Augusto Comte e a religião da Humanidade Em tempos de “ressurreição” do lema positivista, inscrito na bandeira, cabe uma pausa para reflexão sobre a ciência de Augusto Comte. Para tanto, consuto o texto de Paul Archambault, no capítulo Les Religions de Remplacement, do livro Apologétique, pp. 157 a173, La Librairie Bloud & Gay, 1939, Paris. Segue a tradução. A religião da Humanidade: espécie muito genérica que comporta variedades numerosas. Considera-la-emos sob a forma que lha especialmente deu Comte, favorável sob um clima e, logo, que em não era condições particularmente instrutivas. A religião da Humanidade pode apresentar-se sob a forma de um humanitarismo (culto da humanidade como coletividade os homens, conjunto de seres humanos nascidos ou nascituros) ou sob a forma de um humanismo (culto de humanidade como essência e natureza do homem, conjunto de valores humanos). Nossa exposição, que não pretende dizer tudo e assim se restringe, como tínhamos anunciado, a alguns casos típicos, é colocada no primeiro desses pontos de vista. Pondo-se em segundo, encontrar-se-á, por exemplo, pelo lado dos filósofos, um Brunschvicg e seu idealismo imanentista (onde o espírito é, no fundo, senão que o esforço do homem constituindo a ciência e a moralidade): pelo lado dos militantes, um Guéhenno e sua “conversão ao humano”. A argumentação a se opor resta em substância a segunda. Que se trata de satisfazer nossa inteligência ou de nossa conduta a orientar e a estimular o humanismo, com freqüência exerceu e exerce a função de uma religião de substituição. princípios Funciona sob explícitos que explícitas. O homem não o nome e em ultrapassam virtude suas de afirmações pode ser sujeito de culto pelo homem porque ele ultrapassa o homem. É, como se sabe, com a segunda filosofia de Comte que surgiu a idéia e, entre esta segunda filosofia e a primeira, a oposição aparente e inicialmente radical. De um lado, a constatação positiva, a objetividade rigorosa e impassível; do outro, uma síntese do saber humano tentado do ponto de vista preocupações e subjetivo, das aspirações do ponto de vista do homem. De um das lado, a ciência, a demonstração, a razão, apenas e tão somente; do outro, um primado reconhecido para o coração, para a intuição, à inspiração. De um lado uma concepção da ação e da prática outro, a voltadas inteiramente importância atribuída para à menos o desdém ao olhar do utilidade; simpatia, desinteressado, à bondade. De um lado, pelo a ao do amor não o desprezo, mas passado metafísico e teológico da humanidade; de outro, uma construção religiosa calcada até na menor particularidade sobre a dogmática, a disciplina, a liturgia da Igreja católica. Entre Philosophie o Curso positive) da e o Filosofia Sistema Positiva de (Cours Política de Positiva (Système de Politique positive) o que então sobreveio? O amor e a morte de Clotilde de Vaux, responde-se, todo um drama passional que reavivou em Augusto Comte as fontes muito bem fechadas da sensibilidade e das lágrimas o que não ocorreu sem agravar as confusões e desarranjos mentais que ele já sofrera. Fenômeno patológico, mais ou menos onde é patológica a predominância da sensibilidade sobre a coisa e razão. Sim, houve aquilo, mas há ainda outra quanto mais significativa. Da própria confissão de Comte (desde a primeira lição do Curso), a preocupação de unidade é uma das que incide no pensamento humano com maior profundidade. Ora, nada obstante as generalizações de que ela procede, e pelo pouco que ela preocupação científico. respeite de seus unidade, Com seus próprios não princípios, satisfaz princípios e o esta conhecimento seus métodos especializados, a ciência é feita de conhecimentos que não se reencontram ou que não se reúnem senão de um ponto de vista superior. Doutra parte, o grande problema superar o egoísmo pelo altruísmo, da vida moral é de de “fazer prevalecer gradualmente a sociabilidade sobre a personalidade, ainda que esta seja espontaneamente preponderante” (Catecismo positivista – Catéchisme positiviste); ainda aqui, é um ponto de vista superior que é necessário se colocar, para discernir como viver para o outro é ainda a melhor maneira de viver para si. Outro aspecto da mesma idéia. Nada mais que um saber inorgânico, o homem não saberia resignar-se a um gênero de existência que o deixe como externo ou estranho à à ordem universal. A religião da Humanidade com sua Trindade (O Grande Ser, o Grande Fetiche, e o Grande Meio) restabelece a solidariedade e a continuidade e faz a fluir em nós “o ser, o movimento e a vida” de alguém maior que nós. Um estado de união completa, e todos os poderes de nosso ser material e espiritual cooperarão para um mesmo fim onde todos os homens se reencontrarão numa mesma tarefa e para uma felicidade comum; uma harmonia do homem consigo mesmo, com os outros, com o universo, eis o que Comte veio pedir à religião (religare, religar). Não contestamos que o abalo afetivo sofrido por Comte não tenha feito sua parte, mecânica, no derrapar de seu pensamento. Mas também reconhecemos que esse desmanche foi finalizado pelas tendências mais profundas perfeitamente advogáveis pela razão. Reconheçamos também que em boa lógica devesse levá-lo mais longe ainda, se é verdade, como disse Beutroux comentando estes feitos (Science et Réligion dans la philosophie contemporaine, p. 77-79) que “na própria humanidade se encontram os germens de uma religião que ultrapassa a humanidade e que as noções do real e do útil, fundamentos da filosofia positiva “são para nós incitação para procurar o Verdadeiro, o Belo e o Bem””.