ii a sociologia como proposta de adaptação de homens e mulheres

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A SOCIOLOGIA COMO PROPOSTA DE ADAPTAÇÃO DE HOMENS E
MULHERES À SOCIEDADE INDUSTRIAL
LIMA, Silvia Leni Auras(13) Universidade Federal de Santa Catarina
RESUMO
O interesse em conhecer a história do ensino da Sociologia no secundário,
partiu de minha experiência como professora neste nível de ensino, bem como da
disciplina citada. A intenção é a de buscar, na história da educação brasileira, as
influências que a mesma sofreu através de educadores sociólogos que, ao
acompanharam ativamente o processo das transformações culturais na sociedade
brasileira, propuseram modificações significativas no ensino, ajustando-o ao novo
momento que surgiu na década de 30. Este estudo busca saber porque, em certos
momentos da história, o ensino da Sociologia no secundário e principalmente naquele
que cuidou em preparar o professor primário, no caso os cursos Normal e
Complementar, é tido como algo importante. O que se percebe é que através dele, eram
transmitidos conceitos e formas de interpretação da sociedade que tinham como
princípio despertar entre as pessoas o sentimento de solidariedade e adaptação às novas
regras sociais, estimuladas pela Revolução Burguesa no Brasil, e que deveriam se
efetivar via educação. O trabalho terá assim, dois pontos importantes a serem
destacados: em primeiro lugar a atuação de um intelectual sociólogo, onde a pesquisa
buscará levantar a contribuição de Fernando Azevedo, e em segundo lugar, a Sociologia
enquanto disciplina no ensino secundário, enfocando o curso normal na década de 30
em Santa Catarina.
Parte II
O segundo estado, o "metafísico ou abstrato", serviria como uma transição do
primeiro para o terceiro estado. Comte apresenta o estado metafísico da seguinte
maneira:
"É de caráter bastardo, liga os fatos com
idéias que já não são inteiramente
sobrenaturais, mas que também não são inteiramente naturais... tais idéias são abstrações
personificadas, nas quais o espírito poderá ver a vontade poética ou o nome místico de
uma causa sobrenatural , ou o enunciado abstracto de uma simples série de fenômenos,
conforme ele estiver mais perto do estado teológico ou do científico. A abundância e a
acumulação dos feitos, ao longo do espaço e do tempo, conduz ao postulado metafísico
segundo o qual o aumento numérico permite admitir uma freqüência e uma regularidade
que se aproxima das analogias mais extensas" (Comte, 1977, p. 90).
Comte explica que o estado metafísico distingue-se do teológico principalmente
no sentido em que "não é mais a pura imaginação que domina, embora não seja ainda a
verdadeira observação. Mas o raciocínio adquire muita extensão e se prepara
confusamente para o exercício verdadeiramente científico" (Comte, 1983, p. 47).
Na opinião de Comte, não se pode esquecer a peculiaridade da transição
representada pelo estado metafísico: "uma espécie de teologia gradualmente inervada
por simplificações dissolventes" (Comte, 1983, p.47). Embora a filosofia metafísica não
impeça o progresso das concepções positivas, pratica generalização e está muito presa ao
estado anterior. Nesta contradição tende a uma "restauração vã do estado teológico" em
respeito à ordem (moral) em que está inserida, mas "acaba por dissolver o estado
teológico, abrindo o espaço para que a observação, própria do estado positivo se
imponha e rompa os limites a eles impostos" (Moraes, 1995, p. 116).
O terceiro estado, o positivo, seria o "modo definitivo a que pode chegar uma
ciência qualquer (...) os fatos aparecem ligados por idéias ou leis mais gerais, mas já de
ordem inteiramente positiva (Comte, 1977, p. 91). O espírito humano reconhece a
impossibilidade de obter noções absolutas e renuncia as causas originais dos fenômenos.
O que importa neste estado é descobrir leis efetivas de sucessão e semelhança, através do
raciocínio e da observação, entendidas como a única base possível do conhecimento dos
fatos adaptados às necessidades reais, por isso não são conhecimentos absolutos (Comte,
1983, p. 4).
Neste sentido, Comte afirma que somente no estado positivo, tem início a
verdadeira filosofia. Nele, o espírito humano encontra-se emancipado dos estados
anteriores,
indispensáveis
sem
dúvidas,
mas
que
foram
se
decompondo
progressivamente, abrindo caminho para a positividade racional científica.
Assim, o estado positivo deve deixar as explicações vagas e arbitrárias que
caracterizavam as filosofias iniciais, renunciando de vez as pesquisas absolutas,
direcionando "seus esforços ao domínio, que agora progride rapidamente, da verdadeira
observação, única base possível de conhecimentos acessíveis, sabidamente adaptados as
nossas necessidades reais" (Comte, 1983, p. 48).
Na obra Curso de Filosofia Positiva, Comte enuncia a "sua lei", afirmando que a
mesma é aplicada não só para o desenvolvimento da "espécie" mas também para o
desenvolvimento da "inteligência individual". Na educação, cada indivíduo passa
sucessivamente pelo estado " teológico em sua infância, metafísico em sua juventude e
físico em sua virilidade" (Comte, 1983, p. 5). Mas, só é possível verificar este
desenvolvimento e comprovar logicamente a sua lei, aquele que estiver ao nível do seu
século. Portanto, tal condição envolve os indivíduos que estiverem aptos a perceber a
importância da teoria e, através dela, observar e ligar os fatos reais.
Na filosofia positiva, todos os fenômenos estão sujeitos a leis naturais
invariáveis desenvolvidas pela ciência, que devem ser reduzidas o quanto possível. O
que deve ser compreendido é que o avanço progressivo do conhecimento partiu,
naturalmente, de um ponto mais geral como os fenômenos astronômicos, e
sucessivamente ocorreu um desenvolvimento, chegando até o estudo da vida,
representado pela ciência fisiológica. Todos estes conhecimentos devem ser unidos pela
teoria positiva (Comte, 1983, p.8).
Moraes salienta que existe, na lei dos três estados, uma característica de
extrema importância para compreender a classificação das ciências realizada por Comte,
que é "o movimento no sentido de unificação que se opera no interior de cada estado (...)
o estado teológico tende para a idéia de um ser sobrenatural único, tendência que se
realiza na fase monoteísta; no estado metafísico é a idéias de natureza que aparece como
elemento unificador e, finalmente, no estado positivo, o método positivo cumprirá esse
papel"(Moraes, 1995, p. 117).
Comte propõe um método positivo geral, o que não significa que cada ciência
deixe de ter características próprias. A medida em que Comte classifica as ciências por
ordem lógica e cronológica sua intenção é demonstrar a dependência entre elas. As
categorias e as leis que fundamentam uma ciência servem de base para uma posterior. As
ciências são homogêneas, tem sua unidade no método e não na doutrina. A primeira
ciência é aquela que parte de fenômenos mais simples e gerais. A sua complexidade é
que definirá a sua ordem de classificação. Para Comte, as ciências fundamentais,
anteriores a física social apresentada como a ciência da sua época e também a mais
complexa, classificavam-se na seguinte ordem: astronomia, física, química, fisiologia
vegetal e animal. A matemática seria a base de toda a filosofia natural, ou a lógica geral
de todas as outras ciências. A física social seria a própria história ou a filosofia da
história da humanidade (Moraes, 1995, p.118 - 120).
A teoria positiva é apresentada como a unidade do método, a unidade de todas
as filosofias, onde a história da humanidade estaria também incluída. Sem isso, a ciência
positiva não se completaria. No Discurso Sobre o Espírito Positivo, encontramos o
seguinte:
"O espírito positivo, em virtude de sua natureza eminentemente relativa, é o
único a poder representar convenientemente todas as grandes épocas históricas, como
tantas fases determinadas duma evolução fundamental, onde cada uma resulta da
precedente e prepara a seguinte, segundo leis invariáveis que fixam sua participação
especial na progressão comum, de maneira a sempre permitir, sem maior inconseqüência
do
que
parcialidade,
fazer
exata
justiça
filosófica
a
qualquer
sorte
de
cooperação"(Comte, 1983, p. 71, grifos do autor).
Na visão de Comte é impossível que um bom observador não perceba o destino
final da inteligência humana, que não esteja voltado para os estudos positivos. O
positivismo representa uma revolução fundamental, e para que se efetive realmente, é
necessário que invada o domínio intelectual, fazendo com que as transformações
ocorram em todos os sentidos, especialmente no social.
Neste sentido, é preciso que o social seja pensado cientificamente por toda a
humanidade, abandonando definitivamente os métodos teológicos e metafísicos. A
filosofia positiva deve assim, realizar a sua " grande operação", ou seja, preencher a
lacuna existente entre as ciências naturais e tornar universal a unidade dos fenômenos,
desenvolvendo a última ciência da observação: a física social. É assim que Comte
apresenta, em seu Curso de Filosofia Positiva a nova ciência, a sociologia. Uma ciência
que representa as necessidades reais da sociedade industrial do século XIX. Nela, as
relações sociais encontram-se complexificadas, e tanto o social como o saber, precisam
de unidade e de reorganização para a perfeita adaptação a esta realidade.
Moraes aponta que para Comte, na sociedade industrial, "do ponto de vista das
relações sociais todas as relações particulares se estabelecem, pouco a pouco, sobre as
bases industriais e a atividade da produção torna-se o único e permanente objetivo. É
essa idade instaurada pelo positivismo, idade pacífica e industrial, idade
em
que
a
ciência, com a descoberta das leis naturais, se empenha em realizar a total submissão da
natureza ao homem : saber para prever, prever para poder" (Moraes, 1995, p.117 – grifos
da autora).
É importante ressaltar que Comte não é um liberal. A verdade é que ele
reconhece, na sociedade industrial, a possibilidade para a efetivação da unidade tanto do
conhecimento quanto da humanidade. A crise em seu interior é motivada por um
momento de transição e sua proposta vem de encontro à ela. A física social é a ciência da
época industrial, assim como as outras ciências representaram um grau de importância
para o passado histórico.
Para Comte, as revoluções políticas originaram a crise porque seus dirigentes
partiram para a reorganização prática quando antes da reorganização teórica. Nas suas
palavras: (...) o vício desta marcha consiste em que a reorganização foi considerada
como uma operação puramente prática; quando ela é essencialmente teórica; que a
natureza das coisas e as experiências históricas mais convincentes provam a necessidade
absoluta de dividir o trabalho total da reorganização em duas séries, uma teórica, outra
prática, a primeira das quais deve ser executada para se destinar a servir de base à
segunda; que a execução preliminar dos trabalhos teóricos exige a activação de uma
nova força social, distinta das que até agora têm aparecido em cena, isto é,
absolutamente distinta das incompetentes(...) por várias razões muito decisivas, esta nova
força é aquela que reside nos sábios mais dedicados ao estudo das ciências de
observação (Comte, 1977, p. 88).
A concretização da sociedade industrial só será possível a medida em que
ocorrer a substituição dos antigos teólogos pelos cientistas. Através deles é que será dada
a base para reorganização social. Neste sentido interessa conhecer a proposta de Comte
para o aperfeiçoamento do indivíduo, ou como
que a Sociologia se apresenta
enquanto doutrina para a preparação do espírito de unidade e da prática positiva.
3. A SOCIOLOGIA COMO PROPOSTA DE EDUCAÇÃO
Para Comte, a divisão do trabalho demonstra que existem aptidões individuais
diferentes, bem como organizações individuais que se diferenciam. No entanto, cada
indivíduo deve reconhecer e aceitar a sua própria aptidão, tomando uma posição efetiva
na sociedade e transferindo seus conhecimentos para o bem comum.
A educação para a nova organização social deve ser, segundo Comte em seu
Curso de Filosofia Positiva, uma educação geral. A mesma deverá incentivar o gosto
pelo pensamento científico, o que não significa um aprofundamento em uma ou outra
ciência. Trata-se de repassar, às "massas populares", certas concepções positivistas sobre
os fenômenos naturais, preparando-os para a regeneração do sistema intelectual. Pensar
racionalmente eleva os espíritos o que resultará na solidariedade e na paz. Segundo
Arbousse-Bastide (1957, p.621) (16), Comte percebeu que o fim supremo da educação
consistia em uma "conversão ao próximo por uma existência para o próximo". A palavra
conversão é importante uma vez que, segundo o autor ao comentar o pensamento de
Comte, "o ser humano é espontaneamente inclinado a viver por si e em si". Mas, viver
para outro é fundamental na filosofia positiva. A educação positivista trabalha no sentido
de purificar os conhecimentos, subordinando-os à perspectiva humana. Para reforçar esta
questão, apresentamos as seguintes palavras de Comte: "O espírito positivo é
diretamente social, tanto quanto possível, e sem nenhum esforço, principalmente por sua
realidade característica. Para ele, o homem propriamente dito não existe, existindo
apenas a Humanidade (...) O conjunto da nossa filosofia sempre tenderá a salientar, tanto
na vida ativa quanto na vida especulativa, a ligação de cada um a todos, sob uma
multidão de aspectos diferentes, de maneira a tornar involuntariamente familiar o íntimo
sentimento de solidariedade social, convenientemente desdobrado para todos os tempos e
todos os lugares" (Comte, 1983, p.77).
Para Comte, é através da educação que a ordem e o progresso encontram uma
síntese. Educar é objetivar a disciplina e demonstrar a necessidade de submissão ao
social. Através desta visão não há liberdade, a consciência não é livre e sim dirigida. A
liberdade é encontrada na "virtude e na fé" que conduzem a prática de boas ações. O
conhecimento básico da boa ação, leva o indivíduo a se engajar no seu tempo,
participando do mesmo dentro de uma ordem, sem se preocupar com o acumulo de
conhecimento.
Na opinião de Comte, não é a técnica para o trabalho que deva ser o objetivo da
educação. O que lhe interessa é uma "cultura desinteressada". Neste sentido, ArbousseBastide revela que a proposta educativa de Comte privilegia a "formação do espírito"
sem demonstrar grande preocupação com a educação técnica. Uma educação técnica
poderia dispersar o interesse pela "elevação do espírito". Segundo este autor, Comte
"teve o sentimento muito vivo do caráter concreto de toda a formação técnica e
compreendeu o papel eminente que devem jogar, em um bom exercício de uma
profissão, a cultura geral acoplada ao sentido da vocação.
Quanto à capacidade técnica, ela pode ser adquirida somente pela ação"
(Arbousse-Bastide, 1957, p.622).
O objetivo maior da educação é elevar o espírito de todos os indivíduos,
demonstrando a importância de cada "vocação" dentro da sociedade.
Comte deu uma atenção especial ao ensino infantil, reconhecendo junto ao
mesmo, a importância da família. A primeira educação deverá ser iniciada na família,
que é vista por ele "como uma espécie de microsociedade que reproduz, em ponto
menor, os fatores da sociedade global. A família é vista como a escola da vida social"
(Moraes, 1995, p. 130).
Na opinião de Comte, as relações no interior da família devem se repetir nas
relações humanas. A experiência familiar é condição básica para a continuidade
histórica. Nas suas palavras, "a família é a sociedade mais íntima e mais restrita"
(Comte, 1983, p.240). Cabe a mulher, dentro desta sociedade restrita, "dominar" a
educação familiar e, no tempo certo, incentivar na criança o gosto pelas "operações
materiais" fazendo com que a mesma, através de exercícios próprios a certa atividade,
reconheça o valor do trabalho. A educação sistemática, fora do ambiente familiar, será
realizada pelos "sacerdotes", que devem transmitir uma educação geral indo da
geometria até a moral (a última ciência para Comte). Os "sacerdotes" preparam o espírito
do jovem para a "ascensão espontânea" da humanidade. Ao fim da educação geral, o
jovem estará com o espírito preparado para servir "à Família, à Pátria e à Humanidade,
sem que o coração cesse de amá-las"(Comte,1983, p.260). Esta educação geral, que
envolve jovens de 14 a 21 anos, é considerada por Comte como ensino "superior", que
propicia ao espírito a formação decisiva para viver socialmente.
A qualidade da educação geral está intimamente ligada aos "sacerdotes" que, na
opinião de Comte, tiveram a capacidade de entender a importância do "espírito real" e
por isso estariam preparados para a função de educador.
Ao explicar quem é o "sacerdote" educador de Comte, Arbousse-Bastide coloca
que "não se trata de um padre que governa, mas de um professor, que assume as funções
do ensino com a consagração sacerdotal. O que ele deve transmitir, seus alunos não
encontrarão nos livros, mas no calor de suas palavras, na generosidade do seus
devotamento e no interesse afetuoso constante de sua direção intelectual e moral"
(Arbousse-Bastide, 1957, p.624).
Uma questão interessante na filosofia de Comte é a educação de adultos. Ela
aparece em princípio dirigida para uma fase de transição orgânica, ou seja, na fase em
que o indivíduo deve transpor seu estado metafísico, para o estado positivo. Segundo
Arbousse-Bastide, ela é concebida como "complementar ou supletiva" (ibid.,
p.623). Esta educação transitória é dirigida especialmente às mulheres e
proletários que "não podem e não devem converter-se em doutores, e nem eles querem"
(Comte, 1983, p.150). À mulher porque é "naturalmente" dedicada ao afeto e à educação
inicial dos filhos. Ao proletariado (espíritos populares) porque "a metafísica negativa aí
não pôde enraizar-se tanto, seja, sobretudo, por causa do impulso constante das
necessidades sociais à sua situação necessária" (Comte, 1983, p.86). Uma vez que o
proletariado é o menos afetado pela filosofia transitória, seu espírito estará predisposto
ao estado positivo.
O proletariado precisa de uma educação geral para depois exercer a sua
atividade pacificamente, uma vez que passa a entender a sua função na sociedade. O
estudo positivista deverá ser dirigido ao proletariado através de uma "sábia vulgarização
dos estudos positivos, destinados essencialmente aos proletários, a fim de neles preparar
uma sadia doutrina" (Comte, 1983, p.87).
Na opinião de Comte, a sociedade está composta por empreendedores "pouco
numerosos", que possuem mais dinheiro, mais créditos, dirigem todas as operações
produtivas e são responsáveis pelo resultado desta produção. Para Comte, estes são os
que ocupam-se realmente da sociedade. De outro lado, estão os operadores diretos que
vivem de salário e formam a maioria dos trabalhadores. Esses executam as suas tarefas
de maneira abstrata, sem preocupação com o "concurso final" do que fazem. O espírito
positivo deverá ser melhor percebido entre os operadores pois estes demonstram "acesso
mais fácil e uma simpatia mais viva" para a renovação. Através do espírito positivo os
operadores terão a oportunidade de adquirir e desenvolver "costumes correspondentes a
seu destino social"(Comte, 1983, p. 84).
O que percebemos é que Comte encontra no proletário e na mulher, os
verdadeiros agentes da sua doutrina. O proletário deverá propagar a "sã filosofia" no
contado diário das relações do trabalho, enquanto que a mulher repassará a doutrina no
seio familiar. O espírito positivo deverá ser introduzido entre eles, fortificando a ação
moral e a ordem para a prática social, adaptando-os às condições sociais do tempo em
que vivem. Educar esses dois seguimentos da sociedade é o seu primeiro objetivo.
Comte entende que esses "espíritos populares" serão seus auxiliares diretos na
propaganda positivista, até que o "governo ocidental" entenda o "ofício social" desta
doutrina, permitindo que a mesma atinja todas as instituições educacionais. No espírito
de Comte reside o sentimento de que esta "grande classe popular", ao entender o espírito
da "sã filosofia", fará pressão, junto ao governo, para uma reforma educacional geral. A
educação positiva, apesar de partir dos "sábios", deverá ganhar a simpatia da
opinião
pública e, consequentemente, demonstrar as sua vantagens e seu valor.
Para Comte, era importante que os governos ocidentais entendessem a
importância do ensino geral, voltado para a época e adaptado às necessidades da
civilização moderna. Na opinião de Comte, as instituições educacionais de sua época
reconheciam a importância de uma instrução positiva, entretanto, não aplicavam a
mesma. Essas instituições e os governos, deveriam perceber a necessidade de uma
"regeneração" fundamental da educação que viesse purificar o conhecimento. Neste
sentido, deveriam trocar a educação essencialmente teológica, metafísica e literária e em
alguns casos, caracterizada por uma especialização exclusiva, esquecendo que o mais
importante é a unidade do conhecimento, pela exposição geral dos fenômenos naturais
adaptados as várias inteligências (Comte, 1983, pp.15-16).
Arbousse-Bastide resume da seguinte maneira o que deverá ser para Comte uma
reforma educacional: "Uma reforma educativa deve inspirar, por um lado, nas normas e
na ordem e, nas condições do momento histórico" Arbousse-Bastide, 1957, p. 623).
O que se percebe é que Comte tem pressa em educar os adultos, porque
reconhece na sociedade uma transição marcada pela "anarquia intelectual" e pelos
conflitos. No entanto, seu projeto de educação positiva não se esgota na transição do
momento político revolucionário. A transição representa o passo inicial para o "estado
positivo". Neste sentido, Comte percebe que a moral que organiza o social deverá fazer
parte constante da humanidade. Para isso, é importante que exista um espírito religioso
unindo toda a humanidade, fornecendo constantemente uma assistência espiritual. Viver
em sociedade é renunciar a liberdade. A eficácia da ordem só será entendida e
acompanhara a humanidade pelo espírito religioso. Somente por este espírito a ordem
social não será ameaçada.
Diante dessas colocações, compreendemos que a Sociologia apresentou-se
como um amplo projeto filosófico de unidade do conhecimento e da humanidade.
Ao estudar "o seu tempo" cientificamente, Comte concluiu que o mesmo caracterizavase pela transição, apresentando uma necessidade básica para o progresso - uma
reorganização social. Entendemos que é dessa necessidade que a sua filosofia se
constitui e se apresenta como um plano de regeneração e integração social universal.
Trata-se, sobre tudo, de restaurar a unidade humana, através de uma doutrina que
explicasse o social e apontasse a solução para a ordem, representada por um processo
amplo e permanente de educação.
No projeto de Comte, os indivíduos seriam submetidos ao social por "simpatia"
ou por "sinergia", uma vez que ele é apresentado como o "único" projeto educativo a
altura da sociedade industrial.
A obra de Comte, em muitos casos, não é percebida como uma proposta
unitária. No entanto, esperamos ter demonstrado, através deste trabalho, que
reconhecemos nela um "caráter unitário". Não seria possível falar da Sociologia como
projeto de educação, sem acompanhar o processo no qual ela se coloca como filosofia da
história e ciência do social. Neste sentido, gostaríamos de apontar o que nos lembra
Moraes:
"... o próprio Comte afirmava o caráter unitário de sua produção teórica e se o
tom, o vocabulário e até mesmo alguns conceitos se distinguem nos vários momentos da
sua obra é necessário, para melhor compreendê-la, considerá-la em bloco.
Assim, embora em um primeiro momento as questões de cunho filosófico e de
metodologia da ciência não sejam tratadas de forma explicitamente "religiosa", pode-se
estabelecer uma escala enciclopédica das ciências, assim, como a de erguer, a partir daí,
o "conhecimento positivo" e dessa forma, finalmente, reformar moral e intelectualmente
a sociedade" (Moraes, 1995, p.113 – grifos da autora).
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Profetas da Modernidade.
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