rim da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp) e coordenador editorial do site da
Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), o Brasil
precisa tratar a DM como ela é atualmente: “uma
das epidemias mais sérias da humanidade”. “O
diabetes não é nenhum bicho de sete cabeças,
mas merece mais atenção por parte do governo.
É tratada como algo simples, um conceito que
não muda para os gestores. Sendo assim, eles se
esquecem que um diabético mal controlado é o
que representa grande gasto na saúde.”
O valor é subestimado, pois é comum pacientes atendidos por outras doenças, relativas à
obesidade, por exemplo, também apresentarem
diabetes. “A obesidade leva ao aumento da resistência à insulina, o que obriga o pâncreas a trabalhar mais para que se mantenha a quantidade de
glicemia dentro de um valor normal. Num dado
momento, o órgão não consegue mais produzir
o necessário e o obeso desenvolve o diabetes”,
explica Maria Edna de Melo, endocrinologista,
diretora da Associação Brasileira para o Estudo
da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).
Muitos diabéticos são incapazes de continuar a
trabalhar em decorrência de complicações crônicas ou permanecem com alguma limitação no
desempenho profissional.
Uma das principais preocupações é a falta
de informação da população quanto à doença.
Uma pesquisa da SBD, realizada em 2014 com
1.106 pessoas, de 18 a 60 anos, em seis capitais
(São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre e Recife), apontou que 87%
dos entrevistados imaginam que apenas evitar
o consumo de açúcar é suficiente para prevenir
a enfermidade. Cuidar da alimentação, praticar
atividade física ou parar de fumar ainda não são
fatores reconhecidos pela população, percepção
que dificulta o tratamento. Apenas 28% dos entrevistados relacionaram atividades esportivas
09
PREVENÇÃO
ao controle da doença e 72% não associaram o
tabagismo como fator de risco.
“Em 2010, tínhamos 6.600 pacientes com diabetes tipo 1 no Brasil, sendo que apenas 10%
deles apresentavam o controle adequado. Já
para o tipo 2, o número era de 70%”, conta Pimazzoni-Netto. “Podemos comparar a doença com
um piloto de fórmula 1, que precisa de treinamento correto para pilotar o carro em altíssima
velocidade. Os doentes precisam de orientação,
treinamento e educação em diabetes. Hoje, na
Unifesp, temos um grupo multidisciplinar composto por voluntários que realiza esse trabalho
de acompanhamento.”
Atenção à saúde
Prevenção efetiva significa mais atenção à saúde de modo eficaz. Isso pode ocorrer mediante
prevenção do início do DM (chamada prevenção
primária) ou de suas complicações agudas ou
crônicas (prevenção secundária). A prevenção
primária protege indivíduos suscetíveis de desenvolver DM, tendo impacto por reduzir ou retardar
tanto a necessidade de atenção à saúde como
a de tratar as complicações da doença. Quanto
à secundária, condição na qual a maioria dos
indivíduos também apresenta obesidade, hipertensão arterial e dislipidemia - nível elevado de lipídios no sangue -, as intervenções devem abranger todas essas áreas, o que, além de prevenir o
surgimento de diabetes, evita doenças cardiovasculares e reduz a mortalidade.
10
Com o avanço da tecnologia e novas pesquisas
sendo realizadas, o tratamento da doença vem
apresentando novidades constantes. Em setembro deste ano, o laboratório Sanofi fechou uma
parceria com a empresa de ciências da vida do
Google, a Verily, para inicialmente desenvolver soluções que possam ajudar a comunidade de diabetes tipo 2 a tomar melhores decisões sobre seu
cotidiano. As propostas vão desde gestão melhorada de medicamentos a hábitos mais saudáveis.
Já no começo de outubro, a Universidade de
Campinas (Unicamp) anunciou o estudo de um
colírio que pode evitar que os 422 milhões de
diabéticos no mundo desenvolvam uma doença
ocular que pode levar à cegueira. A retinopatia
diabética, atualmente, só tem tratamentos invasivos, com o uso de laser, injeções e cirurgias. O
novo medicamento ainda está em fase de estudos e precisa ser testado em seres humanos. Mas,
para isso, é preciso que alguma indústria farmacêutica se interesse pelo produto, adquirindo a
patente, e banque as pesquisas. Com investimento nesses testes, o medicamento poderia ser habilitado para entrar no mercado em aproximadamente cinco anos.
Convivendo com a doença
Foi aos 18 anos, durante um teste glicêmico gratuito na faculdade, que a jornalista Vanessa Pirolo, 35 anos, descobriu o diabetes. “A notícia do
diagnóstico da doença é um impacto na vida de
qualquer pessoa. Algumas delas tiram proveito
seus tratamentos. “Tive sempre a impressão, apesar de ser mais comum o diabetes tipo 2, que tinha mais seguidores tipo 1, porque essas pessoas
costumam ser mais engajadas nas redes. Com a
pesquisa, percebi que tenho mais seguidores tipo
2 e que são pessoas que monitoram com frequência a doença. Só não o fazem mais pela dificuldade de compra de insumos.”
As jornalistas citam a falta de informação e a
necessidade de capacitação de profissionais para
reverter o quadro crônico do Brasil. “Falta informação desprovida de preconceito. Diabetes não
é doença de pessoas mais velhas e com obesidade. Falta desvincular a patologia do tipo 1 da do
tipo 2, uma abordagem mais positiva, mostrando
que é possível controlar a enfermidade e viver
bem, além de alertar para a importância de exames de rotina”, diz Luciana.
“O governo alega falta de verba e também de
interesse no diabetes. Eles não percebem que
informar, motivar, dar o acesso ao tratamento
correto diminui os gastos e também os casos da
doença”, completa Vanessa.
Vanessa Pirolo, coordenadora
voluntária na ADJ Diabetes Brasil
Osmar Bustos
Divulgação
da situação, como foi o meu caso”, conta. “Decidi
fazer o exame voluntariamente e, para minha surpresa, estava com a glicemia altíssima. A estudante repetiu o exame e me pediu para ir ao médico
com urgência. Confirmando o diagnóstico, passei
por momentos de crise emocional até decidir me
cuidar e mudar os hábitos de vida.”
Vanessa, com diabetes tipo 1, mantém uma
alimentação balanceada e correta. “Leio muito
os rótulos dos alimentos e evito produtos gordurosos. Além disso, implementei a atividade física,
que já era meio que obrigatória”, diz. A jornalista
redirecionou seu trabalho totalmente para a área
da saúde, onde é coordenadora voluntária do
grupo de jovens maiores de 16 anos na ADJ Diabetes Brasil. “A vida me conduziu por caminhos tão
inesperados e felizes que hoje agradeço a Deus
por tudo que conquistei devido ao diabetes."
Uma alteração cromossômica rara fez a também jornalista Luciana Oncken, 42, descobrir o
diabetes tipo Mody (Maturity Onset Diabetes of the
Young), uma herança autonômica dominante,
transmitida geneticamente de pais para filhos,
aos 29 anos. Filhos de pais Mody têm 50% de
chance de herdar o gene afetado. Caso herde, as
chances de desenvolver a doença são de mais de
90%. Esse tipo de diabetes permite tratamento
por meio de dieta ou comprimidos, nem sempre
necessitando de insulina.
A dificuldade de encontrar informações fez
com que ela começasse um diário, que completa
dez anos em 2016. O blog “Viver com Diabetes”
tornou-se referência para pacientes, pesquisadores e curiosos pela rotina e pelos debates
promovidos pela jornalista. “Foi o primeiro blog
de diabetes e um dos primeiros de saúde a falar
de forma pessoal sobre uma doença. Surgiu de
uma vontade de compartilhar a minha experiência e estimular as pessoas com a enfermidade a
compartilharem suas histórias. Fui inundada de
depoimentos marcantes, que me fizeram ver a
importância desse trabalho, como podia tocar as
pessoas e ser tocada por elas, e que isso poderia
gerar mudanças importantes na forma de gerir e
encarar a doença para mim e para quem me segue”, conta.
Luciana desenvolveu recentemente uma pequena pesquisa com seus seguidores para saber
de seus engajamentos com o blog e a eficácia de
Luciana Oncken, jornalista e responsável pelo
blog Viver com Diabetes
11
ENTREVISTA
É preciso aceitar a condição
humana de
finitude
Defensora dos cuidados paliativos,
Ana Claudia Quintana Arantes afirma que se teme
a morte porque não se fala sobre ela, e que o médico
não está preparado para lidar com a perda do paciente
Por Fabiane
M
orte e perda são assuntos difíceis de serem abordados em hospitais
e consultórios médicos e ainda mais
complicados para serem discutidos
em família. Aliviar a dor e o sofrimento
de doentes e familiares diante do fim
da vida é o trabalho feito há 23 anos
12
pela geriatra e gerontóloga Ana Claudia Quintana Arantes.
Formada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP), especialista em cuidados
paliativos pelo Instituto Pallium (ARG)
e Universidade de Oxford (ING) e res-
de sá
ponsável pela implantação das políticas assistenciais de avaliação da dor
e de cuidados paliativos do Hospital
Israelita Albert Einstein, onde atende regularmente, a médica trata com
muita leveza a finitude da vida. Seus
pensamentos sobre morte e perda fo-
A pergunta a ser feita é o que será feito diante daquela situação. A resposta
certa deveria ser que será priorizado o
conforto. É preciso ter a delicadeza de
aceitar a condição humana de finitude.
ram formados ao longo dos anos de
profissão e sua visão começou a ser
conhecida após participar do TED conferência em que pessoas partilham
experiências e ideias que mudam o
mundo por meio de múltiplas iniciativas -, em 2012.
Em entrevista à Revista FEHOESP
360, a geriatra afirma que só tememos a morte porque não falamos sobre ela enquanto estamos saudáveis,
que aceitar que a vida tem fim pode
garantir uma morte digna e evitar o sofrimento do paciente e dos familiares.
Praticante da filosofia de assistência plena dos cuidados paliativos,
Ana Claudia defende a especialização e qualificação dos profissionais
de medicina e afirma que os médicos
não estão preparados tecnicamente e
emocionalmente para lidar com a perda do paciente.
Confira:
Revista FEHOESP 360: Vivemos numa
sociedade em que a cultura é o prolongamento da vida. Nos hospitais, a práti-
ca é manter a vida a todo custo. Muitas
vezes, são necessários procedimentos
que geram sofrimento e frustação para
o paciente e para família, já que nem
sempre essas ações resultam em cura.
Por que temos essa obstinação terapêutica e tanta dificuldade em lidar
com a morte?
Ana Claudia Quintana Arantes: Porque nem a sociedade, nem os médicos conversam sobre esse assunto, e
quando acontece a morte, é como se
um elefante branco estivesse diante de
você. Se quer fingir que ele não existe,
mas ele está ali, vai passar por sua vida
e destruir muita coisa. Mesmo com a
obstinação terapêutica, estando na
UTI ou no quarto, em casa ou no hospital, a pessoa vai morrer, e não há nada
que impeça isso de acontecer.
Toda semana atendo famílias pedindo ajuda de como conversar com
os médicos que estão cuidando de
seus familiares doentes, para que eles
aceitem que a vida tem limite. Quando eu ligo para o colega e digo que a
família me procurou para ter uma opinião sobre cuidados paliativos, ouço
do profissional que são os parentes
que não aceitam a morte do paciente. O que tiro dessa situação é que
não há comunicação. A família pede
uma coisa e o médico entende outra.
Quando os parentes perguntam o que
será feito, o profissional de medicina
entende que quer que se faça exame.
360: O Brasil tem mais 260 escolas médicas em atividades, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM). Quase 50
estão no Estado de São Paulo. Porém,
muito tem se discutido sobre a qualidade do ensino ofertado nos cursos de medicina. A faculdade prepara o médico
tecnicamente e emocionalmente para
lidar com a morte?
AA: Absolutamente não há preparo algum. Sou convidada para fazer palestras em faculdades de medicina pelo
país inteiro. Quem me chama não são
os professores, são os alunos, já que
os educadores não abrem espaço na
graduação e no planejamento de aula
para falar sobre morte por achar que
não é relevante e por ser um tema que
estaria embutido em outras disciplinas. Mas não está.
Os alunos perguntam como podem
mudar esse cenário. Infelizmente, eles
não vão modificar a condição de preconceito que está instalada. A mudança está na educação.
Digo aos que irão se formar que
são eles, que serão mestres, doutores,
que poderão fazer a diferença e terão
o poder de mudar a estrutura da graduação.
Para se ter uma ideia, na Europa, a
disciplina de cuidados paliativos faz
parte da grade mínima de formação
em medicina, com carga horária de 40
horas/aula. Nessa temática, são abordados também ética, comunicação,
controle de sintomas, interação paliativa, cuidados de fim de vida, tudo para
ter condições técnicas de acompanhar
o paciente até o seu último dia. Sem
isso, o aluno é um técnico em medicina e um especialista em doença.
13
ENTREVISTA
A equipe de
cuidado paliativo é
muito solicitada no
hospital para fazer
atendimento de
mediação de conflito"
360: Os cuidados paliativos foram
definidos pela Organização Mundial
de Saúde (OMS) como a assistência
que proporciona o conforto, o alívio
do sofrimento humano quando se
está diante de uma doença grave e
incurável, que ameaça a continuidade da vida. Em que casos eles podem ser aplicados?
AA: Em todas as situações que a
pessoa está com uma doença terminal ou incurável que ameace
a continuidade da vida. Pode ser
criança, neonato, pacientes on-
cológicos, doentes neurológicos - em
casos de demência, portadores de doenças cardíacas, renais ou hepáticas,
pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e até mesmo
quem está na fila de transplante, pois
sofre muito e o cuidado paliativo vai
ao encontro do alívio do sofrimento e
trabalha em conjunto com a especialidade que cuida da doença.
A equipe de cuidado paliativo é
muito solicitada dentro do hospital
para fazer atendimento de mediação
de conflito, quando as famílias têm dificuldade de tomar decisão de intervenção. Depois da equipe de transplante, a
de cuidado paliativo é a mais qualificada para tratar das questões, por exemplo, de gravidade extrema quando se
vai discutir a limitação de suporte terapêutico do paciente ainda vivo.
A equipe nuclear de cuidado paliativo deve ser composta por um médico,
um enfermeiro e um psicólogo ou assistente social, que precisam ter formação e pós-graduação para poder levar
um trabalho consistente dentro de um
hospital como interlocutores. Em uma
unidade específica de assistência ao
paciente terminal é preciso ter outros
profissionais, como farmacêutico, nutricionista, fisioterapeuta, terapeuta
ocupacional, fonoaudiólogo e dentista.
360: Os hospitais investem em cuidados paliativos?
AA: Não. A rede pública um pouco
mais. O Hospital das Clínicas de São
Paulo, por exemplo, tem todas as modalidades da assistência. Os hospitais privados que estão investindo
são por causa da área da qualidade, que tem exigido que profissionais estejam vinculados à área
de cuidados paliativos.
Os gestores de hospitais
têm entendimento bastante
equivocado em relação a
cuidado paliativo, por achar
14
mos sobre o assunto, conversarmos,
trouxermos o tema para o dia a dia.
Toda vida, boa ou ruim, termina com a
morte. É simples assim.
que o custo é zero. Tem o valor de investimento da complexidade humana
do processo. O índice de gasto tecnológico é menor, mas se tem a necessidade de investimento em infraestrutura,
local de entendimento, hotelaria e profissionais bem qualificados.
É preciso que haja a compreensão
de que é necessário sim o investimento
e o comprometimento com a qualidade dessa assistência.
Toda vida, boa
ou ruim, termina
com a morte.
É simples assim"
360: Quem deve informar ao doente e à
família a opção pelos cuidados paliativos?
AA: O médico. Os cuidados paliativos
não têm de ser oferecidos ao paciente
quando todo tratamento de prolongamento da vida falhou. Essa opção tem
de ser ofertada no diagnóstico. Está
comprovado pela medicina baseada em
evidência que o paciente que recebe
cuidados paliativos a partir do diagnóstico de doença incurável chega
a viver quase três meses a mais do
que o que não recebe. Isso significa
viver mais, mas não somente tempo
de vida, mais qualidade, sentido de
vida, com menor índice de depressão e de intervenções. Não oferecer
cuidado paliativo para esses pacientes é uma atitude antiética.
A maioria dos médicos não dá
esta opção. Isso é uma mudança
muito dramática de conceito. Vai
demorar algum tempo para que as
pessoas, como sociedade, compreendam isso. Mas só será possível se falar-
360: O que precisa ser feito para superar esse tabu e buscar a morte digna?
AA: É preciso entender que sua vida
tem fim. Estamos no mundo ocidental e
o jeito prático para se entender a finitude é que há prazo. Quando não se tem,
se faz quando dá. Mas quando você
tem prazo, viabiliza a realização do
que precisa ser feito. Busca-se vários caminhos. Entendendo que a
vida tem prazo, as pessoas mexemse para viabilizar as coisas valiosas
e importantes de se viver, porque a
vida vai terminar. E se ela tiver sido
digna e compatível com aquilo que
se gostaria de se ter vivido até o dia
da morte, estará tudo certo.
A questão é se eu tive uma vida
digna, vou ter uma morte digna.
Caso contrário, vai dar trabalho. As
pessoas querem transformar sua vida
em digna no período que ficam doentes. Se você tiver uma equipe de cuidados paliativos do seu lado, ótimo, há
uma chance grande de se conseguir
fazer muita coisa. Mas, se não tiver, a
pessoa terá um grande problema.
Quando se é o
protagonista da sua
vida, a força é muito
maior para enfrentar
a adversidade"
360: Como médica, o que recomenda a
um paciente terminal?
AA: Recomendo que ele seja corajoso
e respeite a condição que a vida está
lhe oferecendo. Em relação ao aprendizado pessoal, é a possibilidade de
ele se tornar um mestre, um herói, porque o herói de verdade não é aquele
que foge da morte e sim aquele que
sempre conversa com ela. É um ato de
coragem, de sensibilidade e de grandeza. De sair da condição de doente, de
coitadinho e assumir o papel de quem
está vivendo a sua vida até o último
dia. Quando se é o protagonista da sua
vida, a força é muito maior para enfrentar a adversidade. Por isso, sugiro que
se procure um profissional de cuidado
paliativo para ajudar nessa caminhada. Busque esse caminho.
360: Com o aumento da longevidade,
está se adiando a morte cada vez mais.
Por outro lado, doenças como Alzheimer
e outras demências, vão ficando mais
frequentes. Isso fará com que as pessoas tenham mais dificuldade em lidar
com a morte? Ou pode ser uma chance
para se ter mais opções de refletir sobre
a qualidade de vida e a morte digna?
AA: As pessoas vão ter mais dificuldade em lidar com a morte e não vão entender o que está acontecendo. Quem
pretende chegar aos 85 anos tem 50%
de chance de ter Alzheimer. Então, é
preciso preparar a sua família para
poder lidar com essa condição.
Se a ideia é longevidade, é preciso preparar os filhos, sobrinhos,
afilhados para que eles possam
cuidar bem do paciente, estando
alinhados com o que ele acredita.
Deve-se viver bem cada um dos
dias e cumprir as metas diárias. Se o
dia oferecer aborrecimento, aborreça-se. Se oferecer alegrias, seja alegre. Permita-se viver. Só não se deve
ficar querendo viver mais por achar
que a vida vai acontecer depois. Se
agir assim, se estará em uma linha reta
de colisão com o arrependimento.
15
Há muito a ser feito
antes do
fim
Discussão sobre a morte é necessária para
dar atendimento digno e parâmetros aos profissionais
da saúde que lidam diariamente com a questão
Por Eleni
Trindade
D
urante a vida estamos habituados a tomar
decisões sobre a carreira, as relações pessoais, o
que fazer no dia a dia, entre milhares de outras. O
tempo passa e não há como determinar se essa
jornada será curta ou longa. O que se sabe é que
um dia ela acaba. No entanto, poucas pessoas
pensam sobre o fim de sua existência e o que fazer quando a questão se impõe de forma inexorável. Na área da saúde não é diferente: a morte
também é um tabu.
“Falar sobre morte é necessário e é uma questão mundial, mas como hoje tudo é pautado
pelo efêmero e pela velocidade, o assunto é secundarizado, ainda é um pano de fundo”, afirma
Leonardo Sérvio da Luz, psiquiatra, membro do
Conselho Federal de Medicina (CFM) e professor
17
CAPA
Divulgação
Luis Fernando Correia, médico,
comentarista da CBN e GloboNews
da Universidade Federal do Piauí. “Com o envelhecimento da população, que está a passos
largos, e também do ponto de vista de gestão de
saúde, será preciso falar mais sobre o tema e incluí-lo no currículo das faculdades de medicina,
independentemente da especialidade”, destaca.
Essa dificuldade surge principalmente quando o profissional formado para “lutar pela vida”
precisa lidar com uma morte iminente. “A nossa
formação médica ainda não tem questões de
humanidades entre suas disciplinas e os profissionais prestigiam a técnica acima de qualquer
outra coisa, com a sensação de que podem resolver praticamente qualquer problema com a tecnologia que dispõe um centro de terapia intensiva (CTI)”, acredita Luis Fernando Correia, médico
especialista em clínica médica e terapia intensiva,
ex-chefe da Emergência do Hospital Samaritano
do Rio de Janeiro e comentarista de saúde na rádio CBN e na GloboNews. “O reflexo disso é uma
alta demanda por terapia intensiva na crença que
ela vai resolver tudo e que um paciente incurável
ou terminal vai ser salvo, o que não é verdade.”
Para Ricardo Tavares de Carvalho, coordenador do Grupo de Cuidados Paliativos do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP) e diretor científico da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), é fundamental ampliar o acesso a um
atendimento digno aos doentes com os cuidados
18
paliativos (CP), pois essa medida também facilita o dia a dia das equipes médicas. Segundo ele,
além de ser abordada durante a formação, a morte e os CP devem fazer parte da residência médica
para que o profissional adquira mais maturidade.
Quanto mais conhecimento, de acordo com
Carvalho, menor é a chance de haver confusões
entre o que é CP e eutanásia, que consiste em
executar uma ação para abreviar a vida - prática
ilegal no Brasil. “O CP é um tratamento com abordagem multidisciplinar para doenças que ameaçam a vida. Ainda se faz confusão porque muita
gente não entende que o cuidado paliativo é algo
muito mais amplo do que cuidar de um paciente
que está morrendo ou simplesmente ‘retirar coisas’ dele a ponto de abreviar sua vida”, explica.
“A proposta é deixar de realizar ações que já não
agregam para o doente, como vários procedimentos agressivos de internação em UTI, diálises
e uso de aparelhos para manter esses indivíduos
vivos quando, na verdade, eles já estão em um
processo irreversível.”
Em um momento tão difícil quanto um diagnóstico fatal, os cuidados paliativos são ministrados para tentar minimizar o sofrimento dos
doentes. O que norteia o atendimento médico e
multidisciplinar no âmbito dessa área de atuação
médica é a substituição do pensamento “não há
mais nada a ser feito” pela ideia de que “ainda há
muito a se fazer”. “Pode-se dizer que tudo é fei-
to pelo paciente, mas o que é administrado a ele
não pode gerar mais sofrimento do que a doença
já gera. Somos formados para curar, mas ao longo
da vida médica começamos a entender que curamos muito pouco, que curamos doenças infecciosas com o remédio certo que ‘mata’ o agente
causador. O restante é controlado, é prolongado,
e as pessoas estão vivendo mais porque a medicina avançou muito. Mas chega um momento que
é o fim da evolução das doenças, em que todos
esses recursos não são mais efetivos”, garante Ricardo Carvalho.
Morte digna
Cuidar de um paciente em condições terminais
já é um desafio, mas se transforma em uma angústia muito grande pelo número de vidas que
costuma envolver. Enquanto o doente está repleto de sofrimento e a família, em geral, deseja seu
pronto restabelecimento, o médico atua para informar o paciente sobre os limites do tratamento
e a necessidade de cuidados especiais.
Em última instância, a decisão final deveria ser
do indivíduo já que, de acordo com a Constituição Brasileira, em seu artigo 1º (inciso III), a “dignidade da pessoa humana” é um dos fundamentos
do país. Além disso, seu artigo 5º (inciso III), a lei
máxima do país diz que ninguém será submetido
a um tratamento desumano ou degradante. De
acordo com o diretor científico da ANCP, esses
itens da lei dizem respeito justamente à circunstância de uma doença grave. “Com a proximidade
do fim, é importante que as pessoas se valham
desse direito humano e constitucional para ter
acesso a uma atenção especial voltada para essa
situação”, explica Carvalho.
Mas, embora a Constituição, em tese, dê respaldo para que cada indivíduo tenha direito a
tratamentos e uma morte dignos, o tema ainda
é controverso no Brasil. Além de não existir uma
lei específica, a questão suscita debates entre vários setores da sociedade por envolver aspectos
filosóficos, morais, éticos e religiosos, e a Carta
Magna, mais uma vez, é citada como argumento
contrário na discussão, pois em seu artigo 5º garante “a inviolabilidade do direito à vida”.
De qualquer maneira, os médicos brasileiros
hoje são subsidiados por duas resoluções aprovadas pelo CFM e reconhecidamente válidas pela
Justiça brasileira por serem constitucionais: a
1.805/2006, que permite ao médico em caso de
doenças graves e incuráveis limitar ou suspender
procedimentos e tratamentos que prolonguem a
vida da pessoa, garantindo a ele os cuidados necessários para aliviar sintomas; e a 1.995/2012,
que dispõe sobre as diretivas antecipadas de
vontade dos pacientes.
“Por não existir uma norma geral sobre o
tema, a Justiça entendeu que o CFM tem um
papel normatizante e acatou na íntegra as resoluções que atuam, inclusive, para preservar
o bom andamento da relação médico-paciente”, explica o conselheiro Leonardo Sérvio da
Luz. “As diretivas antecipadas de vontade
consistem em questionar ao doente o
que ele deseja que seja feito durante seu
tratamento, como, por exemplo, reanimação, intubação e outros procedimentos mais invasivos, tudo devi-
Divulgação
Leonardo Sérvio da Luz, do
Conselho Federal de Medicina
19
CAPA
damente registrado em prontuário”, descreve. “Por
meio dessa resolução, respeita-se a autonomia e a
vontade desse paciente, que prevalece, inclusive,
sobre o desejo de qualquer familiar. Tudo isso garante uma certa tranquilidade ao médico, porque
ele tem um entendimento claro de como vai manejar aquele paciente e até onde pode ir ou não.”
Além disso, os CP estão previstos nos Princípios Fundamentais do atual Código de Ética Médica (CEM), vigente desde 2010, que deixa claro
que “nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção
todos os cuidados paliativos apropriados”.
Na opinião do médico Ricardo Tavares de Carvalho, porém, a indicação de cuidados paliativos
não deve ser apenas quando o doente já não
tem mais perspectivas, como diz o código hoje.
“A consciência sobre a importância dos cuidados
paliativos está cada vez maior, mas ainda é muito
pequena, pois continuam sendo referendados frequentemente nos últimos dias ou horas de vida,
ou nem isso”, lamenta. “A Organização Mundial da
Saúde (OMS) preconiza entrar com o CP a partir
do diagnóstico de uma doença grave para fazer
um acompanhamento juntamente com o médico
20
especialista que cuida do doente. Mas os profissionais, tanto no Brasil quanto no exterior, não
entendem dessa maneira e acham que esse tipo
de assistência acontece apenas retirando alguns
remédios ou procedimentos.”
Paralelamente à questão humana, os médicos e gestores de saúde também precisam lidar
com distribuição adequada dos recursos disponíveis nos estabelecimentos. “CTIs são instalações extremamente caras e esses leitos devem
ser prioritários para casos em que há chances
de sobrevivência com qualidade de vida. Porém,
muitas vezes, investem-se recursos muito caros
e, ao mesmo tempo, invasivos e incômodos, em
pacientes que estariam sendo melhor acolhidos
com tratamento paliativo para falecer de forma
digna e sem maiores traumas ou dores, mas que
acabam morrendo em condições muito ruins”,
afirma o médico Luis Fernando Correia, ressalvando que, às vezes é necessário “selecionar”
quem vai para um CTI. “Sim, em alguns momentos vai ser preciso fazer essa escolha, mas estritamente baseada em critérios de viabilidade. O
que não significa um abandono do paciente com
doença terminal e, sim, o seu encaminhamento
para um tratamento mais humano, adequado
para a sua condição.”
Divulgação
Luciana Dadalto, advogada e
fundadora do site sobre testamento vital
Testamento vital
Direito à vida e à dignidade. Embora complementares, esses dois conceitos podem se tornar
até opostos quando se fala no direito de escolha sobre como morrer. Alguns grupos defendem a manutenção da vida acima de qualquer
coisa, mesmo que seja o caso de um paciente
em coma que não se comunica com ninguém e
sobrevive ligado a aparelhos. Outros acreditam
que a dignidade humana deve ser preponderante para a tomada de decisão, no sentido de viver
com dignidade e autonomia sem depender de
recursos artificiais.
Em meio a tantas dúvidas existenciais e éticas,
hoje o testamento vital existe para garantir que a
vontade das pessoas seja atendida caso elas não
tenham, em algum momento, autonomia para
se manifestar. Esse mecanismo veio com a regulamentação do assunto por meio da resolução
1.995/2012 do CFM, que “dispõe sobre as diretivas
antecipadas de vontade dos pacientes”.
“No Brasil, o tema é novo. Como vivemos
numa sociedade em que as pessoas esquecem
que vão morrer ou acham que vão viver para sempre, ninguém quer conversar sobre isso, o que
leva a uma falta conhecimento. Mas os cidadãos
têm procurado cada vez mais esse mecanismo”,
afirma a advogada Luciana Dadalto, doutora em
Ciências da Saúde pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), mestre em direito privado
pela PUC-Minas e fundadora do site www.testamentovital.com.br.
Hoje, para fazer o testamento vital, de acordo
com Luciana, é necessário ter mais de 18 anos,
que a pessoa esteja em pleno gozo de suas faculdades mentais e que tenha o objetivo de deixar
claro quais são os cuidados, tratamentos e procedimentos aos quais queira ou não ser submetida
em caso de uma doença grave que a impeça de
falar claramente qual é a sua vontade.
Se possível, é importante contar com a ajuda
de um advogado e de um médico para que o teor
do documento seja o mais correto e claro possível e, ainda, nomear um procurador, que será o
responsável por dar conhecimento à família e aos
médicos sobre a decisão do indivíduo quando, e
se, for necessário.
O testamento vital tem validade até que o seu
dono decida revogá-lo. De acordo com dados do
Colégio Notarial do Brasil (CNB), que representa a
classe cartorial no país, em 2013 foram registrados 489 testamentos vitais; 554 em 2014; 688 em
2015; e, no primeiro semestre de 2016, foram 390.
Ainda segundo o CNB, não existe nenhuma
formalidade para fazer o testamento vital, mas é
recomendável que seja formalizado em um cartório de notas, apresentando documentos pessoais para registrá-lo. “A escritura será apresentada
posteriormente aos médicos pelos familiares ou
21
CAPA
por quem o declarante indicar, caso, futuramente, ele seja acometido por uma doença grave ou
fique impossibilitado de manifestar sua vontade
em decorrência de algum acidente”, explica a entidade por meio de nota. O preço para emitir esse
documento é de R$ 361,59 em São Paulo, podendo variar nos outros Estados.
Para Rosana Chiavassa, advogada especializada nas áreas da saúde, danos morais, defesa do consumidor e responsabilidade civil, o
testamento vital é importante e tem valor legal
porque deixa claro para a família do paciente
qual é a sua vontade, mas, segundo ela, pode
ser contestado posteriormente. “A família pode
Divulgação
Rosana Chiavassa, advogada
especializada na área da saúde
22
questionar a sanidade da pessoa na época em
que fez o testamento vital, assim como existe
muita contestação de testamentos de bens”,
argumenta. “Por isso, é fundamental conversar
com a família (filhos, cônjuge e pais) e, se não
houver divergências, registrar em cartório, tomando a cautela de pegar a assinatura de toda
a família. Mas se perceber que há divergências e
que a sua vontade não vai ser cumprida, deve-se
partir para a judicialização.”
No entanto, de acordo com Luciana, se todas as etapas forem cumpridas, principalmente
consultando médicos e advogados, dificilmente
o testamento vital será contestado. “O principal
benefício do testamento vital é garantir a autonomia do indivíduo e inverter a lógica de que a família ou o médico decidam por ele num momento
grave”, ressalta.
Tomar esse tipo de decisão, de acordo com
Rosana Chiavassa, é um ato de nobreza. “Falar sobre morte é falar sobre amor, porque não é justo
deixar uma decisão que é sua nas mãos de outras
pessoas. Se você ama uma pessoa, não vai querer
se tornar um problema para ela no futuro.”
Cuidado paliativo pode se tornar especialidade médica
✓ Hoje, o cuidado paliativo é classificado como
uma área de atuação médica no Brasil, ou seja,
uma modalidade de trabalho médico feita por
profissionais capacitados, derivada ou relacionada com uma especialidade médica.
✓ No entanto, está em vias de se tornar uma especialidade: a Medicina Paliativa. Para isso, a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP)
enviou um pedido formal ao Conselho Federal de
Medicina (CFM) em setembro de 2016, solicitando a análise da demanda. De acordo com o conselho, o processo está em andamento e não há
prazo. Já a ANCP acredita que a resposta sobre o
tema deve sair no início de 2017.
✓ Os cuidados paliativos estão previstos no Código de Ética Médica vigente no país desde 2010
para “situações clínicas irreversíveis e terminais”.
✓ Desde 2013, a OMS incluiu remédios para dor
e cuidados paliativos na lista de medicamentos
essenciais. Além disso, a entidade classifica esse
tipo de cuidado como uma responsabilidade éti-
ca dos sistemas de saúde e uma obrigação ética
dos profissionais.
✓ Ainda de acordo com a OMS, cerca de 40 milhões de pessoas no mundo precisam de cuidados paliativos: metade delas se encontram em
fim de vida e a outra parte está com a doença em
curso. As condições mais comuns desses pacientes são: doenças cardiovasculares (39%), doenças
pulmonares (34%), câncer (10%) e HIV/aids (6%).
✓ De acordo com dados da ANCP, o Brasil tem hoje
cerca de 400 leitos que cumprem a função de cuidados paliativos, mas não estão cadastrados como
tal pelo fato de não ser ainda uma especialidade.
✓ Entre os projetos da ANCP para que o tema
fique mais conhecido estão: criar serviços de cuidados paliativos dentro dos hospitais formadores, treinar profissionais que estão há mais tempo
na prática, formar professores, abrir espaço nos
currículos acadêmicos e continuar fornecendo
informações qualificadas para gestores públicos
formalizarem políticas efetivas.
23
Assistência à saúde
Setor se divide sobre a criação de
planos acessíveis
Ministério da Saúde debate assunto em grupo de trabalho
Por Aline
N
o início de agosto, o ministro da Saúde, Ricardo Barros,
anunciou que um grupo de trabalho (GT) fora criado para elaborar o projeto “plano de saúde acessível”. Alvo de críticas, a
ideia tem ao menos gerado muitos debates num setor um tanto quanto combalido pela crise econômica do país. “Mas o problema não é apenas por conta da recessão e da saída de vidas
dos planos de saúde”, comenta Yussif Ali Mere Jr, presidente
da FEHOESP. “A questão passa também pela capacidade de financiamento da sociedade no que diz respeito aos gastos com
saúde e pela sustentabilidade do sistema”, afirma.
Na prática, a proposta inicial quer flexibilizar as atuais
normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
para que haja oferta de planos de saúde com cobertura menor do que o definido na lista mínima obrigatória de serviços e procedimentos ofertados ao usuário. Em contrapartida, o ministro tem defendido que os preços também sejam
menores, como forma de "aliviar a fila do SUS".
Movimentos em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS)
criticam o projeto, e o consideram uma quebra de conquistas sociais. É o caso do professor da Faculdade de Medicina
24
moura
da Universidade de São Paulo (USP), Mário Scheffer. “Depois
de 28 anos de SUS, estamos numa encruzilhada. Os planos
de saúde sempre ocuparão um espaço muito relevante. Mas
o desfecho tem de ser necessariamente encolher o SUS e
ampliar o plano popular?”, questiona, referindo-se ainda à
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 241, em tramitação, que pretende congelar o aumento de gastos governamentais por 20 anos.
Scheffer esteve ao lado de José Cechin, diretor executivo
da Federação Nacional da Saúde Suplementar (Fenasaúde), em um debate na Fundação Getúlio Vargas (FGV/Saúde)
sobre o tema, em 29 de setembro. Com uma visão oposta
à de Scheffer, Cechin propõe uma reflexão: “Que possibilidades o governo tem de alocar mais recursos para o SUS?
Acho que nulas."
Cechin ainda lembra que o grupo de trabalho formado
pelo Ministério da Saúde pode chegar à conclusão de que
o plano popular não seja viável. “Mas há motivos sim para
se pensar num produto novo”. O ex-ministro da Previdência apresenta algumas ideias de viabilidade para este novo
desenho para um plano de saúde: que ele tenha uma rede
hierarquizada comandada exclusivamente por um médico
generalista; que trabalhe com fatores moderadores como
franquia e coparticipação; que adote protocolos clínicos
bem definidos e obrigatórios; que se estabeleça a segunda
opinião médica obrigatória; entre outros ajustes. Desta forma, segundo ele, um plano popular poderia ser viável, sem
diminuição do rol de procedimentos da ANS.
Uma das participantes do GT que estuda a viabilidade do
novo produto é a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). Para Armando Rovai, titular da pasta, o grupo já teria
construído um entendimento preliminar de que a redução
de coberturas mínimas não é um caminho viável. “Parecenos muito claro, de fato, que a simples redução das coberturas não seria um caminho viável e implicaria um imediato
aumento nos níveis de judicialização dos conflitos do setor,
que já é bastante elevado”, afirma.
A judicialização na área da saúde cresce de forma significativa. Em 2015, as operadoras perderam R$ 1,2 bilhão
em ações judiciais e o governo outros R$ 5 bilhões em processos movidos por pacientes da rede pública contra o
SUS. “Teremos de nos esforçar na superação de visões mais
polarizadas e abordar algumas questões centrais de forma
mais técnica, como, por exemplo, modelos de remuneração dos serviços, investimentos do setor em planos de prevenção que prestigiem uma visão mais integral da saúde”,
completa Rovai.
José Cechin, diretor
executivo da Fenasaúde
Atendimento popular
Para o presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Francisco
Balestrin, somente no ano passado 150 mil consultas deixaram de ser realizadas em prontos-socorros privados na
cidade de São Paulo com a redução do número de beneficiários de planos de saúde. Ele explica que essa demanda
passou a ser atendida por clínicas populares, consultórios
particulares ou pelo próprio SUS. Isto é, há demanda para
novas modalidades de planos de saúde, principalmente se
forem mais baratos.
As clínicas populares, inclusive, estão em ascensão. E
certamente elas vêm para suprir uma demanda reprimida
por consultas e exames. Até junho de 2016, 1,6 milhão de
usuários havia deixado a saúde suplementar, número elevado pelo desemprego no país, que está em 11,6%, segundo a última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
Já o Conselho Nacional de Saúde (CNS) defende que o
SUS tenha mais recursos. Para o seu presidente, Ronald Ferreira dos Santos, o Estado deve ofertar saúde pública de qualidade para todos com os “impostos pagos pelos cidadãos”.
Segundo Yussif Ali Mere Jr, não há sistema universal em
país nenhum do mundo que seja capaz de oferecer tudo a
todos. “Nem o NHS, da Inglaterra, motivo de orgulho dos
cidadãos, é capaz de financiar absolutamente todas as demandas da população. Precisamos encarar este debate de
maneira madura, entendendo e determinando até onde o
SUS consegue e pode ir.”
De acordo com a portaria nº 1.482 do Ministério da Saúde,
de 4/8/2016, que instituiu o GT, cabe a este apresentar, em
um prazo de 60 dias (prorrogável), proposta de Projeto de
Plano de Saúde Acessível a partir de estudos e documentos
técnicos, visando à qualificação do projeto e a avaliação do
impacto financeiro de sua implantação. O texto diz, ainda,
que a coordenação do GT poderá convidar representantes
de outros órgãos e entidades, públicas e privadas, além de
pesquisadores e especialistas, para contribuir com o projeto.
Debate FGV/Saúde propôs reflexão sobre SUS e planos populares
25
GESTÃO
O paciente tratado
como
cliente
Por RICARDO
N
a área da prestação de serviços em saúde, as empresas
procuram, cada vez mais, por novas formas de relacionamento com seus pacientes, criando estratégias para fidelização e
buscando com isso um melhor posicionamento no mercado.
Neste contexto, serviços personalizados e segmentados
podem ser diferenciais. Transformar o paciente em cliente
passa, portanto, por trabalhar a assistência em um sentido
mais amplo, compreendendo necessidades e outros fatores humanos. “Em saúde a pessoa carrega uma ansiedade,
uma preocupação e a gente tenta nessa interação reverter
uma situação adversa. Se conseguirmos fazer a diferença
nesses aspectos, que estão relacionados ao lado emocional, transformamos esses pacientes em clientes, porque
você torna essa experiência memorável”, afirma William
Malfatti, diretor de Comunicação e Relacionamento com o
Cliente do Grupo Fleury.
A rede de laboratórios investe, desde 2008, em serviços
segmentados de acordo com a necessidade e perfil de seus
clientes. O primeiro a ser criado foi um centro integrado de
medicina diagnóstica voltada para o público pediátrico,
onde os exames podem ser feitos em pouco tempo e o médico que atende a criança tem uma opção de atendimento
ambulatorial que não seja o pronto-socorro. “Nesse serviço,
mediante a solicitação do médico, a mãe ou o pai pode levar o seu filho para ser atendido, sem horário agendado, e
os resultados saem em até quatro horas”, explica Malfatti.
Esta solução também contempla um diferencial de acolhimento da criança, já que o local de atendimento é decorado com temas infantis. “Isso torna a experiência mais
agradável e menos inibidora, porque a criança sempre tem
medo da intervenção médica. De um lado resolvemos uma
questão funcional, com bastante agilidade e adequação
para a necessidade, e, por outro, acolhemos melhor esse
cliente”, pontua o diretor.
A partir desta experiência, a empresa passou a investir
em outros centros que integram serviços diagnósticos e terapêuticos, realizando exames em sequência e num mesmo
período do dia.
26
BALEGO
Satisfação em números
No Fleury, após o resultado do seu exame, o cliente recebe
por e-mail uma pesquisa composta por 11 perguntas, baseada em uma metodologia internacional, o Net Promoter
Score (NPS). Esse dado mede, por parte do usuário, o nível
de recomendação do serviço para a sua rede de relacionamentos. É utilizado também como um indicador que mostra
o poder de fidelização e atração das marcas para potenciais novos clientes.
No segundo trimestre de 2016, o grupo atingiu
74,9% no NPS, comparado com 71,5% no mesmo período em 2015. Esses dados são divulgados periodicamente junto com os
resultados financeiros para seus analistas e investidores.
Tão importante quanto ter esses
números em mãos é acompanhar sua evolução. No caso
do laboratório, esse acompanhamento é diário. De posse
desses dados, é possível direcionar as ações de melhorias
diretamente para os setores em
que elas são necessárias.
Instituição pública
O Hospital Estadual Mário Covas (HEMC), de
Santo André, que está sob a administração da organização social de saúde
(OSS) Fundação do ABC, entendendo o paciente como cliente e como a razão de ser de
William Malfatti, diretor
Grupo Fleury
Grupo Fleury
suas atividades, dispõe de um serviço específico para atendimento ao usuário. O SAU, como é conhecido, é o canal
de comunicação entre os clientes e a instituição, que colhe
sugestões e reclamações, fornece informações e esclarece
dúvidas. “Mais do que isto, é por meio do SAU e da participação do usuário que o HEMC adapta e aprimora os serviços
ofertados”, informa o hospital.
O atendimento no SAU é feito por um grupo de assistentes sociais e pessoal de apoio, por meio dos chamados instrumentos de contatos. Esses canais vão desde o termo de
ouvidoria, pesquisa de opinião, questionário de avaliação
do paciente, balcão e local para o atendimento ao usuário, uma sala especifica para o serviço ao paciente até um
e-mail exclusivo da ouvidoria. “É fundamental que o usuário
procure o SAU e contribua com a construção de um hospital
cada vez melhor”, ressalta a diretoria do HEMC.
Nas operadoras,
ouvidorias são obrigatórias
Na saúde suplementar, também vêm sendo fomentadas medidas no sentido de facilitar o relacionamento entre os planos de saúde e seus
usuários. Desde maio deste ano, segundo a resolução normativa (RN) nº 323, da Agência Nacional
de Saúde Suplementar (ANS), as operadoras devem disponibilizar canais de contato presencial e
telefônico, com intuito de disciplinar e qualificar
essa relação.
De acordo com a RN, os planos devem prestar
imediatamente aos seus beneficiários as informações e orientações sobre procedimentos ou
serviços assistenciais solicitados, esclarecendo
se há cobertura prevista no Rol de Procedimentos
e Eventos em Saúde da ANS ou no contrato.
A medida também determina unidades para
atendimento presencial com funcionamento em
horário comercial para as operadoras de grande
porte, além de oferecer atendimento telefônico
ao consumidor durante 24 horas, todos os dias
da semana. As solicitações devem, ainda, gerar
protocolos de atendimento e respeitar prazos
máximos para resposta.
O não cumprimento das normas gera multa de
R$ 30 mil a R$ 100 mil.
Entidades de classe também estão querendo
ouvir a opinião da população sobre os serviços
de saúde. O Conselho Regional de Medicina de
São Paulo (Cremesp) definiu, em seu planejamento estratégico aprovado no fim de 2015, que
vai criar uma ouvidoria.
Para implementar o novo serviço e esclarecer
as dúvidas dos conselheiros sobre a função da
ouvidoria, critérios para escolha, perfil do ouvidor
e condução de denúncias ou reclamações anônimas, a entidade realizou uma sessão plenária
com o ouvidor-geral do Estado de São Paulo, Gustavo Ungaro.
Ele destaca que, além de reclamações e denúncias, as ouvidorias são um canal de serviço
aos cidadãos, que devem receber pedidos de
informação, sugestões e elogios, e revela que
“dentre os serviços estaduais monitorados, os de
saúde têm maior número de elogios”.
27
ARTIGO
A ética do
trabalho
Divulgação
Por Almir
E
m nosso país, a lei jamais foi tão direta
como o foi São Paulo Apóstolo, na Segunda Carta
aos Tessalonicenses. Ninguém está obrigado a fazer ou não fazer alguma coisa senão em virtude de
lei, mas a lei a ninguém obriga a trabalhar. Declara
livre o exercício de ofício ou profissão, não equiparando, contudo, o trabalho à liberdade, à segurança, ao bem-estar como valor supremo “de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”,
como prescreve o preâmbulo da Constituição.
Compreende-se que seja assim, pois odioso
seria ser submetido compulsoriamente à prestação de algum tipo de trabalho. Compete ao Estado criar condições para que todos sejam úteis,
dirigindo a economia de maneira adequada, de
tal sorte que desemprego, se houver, seja residual, a todos sendo assegurada a chance de ganhar
o pão de cada dia.
Houve época em que se levava a sério o artigo
59 da Lei das Contravenções Penais, segundo o
qual é punido com prisão de 15 dias a três meses
quem se entregar “habitualmente à ociosidade”.
28
Pazzianotto
Por alterações dos costumes, desinteresse da polícia ou inutilidade da norma, caiu ela em desuso,
como outras que povoam o Código Penal e a Lei
das Contravenções.
Situação singular é a da pessoa portadora de
necessidades especiais, inconfundível com o desocupado contumaz. Amparada pelo artigo 203
da Lei Fundamental, tem garantida integração na
vida comunitária mediante habilitação ou reabilitação que a capacite ao exercício de trabalho remunerado compatível com as condições em que
se encontra.
Esse dispositivo é regulamentado pela lei n.º
8.213/91, que trata do Plano de Benefícios da
Previdência Social, segundo o qual empresas
com cem ou mais assalariados estão obrigadas a
reservar entre 2% e 5% dos postos de trabalho a
deficientes.
É saudável e humano garantir ao deficiente a
oportunidade de se realizar pelo trabalho. Alguns
partem para atividades autônomas, outros integram cooperativas, associam-se a empresas ou
conseguem empregar-se independentemente de
ajuda de terceiros. Sentimo-nos felizes quando
encontramos quem se superou e conseguiu obter
colocação assalariada. Tenho experiência na matéria, pois alguns dos mais dedicados trabalhadores e servidores públicos que conheci sofriam
de algum tipo de deficiência.
A lei não é má; poderia, contudo, ser melhor
se não fizesse uso da coercitiva expressão “está
obrigada”, incluída no artigo 93. Constantemente
a norma é tomada ao pé da letra por auditores
fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego e integrantes do Ministério Público do Trabalho, que
ignoram as dificuldades para localizar deficientes
dispostos a assumir as responsabilidades decorrentes do vínculo empregatício.
São pessoas, certamente não todas, satisfeitas com alguma modalidade de modesto auxílio
previdenciário, cujo recebimento não resulta em
compromisso de horário, assiduidade, subordinação, treinamento.
Determinadas autoridades entendem que,
para imprimir utilidade à lei, recai sobre as costas
largas da empresa privada o ônus de recrutá-los,
sujeitá-los a processo de qualificação e incluí-los
entre os demais participantes da força de trabalho. Por outras palavras, competiria ao empresário assumir encargos reservados legalmente à
Previdência Social.
Fazem por desconhecer que a tarefa pertence
ao governo e que ao cidadão, deficiente ou não,
o Estado impõe unicamente três coisas: 1) alistar-se como eleitor, 2) votar e 3) prestar serviço militar.
Na extinta União Soviética, a Constituição de
1977 obrigava, mas de maneira velada. Dizia, no
artigo 14: “O Estado exerce o controle da quantidade do trabalho e do consumo, segundo o
princípio do socialismo: ‘De cada um segundo as
suas capacidades, a cada um segundo o seu trabalho’”. Sobre o dispositivo, o livro A Constituição
da URSS – Comentário Político, diz: “A elevação
da produtividade social do trabalho é premissa
indispensável e, em última análise, a única da subida do nível de vida do povo. Quem deseja viver
melhor deve trabalhar mais e melhor”.
O trabalho, como princípio ético de vida, está
ausente das nossas raízes culturais, conforme
lembra Paulo Prado no clássico Retrato do Brasil.
Para o notável escritor, somos descendentes da
luxúria, da tristeza, da cobiça, do romantismo. A
experiência revela que são cada vez mais comuns
autos de infração lavrados por auditores fiscais
do Ministério do Trabalho contra empresas que,
não obstante intensa pesquisa no seu município e na sua região, não alcançam os resultados
desejados, permanecendo em aberto todas ou
parte das vagas, destinadas a portadores de necessidades especiais. Embora se esforcem, não
conseguem preenchê-las.
A solução do
problema social
não deve ser buscada
com severa punição de
empresas inocentes"
A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo,
de Max Weber, é leitura indispensável, ao lado da
obra de Paulo Prado, para que se possa entender
a conduta de quem, habilitado ou reabilitado,
poderia, mas não quer, abdicar da assistência
governamental e se tornar útil à família e à sociedade. Trabalhar mais e melhor, para alguns, é
sofrimento a ser evitado.
Compete à Previdência Social identificar os
deficientes, cadastrá-los segundo a natureza e o
grau da deficiência, habilitá-los ou reabilitá-los,
para que tenham ingresso assegurado no mercado de trabalho. Impor às empresas, sobrecarregadas de compromissos, o desempenho de tarefa
que não é sua, resulta, como hoje se vê, em infindáveis conflitos com o Ministério do Trabalho,
que desembocam na Justiça.
A solução do grave problema social não deve
ser buscada com severa punição de empresas
inocentes. A inserção social do portador de deficiência é tarefa que a Constituição e a lei atribuem ao Estado.
*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro
do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do
Trabalho (TST)
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CHARGE
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