Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 Por um Cristianismo não institucional Marcos Fabrício de Campos Faculdade de Teologia e Ciências Religiosas Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas [email protected] Resumo: Gianni Vattimo é um filósofo contemporâneo que tem se dedicado a pensar a Pós-modernidade como evento contemporâneo á luz das filosofias de Friedrich Nietzsche Martin Heidegger. Em sua obra Depois da Cristandade (2004), o autor reflete sobre um Cristianismo que ultrapassou a Cristandade e tem se consolidado na forma de evento religioso sem prender-se às prescrições institucionais, morais e dogmáticas da Cristandade. Trata-se de um Cristianismo que possui elementos institucionais religiosos, mas cria uma nova relação do homem com o Divino no âmbito da existência imbuída também de espírito a-institucional e incisiva em comportamentos morais. Para realizar este trabalho, tomar-se a obra supracitada com fonte principal e outras obras deste mesmo autor, visando inferir elementos filosóficos que apontem para uma religiosidade contemporânea. Palavras-chave: faktische Lebenserfahrung, Ereignis, Heidegger, Agostinho. . Área do Conhecimento: Ciências Humanas Teologia e Ciências da Religião - PIBIIC/CNPq. 1. Status Quaestionis Não dista muito de nossos tempos o princípio dogmático e excludente – em vigor por extenso período na Igreja – que definia “extra ecclesiam nulla salus”,cuja significação indicava a hegemonia absoluta da Instituição Católica enquanto detentora da realidade salvífica, cuja obtenção ou perdição mediatizavam-se a partir de seu domínio. Evidentemente, os tempos são outros e as mutações foram repentinas, substanciais e desnorteadoras. A modernidade, com o advento da razão instrumental como princípio metafísico, já colocara fim numa compreensão da realidade teocêntrica, apresentando como alternativa a autonomia do sujeito e, por conseqüência, a exacerbação da subjetividade, transpondo a centralidade do Deus da medievalidade para o homem. Nesse projeto moderno, encontramos a postulação do deísmo, que se configura no intuir o Ser Divino segundo a ordem cósmica, portanto, Paulo Sérgio Lopes Gonçalves Teologia Contemporânea Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas [email protected] prescindindo da Igreja. Aqui a afirmação do deísmo encontra-se em choque com a religião positiva, a qual se colocava como mediadora e transmissora da revelação à humanidade. Na perspectiva deísta, o universo possui uma ordem e, a partir da ordenação do cosmos, intui-se Deus. O intento da Modernidade experimentou sua derrocada, no entanto, a semente da secularização plantada com os modernos desemboca nas teorias ateias contemporâneas, dentre as quais, firmam-se como expoentes Feuerbach, Marx e Nietzsche. Segundo Feuerbach, Deus é afirmado como produto humano, ou seja, trata-se de uma amalgamação das características do homem.Na teorização de Marx, destaca-se a crítica acusatória destinada à religião, atribuindo-lhe o papel de cerrar os olhos humanos diante das atitudes de exploração, portanto, sendo ópio. Grosso modo, as teorias ateias da contemporaneidade desembocam na clássica teoria de Nietzsche que proclamou a “morte de Deus”, entendido como uma construção da metafísica clássica e objetiva.(GONÇALVES, pp. 61-62). Realizando esse percurso histórico, sem maiores dificuldades, concluímos que a mentalidade de absolutização da Igreja, paulatinamente, esvaiu-se. Considerando, ainda, o movimento plural, experimentado no século XX, sob o impulso do pentecostalismo e neopentecostalismo, e a explosão de grupos religiosos, vemos que o cristianismo tornou-se fragmentado e, de longe, deixou de ser patrimônio exclusivo e absoluto da Instituição Católica. Assim sendo, mesmo que ela própria tenha abandonado o pressuposto medieval de suprema exclusividade, hodiernamente, fica evidente que a experiência cristã escapa do domínio institucional. Isto posto, assumir o cristianismo não mais é sinônimo de experiênciá-lo segundo a padronização eclesiástica. Porém, é fator consensual que, mesmo passado por todo esse processo histórico permeado por críticas e afrontamentos, a religião permanece como fenômeno experimentado pelo homem na pósmodernidade, salvaguardadas as diferenças culturais e sociais. Mas essa experiência religiosa vivida pelo indivíduo pós-moderno necessita ser considerada Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 como um dado que está para além da instituição, pois essa, por mais complexa e sistematizada que seja, não abarca a totalidade da experiência que o humano faz do Divino em nosso período histórico. Por outro lado, parece que o discurso vai além do alastramento de movimentos cristãos oriundos do protestantismo. Nosso tempo marca-se, ainda, pelo descrédito institucional, quer seja de ordem política, governamental ou religiosa. Nesse cenário, irrompe um novo modelo crente: aquele que experiência o Divino, todavia de maneira alheia aos grupos institucionais. Em palavras outras, é sentida uma forte tendência de “crer sem pertencer”, ou seja, amiúde, encontramos indivíduos que confessam a fé cristã, entrementes, recusam pertencer a Igreja e, menos ainda, abraçar seus axiomas morais e prescrições doutrinárias. Em suma, parece que a crença no Deus Cristão supera as barreiras do institucional, sendo que, a época contemporânea abriu a possibilidade de assumir o cristianismo, mesmo que para além dos muros da instituição. Frente a essa problemática surgem iniciativas de resposta. No entanto, parece clara e com maior força a perspectiva eclesiástica afirmadora de uma postura apologista, fazendo frente a essas novas formas de experiência religiosa através de hostilidade ao mundo, firmada sobre a teoria dicotômica agostiniana, quando a missionariedade resume-se numa atitude proselitista de ir em busca daqueles que estão “fora” da Igreja. Para levar a cabo essa proposta, apela-se para instrumentais que salientam a imposição e o triunfalismo, quer seja no âmbito das vestimentas, das práticas litúrgicas ou fundamentações teológicas estabelecidas na Tradição sem, contudo, a realização da devida operação hermenêutica. Tornase evidente que essa atitude procura assegurar as tranqüilas e inquestionáveis muralhas da instituição, fechando o círculo e impossibilitando o diálogo, ou seja, mantendo-se longe de inquirições e perspectivas novas de vivência. Todavia, parece que o argumento de retorno à imposição, configura-se frágil, débil e inócuo diante da mudança epocal vivida em nosso status quo. Indubitavelmente, novos tempos e inéditos problemas pedem, também, a construção de paradigmas ousados e inovadores. Caso contrário, fechar-nos-emos em nosso feudo institucional e deixaremos de enfrentar o concorrido e desafiante púlpito do diálogo com a cultura pós-moderna. Dentre essas novas propostas, nosso trabalho apresenta as postulações do filósofo italiano Gianni Vattimo, filósofo e político italiano, cuja proposição fundamental versa em apontar possibilidades para a vivência do cristianismo de maneira a-institucional. Em suma, frente ao cenário do fenômeno religioso que se apresenta em nossa época, sua teoria constitui uma chave de leitura, bem como projeções de novas formas de vivência do cristianismo na pósmodernidade. Em sua obra “Depois da Cristandade. Por um cristianismo não religioso”, ponto referencial de nossa pesquisa, o autor ítalo lança bases fundamentado nas categorias de faktische Lebenserfahrung (experiência de vida fática) e Ereignis (evento ou acontecimento-apropriação) do filósofo alemão Martin Heidegger – de um cristianismo experimentado segundo a facticidade da vida. Nessa óptica, a intenção de Vattimo, analisada no presente artigo, é repensar a religião cristã como fenômeno ou experiência que transcende a instituição religiosa, justamente sob o enfoque de pensá-lo de maneira “não religiosa”. Para tanto, parte do princípio do enfraquecimento ou “morte da metafísica clássica”, de cunho platônico, estabelecendo um “novo deus”, ontologicamente relacional e próximo à vida humana. Portanto, norteiam-nos nessa argumentação as seguintes problemáticas, levantadas a partir da obra do autor, a saber: é possível pensar um Cristianismo não institucional? Em que medida a religião é experiência fática de vida e evento que ultrapassa as normas institucionais, as prescrições morais e os dogmas? 2. UM CRISTIANISMO NÃO-INSTITUCIONAL A própria designação da obra de Gianni Vattimo manifestada no enigmático e biunívoco título italiano Credere di Credere, em português: Depois da Cristandade. Por um cristianismo não religioso – traz uma profundidade questionadora e a complexidade que permeiam o referido trabalho do filósofo ítalo. Isso se justifica pelo fato de que no idioma italiano, o termo “credere” tanto pode significar ter fé, convicção e certeza de alguma coisa, como pode ser usado para designar a opinião ou crença em determinada realidade com acentuada reserva ou margem dubitosa. O prólogo da referido trabalho remete-nos ao artigo, do mesmo autor, intitulado “O vestígio do vestígio”, em que Vattimofaz apontamentos acerca do caráter de retorno que a religião possui. Em sua visão, parece que, no mundo contemporâneo, a religião passa por um processo de retornar à humanidade ou, em outras palavras, ela reaparece na contemporaneidade, justamente num momento Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 em que parecia estar esquecida definitivamente. Destarte, Gianni Vattimo inquire-se sobre os elementos propulsores desse retorno e estabelece duas teorizações. Em sua visão, uma primeira explicação plausível é que o retorno é fator constitutivo da religião, disso deriva o título do artigo, pois a experiência religiosa seria, assim, um vestígio, logo, causas históricas levariam ao seu esquecimento e, posteriormente, ao seu reaparecimento. Outra argumentação sobre a característica de retorno da religião está relacionada ao fim da metafísica e, conseqüentemente, dos metarrelatos. Desse modo, a religião seria uma busca pelo fundacionismo, sua procura estaria em função de, na filosofia, não encontrarmos mais os fundamentos. Assim, essa procura transferiu-se para a religião(VATTIAMO, 1994,pp. 91-94). Vattimo insere seu pensamento em diálogo com os pensadores pós-modernos Nietzsche e Heidegger, a partir do que suas célebres teorias representaram para o mundo contemporâneo. De Nietzsche toma-se a concepção de “morte de Deus”, justamente com a devida compreensão de que, com a mesma, não se quer afirmar a não existência de Deus, mas a desconstrução da metafísica objetiva, de cunho clássico, pela qual se afirmava um fundamento último da realidade, estabelecido de modo objetivo e fora do tempo. É preciso, ainda, ressaltar que se a filosofia nietzscheniana houvesse negado a existência substancial da Divindade, estaria colocando no lugar de Deus uma entidade com os mesmos atributos e equivalência. Em outras palavras, a proposição do ateísmo como verdade seria torná-la uma afirmação absoluta, tal e qual Deus. Ao par disso, temos a contribuição de Heidegger, cujo pensamento assevera uma metafísica como manifestação do “Ser” e experiência de liberdade. Destarte, Vattimo, mediante ambas teorizações, acredita que nesse contexto é possível reencontrar a fé cristã. Já que, com Nietzsche, o ateísmo filosófico torna-se inviável e tomando a metafísica da liberdade do ser de Heidegger, o pensador italiano propõe um cristianismo como mensagem histórica à qual o crente é chamado a dar uma resposta. Aos moldes da ciência contemporânea, do paradigma de Tomas Kühn, que pontua a validade das verdades científicas como realização num complexo processo histórico, a Igreja, nessa estrutura, seria a comunidade crente que ouve e interpreta livremente a mensagem cristã. Visto que, nas palavras do autor, o Deus que encontramos hoje é um Deus encerrado no livro, realidade que não existe fora da história da Salvação bíblica, como ser imutável a reinterpretação da comunidade dos crentes.(VATTIMO, 2004, pp. 1018) Ainda detido no diálogo entre Nietzsche e Heidegger, Gianni Vattimo acredita que os conceitos centrais de ambos autores, a saber: a morte de Deus e o fim da metafísica, são dotados de um mesmo significado – o término da crença numa ordem objetiva do mundo. Desse modo, a morte de Deus ou o fim da metafísica, criou um espaço para renovada experiência religiosa. Com a queda da metafísica, os filósofos não possuem mais fortes razões teóricas para postular o ateísmo. Assim sendo, à guisa de Pascal, a proposição da Religião pode ser o caminho da aposta, pois o retorno da religião parece depender da dissolução da metafísica. Entrementes, o filósofo assevera que a aposta pascaliana é, verdadeiramente, um retorno ao mito, sem princípio crítico, o pluralismo pelo pluralismo que suscitaria a pergunta sobre o princípio. Em resposta a isso, tomando a perspectiva heideggeriana, afirma-se como princípio o ser, entendido como Ereignis, ou seja, evento, acontecimento. O ser, numa contraposição à Tradição, não é nada de estável, mas evento no qual estamos nós na qualidade de intérpretes (VATTIMO, 2004, pp. 20-35). Na percepção de Paolo Cugini, na análise de Vattimo, tanto a reflexão niilista de Nietzsche quando o anúncio heideggeriano do fim da metafísica apontam para aquilo que chamamos de fim da modernidade. Nessa altura, a pós-modernidade não seria outra coisa que o esgotamento do projeto moderno da metafísica clássica, da maneira de interpretar o ser como presença, algo fixo e rígido. A metafísica, alvo das críticas de Vattimo, é a filosofia sistemática, capaz de fornecer uma representação coerente, unitária e rigorosamente fundadas estruturas estáveis do ser (CUGINI, p. 631). No segundo capítulo da obra, intitulado “Os ensinamentos de Gioacchino”, Vattimo utiliza-se da concepção do pensador medieval Joaquim de Fiore, defensor de uma História da Salvação ainda em curso, ou seja, como história do anúncio, enfraquecendo, dessa maneira, a perspectiva de que na Sagrada Escritura temos a revelação em seu modo mais fiel e definitivamente possível. A teologia da história de Fiore pontua a existência de três idades articuladas com as pessoas da Trindade. A primeira das idades, a do Pai, é aquela em que vivíamos sob a Lei; a segunda, do Filho, é a vivência na Graça; e a última, a do Espírito, é a que experimentamos através da “liberdade”. Tomando Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 parte na concepção de Schelling, Vattimo caracteriza o período pós-moderno como a época da liberdade, baseada na religião sensível e ocasionadora do destronamento da “hegemonia da autoridade sacerdotal”. Indubitavelmente, um dos fenômenos da pós-modernidade é a secularização. Valendo-se da perspectiva de Karl Barth, cujo entendimento de tal fenômeno é o afastamento entre o mundo terreno e Deus, o pensador ítalo concebe de maneira crítica essa visão, afirmando o fenômeno da secularização como um cumprimento da história da salvação que foi guiada pela Kénosis (VATTIMO, 2004, pp. 39-50). Para Cugini, a Kénosis de Deus, deve, se agora em diante, ser interpretada como o sinal de que o Deus não violento da época pós-moderna tem como elemento característico a mesma vocação ao enfraquecimento do qual fala a filosofia de inspiração heideggeriana. (CUGINI, p. 635). Para Vattimo, a História da Salvação passa pelos acontecimentos da modernidade e também por sua crise. Isto posto, o fim da metafísica identifica-se com o momento da “Terceira Época” de Fiore, marcada pelo enfraquecimento do Ser. Dado o fato de vivermos a terceira época, a secularização, numa proximidade história profana e sagrada, desloca a interpretação da mensagem bíblica para o plano que não é estritamente eclesiástico. Nosso período histórico, portanto, é permeado pela interpretação espiritual da Escritura, cujo limite, na linguagem agostiniana, é a caridade. Logo, história profana e sagrada não se distinguem, mas esse é o cerne do parentesco entre o fim da metafísica e a tradição religiosa do Ocidente. O capítulo seguinte, História da Salvação e História da Interpretação, segue o embasamento sobre a secularização, reconhecendo que a História da Salvação segue como História da Interpretação, visto que interpretamos o sentido da Sagrada Escritura e o próprio Cristo se interpretou em relação aos textos veterotestamentários. Nessa linha de pensamento, o anúncio, então, é dado, todavia, carece de interpretação, a qual não se trata de encontrar as verdadeiras intenções do autor ou, até mesmo, uma estrutura objetiva e já dada. Pelo contrário, por essa interpretação, chegamos a uma estrutura dada como resposta a uma mensagem. Disso concluímos que a secularização não foi um processo de distanciamento da matriz religiosa, mas caracteriza-se por processos de interpretação. Laconicamente, a secularização não é um termo em choque com a mensagem cristã, opostamente, ela é um aspecto do evento salvífico e hermenêutico. A secularização é um fato arquetípico da Kénosis de Deus.(VATTIMO, 2004, pp. 75-80). Na esteira do discurso sobre a secularização, Vattimo insiste na ideia de que a contraposição entre modernidade e cristianismo é inválida e, tal consideração, é sacar os dois acontecimentos do processo histórico. Essa visão desconsidera a modernidade como herdeira da herança judaico-cristã, sendo que a hermenêutica mostrou que o processo de secularização não corresponde a uma ação demoníaca ou de abandono do sagrado, mas de prosseguimento e destino. Nessa visão, a secularização do cristianismo é abertura para outros mundos. Explicitando essa concepção, Vattimo, valendo-se da teoria de Novalis, assevera que a Bíblia, como cerne em si só, sem a tradição vida da comunidade dos crentes, não pode valer como autêntica revelação (VATTIMO, 2004, pp. 80-89). Assim, na perspectiva da teologia católica, o termo secularização é empregado para indicar o processo de esgotamento que separa a civilização leiga moderna das suas origens sacrais. Contudo, Vattimo configura a secularização de maneira diferente, concebendo-a como uma maneira na qual a Kénosis, iniciada com a encanação de Cristo e, anteriormente na Aliança Veterotestamentária, faz parte do processo de enfraquecimento do ser, à guisa da filosofia heideggeriana (CUGINI, p. 636). Aqui, afirma-se uma perspectiva inovadora e surpreendente do autor em relação ao cristianismo: o movimento cristão é o iniciador da morte da metafísica. O cristianismo desloca os interesses filosóficos do mundo natural para a interioridade humana. O centro das comunidades é a vida vivida, ou seja, as experiências do viver e do coração roubam a cena. O cristianismo, desse modo, é o início da morte da metafísica que desemboca na modernidade, a qual continua a ideia de entender objetivamente (portanto, metafisicamente) a interioridade. Gianni Vattimo, como acima apontado, insiste na impossibilidade teórica da Filosofia afirmar o ateísmo. Assim, de inimiga, a razão filosófica pode se tornar uma aliada da nova religiosidade. Pois com o fim da metafísica e dos metarrelatos, a filosofia pode legitimar a experiência religiosa, haja vista que a postulação do ateísmo poder-se-ia caracterizar o retorno à metafísica objetiva. A queda das metanarrativas transferiu a conceituação de verdade para a avaliação segundo os paradigmas da própria comunidade específica. A verdade não depende mais da realidade metafísica, mas é dada a partir do consenso dos indivíduos. A religião, sob esse aspecto, não deve significar um retorno à metafísica Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 objetiva, mas obtém seu êxito com o fim da mesma. Recorrendo à filosofia humeniana, o autor italiano aborda a afirmação da metafísica como propensão à violência. Hume quebrou a ideia de causalidade asseverando que da repetição de fenômenos não é possível estabelecer leis. Vattimo, nessa linha, afirma que a desconsideração desse princípio constitui uma violência. Conseqüentemente, ao descartar isso, em seus pensamentos tradicionais, a Igreja incorreu em violências. Essa postura violenta perpetua-se no cristianismo enquanto estiver unido à metafísica da ciência do ser enquanto ser. O desdobramento dessa argumentação constitui um dos pontos mais inquietantes da obra. O autor questiona nossa clara disposição em colocar maior confiança no arcabouço metafísico do que na interpretação realizada pela comunidade dos crentes. Essa postura deve-se a duas premissas: ou acreditamos no Deus metafísico – incompatível com a criação do mundo no tempo; ou julgamos ser mais cômodo e confortável nos fixarmos na metafísica que coloca toda a responsabilidade nas mãos da autoridade, mesmo sabendo de sua insubsistência, fechando-se a qualquer eventualidade da liberdade (VATTIMO, 2004, pp. 140-151). Como nos atentaremos na secção subseqüente, Vattimo, para postular o cristianismo não-institucional, recorre à filosofia heideggeriana. Para Heidegger, o evento cristão é, sobretudo, um evento, o qual não prescinde de nossa historicidade humana, mas a assume em sua completude. Não a desconsidera para passar à visão essencialista, mas para passar pela faktische Lebenserfahrung até a crítica da metafísica e a “história do ser”. Na visão de Heidegger um traço constitutivo da religião é que nunca a começamos por uma situação de escolha entre denominações diferentes, mas já fomos submetidos a uma delas, a qual podemos até criticar, mas que, de início, não a escolhemos. Nesse capítulo, trabalha-se a correção da acepção de parusía realizada por Heidegger, sendo que, o termo em si, significa presença ao contrário do entendimento cristão que o considera como reaparição do Messias que já apareceu. Nesse aspecto, o modelo de vida cristã é aquele que é vivido mediante os empenhos históricos e sempre contingentes que a vida impõe a cada um dos fiéis. Enfim, a vida cristã é radical e transversalmente marcada pela história e determinada pelos contornos culturais e vitais na qual está inserida (VATTIMO, 2004, pp. 153-157). 3. DIÁLOGO COM HEIDEGGERIANO. O PENSAMENTO A proposta do presente artigo, após levantar as considerações vattiminianas acerca da religião, é estabelecer um diálogo entre o pensador italiano e o filósofo alemão Martin Heidegger, justamente no que tange seu pensamento sobre a experiência religiosa. Pois ao pensar a pós-modernidade, Vattimo pensa a religião cristã a partir do referencial heideggeriano: a faktische Lebenserfahrung (experiência de vida fática) e a Ereignis (evento ou acontecimentoapropriação). Para tal análise, tomaremos a obra “Fenomenologia da Vida Religiosa”, que se trata da junção de dois cursos ministrados no período de 1920- 1921, em Freiburg. Tomaremos, nna esteira de Vattimo, o capítulo referente às Cartas Paulinas, quando a preocupação de Heidegger é buscar a efetividade da faktische Lebenserfahrung na compreensão da vida religiosa das comunidades cristãs às quais Paulo se dirige GONÇALVES, 2012, p. 570). Na primeira parte do capítulo sobre as Cartas Paulinas, Heidegger se debruça sobre o conceito histórico-objetivo de Paulo, de onde decorre sua conceituação sobre hermenêutica, entendida para ele como o único modo de se ter acesso e abordar a facticidade. Assim, Heidegger é movido de interesse às Cartas Paulinas, justamente porque, principalmente nas Cartas aos Gálatas e nas duas aos Tessalonicenses, Paulo está preocupado no modo como essas comunidades vivenciam a fé cristã, em palavras outras, a experiência religiosa, nessas comunidades, está em intrínseca ligação com a experiência fática da vida. O que há de novidade na análise de Heidegger é que não apresenta mais uma formulação teológico-exegética acerca desses escritos bíblicos, mas relaciona o viver de Paulo, portanto seu contexto, e o viver das comunidades, enquanto aquelas que exprimem sua fé (GONÇALVES, 2012, p. 575). Como já abordado por Vattimo, Heidegger possui uma acentuada preocupação com o conceito de parusia em Paulo. De acordo com Heidegger, a preocupação paulina não é, em momento algum, responder à questão de quando de dará a parusia, pois, em sua concepção, o quando é determinado pelo como do comportar-se, que, por sua vez, é determinado pela realização da experiência fática da vida em cada um de seus momentos. Desse modo, o cristão, na perspectiva heideggeriana, é acompanhado constantemente pela inquietude, pois, a cada momento, a experiência de vida fática Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 confronta-se com a parusia. Pois aqueles que encontram quietude e segurança são os que se apegam a este mundo que lhes proporciona paz e segurança. Não há segurança alguma para a vida cristã, a contínua insegurança é também o que caracteriza as significações fundamentais da vida fática. O inseguro não é casual, mas necessário. Essa necessidade não é nem lógica nem natural, mas para ver com claridade, deve-se refletir sobre a própria vida e sua realização. Aqueles que acreditam viver em paz e seguros saciam-se com aquilo que a vida lhes dá e ocupam-se de tarefas cotidianas. Deixam-se absorver por aquilo que a vida oferece; eles estão na escuridão no que diz respeito ao saber sobre eles mesmos. Portanto, postula Heidegger, Paulo responde a pergunta sobre o quando da parusia, afirmando que os cristãos necessitam ficar vigilantes e sóbrios (HEIDEGGER, 2011, pp. 93-94). Ainda sobre a relação experiência religiosa e vida fática, Heidegger segue sua argumentação pontuando que a experiência de vida fática dos cristãos é determinada historicamente visto que sempre surge com a proclamação, a qual afeta o homem num momento e continua acompanhando-o constantemente na realização da vida. Essa experiência de vida continua determinando por sua vez as relações que se lhe sucedem. Heidegger afirma que parusia é um esperar por Deus, que não remete para as significâncias de um conteúdo futuro, mas para Deus. O sentido da temporalidade determina-se por sua relação fundamental com Deus, de tal maneira, porém, que somente aquele que vive a temporalidade de maneira realizadora pode entender a eternidade. Assim, sendo é essencial que a proclamação permaneça sempre viva, não como recordação agradecida (HEIDEGGER, 2011, pp. 104-105). Por fim, ao conceituar “parusia”, Heidegger traz a centralidade para facticidade da vida, ou seja, o foco não está num tempo vindouro para o qual o cristão deve se preparar, mas importa o presente, por isso, afirma que o cristão é alguém inquieto, que não vive na paz e segurança, mas necessita dessa inquietude que o leva a estar sempre vigilante para o encontro com Deus. Também, ao afirmar sobre a vivacidade do anúncio, pontua que a experiência religiosa, não pode ser recordação do passado, mas experiência atual e, constantemente, viva. Isso vem ao encontro do pensamento de Vattimo, que visualiza a possibilidade de um cristianismo não vinculado à instituição. Dessa maneira, o pensamento heideggeriano corrobora nessa perspectiva, apontando para a centralidade do “como ou o modo de viver a fé”. Nesse aspecto, a religiosidade teorizada por Vattimo encontra seu respaldo na filosofia de Heidegger, trazendo o foco da experiência religiosa para o seu entrelaçamento com a experiência de vida fática. Referências bibliográficas CUGINI, Paolo. Religião na pós-modernidade: o cristianismo niilista e secularizado de Gianni Vattimo, in REB, n° 287 (2011), p. 628-650. GONÇALVES, P.S.L. Ontologia Hermenêutica e Teologia. Santuário: Aparecida (SP), 2011, pp. 59105. GONÇALVES, P.S.L. A religião à luz fenomenologia hermenêutica heideggeriana, Horizonte, v. 10, abril/jun. 2012, p. 566-583. da In: HEIDEGGER, M. Fenomenologia da vida religiosa. Vozes – São Francisco: Petrópolis – Bragança Paulista, 2011. HEIDEGGER, M. “Carta sobre o Humanismo”, in Marcas do Caminho. Vozes: Petrópolis, 2008, pp. 326-376. VATTIMO, G. Depois da Cristandade.Por um Cristianismo não religioso. Record: São Paulo – Rio de Janeiro, 2004. VATTIMO, G. “O vestígio do vestígio”, in DERRIDA, J. – VATTIMO, G. (orgs.) A religião. O Seminário de Capri. Estação Liberdade: São Paulo, 2000, pp. 91107.