XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 28 a 31 de Julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ) Grupo de Trabalho: Sociologia da Cultura A DIMENSÃO DA CULTURA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS. Maria Aparecida Leonardo Unifil (Centro Universitário Filadélfia) Belo Horizonte 2009 RESUMO Este artigo estuda a Cultura nas Relações Internacionais, sob o prisma de cultura e desenvolvimento. São abordados os reflexos da cultura no desenvolvimento sob o questionamento: quais são os efeitos e a influência da cultura sobre o desenvolvimento humano? Considera-se que a cultura verdadeiramente importa para as relações internacionais, e objetiva-se identificar os valores culturais relevantes e suas relações entre cultura e desenvolvimento, no contexto internacional dos países do Cone Sul. A cultura deslocou-se da periferia para o centro dos debates internacionais, a partir dos anos 1990 por meio de Katzenstein (1996), Lapid e Kratochwil (1996), Hudson (1997), Huntington (1997), Harrison e Huntington (2002). Já os fundamentos antropológicos da cultura aplicados às Relações Internacionais apóiam-se nos clássicos da Antropologia, Malinowski, Boas, Benedict, Mead e Levy-Strauss. Desenvolvimento e cultura estão intimamente ligados e se influenciam mutuamente, é o que se comprova por meio da pesquisa qualitativa, apoiada sobre três métodos em triangulação: o método comparativo, o estudo de casos, e o método etnológico. Tendo o objetivo de identificar os conjuntos de valores culturais e seus reflexos no desenvolvimento, esta pesquisa emerge sob o recorte analítico geográfico-cultural dos países do Cone Sul: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai; e os resultados são interpretados de acordo com quatro variáveis: cultura econômica, cultura educacional, cultura religiosa e cultura étnica. Seus valores se entrelaçam formando uma rede firme, ou uma mesa de quatro pés sobre os quais o desenvolvimento se estabelece. Seguindo o raciocínio empírico proposto, torna-se possível comprovar os efeitos e influência da cultura no desenvolvimento e estabelecer o conceito de Antropologia das Relações Internacionais, como o campo do estudo da cultura no âmbito das relações internacionais. Nesse sentido, apresenta-se a seguinte proposição: A dinâmica da cultura atua sob diferentes aspectos e dimensões em todas as esferas das sociedades internacionais, interagindo como um composto de vários elementos estruturais de base no processo das relações internacionais. Ora a cultura atua como base das relações, ora exerce um papel ou uma função, ora produz um efeito ou impacto, ora expressa influência ou relação, ora delineia dimensão ou configuração de relacionamentos, ora agrega valores e traça caminhos estratégicos, ora determina ou norteia comportamentos específicos na arte de relacionar em nível transnacional. PALAVRAS-CHAVE: Cultura e Desenvolvimento, Relações Internacionais, Antropologia das Relações Internacionais, Sociologia da Cultura, Valores e Tendências. 1 1 INTRODUÇÃO: A INFLUÊNCIA DA CULTURA ENTRE AS NAÇÕES O ser humano é essencialmente moldado pela cultura. Ele é um ser cultural, e é através da cultura que ele cria, interage, inventa, processa transformações, padroniza arranjos sociais, domina, perpetua a espécie, padroniza crenças, valores e seus hábitos. É no mundo da cultura que ele cria teias de relacionamentos, forma instituições, vive alegrias, faz política, negocia, faz arte, dramatiza emoções, engendra maneiras singulares de fazer as coisas acontecerem, e cria caminhos para as relações interculturais e transculturais. Abordar a Dimensão da Cultura nas Relações Internacionais é especializar-se em um tema fascinante e rico em valores a nível transnacional e transcultural. A cultura de um povo abrange os elementos distintivos pelos quais ele refere sua identidade ao conjunto de fatores que a define, língua, espaço, época, religião, parentesco, ideologia, história. Os reflexos e influência da cultura entre as nações pousam no campo das relações internacionais – ambiente internacional de tudo aquilo que está relacionado às nações e que ocorre através das nações. Políticas, negociações, resolução de conflitos, estratégias, instituições, cooperação, integração, desenvolvimento e fluxos transnacionais possuem diferentes colorações de nação para nação. Dessa forma, o meio internacional é permeado por percepções, memórias, emoções, atitudes, valores, estilos, cultura, imagens e história. Cada nação traz consigo suas imagens, o orgulho, a bandeira, a música oficial, o traço, o símbolo, e a característica cultural que a torna única e singular. O cenário internacional, é enfim, palco de forte expressão cultural. Nesta investigação, a dimensão da cultura é pesquisada em ambientes culturais específicos procurando compreender como a cultura influencia todas as esferas das relações internacionais, aqui interpretada, especialmente sob o prisma de Cultura e Desenvolvimento. Em outras palavras, o objeto da investigação é a Dimensão da Cultura nas Relações Internacionais contemporâneas fazendo uma abordagem sobre a influência e o efeito da cultura nas relações entre países, avaliando-a ao longo da pesquisa em termos de cultura e desenvolvimento. Este corte analítico é focado na abordagem dos reflexos da cultura sobre o desenvolvimento sob o questionamento central: Quais são os efeitos e a influência da cultura sobre o desenvolvimento humano? A razão da escolha do tema se deve inicialmente à contemporaneidade da abordagem da cultura, sobretudo, da maneira como ela tem estado presente nas 2 agendas internacionais e em vários temas como cultura econômica, cultura política, cultura religiosa, cultura e negócios internacionais, movimentos transnacionais, cooperação intercultural entre Estados, diversidade cultural e outros assuntos de destaque internacional. Justifica-se trabalhar neste tema, visto que o aspecto cultural e comportamental passou a ter grande destaque a partir da década de 1990, abrindo uma nova dimensão para a compreensão da política internacional, da análise da política externa, e dos processos de negociações internacionais. A abrangência desta pesquisa situa-se com grande contribuição cultural na área de concentração em Política Internacional e para linhas de pesquisas no campo do Desenvolvimento e das Desigualdades Internacionais. Considera-se aqui que a cultura verdadeiramente importa para as relações internacionais e os fundamentos antropológicos da cultura estão em ampla interconexão com os assuntos internacionais. O tema da dimensão da cultura nas relações internacionais, além da proposta de ser um referencial para a comunidade científica e acadêmica das Relações Internacionais, dedica-se a servir como ferramentas e estratégias de aproximação cultural que viabilizem uma melhor utilização da cultura no meio internacional. De maneira que cultura seja tida, como chave e parceira para as relações internacionais. Na medida em que é desenvolvido um processo teórico de retorno à experiência dos precursores da antropologia (o viajante, o missionário, e o administrador), possuidores do conhecimento e da aplicação da cultura como aliados em suas atuações profissionais transculturais; propõe-se fixar marcos contemporâneos que guiem e orientem as inúmeras categorias profissionais, políticas, e internacionalistas, a fim de possam usufruir de conhecimento cultural que lhes abram portas e estratégias para conduzirem-se neste mundo sem fronteiras. Dessa forma esta argumentação traz em cena a relevância da cultura, não somente numa abordagem científica, mas também uma abordagem de ordem prática. 1.1 Objetivos da Pesquisa. A presente investigação tem como objetivo geral fazer uma análise da dimensão da cultura no âmbito das relações internacionais, identificando os valores culturais relevantes e seus reflexos na relação entre cultura e desenvolvimento no contexto internacional dos países do Cone Sul. 3 Objetivos específicos: 1) Identificar e analisar quais são os conjuntos de valores culturais que mais influenciam o desenvolvimento humano, e seus efeitos como motores ou inibidores para o desenvolvimento. 2) Identificar, cruzar e analisar as possíveis relações e reflexos entre cultura e desenvolvimento a partir do sistema de valores de quatro dimensões culturais: econômica, educacional, religiosa e étnica. 3) Propor uma teoria específica por uma Antropologia das Relações Internacionais. 1.2 Pressupostos e Hipóteses Partindo do pressuposto que a cultura importa na arena das relações internacionais e de que os sistemas de valores definem o desenvolvimento humano. E ainda de que a cultura molda o comportamento dos atores internacionais e das relações entre países, as hipóteses estabelecidas por esta investigação científica são: 1. cultura e desenvolvimento estão intimamente ligados e se influenciam mutuamente; 2. os valores culturais produzem efeitos como motores ou inibidores para o desenvolvimento; 3. os reflexos da cultura estão presentes no mapa do desenvolvimento e desigualdades internacionais; 4. a cultura econômica, a educacional, a étnica e a religiosa forma uma forte rede sócio-cultural de quatro pontas que entrelaçam os seus valores de uma forma muito significativa na relação cultura e desenvolvimento. 2 A DIMENSÃO DA CULTURA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: FUNDAMENTAÇÃO Pressupõe-se que a cultura verdadeiramente importa para as relações internacionais, e que seguramente, os fundamentos antropológicos da cultura estão em ampla interconexão com os assuntos internacionais. Esta dimensão da cultura é real, cabendo a esta investigação científica o devido reconhecimento da relevância do tema e a comprovação deste fenômeno. A cultura desempenha um papel cada vez mais importante e dinâmico na conjuntura internacional contemporânea. No 4 contexto histórico dos anos 1940 e 1950 dava-se significativa atenção à importância da cultura, já o ano de1960 foi palco de produção de grandes idéias, novos movimentos sociais e também os conflitos de guerras culturais entre liberais e conservadores vindo ao declínio nos anos 1960 e 1970, voltando a renascer com grande força em 1980. As relações internações ganham especial dimensão no contexto que antecede o período da guerra e pós-guerra mundial, como um campo fértil para o desenvolvimento das teorias de RI. Justamente nesse contexto pós-guerra despontam as obras de Snyder, Bruck e Sapin, tendo suas obras publicadas nos anos de 1954 e 1962. A contribuição destes autores para a teoria da dimensão cultural em relações internacionais deve-se ao fato de abordarem os aspectos comportamentais e valores culturais para análise de política externa, ao explanarem como estes fatores influenciam os atores internacionais nos processos decisórios. Conforme argumentam os SBS, “qualquer esboço conceitual para análise do comportamento do Estado precisa empreender em considerar o impacto dos padrões culturais nas decisões” (HUDSON, 2002, apud SBS, p.5. Tradução nossa). As teorias da abrangência dos fatores culturais entram em cena nas relações internacionais apenas nos anos 1990, por meio de Katzenstein (1996), Lapid e Kratochwil (1996), Hudson (1997). Valerie Hudson capturou de forma notável os efeitos culturais nos assuntos internacionais. Ela explora a importância de explicar e prever o comportamento de coletividades humanas que compreendem a naçãoestado. E afirma que a “mente da pessoa envolvida como policy-maker de políticas externas contém um complexo e intrigante banco de informações e padrões, como crenças, atitudes, valores, experiências, emoções, concepções de nação e do eu” (HUDSON, 1995, p.217). Assim o estudo sobre como as diferenças culturais afetam o comportamento, tem sido abordado não somente pelas ciências sociais, como também pelas teorias de relações internacionais. Desenvolvimento e cultura estão intimamente ligados e se influenciam mutuamente. O fator cultural, por um longo período, era visto como um inibidor do desenvolvimento, constituindo-se em elemento que dificultava o progresso em muitas regiões. Mas, sob nova perspectiva da interpretação dos fatos e da sua influência, a cultura sai da periferia para o centro dos debates internacionais, como elemento essencial para o desenvolvimento. Os anos 1990 marcam o início de uma explosão dos debates em torno da cultura e desenvolvimento. Mais precisamente, desde 1995, o tema da cultura teve que vir à baila seguindo uma tendência que 5 derivava das afluências globais. O Banco Mundial, o BID, a Organização Internacional do Trabalho, a CEPAL, o PNUD e a Unesco promoveram declarações, fóruns, simpósios, grupos de trabalho e vasta publicação sobre a importância capital da cultura e de seu impacto sobre o processo de desenvolvimento. Nos últimos vinte anos tem ocorrido um renascimento dos estudos culturais e conduzindo a um novo paradigma cultural de desenvolvimento e progresso humano, com base na cultura. O desenho e consistência argumentativa desta fundamentação teórica têm a proposta de interligar as teorias antropológicas da cultura e as teorias das relações internacionais, como fundamentos sobre os quais se apóia a demonstração empírica da dimensão da cultura nas relações internacionais. Sendo o problema demarcado a partir da dimensão e influência da cultura nas relações internacionais, assume-se que a clara compreensão da dinâmica desta cultura aumentaria significativamente a qualidade das relações processadas no ambiente internacional. 2.1. O Lugar da Cultura nas Relações Internacionais: A Dimensão Cultural Interpretada por Samuel Huntington e Lawrence Harrison. Para aferição da dimensão da cultura nas relações internacionais esta pesquisa apóia-se no pressuposto de que os sistemas de valores definem o desenvolvimento humano, teoricamente demarcado por Lawrence Harrison e Samuel Hungtington. Huntington (1997) caracteriza o seu livro como uma interpretação da evolução da política mundial depois da Guerra Fria, e propõe apresentar uma moldura, um paradigma para a análise da política mundial. Abrindo a abordagem da cultura, como um caminho essencial para compreensão dos atores internacionais, deseja fornecer uma lente significativa por meio da qual seja possível “examinar os acontecimentos internacionais melhor do que através de qualquer outra lente paradigmática”. A cultura, essa lente paradigmática, é um instrumento de abordagem importantíssimo para os estudos das relações internacionais contemporâneas, visto que o mundo da globalização trouxe “The universe next door” de cada nação para dentro da realidade de nosso dia-a-dia. O cerne da teoria de Política Internacional de Huntington concentra-se no fato de que “no mundo pós-Guerra Fria, as distinções mais importantes entre os povos não são as ideológicas, políticas ou econômicas. Elas são culturais” (HUNTINGTON, 1997, p.20). Essa natureza cultural é expressa por meio da história cultural, idioma, religião, costumes e instituições. Conforme argumenta, sob a ótica 6 da ciência política e como cientista político, Huntington traz o foco da dimensão da cultura para a arena internacional, posicionando-a como um marco na política mundial. Ressalta que “a cultura e as identidades culturais – que, em nível mais amplo, são as identidades das civilizações – estão moldando os padrões de coesão, desintegração e conflito no mundo pós-Guerra Fria” (HUNTINGTON, 1997, p.18). O mundo da cultura é marcado pelas identidades nacionais, expressões culturais, pela religião e outras singularidades dos povos. Sua abordagem deixa claro que o mundo pós-Guerra Fria seria interpretado relevantemente sob uma perspectiva cultural. Na conclusão de seu livro faz uma importante citação de Lester Pearson, quando ainda na década de 1950, advertiu que os seres humanos estavam entrando "numa era em que as diferentes civilizações terão que aprender a viver lado a lado num intercâmbio pacífico, aprendendo umas com as outras, estudando a história e os ideais e a arte e cultura umas das outras, enriquecendo-se mutuamente com as vidas umas das outras”. (HUNTINGTON, apud Pearson, 1997, p.410). 2.2. Os Fundamentos Antropológicos da Cultura Aplicados às Relações Internacionais. A interpretação da dimensão da cultura, sob a perspectiva antropológica, orientar-se-á nos clássicos Bronislaw Malinowski, Franz Boas, Ruth Benedict, Margareth Mead e Levy-Strauss. A antropologia fornece uma messe de ferramentas conceituais e teóricas que viabilizam a investigação sobre cultura e desenvolvimento por meio do método etnológico, que é uma comparação das culturas. Ferramentas estas, úteis para esta investigação científica. 2.2.1. Antropologia Cultural Aplicada às Relações Internacionais. A Antropologia Cultural abrange as múltiplas dimensões do ser humano no seu espaço social na arte de viver em sociedade e diz respeito aos modos de vida, formas de vida social, hábitos, costumes e comportamento. Essa antropologia é o estudo do homem como ser cultural, definido por Marconi (2007), como “fazedor de cultura”, capaz de criar o seu meio cultural mediante formas diferenciadas de comportamentos. Constitui-se, portanto, um conjunto de distintivos culturais do comportamento dos indivíduos bem como as suas produções relacionadas aos modos de produção econômica, crenças religiosas, organização política e social, 7 códigos de leis, técnicas, língua, cosmovisão, criações artísticas, maneira de andar, de dormir, a música, a alimentação, parentesco, abrigo, proteção, vestuário, festividades e celebrações. No conceito de Tylor, “cultura e civilização, tomadas em seu sentido etnológico mais vasto, são o conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade” (TYLOR, 1871, p.1). Na definição de cultura de Tylor, cultura e sociedade são conceitos dependentes e um não pode existir separado do outro. A sociedade refere-se aos indivíduos e sua organização grupal ou social enquanto que cultura refere-se aos estilos de vida aprendidos e compartilhados pelo grupo. Este mundo dos comportamentos, que é o mundo da antropologia cultural, vem a ser um fator de integração das sociedades internacionais. A antropologia cultural tem como foco o comportamento dos indivíduos, destaca a diversidade das culturas e evidencia o relacionamento intercultural do indivíduo dentro da própria sociedade, bem como o relacionamento transcultural que se processa entre culturas, procurando compreender a natureza dos processos de aquisição e transmissão da cultura. Nos contornos conceituais de Keesing, cultura “é o comportamento cultivado, isto é, a totalidade da experiência adquirida e transmitida socialmente, ou ainda, o comportamento adquirido por aprendizado social” (KEEESIN, 1961, p.49). Essa gama de distintivos culturais permite comparar as sociedades entre si e neste ponto o método comparativo das culturas torna uma ferramenta útil no âmbito das relações internacionais. Assim, a cultura se transforma em um excelente campo de pesquisa. 2.2.2. A Teoria Científica da Cultura de Malinoswki. Malinowski, cem anos atrás, via a interdisciplinalidade da cultura em sua ampla abrangência além das fronteiras de sua época e do campo antropológico em si. Salientava a necessidade de uma teoria da cultura, sendo esta, não um monopólio da Antropologia, mas um fenômeno importante para as demais ciências. A Antropologia foi talvez a primeira de todas as Ciências Sociais a criar o seu laboratório, lado a lado com a sua oficina teórica. O etnólogo estuda as realidades da cultura sob a maior variedade de condições ambientes, raciais e psicológicas. Ele deve ser ao mesmo tempo perito na arte de observação, isto é, no trabalho etnológico de campo, e na teoria da cultura. Em seu trabalho de campo e na sua análise comparativa da cultura, aprendeu que 8 nenhum desses dois objetivos têm qualquer valor a menos que sejam executados conjuntamente. Observar significa selecionar, classificar, isolar na base da teoria. Elaborar uma teoria é resumir a relevância de observações passadas e prever a confirmação ou refutação empírica dos problemas teóricos apresentados. (MALINOSWKI, 1962, p.21). A cultura como objeto de investigação, de Malinowski, coloca em foco duas teorias fundamentais: a teoria científica da cultura (1941) e a teoria funcional (1939), propondo-se a demonstrar o estudo científico da cultura como um ponto de confluência real de todos os ramos da antropologia e sua inter-relação com outros campos da ciência. [...] penso que se a Antropologia puder contribuir para uma perspectiva mais científica de seu legítimo objeto, ou seja, a cultura, ela prestará um serviço inestimável às outras humanidades. A cultura, como o mais amplo contexto de comportamento humano, é tão importante para o psicólogo como para o estudante de Ciências Sociais, tão importante para o historiador como para o lingüista. Acredito que a lingüística do futuro, especialmente no tocante à ciência do significado, tornar-se-á o estudo de linguagem no contexto da cultura. Por sua vez, a Economia como uma investigação da riqueza e do bem-estar, como meio de troca e produção, pode achar útil no futuro não apreciar o homem econômico completamente isolado de outras empresas e considerações, mas basear seus princípios e argumentos no estudo do homem como ele realmente é, movendo-se no meio dos interesses culturais complexos e pluridimensionais. Na verdade, a maioria das modernas tendências em Economia, quer rotuladas "institucionais", "psicológicas" ou "históricas", estão suplementando as velhas teorias, puramente econômicas, por situar o homem econômico dentro do contexto de seus múltiplos impulsos, interesses e hábitos, isto é, o homem como ele é, modelado pelo seu complexo ambiente cultural, parcialmente racional e parcialmente emocional. (MALINOSWKI, 1962, p.15-16). Em cada sociedade, desde a mais simples à mais complexa, o homem se acerca de ações para satisfazer as suas necessidades básicas ou orgânicas e ao processar cada atividade que envolve a sua existência ele cria hábitos e memória cultural. A análise funcional e institucional de Malinowski tem a finalidade de definir mais precisamente a cultura, onde todos os elementos de um sistema cultural se harmonizam entre si, tornando-os em sistemas de equilíbrio e funcionais: A cultura é um amálgama global de instituições em parte autônomas, em parte coordenadas. Ela se integra numa série de princípios tais como a comunhão de sangue por meio da procriação; a contigüidade em espaço relacionada com a cooperação; a especialização em atividades; e, último na ordem mas não menor em importância, o uso do poder na organização política. Cada cultura deve sua integridade e sua auto-suficiência ao fato de que satisfaz toda a gama de necessidades básicas, instrumentais e integrativas. Sugerir, por conseguinte, como tem sido feito recentemente, que cada cultura abrange apenas uma pequena área de sua periferia potencial é, pelo menos num sentido, radicalmente errado. (MALINOSWKI, 1962, p.47). 9 Na visão do funcionalismo cada cultura constitui um todo coerente, onde todos os elementos de um sistema cultural se harmonizam uns aos outros, e desta forma as estruturas sociais são baseadas em funções a serem exercidas para que determinado sistema funcione. Essa teoria “ressalta a funcionalidade de cada unidade da cultura no contexto cultural global” (MARCONI, 2007, p.14). Na antropologia de Brown, a sociedade só funciona em certas estruturas funcionais. A arte de se relacionar com outras sociedades internacionais é também objeto desta investigação científica, visto que na inter-relação entre estados agrega distintivos culturais como parceiros nas diplomacias e relações internacionais. Tudo aquilo que possui um toque de singularidade na ação daquilo que uma cultura faz para satisfazer as suas necessidades básicas e secundárias deve ser levado em conta e apreciado no âmbito das relações entre estados e instituições internacionais. 2.2.3. O elo entre as teorias de Boas, Benedict, Mead e Strauss. Através de Franz Boas (1858-1942), Ruth Benedict (1887-1948), Margaret Mead (1901-1978), e Lévi-Strauss é possível fazer um elo complementar entre as respectivas teorias da cultura por eles postuladas, relevantes ao estudo da dimensão da cultura nas relações internacionais. Boas aborda o conceito de traço cultural, na idéia de definir os menores componentes de uma cultura. Nesse sentido, cada cultura apresenta traços culturais distintos que podem ser isolados e interpretados como variantes culturais de um complexo cultural. Para Ruth Benedict, cada cultura se caracteriza por pattern, ou seja, por seu modelo, padrão, certo estilo ou configuração. Sua obra Patterns of Culture (1934) defende esta teoria, e nesta visão, toda a cultura é um coerente complexo de traços culturais que apresenta configurações e justaposição de traços combinados de maneira coerente. Traços esses que moldam todos os comportamentos conforme os valores dominantes configurados. Mead aborda o conceito do processo de transmissão cultural e de socialização do indivíduo. Suas pesquisas focalizam a maneira como o indivíduo recebe a cultura e suas conseqüências comportamentais, explicando o comportamento do indivíduo na sociedade. Lévi-Strauss, trabalha a idéia da antropologia estrutural fazendo uma abordagem estrutural da cultura na tentativa de encontrar as “invariantes” culturais necessárias para toda a vida social, e que são, elementos universais da cultura. Strauss persegue a relação entre a universalidade e a particularidade da cultura. Nesta perspectiva a estrutura social é permeada por 10 invariantes (universalidades) e particularidades culturais. Todas as idéias são objetos de críticas, contudo, objetos também de aplicabilidade para estudos que permitem isolar as variantes da cultura que mais influenciam o comportamento humano. Essas ferramentas conceituais tornarão possível uma investigação mais acurada da cultura na dimensão do desenvolvimento e das relações internacionais. 2.3. Antropologia das Relações Internacionais Tendo em vista que um dos objetivos específicos desta investigação é o de propor elementos para uma teoria antropológica das Relações Internacionais; esta trajetória empírica leva em conta que uma nova confluência de idéias tem levado antropólogos, sociólogos, psicólogos, e também, economistas, empresários, advogados, agentes sociais e líderes de instituições internacionais a encararem seriamente os diferentes focos culturais na arena internacional, no desenvolvimento e nas negociações internacionais. A antropologia, ciência do estudo do homem por excelência, atravessa os limites da comunidade local interagindo numa configuração de relações internacionais, expandindo-se para uma nova esfera: a transnacional e global. A abordagem desta investigação, como foi ressaltado, parte do pressuposto de que a cultura constitui uma importante dimensão no ambiente das relações internacionais. É claramente percebido que um determinado fenômeno, uma demanda, ou disputa pode ter diferentes prismas e valores de acordo com a ótica de diferentes culturas. Harrison e Huntington (2002), em “A Cultura Importa: os valores que definem o progresso humano”, exploram a argumentação dos efeitos da cultura sobre o desenvolvimento da sociedade e sustentam que praticamente toda a diferença está na cultura. Investigam a maneira como “a cultura afeta o grau de progresso que as sociedades alcançam ou deixam de alcançar no desenvolvimento econômico e democratização política”. Dessa forma a cultura é tida como variável independente ou explicativa, e é pelos autores definida “como os valores, as atitudes, as crenças, as orientações e os pressupostos subjacentes que predominam entre os membros de uma sociedade” (HARRISON, 2002, p.13). A Antropologia das Relações Internacionais é, sem dúvida, uma nova luz sobre a antropologia contemporânea, sendo a cultura, um fator chave para as negociações e relações no meio internacional. Samuel Huntington (1996), cientista político norte-americano, partilha do pensamento de que a cultura está se 11 posicionando com grande destaque e veemência nos temas internacionais. Valerie Hudson faz uma contribuição para a antropologia das relações internacionais ao levantar a construção da hipótese de que “a cultura afeta o que as nações fazem na arena internacional” (HUDSON, 2007, p.107). Esta investigação associa-se aos objetivos de Samuel Huntington e Lawrence Harrison em “desenvolver as teorias, elaborar os preceitos e fomentar os vínculos entre estudiosos e praticantes que promoverão as condições culturais que aumentam o progresso humano” (HARRISON, 2002, p.15). Neste raciocínio empírico, torna-se possível estabelecer o conceito de Antropologia das Relações Internacionais, como o campo do estudo da cultura no âmbito das relações internacionais, bem como apresentar a seguinte proposição: A dinâmica da cultura atua sob diferentes aspectos e dimensões em todas as esferas das sociedades internacionais, interagindo como um composto de vários elementos estruturais de base no processo das relações internacionais. Ora a cultura atua como base das relações, ora exerce um papel ou uma função, ora produz um efeito ou impacto, ora expressa influência ou relação, ora delineia dimensão ou configuração de relacionamentos, ora agrega valores e traça caminhos estratégicos, e ora determina ou norteia comportamentos específicos na arte de relacionar em nível transcultural e transnacional. A interdisciplinalidade das relações internacionais permite uma junção de várias ciências, e dentre elas, a antropologia, que mediante esta confluência de aplicabilidade torna possível desenhar a subárea da Antropologia das Relações Internacionais. A proposta de uma teoria específica sobre a antropologia das relações internacionais se apóia no fato de que a cultura produz reflexos e exerce influência (positiva ou negativa) nas relações internacionais em nível de negociações e desenvolvimento internacionais, diplomacia, poder, gestão de conflitos, assuntos estratégicos, fluxos e cooperação internacional. Métodos antropológicos de análise, interpretação das culturas e interpretação de valores culturais podem e devem ser aplicados em programas de pesquisas que explorem esta rica interconexão entre a cultura e os temas das relações internacionais. 3 OS QUATRO FOCOS DA DIMENSÃO DA CULTURA Para investigar a influência e os efeitos da cultura sobre o desenvolvimento foram pesquisadas quatro variáveis da cultura que mais influenciam no processo de 12 desenvolvimento. Essas dimensões de análise foram selecionadas das pesquisas de Huntington (1997), (Huntington & Harrison, 2002), e Gubert (2005), Inglehart (2006). Elas são, a cultura econômica, a cultura educacional, a cultura religiosa e cultura étnica. Considera-se que, além de dinâmicas, culturas são poderosas e permeiam o Sistema Internacional. A cultura verdadeiramente importa para as relações internacionais e aquele conjunto de crenças, idéias, valores e comportamentos percebidos na mente coletiva dos países do Cone Sul que foram sendo incorporado ao longo das gerações produzem efeitos ou conseqüências sociais. O mundo evoluiu desde a antropologia de Malinoswky, Mead e Benedict e o início do século XXI é marcado por uma significante transformação cultural. Ressalta-se que as percepções dos valores culturais aqui apresentados são também expressões da cultura contemporânea localizada nas mudanças culturais das últimas duas a três décadas. O indivíduo é aquele que está no centro da sociedade na cultura contemporânea e por este fator a percepção da subjetividade, ou seja, do valor do indivíduo seja muito relevante para esta pesquisa. Além da abordagem temporal, o recorte da antropologia geográfica é de grande importância visto que por meio dele foi possível identificar conjuntos de valores específicos demarcados pela localização geográfica da população pesquisada. Nesse espectro foi possível fazer uma interpretação da cultura local e sua ampla conexão com o regional, o nacional, o transnacional e o global da cultura. Em síntese, as teorias científicas da cultura sob a ótica dos clássicos da antropologia expressam a interpretação da cultura sobre alguns aspectos: de Malinowski, a teoria funcional da cultura; de Boas, os traços culturais; de Benedict, os padrões da cultura; de Mead, a transmissão da cultura; e de Strauss, a universalidade e particularidade da cultura, foram verificados durante todo o processo da pesquisa. Na teoria funcional da cultura postulada por Malinowski o funcionalismo constitui um “todo coerente onde todos os elementos de um sistema cultural se harmonizam uns aos outros”. Ele chama a cultura de um “amalgama global de instituições”, nesse sentido as quatros variáveis da cultura formam um amálgama institucional importante nas relações internacionais. O escopo cultural contemporâneo foi percebido nos seis países do Cone Sul, onde além de várias entrevistas, análises de casos e observação participante, a pesquisa apoiou-se ainda em dados quantitativos de análise. O survey de 79 questões totalizou 1600 questionários, sendo 1000 na versão eletrônica e 600 na 13 versão impressa, permitindo assim, uma interação e observação do entrevistador com o público. Mais a pesquisa das cidades, tendo os questionários preenchidos por gabinetes dos prefeitos com o propósito de colher dados oficiais. Esta investigação científica foi feliz em associar-se aos objetivos de Samuel Huntington e Lawrence Harrison de desenvolver teorias, elaborar os preceitos e fomentar os vínculos entre estudiosos e praticantes que promovam as condições culturais que aumentem o desenvolvimento. Seguindo o raciocínio empírico destes e dos clássicos da antropologia tornou-se possível estabelecer o conceito de Antropologia das Relações Internacionais, como o campo do estudo da cultura no âmbito das relações internacionais, bem como fortalecer a seguinte proposição que: A dinâmica da cultura atua sob diferentes aspectos e dimensões em todas as esferas das sociedades internacionais, interagindo como um composto de vários elementos estruturais de base no processo das relações internacionais. Ora a cultura atua como base das relações, ora exerce um papel ou uma função, ora produz um efeito ou impacto, ora expressa influência ou relação, ora delineia dimensão ou configuração de relacionamentos, ora agrega valores e traça caminhos estratégicos, e ora determina ou norteia comportamentos específicos na arte de relacionar em nível transcultural e transnacional. Um olhar antropológico da dimensão da cultura nas relações internacionais permitiu interpretar os efeitos e a influência da cultura e sua relação com o desenvolvimento em quatro dimensões mensuráveis. Dessa forma foi pertinente trazer para esta consideração final o gráfico da dinâmica da cultura (figura 45) proposto por esta pesquisa. Figura 45: A Dinâmica da cultura: relação entre cultura e desenvolvimento Fonte: Dados da pesquisa 14 Em síntese, da relação entre cultura e desenvolvimento percebeu-se que a cultura econômica é dotada de um forte fator motivacional para o desenvolvimento. Ela consegue mexer com as motivações, as ambições pessoais e as perspectivas de vida das pessoas. A cultura educacional funciona como base para o desenvolvimento, e é ela quem para ele abre caminhos. Este somente é alcançado quando se apoia sobre os sólidos fundamentos da educação. A cultura religiosa interage com os demais traços culturais e exerce uma forte influência sobre eles. Ela atua como uma grande força e com alto poder se sensibilização e mobilização das massas. Dessa forma, a religião exerce um papel de força e influência, que pode vir a produzir um ethos religioso como motor ou inibidor para o desenvolvimento. A cultura étnica abre um leque de inter-relações com outras variáveis. Ao passo que a religião é um elemento determinante na cultura em termos de poder e influência, a cultura étnica configura o comportamento – ela mapeia e dá forma à identidade coletiva. Ela consegue, magistralmente, interligar os fatores econômico-socialeducacional-religioso como um todo. Além do poder de configuração cultural, ela tem uma característica de elemento catalisador dos diferentes traços culturais. A cultura sócio-econômica pode ainda ser vista como o termômetro do desenvolvimento. Por meio dela pode ser visto o produto do desenvolvimento em termos de desenvolvimento econômico e desenvolvimento social. A poderosa Cultura Econômica, aquela que traz consigo o conjunto das crenças, das atitudes e dos valores que são relevantes para o desenvolvimento, é de fato um componente cultural que traz implicações muito diversas para o progresso econômico em diferentes sociedades, ou mesmo na própria sociedade em épocas diferentes. Ela puxa o desenvolvimento. Foi feito um elenco do conjunto de valores econômicos e foi comprovado por dados estatísticos e por pesquisa etnográfica as principais percepções do ethos econômico. Mas em síntese, a cultura econômica esboça quatro categorias de grupos sócio-econômicos que vivem desde o estágio de exclusão ao poder, a saber, a cultura de miséria – de pobreza – de prosperidade – de riqueza. Não esquecendo que no panorama econômico do Cone Sul, 10% da população estão acima do padrão médio (Prosperidade), vivendo em cultura de riqueza; e 65% abaixo do padrão médio (Prosperidade), vivendo na pobreza e abaixo da linha de pobreza. Dez por cento é a fatia que vive no reino da riqueza, e 20 a 25% são aqueles que conseguem enxergar a prosperidade como um estilo de vida. Ressaltando ainda que 75% das cidades latino-americanas, são as 15 pequenas cidades com população abaixo de 25.000 habitantes, vivendo em segregação sócio-econômica e espacial e desprovidas de políticas públicas em prol do desenvolvimento. Ressalta-se quanto ao ethos econômico que o Cone Sul abriga em suas fronteiras o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), sendo o quarto maior bloco econômico do mundo, à sua frente está apenas a NAFTA, a União Européia e Japão, demonstrando assim a vocação econômica da região. São países membros do Mercosul a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai; e paises associados o Chile e a Bolívia. O contexto em que se deu a origem do Mercosul expressa percepções e comportamentos no âmbito político, econômico e cultural com uma história compartilhada, inclusive de conflitos, fragmentação e baixa interdependência entre os países; mas que aprendeu uma cultura democrática e a priorizar uma cultura de cooperação sobre a cultura de conflito. A cultura democrática abriu espaço para a cooperação e relações mais fortes entre os países. O problema crítico verificado no Brasil e na América Latina em geral está relacionado às desigualdades. O Brasil, por exemplo, tem um bom PIB, contudo, com a renda concentrada nas mãos de uma elite minoritária. E nesse aspecto, o PNUD, também falha, pois sua principal defesa é a de acabar com as desigualdades. Além do reflexo desta desigualdade, claramente notada na avaliação de distribuição de renda do PIB, é refletida também no tamanho do espaço geográfico, sem um planejamento estratégico para formação de redes multiatoriais regionais para o desenvolvimento territorial que vibialize o desenvolvimento nacional, regional e o local. No cenário internacional do Cone Sul, de fato a cultura de miséria e pobreza, são bem maiores que a cultura de prosperidade e riqueza. Apoiado na voz de sonho das massas, e no “escopo da mudança” de Giddens, o ideal seria trabalhar no sentido de gerar mudanças culturais e ampliar a crença da população para a cultura de prosperidade; e não somente a cultura da população, mas também das elites e políticas públicas gerando o desejo de proporcionar prosperidade para os países latino-americanos. Esta pesquisa alcançou o seu objetivo de identificar e analisar quais são os conjuntos de valores culturais do ethos econômico que mais influenciam o desenvolvimento humano, e seus efeitos como motores ou inibidores para o desenvolvimento. A pesquisa comprova o pressuposto que os sistemas de valores definem o desenvolvimento humano; e comprova as hipóteses que cultura e desenvolvimento estão intimamente ligados e se influenciam mutuamente, e que os valores culturais produzem efeitos como 16 motores ou inibidores para o desenvolvimento. Comprovada foi também a hipótese que os reflexos da cultura estão presentes no mapa do desenvolvimento e desigualdades internacionais, e foi claramente percebido que a cultura importa na arena das relações internacionais. A abordagem da cultura educacional apoia-se em dois parâmetros que norteiam a educação na América Latina, a cultura das elites e a hegemonia. Doze importantes facetas da cultura educacional são contempladas pela demografia da educação, geografia da educação, analfabetismo, educação de jovens e adultos, ensino profissionalizante, raça e gênero na educação. Aspectos mais qualitativos desta faceta são o gosto pela educação, a importância da escolaridade mínima, o papel inclusivo da educação, relação educação e trabalho, educação e classe social. O caso do Uruguai, escolhido para estudo de caso, dado o seu sistema educacional público em todos os níveis, é eficiente para análise, e por meio dele é possível interpretar a relação educação e desenvolvimento aplicando comparações com os demais países. A percepção e entrevista da socióloga da educação Adriana Marrero abre um leque de interpretações relevantes. O ethos educacional possui diferentes colorações no Cone Sul, é o que demonstra a comparação dos países baseada nos dados quantitativos, nas entrevistas e pesquisa etnológica. Além das cinco visões de mundo percebidas, ressalta-se o grande estranhamento no linguajar dos jovens e adolescentes que saem da escola com péssima língua falada e escrita. Lembrando ainda que, a taxa de matrícula bruta nos três níveis de ensino (relação entre a população de idade escolar e o número de pessoas matriculadas no ensino fundamental, médio, e superior), reflete a desigualdade em termos da educação, que ainda é deficitária. Os desafios da cultura educacional são, em primeira mão a mudança de mentalidade da população que por séculos foi banida do direito à educação e que sofre da reprodução das desigualdades sócio-econômicas. E em segunda, esforços por políticas públicas em trazer a grande população para um patamar de escolaridade mínima condizente com os padrões internacionais. A relação cultura – religião – desenvolvimento espelha como que a percepção religiosa do indivíduo determina o grau de prosperidade e desenvolvimento. A cultura religiosa é muito rica quanto à fenômeno social, e o aspecto mais explorado nessa dissertação é a religião enquanto a sistema de forças, com poder imanente de embassar, guiar, motivar e impulsionar a ação coletiva. São três as religiões majoritárias interpretadas no contexto da América Latina, a católico-romana, a protestante-evangélica, a indígena-sincretista, e dessa forma grande parte da 17 aproximação passou pelo dilema da ética protestante e o espírito do capitalismo de Weber. As maiores religiões encontram-se acopladas às classes sócio-econômicas, estando as de origem indígena e afro-religiões nas zonas de miséria e pobreza, e católico-romana e protestante-evangélica mais próximo da prosperidade e riqueza, salientando-se o termo mais próximo, pois grande maioria está na linha de pobreza. A pesquisa relacional buscou forte inspiração desta interpretação cultural nas entrevistas de Ronald Inglehart e Sérgio Siani. A pesquisa etnológica interpretou as três religiões em Puerto Iguazu na Argentina e traçou o perfil de dois vales, o vale europeu – no Vale do Itajaí, de herança protestante; e o vale católico – no Vale do Paraíba, de herança católica, sendo possível uma clara percepção da relação entre religião e desenvolvimento. Conclui-se desta forma que a cosmologia das religiões é um grande marco para o desenvolvimento. As relações interétnicas moldaram os parâmetros de desenvolvimento e das relações internacionais na América Latina e o legado de traços culturais destas etnias é refletido nessa época contemporânea. Algumas etnias mereceram destaque nesta investigação, a saber as três majoritárias, os colhas na Bolívia, os guaranis no Paraguai e os negros no Brasil. Relevantes foram ainda as abordagens regionais, sendo interpretados a cultura do nordeste do Brasil onde verificou-se a grande miscigenação de três raças fortes, portugueses, índios e negros; e a cultura gaúcha no espaço internacional do sul do Brasil, Uruguai e Argentina. O certo é que a cultura étnica acampa em seu campo teórico um conjunto de traços culturais tais como o idioma, religião, educação, economia, composição social e experiência histórica que determinam não apenas as relações interétnicas, sobretudo internacionais. Essa cultura interpretada no contexto das outras variáveis, conduz ao fato que a cultura étnica configura o comportamento, mapeia e dá forma à identidade coletiva, e consegue interligar os fatores econômico-social-educacionalreligioso como um todo. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dentro diversos fatores culturais apontados por esta pesquisa como motores ou inibidores para o desenvolvimento, compreende-se que a cultura latinoamericana é resultado de séculos de hegemonia de determinadas classes. Retomando o recorte conceitual desta elite, também chamada de fabricantes de 18 miséria, considera-se conforme verificado no processo da pesquisa, que de fato as elites latino-americanas encarregaram-se de moldar uma mente coletiva que não favoreceu o desenvolvimento. Argumenta-se nessa consideração final, que essa mesma elite tem poder para retomar os rumos da historio e os trilhos do desenvolvimento, caso assim o queira. BIBLIOGRAFIA BENEDICT, Ruth. Patterns of Culture. Boston: Houghton, 1934. GUBERT, Renzo.; POLLINI, Gabriele, (Org). Cultura e Desenvolvimento. Porto Alegre: Edições Est, 2005. 320p. HARRISON, Lawrence E.; HUNTINGTON, Samuel P. A Cultura Importa. Rio de Janeiro: Record, 2002. 460p. HUDSON, Valerie M. 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