Filosofia

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ
CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
DISCIPLINA: METODOLOGIA DO PROJETO ARQUITETÔNICO E URBANÍSTICO
PROF° LÚCIO LOBATO - AULA 04 – 11.08.06
Modernismo na Amazônia. Belém do Pará, 1950 / 70 (1)
Jussara da Silveira Derenji
Jussara da Silveira Derenji é arquiteta (FAU UFRGS),
mestre em história pela PUC-RS e professora aposentada da
Universidade Federal do Pará. É co-autora do livro
"Ecletismo no Brasil" e organizou a coletânia
"Arquitetura do ferro. Memória e questionamento".
Foi diretora do Departamento do Patrimônio Histórico de
Belém PA
O movimento modernista começa no Brasil na década de 20, fase em que é mais profícuo nas artes plásticas e na
literatura. Entre os objetivos iniciais do movimento estava a busca de uma arte nacional, o que em arquitetura: "se
há de extrair, sem dúvida, da obra dos antepassados", dizia Mario de Andrade, um dos intelectuais mais
significativos da vanguarda moderna no país. O que resultou deste primeiro intento foi uma valorização do período
colonial considerado como legitimamente brasileiro.
Nos anos 30, o nacionalismo se dissemina por todas as áreas da cultura brasileira amparado pela ditadura de
Getúlio Vargas que implantou um sistema político autoritário, similar a dos governos fascistas europeus, ainda que
mantenha, pelo menos até 1937, uma relativa liberdade intelectual. O ano de 1937 marca o ponto de ruptura do
regime, mudanças constitucionais que configuram o "Estado Novo", quando o nacionalismo ou a aversão à
internacionalização demonstram uma xenofobia crescente. Conforme Moraes, "o que importa não é só
compatibilizar o moderno e o nacional. Importa apresentar o moderno como necessariamente nacional" (2).
A exemplo dos regimes totalitários europeus, se observa uma persistência do ecletismo, em formas monumentais,
para edifícios que se constróem nos centros do poder, notadamente no Rio de Janeiro como bem demonstra a
construção, em 1936, do Ministério de Justiça, em estilo neoclássico. No mesmo ano, o edifício do Ministério de
Educação, projetado por Lúcio Costa e outros arquitetos brasileiros com a colaboração de Le Corbusier
estabelece, sem dúvida, marca decisiva para a definição dos rumos da arquitetura moderna brasileira. Nas
manifestações que deveriam representar o Estado, a arquitetura buscaria ser "funcional e moderna",
especialmente nos projetos de cunho social. A tendência seria seguida, também, em outros setores da construção
pública e privada.
Mesmo em regiões isoladas, como a Amazônia, essas seriam as linhas da arquitetura do período. Escolas,
bancos estatais, hospitais, prédios para Correios e outros serviços nacionais ou regionais reproduziriam, em
formas simples os ideais de precisão construtiva, estrita modulação, forte definição formal, para assegurar uma
modernidade compatível com o novo Estado. Na construção privada, edifícios ou residências, os aportes formais e
as tecnologias recém chegadas proviam o sustento básico do desenho funcional.
Belém do Pará, centro político e comercial da Amazônia brasileira desde o século XVII, é também sua maior
cidade. Quando, em 1927, Mário de Andrade a visitou, no seu percurso de modernista pelo país, encontrou um
núcleo urbano formalmente estruturado entre o final do século X1X e começos do XX. São dessa época o porto, o
teatro, o centro de comércio e as zonas residenciais da burguesia da borracha, fonte de riqueza da região entre
1870 e 1911. A partir deste ano a borracha da Amazônia foi desvalorizada nos mercados internacionais por
concorrência da produção asiática e a região sofre acentuada decadência.
Todo o período de auge na expansão da cidade é ignorado pelo visitante modernista que faz elogios só aos
vestígios coloniais remanescentes no centro. Seus textos fazem conexão, porém, do verde do arvoredo urbano
com o que chama de "espírito de brasilidade", em outra articulação perceptível no projeto modernista, a de uma
magnificação da natureza.
Até fins da década de 30, convivem em Belém construções que repetem soluções ecléticas de períodos
precedentes e um neocolonialismo amorfo, de raízes não definidas e pouca relação com a arquitetura regional. O
neocolonial é usado, em versões simplificadas, reduzidas, em geral, a um frontão curvo ou arcos que fazem limite
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ao ingresso principal, em escolas, pequenos hospitais e outros edifícios municipais. Esta tendência se mantém na
classe média que a adota em versões modernizadas do "chalét" urbano de fases anteriores.
O estudo da verticalização de Belém mostra que edifícios de 3 e 4 andares, também caracterizam esta fase e
oscilam entre o ecletismo, caso do edifício da Associação Comercial e linhas despojadas que anunciam o
modernismo, com exemplos como os hotéis Avenida e Central, construções de 30 e 39 na principal avenida do
centro da cidade (3).
As novas propostas, em termos formais, observam uma predominância de volumes horizontais acentuados pelo
jogo das aberturas, ou por uma decoração abstrata e despojada. A composição se faz com elementos horizontais,
como na escola Vilhena Alves (1939), na qual a faixa formada pelas janelas tem uma moldura de linhas marcadas
e dois blocos verticais definem a entrada principal.
O edifício de Correios (1940), é um dos casos mais interessantes desta fase. O bloco vertical se ergue em torre
escalonada e as linhas do art-deco eram perceptíveis na decoração do interior e móveis, trocados nos anos 90.
Na difícil definição entre o que é moderno e contemporâneo neste período, Lemos (1983) propõe que arquitetura
moderna seja considerada aquela cujos partidos sejam decorrentes das últimas e novas maneiras de refletir,
examinar e atender aos problemas e condicionantes de projeto, entre esses os dois principais sendo a técnica
construtiva e o programa de necessidades (4). As técnicas construtivas que definem a modernidade são pautadas
pelo uso de estruturas metálicas e pela exploração das possibilidades estruturais e plásticas do concreto armado.
Em Belém, como ocorre no país, os recursos do concreto fazem possível a conquista da altura, sempre com linhas
"funcionais" e ênfase para a solução plástica das fachadas. O ritmo das aberturas é rígido e estão ausentes os
grandes panos de vidro. Mesmo nos edifícios de maior altura, que surgem nos anos 40, se mantém o rigor da
composição que joga, por vezes, com a inserção de uma pano cego, lateral ou central.
Os elevadores são incorporados aos edifícios nestes mesmos anos 40, nos edifícios Bema (1940), de cinco
pavimentos, Dias Paes (1945), com sete, dos Comerciários (1949), com dez, Piedade (1949), com doze. As
soluções em altura se repetem acentuando ângulos, em especial nas esquinas, com balcões, muitas vezes
curvos.
Poucos arquitetos ou engenheiros, de outras regiões do país ou do exterior, projetam para Belém no período da
segunda Guerra e anos seguintes. Em 40 um arquiteto italiano, Ugo Fumini, projeta o templo hebraico em linhas
orientalizantes, um dos únicos casos de projeto estrangeiro. Dos profissionais nacionais deve ser destacada a
atuação de Álvaro Vital Brasil que projeta os aeroportos de Manaus (1944) e de Belém (1945). O de Belém tem
estrutura de madeira e cobertura em cimento amianto, pouco adequado à climatologia local. O arquiteto mostra
preocupação com os aspectos climáticos, no entanto, por orientar as faces principais em sentido norte-sul e fazer
a proteção da insolação com a extensão do telhado.
Quem então produziu arquitetura na Amazônia nesta fase? O estudo do período deixa perceber a formação de um
grupo reduzido de engenheiros locais que dominou o panorama construtivo até fins da década de 60. Este grupo
de engenheiros, em especial Judah Levy, Laurindo Amorim, Agenor Penna de Carvalho e Camilo Porto de
Oliveira, tem grande responsabilidade na imposição de um padrão arquitetônico e construtivo até o surgimento do
primeiro curso de arquitetura em 1964. O curso de arquitetura seria, mais precisamente, uma iniciativa de alguns
engenheiros que buscavam regularizar sua situação de projetistas. Sua criação traria arquitetos do sul do país
que, como professores e profissionais, seriam os primeiros arquitetos no período mais recente.
A assimilação das técnicas modernas, concreto, elevadores, por profissionais locais torna possível na década de
50, a construção do mais alto arranha-céu da cidade, edifício Manuel Pinto da Silva com vinte e seis pavimentos,
altura que não tornaria a ser alcançada nas décadas seguintes.
Alguns edifícios residenciais surgem entre 50 e 70, de oito a vinte andares e no panorama genérico tem lugar
próprio o Palácio do Rádio (1956), edifício misto comercial / residencial, pioneiro de uma nova concepção no meio
urbano belemense: base para comércio, corpo formado por apartamentos pequenos que com freqüência servem
como escritórios ou consultórios. O edifício mantém ainda, algumas de suas configurações primitivas, térreo
comercial com lojas e cinema (5). Nos treze andares a circulação contínua une apartamentos, escritórios e
consultórios médicos. De concepção semelhante é o edifício Importadora (1954), térreo comercial, nesse caso
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destinada a um único estabelecimento comercial e nos dez pavimentos, escritórios e consultórios ligados por uma
circulação aberta.
A valorização do solo urbano é um dos fatores que estimulam a verticalização e é significativo da pouca vitalidade
econômica regional o número pequeno de edifícios que surgem, em comparação com o aumento da população.
Até 1969 o número de novas edificações altas em Belém não passa de nove por ano, em geral se mantendo em
três ou quatro, para uma população de meio milhão de pessoas. Além disto, as diferenças sociais dão a Belém
uma conformação peculiar. Os estudos urbanos demonstram que 48 a 50% da população vive em condições de
pobreza, em áreas baixas e insalubres que se distribuem pela cidade. A classe mais afastada ocupa as terras
altas e centrais, em crescente verticalização.
Mais precisamente, as edificações em altura são feitas, portanto, para uma classe alta que opta por verticalizar as
áreas altas centrais ou periféricas ao centro, com edifícios de apartamentos amplos e, em alguns casos de luxo,
que substituem a residência unifamiliar como símbolo de status. Esses edifícios tem uma arquitetura simples e
funcional. Utilizam-se tecnologias modernas porém a decoração das entradas e áreas comuns pode preservar
recursos do art-nouveau ou deco. Soluções interessantes são dadas por sacadas que se curvam nas esquinas,
exploram as possibilidades do concreto armado, circundam as fachadas. É o caso dos edifícios Piedade (1949),
Uirapurú (1951) e Renascença (1952). Alguns edifícios de apartamentos de três e quatro pavimentos, para
usuários mais exigentes que a média ainda que com menos possibilidades financeiras, exploram uma autonomia
formal similar a das residências de classe mais alta, caso do edifício São Miguel com implantação em padrão
inovador ou o edifício Don Carlos, com rampas e curvas em seqüência.
Os anos 60 marcam mudanças importantes para a Amazônia brasileira que, se integra ao país através de uma
estrada de rodagem, de Belém a Brasília, a nova capital. Ainda que a classe alta efetue uma crescente opção por
edifícios de apartamentos alguns poucos privilegiados dentro desta classe seguem escolhendo residenciais
isoladas. "Os ricos..., ampliam e exteriorizam a autonomia e a originalidade da célula" diz Segre (1991), ao
comentar o panorama genérico da Latino América, o que sem dúvida, coincide com Belém. Esta classe abastada
possibilita a construção de clubes sociais e desportivos sempre com uma ênfase na liberdade de formas. É na
arquitetura dos clubes e das residências que se encontram as soluções de maior interesse ao estudo do período.
O desenvolvimento da primitiva linha nacionalista que deu origem a equívocos como o neocolonial sem expressão
dos anos 40, foi substituído por uma linha construtiva na qual princípios estéticos da vanguarda modernista
buscam referência nas tradições construtivas regionais. O exemplo mais significativo destes projetos é uma
residência de 1953 e de autoria de um engenheiro civil, Angelita Silva. A casa tem uma valorização da natureza,
no jardim que usa vegetação da região e faz uma nova leitura dos azulejos, tradicionais na Amazônia, que surgem
em desenhos modernos. O jogo dos telhados e o uso de tramas em madeira como modernos "muxarabis", dão
limites e privacidade às áreas íntimas e recuperam, também, a primeira fase de Lúcio Costa quando ainda maneja
os códigos formais do colonial brasileiro.
As soluções mais características do período, estão longe da modéstia deste projeto. Estruturas autônomas, pilotis,
curvas, rampas e marquises com grandes balanços são freqüentes e se enriquecem com elementos plásticos
como painéis ou revestimentos de azulejos em desenho e composições modernistas. As preocupações com o
clima têm desenvolvimento com o emprego de pára-sóis, ou de "cobogós", elementos celulares de cimento ou
cerâmica.
Nos clubes se aproveita a necessidade de amplos espaços e vãos livres para propor arcos parabólicos, curvas de
traçado fluído, jogo de formas nas rampas e escadas. As casas mais simples estão sobre pilotis e destacam o
corpo superior, enfatizam a estrutura autônoma e a transparência dos vidros ou as formas de elementos em
cerâmica ou cimento "cobogós", que servem também a ventilação. Nos casos mais elaborados o projeto inclui
rampas e marquises de grandes dimensões e formas caprichosas.
O melhor exemplo das intenções dos projetistas desta época é uma residência feita por Camilo Porto de Oliveira,
engenheiro e, depois de 1969, arquiteto, em que volumes se articulam e valorizam as qualidades plásticas
permitidas pelo uso do concreto armado. Linhas curvas e trapezoidais definem os vários corpos da construção
enfatizados pelos volumes como, também, pelas cores usadas.
O mesmo engenheiro, Porto de Oliveira, repete em clubes as soluções e propostas desse projeto. No edifício do
clube de Remo (1958) utiliza uma série de volumes onde sobressai um arco parabólico na entrada principal
marcada, também, por uma marquise em concreto armado. Na fachada, panos de vidro e brise soleil em versões
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verticais e horizontais. No Clube da Assembléia Paraense (1955), introduz pilotis em forma de V nas coberturas
curvas sobre as piscinas.
Outra solução expressiva é a do Club Tuna Luso que mantém as linhas curvas do projeto original (1958), neste
caso do engenheiro Lauríndo Amorim. O salão de festas é um bloco redondo sobre pilotis e a marquise se
prolonga com intenções meramente plásticas.
A arquitetura moderna, em suas várias manifestações, define espaços no centro de Belém e está representada
em outras zonas da cidade. Uma primeira observação, nesta ocasião brevemente relatada, constatou uma
excepcional integridade dos projetos originais e algumas formas singulares de expressão de uma época
importante na arquitetura nacional. Esperamos que estudos como este possam contribuir para a preservação
desta arquitetura e, também, para avançar em busca de formas de ocupação do espaço em resposta aos
problemas específicos da região.
Notas
1
Texto apresentado originalmente no I Seminário DOCOMOMO Brasil realizado de 12 a 14 de junho de 1995, publicado posteriormente em seus Anais.
2
MORAES, Eduardo Jardim. Estudos históricos. Rio de Janeiro, vol. 1, nº 2, 1988, p. 220.
3
A verticalização de Belém foi tese de pós graduação de Janete Coimbra de Oliveira (USP, 1992), fonte de alguns dados utilizados.
4
LEMOS. Carlos A. C. "Arquitetura contemporânea" in História Geral da Arte no Brasil, São Paulo. 1983, vol 2, p. 825.
5
A lamentar que recentemente, num exemplo tristemente comum, o cinema tenha sido transformado em templo e retirada sua decoração original.
Residência Dr. Moura Ribeiro, Engº Arquiteto Camilo Porto de Oliveira, Belém, 1949
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Residência Dr. Moura Ribeiro, Engº Arquiteto Camilo Porto de Oliveira, Belém, 1949
Residência 1, Engº Arquiteto Camilo Porto de Oliveira, Belém, 1949. Elevação frontal
Residência 1, Engº Arquiteto Camilo Porto de Oliveira, Belém, década de 50. Planta baixa
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Residência 2, Engº Arquiteto Camilo Porto de Oliveira, Belém, década de 60. Elevação frontal
Residência 3, Engº Arquiteto Camilo Porto de Oliveira, Belém, década de 60. Planta baixa
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Residência 3, Engº Arquiteto Camilo Porto de Oliveira, Belém, década de 60. Planta inferior
Residência no Lago Azul, Engº Arquiteto Camilo Porto de Oliveira, Belém, 1957. Foto Patrick Pardini
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Residência no Lago Azul, Engº Arquiteto Camilo Porto de Oliveira, Belém, 1957. Planta baixa
Residência no Lago Azul, Engº Arquiteto Camilo Porto de Oliveira, Belém, 1957. Elevação lateral
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