1 A FOME NO BRASIL: elementos sobre configurações e formas de enfrentamento Leide Rejane Amaral Rodrigues* RESUMO Desenvolvem-se, neste texto, elementos históricos-conceituais da fome enquanto expressão da questão social na sociedade brasileira atual, marcada pelas transformações sociais, econômicas, políticas e etc, decorrentes da necessidade de responder aos apelos do sistema capitalista em vigor. Também, apresentam-se as formas de enfrentamento desta problemática no decorrer da história pelo Estado e pela sociedade brasileira. Palavras-Chaves: Fome. Formas de Enfrentamento. Expressão da questão social. ABSTRACT The development, in this text, historic elements of concepts of hunger while expression of the social question in this society nowadays, marked by social transformations, economical, political etc, by the necessity to answer at the claims of the this capitalist system in vigor. Either, presents the forms of treatment of this problematic in the course of history by the State and by the brasilien society. Keywords: Hunger. Enfrentamento forms. Expression of the social subject. 1 INTRODUÇÃO A partir da década de 1970 o mundo se vê mergulhado numa grande crise político-econômica. O padrão de acumulação capitalista em vigor, fordista-taylorista decai, e a política de regulação keynesianna assentada no trinômio, “trabalho, direito e proteção social pública” do Welfare State está em crise profunda. Surgem como formas de responder a crise, o toyotismo/ flexibilização; nova forma de acumulação capitalista fundamentada na flexibilidade da produção, do consumo e acima de tudo do trabalho; e o neoliberalismo como novo ideal político de regulação da economia. Este cenário de mudanças acarreta conseqüências nefastas ao trabalho, às políticas sociais, e acima de tudo, aos direitos sociais adquiridos; traz o aumento gradativo da desigualdade social, da pobreza, e aprofundamento da questão social. A classe trabalhadora polariza-se, aumenta o desemprego estrutural e o número de trabalhadores sobrantes, que nunca entrarão no mercado de trabalho; na esfera estatal se dá a Reforma do Estado fundamentada na perspectiva neoliberal, consubstanciada pelas políticas de ajuste estrutural do Consenso de Washington; “enxugamento dos gastos governamentais”, * Estudante de Serviço Social/ UFMA São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 2 “política de estabilidade monetária”, “reforma fiscal” e elevação das taxas de juros (IAMAMOTO, 1998). A intervenção do Estado passa ao âmbito da “regulação da produção material e da gestão estatal e privada da força de trabalho”. Modificam-se as relações entre Estado, sociedade e mercado; neste cenário se dão as medidas de ajuste econômico e reformas institucionais: privatizações, sucateamento dos direitos sociais e trabalhistas, a relativização da exploração abusiva do trabalho, e o processo cada vez mais evidente de desarticulação do poder dos sindicatos. Neste contexto há um aumento brusco na população dos indivíduos os quais Paulo Netto (1996) chama de “não-sociedade”, a parcela da sociedade que se vê sem o amparo das políticas sociais, também chamados por alguns de marginalizados, os não-cidadãos, os indigentes. As políticas sociais tornam-se cada vez mais focalizadas, descentralizadas, privatizadas. O Estado se afasta de suas responsabilidades em prol de uma redução dos gastos sociais e transfere para a sociedade civil as tarefas, que até então, lhe cabiam. Aprofundam-se a pobreza e a fome: os indicadores destes problemas nos países subdesenvolvidos, como no caso do Brasil, nos quais não ocorreu o Welfare State, atingem patamares elevadíssimos. Por exemplo, enquanto nos países desenvolvidos sete crianças morrem nos primeiros anos de vida para cada mil crianças, nos países subdesenvolvidos este número cresce para noventa mortes a cada mil crianças (GUILHON, 2001). A fome é uma expressão da questão social que vem se acirrando no decorrer do desenvolvimento do sistema capitalista, vincula-se à pobreza como um produto das desigualdades sociais. É neste sentido que este estudo sobre a temática se desenvolve. 2 A FOME COMO UMA EXPRESSÃO DA QUESTÃO SOCIAL: indicações preliminares A fome, até o período anterior a II Guerra Mundial, em todo o mundo, se tratava de uma questão demasiado chocante para a sociedade. Isto por que, assim como o sexo, falar de fome era tabu. Apenas após experiências brutais, com a morte de mais de 12 milhões de pessoas por fome, nas duas guerras mundiais, este assunto polêmico passa a ser reconhecido com mais importância. Nesse período, a fome estava alastrada em toda a Europa, e os países vitoriosos preocupavam-se com a responsabilidade de alimentar tanto os famintos crônicos, quanto a nova população, de milhões de europeus, que tiveram destruídas suas plantações e sua infra-estrutura. Contudo, a fome é um problema antigo que vem se acirrando na sociedade, à medida que aumentam as desigualdades sociais. Castro (1967), um dos maiores estudiosos do assunto, dizia que a fome é oriunda de problemas na economia de um país e que no Brasil este é um problema endêmico, ou seja, proveniente da alimentação insuficiente às necessidades vitais. No passado era designada São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 3 de forma limitada como “falta de alimentos para a satisfação do apetite e o número de mortos pela fome restringia-se, então, aos indivíduos esquálidos que morriam por completa inanição” (BELIK, 2003, p.10). Vista desta forma, temos a falsa idéia de que a fome era causada simplesmente pela falta de alimentos, um problema ligado à produção e oferta de gêneros alimentícios, por conseguinte, a resolução limitar-se-ia a esfera da produção remetendo-se a agricultura, a pecuária e políticas que garantissem o atendimento à demanda por alimentos. Com esta perspectiva, em 1943 realizou-se a I Conferência de alimentação de Hot Springs que deu surgimento a FAO (Food and Agriculture Organization) um organismo internacional para o desenvolvimento da agricultura e alimentação ligado a ONU (Organização das Nações Unidas); o objetivo da reunião internacional era “garantir, por meio de um mecanismo de cotas e ajuda alimentar, semelhante ao do FMI, que cada país pudesse reerguer sua produção agrícola e alimentar sua população de forma soberana” (BELIK, 2003. p.8). Atualmente a FAO é o organismo mais importante, em nível internacional, no que se refere a políticas de orientação ao enfrentamento da fome. Em todo o mundo se tem discutido a fome, e por este tema ser de grande significado e complexidade, surgiu a necessidade de delimitar alguns conceitos que estão estritamente ligados a esta questão, mas que possuem significados diferentes; destacamos a má nutrição (desnutrição ou subnutrição) e a insegurança alimentar. Existe uma relação entre estes conceitos, “a fome leva a desnutrição, mas nem toda desnutrição se origina da deficiência energética” e, além disso, a desnutrição está mais ligada à pobreza do que a fome. Por exemplo, pessoas com baixa renda familiar, geralmente, não tem as condições necessárias para obter alimentos que supram todas as suas demandas nutricionais, mesmo que não passem fome. A fome e a má nutrição são ameaças à vida e a dignidade das pessoas, não podem ser vistas por um só enfoque, mas em sua dimensão global. Como diz Valente (2003), não se pode olhar estritamente a partir “da dimensão econômica (falta de renda), alimentar (disponibilidade de alimentos) ou biológica (estado nutricional)”, mas por todo este conjunto de fatores. O conceito de má nutrição oriundo da área de saúde refere-se às manifestações corpóreas - clinica, antropométrica e laboratorialmente constatáveis – decorrentes da interação de uma complexidade de determinantes do estado nutricional, tais como: grau de segurança alimentar domiciliar, cuidados ao nível familiar e comunitário; condições de vida e qualidade de serviços de atenção à saúde. (UNCC/SNC, 2000 apud VALENTE, 2003, p.19). Destarte, a má nutrição pode ser uma manifestação comprovável da fome e da pobreza, mas nem sempre exclusiva destes fatores. A fome como problema social decorre da falta do consumo de alimentos, necessário, continuo e digno. A pessoa pode até se alimentar todos os dias, e ter suprido a necessidade fisiológica da alimentação, mas se para São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 4 isso tem que recorrer aos lixões, a mendicância, ou comer menos que o necessário a sua condição de ser humano; permanece em situação de fome ou insegurança alimentar, tendo, por conseguinte problemas na sua nutrição. Em todos estes casos, fome, desnutrição e insegurança alimentar; o “organismo perde as potencialidades físicas, intelectuais e sociais”.(PONTIFÍCIO CONSELHO “COR UNUM”, 1996). Existe uma grande dificuldade de mensurar a quantidade de pobres/indigentes no país, atualmente toma-se por referência, a mais atualizada pesquisa nesta área, a Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílios (Pnad) do IBGE, de 1999, atualizada em 2001, que adotou a metodologia do Banco Mundial, ou seja, a definição de uma linha de pobreza, considerando pobres as pessoas que ganham menos de US$ 1,08 por dia. No Brasil, todavia considera-se que a renda familiar não está destinada somente aos bens de consumo. De acordo com a “linha de pobreza média ponderada para o Brasil”, R$ 71,53 por pessoa, indica-se a existência de 46 milhões de indivíduos com renda de R$ 39,11; milhões de famílias em situação de indigência. E, como estamos expondo, a fome é uma questão social que vem se acirrando no decorrer do desenvolvimento do sistema capitalista e que está extremamente ligada à pobreza e a desigualdade social. De acordo com o PNUD (2000) a desigualdade social no Brasil é uma das maiores do mundo, os 10% mais ricos do país tem uma renda trinta vezes maior do que os 40% mais pobres (WOLFF, 2002). A pobreza e indigência tem no Brasil um dos números mais expressivos, em duas décadas (1977/1998) o número de indigentes, baseando-se na referência de US$ 1 por dia caiu de 16,3% para 13,9%; e de pobres (US$ 2 por dia) de 39,6% para 32,7%, ou seja uma queda irrisória, tendo em vista os alto índices demonstrados. O nordeste concentra 30% da população brasileira e 63% dos indigentes do país. (GUILHON, 2001) A concentração fundiária também tem altos índices; 1% dos maiores estabelecimentos tem 42% da área total ocupada e apenas 3% dos estabelecimentos menores tem 53% da área ocupada. Existem 176 milhões de hectares de terra improdutivas (35.000 latifúndios), e em contrapartida 5 milhões de famílias sem terra (WOLFF, 2002). De acordo com o relatório da CEPAL (2000) na década de 1990 houve uma diminuição de 48% do número de empregos da indústria. Pochmann (2000 in GUILHON 2001) estima que em 1999 o número de desempregados chegava a 7 milhões de pessoas. A ONU (2002) no relatório sobre a situação de fome no Brasil constatou que um em cada três brasileiros sofre de desnutrição, índice considerado um dos maiores do mundo, e que a maior causa deste fenômeno seria a desigualdade social; este estudo foi realizado pelo relator da ONU, o suíço Jean Ziegler. E ainda, 55 milhões de brasileiros são pobres e 21 milhões estão abaixo da linha de pobreza, sendo que a fome e a miséria têm seus maiores quadros no Nordeste e Sudeste. Para as Nações Unidas o Brasil como um dos maiores exportadores agrícolas do mundo, tem uma produção de alimentos capaz de São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 5 alimentar toda a sua população. O país teria uma quantidade de alimentos suficiente para suprir as necessidades calóricas em até 2,9 quilocalorias por dia para cada um dos seus milhões de habitantes, contudo 16 milhões de pessoas vivem com menos de 259 calorias por dia no Brasil, um índice muito aquém do valor estipulado pela ONU como o mínimo para a sobrevivência (1,9 Kcal/ por dia). A ONU também destacou que os maiores obstáculos para acabar com a fome no país seriam o salário mínimo, “insuficiente para que uma pessoa possa comprar o mínimo necessário pra se alimentar em um mês”, e outro seria a falta de acesso à terra que impede o desenvolvimento da agricultura familiar. Em relação à fome desencadeiam-se manifestações, embates e lutas, tanto dos setores dominantes, quanto da classe subalterna em busca de soluções às situações enfrentadas. No decorrer da história brasileira comparecem uma multiplicidade de formas de enfrentamento. Ainda no século XIX e decorrer do século XX houve diversas lutas sociais lideradas pelas classes populares, muitas classificadas como revoltas ou “insubordinações”, não se percebia a problemática que estava por traz destas manifestações. Bonfim (2000) destaca algumas destas lutas revelando que há muito tempo a exploração, a pobreza, a desigualdade social, e como conseqüência a fome, fazem parte do cenário de nosso país. Dentre estas dá enfoque às Sociedades Mutualistas (meados do século XIX), à Revolta de Ibicaba (1851), ao Protesto contra a alta de gêneros alimentícios em Salvador (1858), à Revolta contra comerciantes estrangeiros e os altos preços das mercadorias importadas e o baixo valor das mercadorias nacionais; ao Movimento do quebra-quilos (1862), às Lutas por melhorias salariais e de condições de vida da classe operária nos centros urbanos e lutas no campo no inicio do século XX; ao Comício contra a carestia, 20 de fevereiro de 1913; aos Atos contra o desemprego e a carestia no Rio de Janeiro e São Paulo em 1914; ao Movimento de comitês do combate a fome (RJ) em 1918, ao Movimento do cangaço (1925-1938), a “Marcha da Fome” (Rio de Janeiro-1931). Em 1946 a “Campanha popular Contra a Fome”; entre 1951 e 1953 em São Paulo as “Passeatas da panela vazia”; em 07 de agosto de 1963 acontece o “Dia nacional de protesto contra a carestia”; em 1973 o “Movimento contra o custo de vida” em São Paulo, em 1980 o I Congresso Nacional de luta contra a Carestia. Com relação às formas de enfrentamento por parte do Estado, verifica-se no Brasil, que apenas com o fim da Segunda Guerra mundial travam-se a primeira discussão sobre Segurança alimentar, inicialmente voltadas as políticas de abastecimento alimentar e de desenvolvimento agrícola. Com a crise do capital na década de 30, o Brasil passa a priorizar o crescimento da produção interna industrial há uma grande migração da população para os centros urbanos, e como seqüela o inchaço das cidades, e o aumento das questões sociais, entre elas a do abastecimento alimentar. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 6 Neste período estamos vivendo a ditadura Vargas, cuja principal estratégia política estava em elevar a produtividade agrícola do país, com esse fim criou-se a CRT (Comissão reguladora do Tabelamento) em 1938. Em 1939 criou-se a Comissão de Abastecimento (CA), cuja função resumia-se em formular inventários de produtos e controlar preços. Em 1940 surge o Serviço de Assistência da Previdência Social (SAPS) para a “distribuição de gêneros de primeira necessidade aos trabalhadores, atendimento do público geral através de restaurantes populares” (SILVA, 2004, p.4). Em 1942 cria-se a Coordenação de Mobilização Econômica (CME) restrita ao imediatismo no abastecimento e ao congelamento de preços. Em 1943 a Comissão de Financiamento da Produção (CFP), para financiar e classificar produtos, além de controlar a armazenagem e a comercialização. Em 1943 é criado o Serviço de Alimentação Social cuja função era propor medidas para a melhoria alimentar. Em 1945 surge a Comissão Nacional de Alimentação para verificar “o perfil alimentar da população”; em 1946 o governo brasileiro alia-se ao recém criado UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) para buscar soluções à alimentação das crianças do Brasil; em 1951 instituiu-se a Comissão Federal de Abastecimento e Preços (COFAP); em 1954 surge o Programa Nacional de Alimentação Escolar; em 1957 a Comissão Consultiva de armazéns e Silos voltada para o fim de controlar o abastecimento alimentar (BONFIM, 2000). Na década de 60 surgem novos órgãos com a finalidade de modernizar e tornar mais eficiente o sistema de abastecimento alimentar: a Superintendência Nacional de Abastecimento (SUNAB), a Companhia Brasileira de Alimentos (COBAL), a Companhia Brasileira de Armazenagem (CIBRAZEM) e a Comissão de Financiamento da Produção (CFP). (SILVA, 2004). No governo Médici em 1972 cria-se o INAN (Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição) “coordenador da política nacional de alimentação e nutrição”. Em 1973 e 1974 são criados o I e o II Programa Nacional de Alimentação e Nutrição para suprir as necessidades alimentares de “grupos materno-infantis, escolares e trabalhadores” (BONFIM,2000). Apenas na década de 80, surgiram às primeiras propostas de segurança alimentar como uma política nacional. Neste período a organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) indica uma nova concepção de segurança alimentar baseando-se no nível e estabilidade de alimentos. Nesta mesma época o Banco Mundial também formula outra concepção, “direito de acesso a provisão de alimentos de qualidade, em termos nutricionais, biológicos, sanitários e tecnológicos, respeitando-se os aspectos culturais envolvidos”.(SILVA, 2004, p. 8). De 1984 a 1988, no governo da Nova República entram em vigor vários programas voltados à alimentação: Programa de Alimentação Popular (PAP), Programa Nacional do Leite (PNL), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Programa de Nutrição e Saúde e o e Programa de Complementação Alimentar (PCA). Em 1986 acontece São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 7 no Brasil à primeira Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição que resultou na criação do Conselho Nacional de Alimentação e Nutrição (CNAN) e do Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) são os primeiros passos para uma apropriação da concepção de segurança alimentar enquanto acesso a alimentos em quantidade e qualidade suficiente; contudo, esta novidade limitou-se a ideais e discursos. Em 1993 o sociólogo Herbert de Souza e outras grandes personalidades da sociedade brasileira deram margem ao movimento pela ética na política que resultou no pedido de impeacheament do presidente Fernando Collor de Melo, e seguindo o contexto de indignação com a situação política, econômica e social do país nasceu a Ação da cidadania, que tinha como motivação fundamental, “a certeza de que democracia e miséria eram incompatíveis. A indigência havia alcançado níveis alarmantes, agravando ainda mais o quadro de pobreza que sempre caracterizou a realidade brasileira” (AÇÃO DA CIDADANIA, 2004). A ação da cidadania organizava-se com base em mais de 3.000 comitês locais expandidos por todo o Brasil, a palavra de ordem era solidariedade, ou seja, ações de solidariedade voltadas para a parcela pobre da população. Neste período há um acirramento nas discussões sobre Segurança Alimentar no Brasil, e o Governo Paralelo propõe uma Política Nacional de Segurança Alimentar, na qual “previa uma abordagem estrutural da questão da fome e da miséria com propostas de ação a curto, médio e longo prazo” (PFZ, p.23). Em maio de 1993 no Governo Itamar Franco criou-se o CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar), diretamente ligado a presidência da república e integrado por 8 ministros e 21 representantes da sociedade civil; “os quais coordenariam a elaboração e a implantação do Plano Nacional de Combate à Fome e à Miséria dentro dos princípios da solidariedade, parceria e descentralização.” (BELIK, 2003) Em 1994, o CONSEA e a Ação da cidadania organizaram a Conferência Nacional de Segurança Alimentar cujos principais marcos foram a identificação da concentração de renda e da riqueza como as principais causas da fome no Brasil. Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso (FHC) este conselho (CONSEA) foi extinto e substituído por um “conselho consultivo do Programa Comunidade Solidária”; enfatizaramse as políticas de orientação neoliberal na perspectiva de estabilizar a economia brasileira, o país inseri-se na demanda de globalização e as políticas sociais passaram a ter um papel secundário na ordem das agendas político-econômicas dos países, principalmente os latinoamericanos, ou então se tornaram “subordinadas” aos interesses do capitalismo. De acordo com Silva (2004), no governo FHC as políticas sociais se limitaram a um cunho imediatista com o objetivo tácito de a “curto prazo” atender a “política de estabilização de preços dos alimentos”. Nas eleições de 2002 o candidato Luis Inácio Lula da Silva foi eleito, logo no inicio do mandato, em 30 de janeiro de 2003, lançou o Programa Fome Zero (PFZ), carro São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 8 chefe entre as suas propostas de governo. O PFZ apresenta um conjunto de políticas articuladas entre si, tendo como foco a Segurança alimentar, entendida como a garantia a todos os brasileiros de acesso a uma alimentação adequada à sobrevivência e a saúde em termos de “quantidade, qualidade e regularidade” tem como uma de suas metas respostas emergenciais, todavia propõe mudanças estruturais mediante ações no sentido de elevar o nível de emprego e distribuição de renda (PFZ, versão 3, 2001). O programa busca envolver todas as esferas de governo (federal, estadual e municipal) e todos os ministérios e ainda a sociedade civil (Ong’s, igrejas, sindicatos, clubes e etc). com esta proposta a sociedade espera que as políticas de enfrentamento a fome tornem-se verdadeiramente políticas sociais. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Na busca de gerar políticas de suprimento alimentar os organismos internacionais percebem que a fome era um problema que está além da oferta, na medida em que existem produtos alimentícios suficientes para alimentar toda uma população e a fome continuava a se alastrar. E é a partir deste indício que a alimentação passou a ser incorporada como direito humano básico, tendo em vista, que a vida e a saúde só poderão ser verdadeiramente plenas a partir da garantia dos meios necessários à sobrevivência, entre eles a alimentação. A incorporação da alimentação como direito humano que deve ser garantido a todos, ganhou respaldo a partir de vários tratados internacionais (Pacto Internacional dos Direitos econômicos, sociais e culturais e a Declaração Universal dos Direitos Humanos), e no Brasil através da legislação nacional (Constituição Federal 1988, Estatuto da criança e do adolescente e etc). Atualmente, as políticas sociais de enfrentamento a fome e a pobreza permanecem na superficialidade, a alimentação como direito humano básico deve ser garantida de forma soberana. REFERÊNCIAS AÇÃO DA CIDADANIA CONTRA A FOME, A MISÉRIA E PELA VIDA. Comitê Rio. Disponivel em <http://açãodacidadania.infolink.com.br/templates/acao/ publicacao_list.asp?_canal=2>acesso em 25 11 2004 BELIK, Walter. Segurança Alimentar: a contribuição das universidades. São Paulo: Instituto Ethos, 2003. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 9 BONFIM, João Bosco Bezerra. As políticas públicas sobre a fome no Brasil. 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