Por um Cristianismo não institucional

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Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
24 e 25 de setembro de 2013
Por um Cristianismo não institucional
Marcos Fabrício de Campos
Faculdade de Teologia e Ciências Religiosas
Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
[email protected]
Resumo:
Gianni
Vattimo
é
um
filósofo
contemporâneo que tem se dedicado a pensar a
Pós-modernidade como evento contemporâneo á luz
das filosofias de Friedrich Nietzsche Martin
Heidegger. Em sua obra Depois da Cristandade
(2004), o autor reflete sobre um Cristianismo que
ultrapassou a Cristandade e tem se consolidado na
forma de evento religioso sem prender-se às
prescrições institucionais, morais e dogmáticas da
Cristandade. Trata-se de um Cristianismo que possui
elementos institucionais religiosos, mas cria uma
nova relação do homem com o Divino no âmbito da
existência imbuída também de espírito a-institucional
e incisiva em comportamentos morais. Para realizar
este trabalho, tomar-se a obra supracitada com fonte
principal e outras obras deste mesmo autor, visando
inferir elementos filosóficos que apontem para uma
religiosidade contemporânea.
Palavras-chave:
faktische
Lebenserfahrung,
Ereignis, Heidegger, Agostinho.
.
Área do Conhecimento: Ciências Humanas Teologia e Ciências da Religião - PIBIIC/CNPq.
1. Status Quaestionis
Não dista muito de nossos tempos o
princípio dogmático e excludente – em vigor por
extenso período na Igreja – que definia “extra
ecclesiam nulla salus”,cuja significação indicava a
hegemonia absoluta da Instituição Católica enquanto
detentora da realidade salvífica, cuja obtenção ou
perdição mediatizavam-se a partir de seu domínio.
Evidentemente, os tempos são outros e as mutações
foram repentinas, substanciais e desnorteadoras. A
modernidade, com o advento da razão instrumental
como princípio metafísico, já colocara fim numa
compreensão da realidade teocêntrica, apresentando
como alternativa a autonomia do sujeito e, por
conseqüência, a exacerbação da subjetividade,
transpondo a centralidade do Deus da medievalidade
para o homem. Nesse projeto moderno, encontramos
a postulação do deísmo, que se configura no intuir o
Ser Divino segundo a ordem cósmica, portanto,
Paulo Sérgio Lopes Gonçalves
Teologia Contemporânea
Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
[email protected]
prescindindo da Igreja. Aqui a afirmação do deísmo
encontra-se em choque com a religião positiva, a
qual se colocava como mediadora e transmissora da
revelação à humanidade. Na perspectiva deísta, o
universo possui uma ordem e, a partir da ordenação
do cosmos, intui-se Deus.
O intento da Modernidade experimentou sua
derrocada, no entanto, a semente da secularização
plantada com os modernos desemboca nas teorias
ateias contemporâneas, dentre as quais, firmam-se
como expoentes Feuerbach, Marx e Nietzsche.
Segundo Feuerbach, Deus é afirmado como produto
humano, ou seja, trata-se de uma amalgamação das
características do homem.Na teorização de Marx,
destaca-se a crítica acusatória destinada à religião,
atribuindo-lhe o papel de cerrar os olhos humanos
diante das atitudes de exploração, portanto, sendo
ópio. Grosso modo, as teorias ateias da
contemporaneidade desembocam na clássica teoria
de Nietzsche que proclamou a “morte de Deus”,
entendido como uma construção da metafísica
clássica e objetiva.(GONÇALVES, pp. 61-62).
Realizando esse percurso histórico, sem maiores
dificuldades, concluímos que a mentalidade de
absolutização da Igreja, paulatinamente, esvaiu-se.
Considerando,
ainda,
o
movimento
plural,
experimentado no século XX, sob o impulso do
pentecostalismo e neopentecostalismo, e a explosão
de grupos religiosos, vemos que o cristianismo
tornou-se fragmentado e, de longe, deixou de ser
patrimônio exclusivo e absoluto da Instituição
Católica. Assim sendo, mesmo que ela própria tenha
abandonado o pressuposto medieval de suprema
exclusividade, hodiernamente, fica evidente que a
experiência cristã escapa do domínio institucional.
Isto posto, assumir o cristianismo não mais é
sinônimo de experiênciá-lo segundo a padronização
eclesiástica.
Porém, é fator consensual que, mesmo
passado por todo esse processo histórico permeado
por críticas e afrontamentos, a religião permanece
como fenômeno experimentado pelo homem na pósmodernidade, salvaguardadas as diferenças culturais
e sociais. Mas essa experiência religiosa vivida pelo
indivíduo pós-moderno necessita ser considerada
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como um dado que está para além da instituição,
pois essa, por mais complexa e sistematizada que
seja, não abarca a totalidade da experiência que o
humano faz do Divino em nosso período histórico.
Por outro lado, parece que o discurso vai além do
alastramento de movimentos cristãos oriundos do
protestantismo. Nosso tempo marca-se, ainda, pelo
descrédito institucional, quer seja de ordem política,
governamental ou religiosa. Nesse cenário, irrompe
um novo modelo crente: aquele que experiência o
Divino, todavia de maneira alheia aos grupos
institucionais. Em palavras outras, é sentida uma
forte tendência de “crer sem pertencer”, ou seja,
amiúde, encontramos indivíduos que confessam a fé
cristã, entrementes, recusam pertencer a Igreja e,
menos ainda, abraçar seus axiomas morais e
prescrições doutrinárias. Em suma, parece que a
crença no Deus Cristão supera as barreiras do
institucional, sendo que, a época contemporânea
abriu a possibilidade de assumir o cristianismo,
mesmo que para além dos muros da instituição.
Frente a essa problemática surgem
iniciativas de resposta. No entanto, parece clara e
com maior força a perspectiva eclesiástica
afirmadora de uma postura apologista, fazendo
frente a essas novas formas de experiência religiosa
através de hostilidade ao mundo, firmada sobre a
teoria
dicotômica
agostiniana,
quando
a
missionariedade resume-se numa atitude proselitista
de ir em busca daqueles que estão “fora” da Igreja.
Para levar a cabo essa proposta, apela-se para
instrumentais que salientam a imposição e o
triunfalismo, quer seja no âmbito das vestimentas,
das práticas litúrgicas ou fundamentações teológicas
estabelecidas na Tradição sem, contudo, a
realização da devida operação hermenêutica. Tornase evidente que essa atitude procura assegurar as
tranqüilas e inquestionáveis muralhas da instituição,
fechando o círculo e impossibilitando o diálogo, ou
seja, mantendo-se longe de inquirições e
perspectivas novas de vivência.
Todavia, parece que o argumento de retorno
à imposição, configura-se frágil, débil e inócuo diante
da mudança epocal vivida em nosso status quo.
Indubitavelmente, novos tempos e inéditos
problemas pedem, também, a construção de
paradigmas ousados e inovadores. Caso contrário,
fechar-nos-emos em nosso feudo institucional e
deixaremos de enfrentar o concorrido e desafiante
púlpito do diálogo com a cultura pós-moderna.
Dentre essas novas propostas, nosso trabalho
apresenta as postulações do filósofo italiano Gianni
Vattimo, filósofo e político italiano, cuja proposição
fundamental versa em apontar possibilidades para a
vivência do cristianismo de maneira a-institucional.
Em suma, frente ao cenário do fenômeno religioso
que se apresenta em nossa época, sua teoria
constitui uma chave de leitura, bem como projeções
de novas formas de vivência do cristianismo na pósmodernidade.
Em sua obra “Depois da Cristandade. Por
um cristianismo não religioso”, ponto referencial de
nossa pesquisa, o autor ítalo lança bases fundamentado
nas
categorias
de
faktische
Lebenserfahrung (experiência de vida fática) e
Ereignis (evento ou acontecimento-apropriação) do
filósofo alemão Martin Heidegger – de um
cristianismo experimentado segundo a facticidade da
vida. Nessa óptica, a intenção de Vattimo, analisada
no presente artigo, é repensar a religião cristã como
fenômeno ou experiência que transcende a
instituição religiosa, justamente sob o enfoque de
pensá-lo de maneira “não religiosa”. Para tanto, parte
do princípio do enfraquecimento ou “morte da
metafísica
clássica”,
de
cunho
platônico,
estabelecendo um “novo deus”, ontologicamente
relacional e próximo à vida humana.
Portanto, norteiam-nos nessa argumentação
as seguintes problemáticas, levantadas a partir da
obra do autor, a saber: é possível pensar um
Cristianismo não institucional? Em que medida a
religião é experiência fática de vida e evento que
ultrapassa as normas institucionais, as prescrições
morais e os dogmas?
2. UM CRISTIANISMO NÃO-INSTITUCIONAL
A própria designação da obra de Gianni
Vattimo manifestada no enigmático e biunívoco título
italiano Credere di Credere, em português: Depois da
Cristandade. Por um cristianismo não religioso – traz
uma profundidade questionadora e a complexidade
que permeiam o referido trabalho do filósofo ítalo.
Isso se justifica pelo fato de que no idioma italiano, o
termo “credere” tanto pode significar ter fé, convicção
e certeza de alguma coisa, como pode ser usado
para designar a opinião ou crença em determinada
realidade com acentuada reserva ou margem
dubitosa. O prólogo da referido trabalho remete-nos
ao artigo, do mesmo autor, intitulado “O vestígio do
vestígio”, em que Vattimofaz apontamentos acerca
do caráter de retorno que a religião possui. Em sua
visão, parece que, no mundo contemporâneo, a
religião passa por um processo de retornar à
humanidade ou, em outras palavras, ela reaparece
na contemporaneidade, justamente num momento
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em que parecia estar esquecida definitivamente.
Destarte, Gianni Vattimo inquire-se sobre os
elementos propulsores desse retorno e estabelece
duas teorizações. Em sua visão, uma primeira
explicação plausível é que o retorno é fator
constitutivo da religião, disso deriva o título do artigo,
pois a experiência religiosa seria, assim, um vestígio,
logo,
causas
históricas
levariam
ao
seu
esquecimento
e,
posteriormente,
ao
seu
reaparecimento. Outra argumentação sobre a
característica de retorno da religião está relacionada
ao fim da metafísica e, conseqüentemente, dos
metarrelatos. Desse modo, a religião seria uma
busca pelo fundacionismo, sua procura estaria em
função de, na filosofia, não encontrarmos mais os
fundamentos. Assim, essa procura transferiu-se para
a religião(VATTIAMO, 1994,pp. 91-94).
Vattimo insere seu pensamento em diálogo
com os pensadores pós-modernos Nietzsche e
Heidegger, a partir do que suas célebres teorias
representaram para o mundo contemporâneo. De
Nietzsche toma-se a concepção de “morte de Deus”,
justamente com a devida compreensão de que, com
a mesma, não se quer afirmar a não existência de
Deus, mas a desconstrução da metafísica objetiva,
de cunho clássico, pela qual se afirmava um
fundamento último da realidade, estabelecido de
modo objetivo e fora do tempo. É preciso, ainda,
ressaltar que se a filosofia nietzscheniana houvesse
negado a existência substancial da Divindade,
estaria colocando no lugar de Deus uma entidade
com os mesmos atributos e equivalência. Em outras
palavras, a proposição do ateísmo como verdade
seria torná-la uma afirmação absoluta, tal e qual
Deus. Ao par disso, temos a contribuição de
Heidegger, cujo pensamento assevera uma
metafísica como manifestação do “Ser” e experiência
de liberdade. Destarte, Vattimo, mediante ambas
teorizações, acredita que nesse contexto é possível
reencontrar a fé cristã. Já que, com Nietzsche, o
ateísmo filosófico torna-se inviável e tomando a
metafísica da liberdade do ser de Heidegger, o
pensador italiano propõe um cristianismo como
mensagem histórica à qual o crente é chamado a dar
uma
resposta.
Aos
moldes
da
ciência
contemporânea, do paradigma de Tomas Kühn, que
pontua a validade das verdades científicas como
realização num complexo processo histórico, a
Igreja, nessa estrutura, seria a comunidade crente
que ouve e interpreta livremente a mensagem cristã.
Visto que, nas palavras do autor, o Deus que
encontramos hoje é um Deus encerrado no livro,
realidade que não existe fora da história da Salvação
bíblica, como ser imutável a reinterpretação da
comunidade dos crentes.(VATTIMO, 2004, pp. 1018)
Ainda detido no diálogo entre Nietzsche e
Heidegger, Gianni Vattimo acredita que os conceitos
centrais de ambos autores, a saber: a morte de Deus
e o fim da metafísica, são dotados de um mesmo
significado – o término da crença numa ordem
objetiva do mundo. Desse modo, a morte de Deus ou
o fim da metafísica, criou um espaço para renovada
experiência religiosa. Com a queda da metafísica, os
filósofos não possuem mais fortes razões teóricas
para postular o ateísmo. Assim sendo, à guisa de
Pascal, a proposição da Religião pode ser o caminho
da aposta, pois o retorno da religião parece
depender da dissolução da metafísica. Entrementes,
o filósofo assevera que a aposta pascaliana é,
verdadeiramente, um retorno ao mito, sem princípio
crítico, o pluralismo pelo pluralismo que suscitaria a
pergunta sobre o princípio. Em resposta a isso,
tomando a perspectiva heideggeriana, afirma-se
como princípio o ser, entendido como Ereignis, ou
seja, evento, acontecimento. O ser, numa
contraposição à Tradição, não é nada de estável,
mas evento no qual estamos nós na qualidade de
intérpretes (VATTIMO, 2004, pp. 20-35).
Na percepção de Paolo Cugini, na análise de
Vattimo, tanto a reflexão niilista de Nietzsche quando
o anúncio heideggeriano do fim da metafísica
apontam para aquilo que chamamos de fim da
modernidade. Nessa altura, a pós-modernidade não
seria outra coisa que o esgotamento do projeto
moderno da metafísica clássica, da maneira de
interpretar o ser como presença, algo fixo e rígido. A
metafísica, alvo das críticas de Vattimo, é a filosofia
sistemática, capaz de fornecer uma representação
coerente, unitária e rigorosamente fundadas
estruturas estáveis do ser (CUGINI, p. 631).
No segundo capítulo da obra, intitulado “Os
ensinamentos de Gioacchino”, Vattimo utiliza-se da
concepção do pensador medieval Joaquim de Fiore,
defensor de uma História da Salvação ainda em
curso, ou seja, como história do anúncio,
enfraquecendo, dessa maneira, a perspectiva de que
na Sagrada Escritura temos a revelação em seu
modo mais fiel e definitivamente possível. A teologia
da história de Fiore pontua a existência de três
idades articuladas com as pessoas da Trindade. A
primeira das idades, a do Pai, é aquela em que
vivíamos sob a Lei; a segunda, do Filho, é a vivência
na Graça; e a última, a do Espírito, é a que
experimentamos através da “liberdade”. Tomando
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parte na concepção de Schelling, Vattimo caracteriza
o período pós-moderno como a época da liberdade,
baseada na religião sensível e ocasionadora do
destronamento da “hegemonia da autoridade
sacerdotal”. Indubitavelmente, um dos fenômenos da
pós-modernidade é a secularização. Valendo-se da
perspectiva de Karl Barth, cujo entendimento de tal
fenômeno é o afastamento entre o mundo terreno e
Deus, o pensador ítalo concebe de maneira crítica
essa visão, afirmando o fenômeno da secularização
como um cumprimento da história da salvação que
foi guiada pela Kénosis (VATTIMO, 2004, pp. 39-50).
Para Cugini, a Kénosis de Deus, deve, se agora em
diante, ser interpretada como o sinal de que o Deus
não violento da época pós-moderna tem como
elemento característico a mesma vocação ao
enfraquecimento do qual fala a filosofia de inspiração
heideggeriana. (CUGINI, p. 635).
Para Vattimo, a História da Salvação passa
pelos acontecimentos da modernidade e também por
sua crise. Isto posto, o fim da metafísica identifica-se
com o momento da “Terceira Época” de Fiore,
marcada pelo enfraquecimento do Ser. Dado o fato
de vivermos a terceira época, a secularização, numa
proximidade história profana e sagrada, desloca a
interpretação da mensagem bíblica para o plano que
não é estritamente eclesiástico. Nosso período
histórico, portanto, é permeado pela interpretação
espiritual da Escritura, cujo limite, na linguagem
agostiniana, é a caridade. Logo, história profana e
sagrada não se distinguem, mas esse é o cerne do
parentesco entre o fim da metafísica e a tradição
religiosa do Ocidente. O capítulo seguinte, História
da Salvação e História da Interpretação, segue o
embasamento sobre a secularização, reconhecendo
que a História da Salvação segue como História da
Interpretação, visto que interpretamos o sentido da
Sagrada Escritura e o próprio Cristo se interpretou
em relação aos textos veterotestamentários. Nessa
linha de pensamento, o anúncio, então, é dado,
todavia, carece de interpretação, a qual não se trata
de encontrar as verdadeiras intenções do autor ou,
até mesmo, uma estrutura objetiva e já dada. Pelo
contrário, por essa interpretação, chegamos a uma
estrutura dada como resposta a uma mensagem.
Disso concluímos que a secularização não foi um
processo de distanciamento da matriz religiosa, mas
caracteriza-se por processos de interpretação.
Laconicamente, a secularização não é um termo em
choque com a mensagem cristã, opostamente, ela é
um aspecto do evento salvífico e hermenêutico. A
secularização é um fato arquetípico da Kénosis de
Deus.(VATTIMO, 2004, pp. 75-80).
Na
esteira
do
discurso
sobre
a
secularização, Vattimo insiste na ideia de que a
contraposição entre modernidade e cristianismo é
inválida e, tal consideração, é sacar os dois
acontecimentos do processo histórico. Essa visão
desconsidera a modernidade como herdeira da
herança judaico-cristã, sendo que a hermenêutica
mostrou que o processo de secularização não
corresponde a uma ação demoníaca ou de
abandono do sagrado, mas de prosseguimento e
destino. Nessa visão, a secularização do cristianismo
é abertura para outros mundos. Explicitando essa
concepção, Vattimo, valendo-se da teoria de Novalis,
assevera que a Bíblia, como cerne em si só, sem a
tradição vida da comunidade dos crentes, não pode
valer como autêntica revelação (VATTIMO, 2004, pp.
80-89). Assim, na perspectiva da teologia católica, o
termo secularização é empregado para indicar o
processo de esgotamento que separa a civilização
leiga moderna das suas origens sacrais. Contudo,
Vattimo configura a secularização de maneira
diferente, concebendo-a como uma maneira na qual
a Kénosis, iniciada com a encanação de Cristo e,
anteriormente na Aliança Veterotestamentária, faz
parte do processo de enfraquecimento do ser, à
guisa da filosofia heideggeriana (CUGINI, p. 636).
Aqui, afirma-se uma perspectiva inovadora e
surpreendente do autor em relação ao cristianismo: o
movimento cristão é o iniciador da morte da
metafísica. O cristianismo desloca os interesses
filosóficos do mundo natural para a interioridade
humana. O centro das comunidades é a vida vivida,
ou seja, as experiências do viver e do coração
roubam a cena. O cristianismo, desse modo, é o
início da morte da metafísica que desemboca na
modernidade, a qual continua a ideia de entender
objetivamente
(portanto,
metafisicamente)
a
interioridade.
Gianni Vattimo, como acima apontado,
insiste na impossibilidade teórica da Filosofia afirmar
o ateísmo. Assim, de inimiga, a razão filosófica pode
se tornar uma aliada da nova religiosidade. Pois com
o fim da metafísica e dos metarrelatos, a filosofia
pode legitimar a experiência religiosa, haja vista que
a postulação do ateísmo poder-se-ia caracterizar o
retorno à metafísica objetiva. A queda das
metanarrativas transferiu a conceituação de verdade
para a avaliação segundo os paradigmas da própria
comunidade específica. A verdade não depende
mais da realidade metafísica, mas é dada a partir do
consenso dos indivíduos. A religião, sob esse
aspecto, não deve significar um retorno à metafísica
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objetiva, mas obtém seu êxito com o fim da mesma.
Recorrendo à filosofia humeniana, o autor
italiano aborda a afirmação da metafísica como
propensão à violência. Hume quebrou a ideia de
causalidade asseverando que da repetição de
fenômenos não é possível estabelecer leis. Vattimo,
nessa linha, afirma que a desconsideração desse
princípio constitui uma violência. Conseqüentemente,
ao descartar isso, em seus pensamentos
tradicionais, a Igreja incorreu em violências. Essa
postura violenta perpetua-se no cristianismo
enquanto estiver unido à metafísica da ciência do ser
enquanto
ser.
O
desdobramento
dessa
argumentação constitui um dos pontos mais
inquietantes da obra. O autor questiona nossa clara
disposição em colocar maior confiança no arcabouço
metafísico do que na interpretação realizada pela
comunidade dos crentes. Essa postura deve-se a
duas premissas: ou acreditamos no Deus metafísico
– incompatível com a criação do mundo no tempo;
ou julgamos ser mais cômodo e confortável nos
fixarmos na metafísica que coloca toda a
responsabilidade nas mãos da autoridade, mesmo
sabendo de sua insubsistência, fechando-se a
qualquer eventualidade da liberdade (VATTIMO,
2004, pp. 140-151).
Como
nos
atentaremos
na
secção
subseqüente, Vattimo, para postular o cristianismo
não-institucional, recorre à filosofia heideggeriana.
Para Heidegger, o evento cristão é, sobretudo, um
evento, o qual não prescinde de nossa historicidade
humana, mas a assume em sua completude. Não a
desconsidera para passar à visão essencialista, mas
para passar pela faktische Lebenserfahrung até a
crítica da metafísica e a “história do ser”. Na visão de
Heidegger um traço constitutivo da religião é que
nunca a começamos por uma situação de escolha
entre denominações diferentes, mas já fomos
submetidos a uma delas, a qual podemos até criticar,
mas que, de início, não a escolhemos. Nesse
capítulo, trabalha-se a correção da acepção de
parusía realizada por Heidegger, sendo que, o termo
em si, significa presença ao contrário do
entendimento cristão que o considera como
reaparição do Messias que já apareceu. Nesse
aspecto, o modelo de vida cristã é aquele que é
vivido mediante os empenhos históricos e sempre
contingentes que a vida impõe a cada um dos fiéis.
Enfim, a vida cristã é radical e transversalmente
marcada pela história e determinada pelos contornos
culturais e vitais na qual está inserida (VATTIMO,
2004, pp. 153-157).
3.
DIÁLOGO
COM
HEIDEGGERIANO.
O
PENSAMENTO
A proposta do presente artigo, após levantar
as considerações vattiminianas acerca da religião, é
estabelecer um diálogo entre o pensador italiano e o
filósofo alemão Martin Heidegger, justamente no que
tange seu pensamento sobre a experiência religiosa.
Pois ao pensar a pós-modernidade, Vattimo pensa a
religião cristã a partir do referencial heideggeriano: a
faktische Lebenserfahrung (experiência de vida
fática) e a Ereignis (evento ou acontecimentoapropriação). Para tal análise, tomaremos a obra
“Fenomenologia da Vida Religiosa”, que se trata da
junção de dois cursos ministrados no período de
1920- 1921, em Freiburg. Tomaremos, nna esteira
de Vattimo, o capítulo referente às Cartas Paulinas,
quando a preocupação de Heidegger é buscar a
efetividade da faktische Lebenserfahrung na
compreensão da vida religiosa das comunidades
cristãs às quais Paulo se dirige GONÇALVES, 2012,
p. 570).
Na primeira parte do capítulo sobre as
Cartas Paulinas, Heidegger se debruça sobre o
conceito histórico-objetivo de Paulo, de onde decorre
sua conceituação sobre hermenêutica, entendida
para ele como o único modo de se ter acesso e
abordar a facticidade. Assim, Heidegger é movido de
interesse às Cartas Paulinas, justamente porque,
principalmente nas Cartas aos Gálatas e nas duas
aos Tessalonicenses, Paulo está preocupado no
modo como essas comunidades vivenciam a fé
cristã, em palavras outras, a experiência religiosa,
nessas comunidades, está em intrínseca ligação com
a experiência fática da vida. O que há de novidade
na análise de Heidegger é que não apresenta mais
uma formulação teológico-exegética acerca desses
escritos bíblicos, mas relaciona o viver de Paulo,
portanto seu contexto, e o viver das comunidades,
enquanto
aquelas
que
exprimem
sua
fé
(GONÇALVES, 2012, p. 575).
Como já abordado por Vattimo, Heidegger
possui uma acentuada preocupação com o conceito
de parusia em Paulo. De acordo com Heidegger, a
preocupação paulina não é, em momento algum,
responder à questão de quando de dará a parusia,
pois, em sua concepção, o quando é determinado
pelo como do comportar-se, que, por sua vez, é
determinado pela realização da experiência fática da
vida em cada um de seus momentos. Desse modo, o
cristão,
na
perspectiva
heideggeriana,
é
acompanhado constantemente pela inquietude, pois,
a cada momento, a experiência de vida fática
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confronta-se com a parusia. Pois aqueles que
encontram quietude e segurança são os que se
apegam a este mundo que lhes proporciona paz e
segurança. Não há segurança alguma para a vida
cristã, a contínua insegurança é também o que
caracteriza as significações fundamentais da vida
fática. O inseguro não é casual, mas necessário.
Essa necessidade não é nem lógica nem natural,
mas para ver com claridade, deve-se refletir sobre a
própria vida e sua realização. Aqueles que acreditam
viver em paz e seguros saciam-se com aquilo que a
vida lhes dá e ocupam-se de tarefas cotidianas.
Deixam-se absorver por aquilo que a vida oferece;
eles estão na escuridão no que diz respeito ao saber
sobre eles mesmos. Portanto, postula Heidegger,
Paulo responde a pergunta sobre o quando da
parusia, afirmando que os cristãos necessitam ficar
vigilantes e sóbrios (HEIDEGGER, 2011, pp. 93-94).
Ainda sobre a relação experiência religiosa e
vida fática, Heidegger segue sua argumentação
pontuando que a experiência de vida fática dos
cristãos é determinada historicamente visto que
sempre surge com a proclamação, a qual afeta o
homem num momento e continua acompanhando-o
constantemente na realização da vida. Essa
experiência de vida continua determinando por sua
vez as relações que se lhe sucedem. Heidegger
afirma que parusia é um esperar por Deus, que não
remete para as significâncias de um conteúdo futuro,
mas para Deus. O sentido da temporalidade
determina-se por sua relação fundamental com
Deus, de tal maneira, porém, que somente aquele
que vive a temporalidade de maneira realizadora
pode entender a eternidade. Assim, sendo é
essencial que a proclamação permaneça sempre
viva,
não
como
recordação
agradecida
(HEIDEGGER, 2011, pp. 104-105).
Por fim, ao conceituar “parusia”, Heidegger
traz a centralidade para facticidade da vida, ou seja,
o foco não está num tempo vindouro para o qual o
cristão deve se preparar, mas importa o presente,
por isso, afirma que o cristão é alguém inquieto, que
não vive na paz e segurança, mas necessita dessa
inquietude que o leva a estar sempre vigilante para o
encontro com Deus. Também, ao afirmar sobre a
vivacidade do anúncio, pontua que a experiência
religiosa, não pode ser recordação do passado, mas
experiência atual e, constantemente, viva. Isso vem
ao encontro do pensamento de Vattimo, que
visualiza a possibilidade de um cristianismo não
vinculado à instituição. Dessa maneira, o
pensamento
heideggeriano
corrobora
nessa
perspectiva, apontando para a centralidade do “como
ou o modo de viver a fé”. Nesse aspecto, a
religiosidade teorizada por Vattimo encontra seu
respaldo na filosofia de Heidegger, trazendo o foco
da experiência religiosa para o seu entrelaçamento
com a experiência de vida fática.
Referências bibliográficas
CUGINI, Paolo. Religião na pós-modernidade: o
cristianismo niilista e secularizado de Gianni Vattimo,
in REB, n° 287 (2011), p. 628-650.
GONÇALVES, P.S.L. Ontologia Hermenêutica e
Teologia. Santuário: Aparecida (SP), 2011, pp. 59105.
GONÇALVES, P.S.L. A religião à luz
fenomenologia hermenêutica heideggeriana,
Horizonte, v. 10, abril/jun. 2012, p. 566-583.
da
In:
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