Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Maringá (PR) v. V, n.15, jan/2013. ISSN 1983-2850 Dossie Memória e Narrativas nas Religiões e nas Religiosidades. Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html RESENHA ____________________________________________________________________________________ BOGDAN, Henrik; STARR, Martin P (Org.). Aleister Crowley and Western Esotericism. Oxford University Press: Nova York, NY, 2012. 432 p. ISBN13: 978-019-986307-5 Celso Luiz Terzetti Filho* A marca da contribuição de Crowley para o Esoterismo Ocidental foi sua tentativa de legitimar sua abordagem essencialmente religiosa à realidade através de elementos do cético empíricos e filosóficos (HENRIK BOGDAN) O esoterismo ocidental e o ocultismo, de uma forma geral, têm sido deixados por muito tempo de lado pelos historiadores e pesquisadores da religião. Apenas nos últimos anos que o interesse em relação a estes temas começou a dar frutos. Autores como Antoine Faivre, Wouter J, Hanegraaff, Tobias Churton já são considerados a vanguarda no impulso destes novos estudos. Na Holanda há uma cátedra que trata de estudos relacionados ao pensamento esotérico ocidental, a “Cadeira de História da Filosofia Hermética e Correntes Correlatas” que fora criada devido a necessidade de um grupo de pesquisadores em agrupar pesquisas que tinham como objeto tais temas. Segundo Roelof van den Broek no livro Hermes in the Academy: Ten Years’ Study of Western Esotericism at the University of Amsterdam: Antes de 1999, era impossível estudar filosofia hermética em uma universidade holandesa. Filosofia hermética e misticismo cheirava à um mundo pré-ilumista e, ainda pior, à Nova Era, para ser atraente para os filósofos acadêmicos, e muito menos ainda para dar-lhes um lugar nos seus programas de ensino. Pode-se perceber como o interesse do mundo acadêmico por este tema é recente. Apesar disso, muitos pesquisadores já se debruçavam sobre esta temática ao estudar os Novos Movimentos Religiosos (NMR). Pois grande parte das novas formas de espiritualidade do Ocidente que surgiram no bojo da contracultura beberam da fonte do esoterismo ocidental, adicionando a seu capital cultural, elementos de maçonaria, hermetismo, neoplatonismo e elementos orientais. Na * constituição dessas novas formas de espiritualidade o transito Doutorando em Ciências da Religião pela PUC/ SP, Mestre em Ciências da Religião pela PUC/SP especialista em Docência no Ensino Superior pela FEPI –Fundação de Ensino e Pesquisa de Itajubá, MG graduado em História pela FEPI. Contato: [email protected] Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Maringá (PR) v. V, n.15, jan/2013. ISSN 1983-2850 Dossie Memória e Narrativas nas Religiões e nas Religiosidades Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html RESENHA _________________________________________________________________________________ intercontinental fez com que diferentes tradições esotéricas se adaptassem aos lugares que eram desenvolvidas. O ocultismo francês e o espiritualismo chegaram com relativa força nos Estados Unidos, assim como o kardecismo no Brasil. A Inglaterra do final do século XIX e XX viu surgir diversas ordens iniciáticas que buscavam inspiração nos mistérios do mundo antigo, assim como nas culturas europeias. Despontava nesta época os estudos folclóricos, a antropologia dava seus primeiros passos. O resgate e reinterpretação de culturas primitivas não era apenas uma questão nacional, mas fornecia as bases para a criação de sistemas mágicos religiosos e ritualísticos, haja visto a concepção dos ciclos anuais da natureza, enfatizada por diversos pesquisadores no início do século XX. Por um lado havia a sociedade pós vitoriana, com seu ímpeto colonialista e por outro o cristianismo que perdia cada vez mais espaço como esfera aglutinadora de coerção em relação a identidade religiosa. É nesse conturbado período da História, primeira guerra mundial e nacionalismo exarcebados, que aparece os mais famosos ocultistas. E especificamente na Inglaterra um deles será lembrado até hoje como sendo a maior influência do ocultismo em termos contraculturais, Aleister Crowley. A “Besta 666”, ou “To Mega Therion”, como era conhecido, deixou influências marcantes entre diversos grupos e movimentos ao longo do século XX e até hoje continua influenciando. O poeta português Fernando Pessoa era um admirador de seus escritos. Diversas bandas de rock o tinham como um ídolo. Muitos dos elementos presentes no esoterismo ocidental vieram de Crowley. Sua concepção de magia como expressão da vontade, assim como a concepção de Dion Fortune, até hoje é estabelecida como uma definição apropriada entre os ocultistas e adeptos de grupos e movimentos mágico religiosos. Neste trabalho inédito e quiçá o mais bem completo estudo sobre as contribuições do mago inglês para o esoterismo ocidental podemos encontrar diversas facetas que compõem essa personagem histórica tão significativa para o ocultismo. Editado por Henrik Bogdan, historiador das religiões e especialista em novos movimentos religiosos, esoterismo ocidental e maçonaria junto com Martin P. Starr, especialista em novos movimentos religiosos e esoterismo ocidental a obra tem contribuição de diversos acadêmicos que trabalham de alguma forma com o tema do esoterismo, entre eles Wouter J, Hanegraaff, Ronald Hutton, Alex Owen, entre outros. Ao todo são quinze capítulos ao longo de 432 páginas onde os autores analisam a 302 Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Maringá (PR) v. V, n.15, jan/2013. ISSN 1983-2850 Dossie Memória e Narrativas nas Religiões e nas Religiosidades Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html RESENHA _________________________________________________________________________________ influência das ideias de Crowley para os diversos movimentos religiosos de sua época e também do pós guerra, como a Wicca e o moderno satanismo. Também descreve sobre as influências recebidas por Crowley, elementos maçônico rosacrucianismo, entre outros. Este é um livro abrangente, de fato uma obra inédita que trata também das contradições do pensamento de Crowley. O livro pode ser em certa medida também considerado uma biografia do mago, já que trata das questões relativas a sua formação. Nascido numa comunidade de cristãos conservadores, os “Irmãos de Plymouth”, desde cedo teve contato com a religião. Quando criança o único livro permitido para leitura em sua casa era a bíblia. Mais tarde cursou filosofia no Trinity College, em Cambridge, depois mudou o curso para Literatura Inglesa. Seu interesse nessa época era o alpinismo e a vida boemia. Começou a ler sobre ocultismo e esoterismo, estudou e absorveu diversos sistemas mágicos até desenvolver o seu. Antes, Crowley foi iniciado na famosa Ordem da Aurora Dourada, a Golden Dawn, uma sociedade mágica surgida em 1880 na Inglaterra, que praticava magia cerimonial. Seu principal fundador foi Samuel Liddel "MacGregor" Mathers. Durante esse período na ordem Crowley conquistou inimizades devido a seu comportamento considerado por outros membros como “depravado”. Nesta época o ópio e a cocaína eram muito utilizados como tratamento a diversas doenças. Um dos iniciados na ordem, Allan Bennett, sofria de asma e utilizava as drogas para amenizar os sintomas, com o uso frequente começou a despertar para um misticismo introspectivo. Crowley também começou a fazer uso frequente de diversos tipos de droga, tanto em que seus últimos dias de vida, ele não abandonara o vício em heroína. Crowley viajou o mundo, descobriu a yoga e em 1904 escreveu o livro da Lei que foi ditado a ele por uma entidade de nome Awaiss que se comunicava através de sua esposa Rose. Foi no Cairo durante os dias 7, 8 e 9 de abril que Crowley escreveu o Liber Al, ou Livro da Lei. É neste livro que se encontra os três axiomas mais famosos do pensamento de Crowley: “Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei”, “Amor é a Lei, amor sob a vontade” e “Todo homem e toda mulher é uma estrela”. O livro da Lei foi a gênese de sua principal filosofia, A Thelema. O nome foi retirado da obra satírica de François Rabelais “Gargantua e Pantagruel”, na história do escritor renascentista a Abadia de Thelema era um local onde o desejo de todos eram plenamente satisfeitos. A palavra em grego significa “vontade”. Seu pensamento foi 303 Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Maringá (PR) v. V, n.15, jan/2013. ISSN 1983-2850 Dossie Memória e Narrativas nas Religiões e nas Religiosidades Disponível em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html RESENHA _________________________________________________________________________________ difundido através das ordens que participou e fundou, como a A:. A:. (Astrum Argentum) fundada em 1907 em parceria com George Cecil Jones e a O.T.O (Ordo Templis Orientis) fundada em 1906 por por Franz Hartman e Theodor Reuss. O legado de Crowley permanece, assim como sua fama de ser o “homem mais perverso do mundo”, descrição feita por um jornal na época. Muitos dos novos movimentos religiosos são devedores do pensamento de Crowley. A própria Nova Era encontra eco nos elementos do mago inglês, o Novo Aeon, nada mais é do que um prelúdio a esta busca contemporânea entre os adeptos desta espiritualidade errante. Na Wicca muitos dos princípios religiosos vem de Crowley. Gerald B. Gardner o principal divulgador da moderna bruxaria pagã leu Crowley. Doreen Valiente, sacerdotisa de Gardner chegou a reescreveu alguns trechos do “Livro da Sombra” de Gardner para não deixar as influências de Crowley tão evidentes, já que o mago não possuía boa fama. Mas os ensaios reunidos neste livro vem contribuir para um lado pouco percebido de Aleister Crowley. Quando se fala sobre mago se pensa em transgressão, magia negra, satanismo enfim diversas categorias negativas. Uma contribuição significativa é a de que Crowley prenuncia à modernidade a visão do “eu”. Sua filosofia da “vontade” revela-se muito mais complexa do que apenas um simples ato de transgressão. Sua filosofia está de certa forma ligada a percepção do sujeito moderno como questionador de sua liberdade. Concluindo, não há como deixar de lado a influência dessa figura no esoterismo ocidental. Como bem coloca o pesquisador dos novos movimentos religiosos J. Gordon Melton (2012): O volume faz uma contribuição significativa para estudos esotéricos e irá contribuir para futuro debates sobre Crowley. Vai ser uma leitura obrigatória para todos os estudiosos de textos esotéricos na próxima geração. Recebido em 10/01/2013 Aprovado em 25/01/2013 304