instrumentos de política agrícola e mudanças institucionais

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INSTRUMENTOS DE POLÍTICA AGRÍCOLA E MUDANÇAS INSTITUCIONAIS
[email protected]
APRESENTACAO ORAL-Instituições e Desenvolvimento Social na Agricultura e
Agroindústria
1
ANGELICA MASSUQUETTI ; OSMAR TOMAZ DE SOUZA2; LEONARDO ALVIM
BEROLDT3.
1.UNISINOS, SÃO LEOPOLDO - RS - BRASIL; 2.PUCRS, PORTO ALEGRE - RS BRASIL; 3.UERGS, SÃO FRANCISCO DE PAULA - RS - BRASIL.
INSTRUMENTOS DE POLÍTICA AGRÍCOLA E MUDANÇAS
INSTITUCIONAIS
Grupo de Pesquisa: Instituições e Desenvolvimento Social na Agricultura e
Agroindústria
Resumo: O objetivo do artigo é analisar o contexto político-econômico de criação dos
principais instrumentos de política agrícola no Brasil, desde a implantação do PAEG (196466) até o Plano Real (1994), a partir da análise das mudanças institucionais. A pesquisa
possibilitou identificar que a ação do governo federal, nesse período, buscava estimular o
processo de modernização da base técnica da agricultura, pois era necessário que o setor
agrícola acompanhasse o processo de modernização da economia. Para tal, os principais
mecanismos utilizados foram o crédito rural, os preços mínimos, a pesquisa e a extensão rural.
Como resultado, verificou-se a real modernização da estrutura produtiva agrícola sem,
contudo, alterar a sua estrutura agrária. Com o esgotamento das fontes tradicionais do crédito
rural, provocado pelo agravamento da crise fiscal brasileira nos anos oitenta, houve um
aumento da participação de novas fontes de recursos, que tinham sido captados na iniciativa
privada para o financiamento da atividade agrícola no país.
Palavras-chave: SNCR; PGPM; política agrícola; crise fiscal; instituições.
AGRICULTURAL POLICY INSTRUMENTS AND INSTITUTIONAL CHANGES
Abstract: The article aims to analyze the political, economic and institutional context of
creation of instruments for agricultural policy in Brazil in the period 1964/1994. We examine
the main institutional changes of that period and also the Federal Government action to
stimulate the modernization of Brazilian agricultural sector. The main mechanisms used were
rural credit, the minimum prices, research and extension. As a result, there was a real
modernization of the productive structure in agricultural sector but its agrarian structure didn’t
change. During the last fifteen years, the fiscal crisis affected the traditional sources of rural
credit and the sector faced the rising of new sources of funds, especially with an increasing
share from private sector.
Keywords: National System of Rural Credit; Minimum Price Policy; agricultural policy;
fiscal crisis; institutions.
1 INTRODUÇÃO
Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
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As formas de financiamento evoluíram e se adaptaram de acordo com o contexto
econômico do país, em cada período. Assim, afirma-se que a modernização das formas de
financiamento rural acompanha a própria modernização dos segmentos econômicos e
políticos. Como há uma integração do setor agrícola aos demais setores, principalmente o
financeiro e o industrial, a agricultura tem uma relação de dependência com a conjuntura
econômica, tornado-se influenciada pela mesma. Essa dependência entre a agricultura e a
conjuntura econômica demonstra a importância da caracterização de cada período específico
do financiamento agrícola, relacionando-o com as circunstâncias concernentes a sua gênese
para, dessa forma, compreender as suas peculiaridades.
Assim, o objetivo do artigo é analisar o contexto político-econômico de criação dos
principais instrumentos de política agrícola no Brasil, desde a implantação do PAEG (196466) até o Plano Real (1994), a partir da análise das mudanças institucionais. Em virtude da
natureza do trabalho proposto, realizou-se um estudo histórico-descritivo sobre as diferentes
formas de financiamento da agricultura brasileira e as suas relações com as políticas
macroeconômicas adotadas pelo país no período 1964-1994.
Nesse artigo, as três décadas de análise são subdivididas em três fases, cada uma delas
correspondendo a uma seção. A primeira delas (seção 2) compreende o período 1964-1979,
que é vista como a fase da modernização agrícola brasileira, consolidada pelo Sistema
Nacional de Crédito Rural (SNCR), e que marca profundas transformações na estrutura
institucional de financiamento do agrícola do país. A segunda fase (seção 3) corresponde aos
anos 1980, período que representa o esgotamento do modelo anterior e a ascensão das novas
formas de financiamento, especialmente da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).
A terceira fase (seção 4) é aquela que representa a desestruturação do aparato institucional
público de financiamento e o aumento da atuação do setor privado que se dá nos anos 1990.
Por fim, as Considerações Finais trazem reflexões adicionais sobre a relação entre as
mudanças institucionais indicadas e o funcionamento da política de crédito no país.
2 ANOS SESSENTA E SETENTA: O MOMENTO DA MODERNIZAÇÃO
AGRÍCOLA
O início dos anos sessenta foi caracterizado por um processo de estagnação da
economia brasileira. De acordo com Martone (1975, p.70), algumas distorções podem ser
consideradas como responsáveis por esse cenário e também como causas da impossibilidade
de uma recuperação da própria economia: “(a) o processo inflacionário crescente que
acompanhou todo o esforço de industrialização; (b) o próprio sentido da industrialização, que
se fez mediante técnicas intensivas de capital e a baixo índice de absorção de mão-de-obra; (c)
aumento vertiginoso da participação do setor público da economia; (d) a relativa estagnação
do setor agrícola do ponto de vista da produtividade”. No que se refere ao aspecto da
produtividade agrícola, esse fato provocou um relativo atraso no processo de modernização do
setor, já que os excedentes gerados estavam sendo utilizados para financiar os investimentos
em outro setor: o industrial.
A partir de 1964 houve uma alteração no caminho que estava seguindo a economia
brasileira. O novo governo, instaurado com o golpe militar, passou a ter uma maior
preocupação com a modernização do país e, consequentemente, com a modernização do setor
agrícola. A política econômica adotada – o Programa de Ação Econômica do Governo
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(PAEG) – foi orientada para consolidar uma estratégia de crescimento no período 1964-1966
e, por sua vez, promover um plano de longo prazo, como afirmou Resende (1990). As
medidas adotadas nesse plano econômico tinham a face ortodoxa, já que a orientação era
reduzir os gastos públicos, elevar a carga tributária e conter o crédito e os aumentos salariais.
A estabilização da economia estimularia a entrada de investimentos externos e a própria
poupança privada, permitindo a retomada do crescimento econômico. Entretanto, a
reformulação do sistema financeiro do país seria necessária, como indicou Mello e Belluzzo
(1983).
A realidade vivida pelo setor agrícola no início dos anos sessenta era caracterizada
pela insuficiência de crescimento da produção voltada para o mercado interno, gerando crise
de abastecimento em determinados instantes; pelo crescimento da produção obtido via
elevação extensiva do uso da terra; pela pressão sobre os preços pagos pelos consumidores,
pois a produção era realizada em áreas cada vez mais distantes dos centros consumidores e
havia a falta de uma eficiente infra-estrutura de transporte e de abastecimento; pela
incapacidade de expansão e de diversificação da agricultura voltada para o mercado externo,
principalmente, em razão da política cambial; pela estrutura fundiária que em alguns
momentos impossibilitava o uso de máquinas, como é o caso dos minifúndios, ou de mão-deobra e de terras de forma eficiente, como é o caso dos latifúndios; pela falta de um nível
cultural, por parte dos proprietários e trabalhadores rurais, adequado para a aceitação e a
incorporação de técnicas modernas de produção; e pela falta de uma definição precisa do
papel que a agricultura deveria desempenhar no conjunto da economia (BRASIL, 1964).
Nesse sentido, algumas metas foram determinadas para sanear os problemas presentes
no setor agrícola e para promover o seu desenvolvimento como, por exemplo, a expansão da
produção agrícola voltada para o mercado interno e externo (alimentos, matérias-primas e
substituição de importações) e o treinamento para os trabalhadores rurais. No que se refere ao
aspecto da oferta de produtos primários, as medidas de curto prazo estavam voltadas para a
utilização de fertilizantes, a expansão de aviários, a melhoria de sementes, a ampliação da
atividade pesqueira, o planejamento do sistema de armazenamento e de distribuição de grãos
e o controle dos preços, entre outros. As medidas de longo prazo estavam direcionadas para a
consolidação de uma política de crédito, de preços, de pesquisa e de extensão, para o
incentivo na utilização de “insumos modernos” e para a ampliação da capacidade de
armazenamento, ou seja, tinham como objetivo expandir a produção.
O papel do setor agrícola, nessa fase do desenvolvimento da economia brasileira,
estava definido: deveria fornecer alimentos e matérias-primas para o mercado interno, ampliar
o volume de exportações para, dessa forma, gerar divisas para permitir a importação de bens
necessários à continuidade do processo de substituição de importações e, ainda, realocar a
mão-de-obra que não estava sendo absorvida no setor secundário. A forma de se conseguir
que a agricultura cumprisse essas funções seria por meio do seu processo de modernização
(via “insumos modernos”) e, consequentemente, de aumento da produção.
O modo encontrado para permitir o êxito dessa estratégia foi a institucionalização do
crédito rural mediante a criação do SNCR (Lei 4.829, de 05.11.1965, sendo regulamentada
pelo Decreto-Lei 58.380, de 10.05.1966). O crédito rural destinou-se aos investimentos em
armazenamento, beneficiamento e industrialização dos produtos de origem agrícola; ao
custeio da atividade e ao processo de comercialização; e à utilização de “insumos modernos”,
com o intuito de gerar uma elevação da produtividade, entre outros. Os produtores rurais e as
cooperativas passaram a ter acesso aos recursos com taxas de juros e prazos mais adequados
com a realidade do meio rural. Esses recursos do crédito rural eram oriundos, principalmente,
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das aplicações compulsórias dos bancos comerciais e dos recursos provenientes das
Autoridades Monetárias (FÜRSTENAU,1987).
Apesar de o SNCR ter como objetivo promover a intensificação do desenvolvimento
do setor rural brasileiro, os resultados não foram homogêneos, já que o crédito concentrou-se
em algumas regiões, culturas e grupos de produtores, principalmente, os grandes produtores
de produtos destinados ao mercado externo. Essa concentração do crédito, nas diversas
dimensões, pode ser percebida a partir de alguns dados: a) apenas 8,3% dos estabelecimentos
rurais participavam do SNCR em 1970, sendo que em 1975 esse valor elevou-se para 14,4%
(ARAÚJO, 1983); b) o Banco do Brasil favorecia, no fornecimento de crédito, os médios e os
grandes proprietários (REGO, 1980); c) os produtos de exportação eram os mais beneficiados,
já que, por exemplo, 40,4% do crédito de custeio era destinado, em 1976, ao café, à cana-deaçúcar e à soja e 13,2% era voltado apenas para o trigo nesse mesmo ano (REGO, 1980); e d)
a concentração por região ocorreu no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste (REGO e WRIGHT,
1981) e os estados que mais receberam o crédito, em 1975, foram São Paulo (19,7%), Rio
Grande do Sul (18,6%), Paraná (13,9%), Minas Gerais (13%) e Goiás (7,1%) (ARAÚJO,
1983).
O crédito rural teve a característica, nos anos sessenta e setenta, de possuir subsídio
implícito. Esse, por sua vez, foi um motivo relevante para o crescimento da agricultura, no
nível da produção, da produtividade e da modernização de sua base técnica. Conforme
Albuquerque e Nicol (1987), o crédito rural foi o mais importante instrumento usado pelo
governo federal para se chegar aos objetivos propostos para o setor. Em relação ao aspecto do
subsídio, Sayad (1984, p. 96) destacou que “[...] no período 1968-74, o Sistema Nacional de
Crédito Rural foi caracterizado pelo rápido crescimento das disponibilidades de recursos, ao
mesmo tempo que os subsídios do programa se reduziam, em decorrência da redução da taxa
de inflação”. Os subsídios elevaram-se a partir desse momento, pois ocorreu um aumento da
inflação e as taxas de juros mantiveram-se constantes. Apenas a partir de 1977 é que houve
uma redução dos subsídios com o ajustamento das taxas de juros praticadas.
Fundou-se uma etapa de expansão da atividade econômica após a adoção da política
de estabilização proposta no PAEG, sendo conhecido esse período como o “milagre
brasileiro”. Essa fase foi caracterizada, durante os governos de Costa e Silva e de Emílio G.
Médici, pelo reinício dos investimentos públicos e privados, principalmente, na construção
civil e na indústria de bens de consumo duráveis (esses investimentos estimularam outros
setores, como de bens de consumo não-duráveis e de bens de produção). A concentração de
renda e a elevação do endividamento familiar possibilitaram a demanda por bens de consumo
duráveis, como indicou Serra (1983).
Mesmo com o crescimento econômico sendo um fato nesse período, a agricultura
voltada para o mercado interno teve um atraso em razão, de acordo com Serra (1983, p. 93),
“[...] ao já mencionado crescimento mais que proporcional das exportações, cujo peso na
produção agrícola total passou de 12,0 para 18,6 por cento entre 1966/67 e 1973. Ou seja, na
prática, não obstante a decantada oferta ‘infinitamente elástica’ de terras e mão-de-obra, a
produção de ‘exportáveis’ substitui produção de alimentos para o consumo doméstico”. Outro
aspecto destacado pelo autor foi que a reduzida produção de alimentos e de matérias-primas
(mercado interno) provocou uma pressão sobre a inflação, causando um aumento nos custos
de produção.
Tratando-se da modernização da atividade agrícola no contexto do “milagre
brasileiro”, Serra (1983, p. 93-94) argumentou que
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[...] afora as condições relativamente favoráveis da demanda externa e a política de
minidesvalorizações (que incentivou as exportações agrícolas), outros fatores de
peso contribuíram para explicar a evolução indicada, começando pelas
características do processo de relativa ‘modernização’ que envolveu a agricultura
brasileira desde os anos 50. Essa modernização, a nível tecnológico, beneficiou
fundamentalmente as culturas do café, algodão, cana-de-açúcar, soja, laranja, batata
e trigo, os cinco primeiros produtos de exportação. E foram estas culturas que
puderam então desfrutar dos subsídios concedidos aos insumos químicos e que
sofreram um processo de mecanização mais acentuado. Contribuiu no mesmo
sentido a concentração do crédito rural especialmente em torno dos produtos citados
e para os grandes proprietários, em função das maiores garantias que podem
oferecer.
Outros autores que confirmaram que o processo de modernização desse período
favoreceu os produtores que se dedicavam a produzir os produtos voltados para o mercado
externo foram Mello e Belluzzo (1983, p.149), como se pode constatar nesse trecho:
[...] as transformações da agricultura brasileira, do mesmo modo, foram bastante
afetadas pela necessidade de um bom desempenho do setor externo. Tratava-se de
estimular a todo o custo a diversificação das exportações agrícolas, o que foi feito
através de fixação de preços mínimos sistematicamente favoráveis aos artigos com
cotação no mercado internacional, concessão de crédito fortemente subsidiado etc.
Ao longo do “milagre brasileiro”, os planos econômicos propostos foram o Plano
Estratégico de Desenvolvimento (1968-70), o Metas e Bases para a Ação de Governo (197073) e o I Plano Nacional de Desenvolvimento (1972-74). A agricultura deveria, por meio do
aumento da produção, participar do processo de crescimento econômico. A expansão do setor
seria viabilizada com a modernização da atividade e a incorporação de novas regiões (regiões
de fronteiras) ao mercado. Contudo, a agricultura voltada para o mercado interno continuou
apresentando um atraso relativo, provocando uma pressão sobre o processo inflacionário. E,
ainda, havia o estímulo à integração do produtor rural aos demais segmentos do complexo
agroindustrial (indústrias a montante e a jusante), viabilizada mediante os recursos do SNCR.
O primeiro plano identificou que o setor agrícola continuava atrasado em relação ao setor
urbano-industrial. A partir do segundo, de acordo com o diagnóstico da economia brasileira, a
agricultura não era mais um obstáculo ao crescimento. O processo de modernização, proposto
em todos eles, tinha como principais instrumentos o crédito rural, os preços mínimos, a
pesquisa e a extensão etc. (GONÇALVES NETO, 1997).
A partir de 1974 houve um período de redução no movimento de crescimento da
economia brasileira com a volta do processo inflacionário. A solução adotada pelo governo
Ernesto Geisel foi a de uma resposta à crise por meio de uma estratégia de crescimento com a
implantação, nesse mesmo ano, do II Plano Nacional de Desenvolvimento. Esse plano
buscava superar os obstáculos internos e externos do crescimento econômico, promovendo a
conclusão do parque industrial no Brasil. Contudo, alguns efeitos negativos desse processo
foram, por exemplo, o recrudescimento da inflação e a elevação da dívida externa e interna,
obrigando a implantação de um ajustamento estrutural na década seguinte.
Com a expansão da inflação, os financiamentos com taxas de juros subsidiadas foram
reduzidos. Uma das principais fontes de recursos para o financiamento da atividade, os
empréstimos à vista, também sofreu uma redução com o processo inflacionário. A saída
encontrada pelo governo para possibilitar a continuidade do custeio foi por meio da expansão
da base monetária. No entanto, a partir do final da década de 1970, as políticas
macroeconômicas tinham como meta a estabilização da economia e esse mecanismo não era
adequado nesse contexto (PARES, 1990).
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A partir de 1979 houve um novo rumo na política agrícola, como Silva e Massuquetti
(2001, p.15) salientaram: “Houve a elevação e a diversificação das taxas de juros; o
beneficiamento dos pequenos proprietários e das regiões mais carentes, como Norte e
Nordeste; a exigência na maior participação dos recursos próprios dos agricultores; e o
favorecimento do crédito de custeio em relação ao crédito de investimento”.
De acordo com Pares (1990), as políticas agrícolas dos governos militares foram
condicionadas pelas políticas macroeconômicas, em especial, pelas políticas de restrição
monetária, em que foram atreladas as políticas de subsídios ao crédito à política comercial do
país. As políticas agrícolas provocaram profundas mudanças na organização produtiva da
agricultura brasileira. O objetivo de modernização da agricultura visava capitalizar o campo.
Esse foi cumprido, expandindo o setor agrícola, porém, concentrando a renda do setor
primário. No fim da década de 1970 e no início da década seguinte, o crédito tornou-se
escasso e os incentivos e subsídios foram reduzidos, transformando a década de 1980 em um
período recessivo para o campo.
Com o novo contexto macroeconômico, no final dos anos setenta, ocorreu a redução
do volume de recursos do governo federal para o financiamento da atividade agricultura em
razão das políticas de estabilização econômica, que pretendiam conter a inflação e o déficit
público. Foi a partir dessa nova realidade que a PGPM começou a ser utilizada mais
ativamente, buscando garantir a rentabilidade dos produtores rurais e o crédito para a
comercialização dos produtos. E, além disso, a administração dos recursos escassos do
governo o obrigou a ter uma atuação por produto e não mais sobre o setor agrícola como um
todo.
Assinalando-se os instrumentos do governo federal, dentro do objetivo de modernizar
a agricultura brasileira, aponta-se que, nas décadas de 1960 e 1970, foi desenvolvida uma
pesquisa rural que proporcionou o desenvolvimento de técnicas para o setor e um serviço de
extensão rural e assistência técnica que difundiu os resultados das pesquisas sobre técnicas
desenvolvidas (a Extensão Rural foi criada em 1948). Além disso, o crédito rural viabilizou a
aplicação dessas novas técnicas, cuja garantia da renda para os produtores foi mantida a partir
da PGPM e a garantia mais geral para o setor obtida via Programa de Garantia da Atividade
Agropecuária (PROAGRO), criado em 1973. As tecnologias avaliadas pelo governo como
sendo adequadas ao produtor eram mais facilmente aplicadas, pois o seguro proporcionava a
garantia de frustrações de safras. O PROAGRO tinha o intuito de “encorajar” o agricultor a
adotar novas técnicas de produção e a dirigir a produção para produtos comerciais. Sendo
assim, foi possível, através desses instrumentos, fazer com que a agricultura cumprisse seu
papel de absorvedora da produção da indústria de bens de capital emergente, além de cumprir
o papel de fornecedora de matérias-primas e alimentos para o setor urbano-industrial. Cabe
salientar que tal desenvolvimento da agricultura se deu apenas em nível agrícola, promovido
para uma pequena parcela de produtores rurais, caracterizando, dessa forma, a dita
“modernização conservadora” do setor no Brasil.
Um último aspecto a destacar é a impossibilidade de encontrar uma forma de
desenvolvimento da agricultura brasileira sem o amparo do governo federal. Os significativos
avanços que o setor obteve foram consequência de uma política ativa das autoridades oficiais.
Essas, enquanto tiveram recursos, mantiveram sua ajuda com programas de incentivos e de
financiamentos subsidiados aos agricultores, visivelmente a alguns poucos detentores de
grandes extensões de terras e de poder de barganha junto aos aplicadores de políticas
agrícolas. A estratégia de continuidade do processo de crescimento econômico estava inserida
nos objetivos dos planos econômicos do governo federal no período 1964-1979. Pretendia-se
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romper com os estrangulamentos desse processo e criar mecanismos capazes de apoiar o
crescimento da economia. O crescimento da economia brasileira e, especificamente, da
agricultura, nas décadas de 1960 e 1970, mostrou a eficácia da estratégia utilizada pelo
governo de modernização dos segmentos econômicos.
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3 ANOS OITENTA: O ESGOTAMENTO DAS FONTES TRADICIONAIS DE
FINANCIAMENTO AGRÍCOLA
A década de 1980 teve um início conturbado em razão, principalmente, do segundo
choque do petróleo, em 1979, e de suas consequências, ocasionando uma reação nos países
capitalistas no sentido de superar a crise por meio de uma política recessiva, como a elevação
das taxas de juros. Os efeitos sentidos na economia brasileira, além do próprio aumento das
taxas de juros, se deram também na elevação do valor das importações, na alta da inflação e
no aumento da dívida externa, entre outros. Contudo, os primeiros anos dessa década também
foram marcados pela maturação de projetos implantados em períodos anteriores,
possibilitando uma ampliação da infra-estrutura e do parque industrial brasileiro, como
apontou Brum (1997), e gerando uma redução da dependência externa por produtos
industrializados e uma diversificação da pauta de produtos exportados (exportação de
produtos industrializados).
A política econômica adotada pelo primeiro governo dos anos oitenta, o governo João
Figueiredo, foi direcionada para promover o controle da inflação, num primeiro momento
(Programa Emergencial em 1979), e estimular a retomada do crescimento no momento
seguinte (III Plano Nacional de Desenvolvimento em 1980-1985). As políticas voltadas ao
setor agrícola tinham o objetivo de promover o desenvolvimento do setor. A sugestão de uma
política recessiva, proposta no início do governo, para controlar a inflação foi substituída pela
estratégia de manter o crescimento independente das condições econômicas internacionais.
Contudo, a sua manutenção não foi possível devido ao contexto econômico, impondo a
adoção de uma política de desvalorização cambial que, por sua vez, estimulou as exportações
(as importações tornaram-se elevadas devido à importação do petróleo, sendo necessário obter
recursos externos para financiá-las). Ao final do segundo ano do governo já estavam sendo
implantadas políticas que culminaram na redução do crescimento econômico (BRUM, 1997).
A adaptação da economia brasileira ao contexto econômico internacional era a meta
almejada pela política econômica como, por exemplo, reduzir o endividamento externo,
expandir as exportações e estabilizar as contas nacionais. Principalmente a partir de 1982, já
que a moratória do México resultou numa pressão do Fundo Monetário Internacional (FMI)
sobre a condução da política econômica no Brasil (adoção de uma política ortodoxa), como
assinalou Brum (1997).
O crescimento econômico apenas foi retomado em 1984 (último ano do governo
militar) em razão da expansão das exportações e do seu efeito sobre a produção do setor
industrial. A partir do ano seguinte, uma nova fase foi instaurada com o governo democrático
de José Sarney que, naquele momento, deparou-se com a recessão econômica do país, a
inflação elevada e o endividamento interno e externo, entre outros. A atuação do governo
estava voltada para o crescimento e a geração de empregos, o combate à inflação, a redução
do déficit público, o controle da dívida interna e o equacionamento do problema da dívida
externa. Os diversos planos econômicos propostos ao longo da segunda metade dos anos
oitenta – Programa de Estabilização da Economia Brasileira (Plano Cruzado) em 1986, Plano
Cruzado II em 1986, Plano Bresser em 1987 e Plano Verão em 1989 – não foram capazes de
solucionar os problemas acima mencionados, deslocando para o próximo governo a tarefa de
promover a estabilização econômica e retomar o crescimento da economia brasileira (BRUM,
1997).
O contexto econômico vivido pelo país ao longo dos anos oitenta provocou uma
alteração na tendência das políticas propostas para a agricultura brasileira. Com a redução dos
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recursos para o financiamento das atividades agrícolas e dos subsídios ao setor, a política de
preços mínimos assumiu a atribuição de principal instrumento da política agrícola. O
desenvolvimento do setor agrícola brasileiro, durante os anos oitenta, mesmo com a
diminuição do montante de recursos para o financiamento das modalidades de investimento e
de custeio, foi obtido com a utilização de “[...] fontes internas de capitalização ou de crédito
alternativo suficientes para esse processo de ajustamento, com níveis de rentabilidade
satisfatórios, quando as relações de troca eram favoráveis ao setor agrícola” (DIAS, 1995, p.
16).
A modernização do setor agrícola sofreu um arrefecimento ao longo dos anos oitenta
em razão, principalmente, de alguns aspectos discutidos por Silva (1996): o processo de
recessão econômica no final da década anterior, a redução do volume de crédito destinado
para o investimento, o cunho excludente e desigual da modernização e o novo padrão de
modernização (baseado em novas tecnologias). Mesmo nesse contexto, o crescimento do setor
foi possível devido ao aumento da produtividade. O aumento de produtividade, de acordo com
Gasques e Verde (1990), pode ser explicado pelo papel desempenhado pela pesquisa, pela
elevação na utilização de determinados insumos e pelo direcionamento da atividade para
culturas com maior valor comercial. Gasques e Verde (1990, p. 11) também destacaram que o
aumento da produção ocorreu pela “[...] falta de uso alternativo da terra e natureza do
mercado de trabalho rural, onde predomina a mão-de-obra familiar” e, ainda, a ação do
governo via prioridade para o crédito de custeio, das alterações na PGPM e da utilização do
PROAGRO, entre outros.
Os autores argumentaram que o desempenho favorável do setor agrícola brasileiro, ao
longo dos anos oitenta, considerando-se o cenário econômico desfavorável nesse mesmo
período, resultou de uma série de outros fatores. Dentre elas, destacam-se: a substituição de
áreas de lavouras de subsistência e de produtos alimentares por lavouras comerciais (como
café, cana de açúcar, cacau, milho, soja, dentre outras), o enfraquecimento do crescimento
extensivo baseado na expansão de área em prol do crescimento da produtividade, a
especialização da mão de obra agrícola e a redução dos custos de produção que viabilizou a
manutenção do crescimento mesmo frente á diminuição dos preços (GASQUES e VERDE,
1990).
É importante destacar que o setor agrícola brasileiro deveria cumprir um novo papel
no início dessa década: gerar divisas por meio de um superávit comercial, principalmente no
segmento agroindustrial, para possibilitar o pagamento dos serviços da dívida externa, como
indicou Silva (1996). Durante a década, uma parte dos recursos para o setor (70%) foi
direcionada para a política de preços mínimos e de estoques reguladores e para algumas
culturas (trigo, açúcar e álcool e café). Contudo, enquanto vigorou o Plano Cruzado, as
políticas de crédito rural, seguro rural, preços mínimos e estoques reguladores foram
desprezadas (a redução da ação do governo nessas políticas ocorreu no final da década),
restando apenas apoio aos programas voltados para o trigo e o açúcar e álcool (sendo
reduzidos os subsídios em 1988 e 1989, respectivamente) (GASQUES e VERDE, 1991). A
partir de 1987, os dispêndios governamentais para a o setor agrícola passaram a ser
direcionados para determinados programas como, por exemplo, o Programa de Investimento
Agropecuário (PROINAP), o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o
Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER) e o Programa de Financiamento para a
Aquisição de Equipamentos para Irrigação (PROFIR), de acordo com Gasques e Verde
(1991).
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O recrudescimento da inflação (após o Plano Cruzado) no final dos anos oitenta e a
forma como o governo determinou a política econômica com o intuito de promover a
estabilização (e os seus efeitos sobre a atividade agrícola) foram os responsáveis pela crise do
setor rural brasileiro no final do período segundo Silva (1996). Rezende (1990, p.516)
também discutiu os efeitos das políticas e do cenário adverso do período sobre o setor, como
se percebe a seguir:
[...] o setor agrícola brasileiro foi profunda e adversamente afetado pelo
agravamento do quadro macroeconômico e, em particular, pelas estratégias - seja via
‘choques’, seja via ‘moeda indexada’ - adotadas pelo Governo para controlar a
inflação. O setor agrícola, que encontrou espaço e recebeu estímulos para crescer na
maior parte da década de 80, tornou-se, ao término desta, a principal vítima do
descontrole inflacionário e da incapacidade demonstrada pelo Governo de combatêlo.
Os recursos utilizados para o financiamento da atividade agrícola, até 1989, eram
baseados na emissão de títulos públicos federais, sendo substituídos no ano seguinte, como
apontaram Gasques e Verde (1991, p.9): “[...] o governo passou a aplicar recursos, mediante
retorno de operações anteriormente realizadas, que se convertem em receitas sob a forma de
amortização de empréstimos”.
No âmbito do crédito rural, ao longo dessa década, a oferta e a demanda do mesmo
foram analisadas por Barros e Araújo (1991). Destacam eles que: a) a relação entre a oferta de
crédito e a evolução da produção e a taxa de inflação; redução da produção motivava a
expansão do crédito e aceleração da inflação a sua redução; b) a extinção da Conta
Movimento reduziu o montante de crédito disponibilizado e desvinculou a política da
evolução conjuntural da produção e das taxas de inflação; c) a busca por fontes nãoinflacionárias fez com que o volume de crédito passasse a ser mais uma questão de política
fiscal do que de política monetária; d) a relativa inelasticidade da demanda por crédito rural
em relação à taxa de juros, à exceção dos agricultores das Regiões Sudeste e Sul, onde os
agricultores parecem responder mais a essa última; e) a taxa de juros talvez não seja o
instrumento mais eficaz para o controle do crédito de custeio no Brasil, dado que o tamanho
da unidade produtiva parece ser mais decisivo na demanda por esse tipo de crédito. Apontam
inclusive que isto talvez reflita a preferência dos bancos pelos grandes agricultores diante das
maiores garantias, menores riscos e menores custos de transação. Sobre, especificamente, a
PGPM, Barros e Araújo (1995, p.33-34) comentaram que
[...] na década de 80, porém, com as mudanças havidas no crédito rural e as
condições desfavoráveis no mercado externo, procurou-se ativar a política de preços,
procedendo-se a aperfeiçoamentos na sua sistemática, como forma de compensar o
setor agrícola e, assim, assegurar a manutenção de seu crescimento. Todavia, duas
dificuldades levaram as autoridades a reduzir a ênfase nessa política. Por um lado,
os estoques públicos tenderam a se acumular e seus custos passaram a onerar o
orçamento além do previsto. Por outro lado, o acúmulo de estoques nas mãos do
governo passou a aumentar os riscos de mercado, tendo se observado um
afastamento do setor privado da comercialização na safra e das atividades de
armazenamento.
Parte desses problemas poderá ser atenuada com a recente regionalização dos preços
mínimos. O estabelecimento de regras para a atuação governo nos mercados
agrícolas e a estrita observância das mesmas são também muito importantes para
atenuar os riscos mencionados. Entretanto, é fundamental um elevado grau de
realismo no tocante à definição do grau de estabilidade a ser alcançado com a
política de estoques. Embora a estabilidade seja altamente desejável, seu custo para
os cofres públicos deve ser devidamente considerado.
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A PGPM foi o instrumento utilizado para garantir os preços recebidos e a
rentabilidade do setor agrícola, já que houve uma redução do volume de recursos e dos
subsídios nos financiamentos agrícolas. Para isso, a política sofreu algumas transformações ao
longo do período como, por exemplo, a criação do Valor Básico de Custeio (VBC) (essa
medida desvinculava o crédito de custeio dos preços mínimos), a criação do Preço-Base (essa
medida atenuava a incerteza provocada pela elevação da inflação) e a criação do Preço de
Intervenção (essa medida tinha a finalidade de reduzir a intervenção do governo no mercado).
4 ANOS NOVENTA: O SETOR PRIVADO E O FINANCIAMENTO AGRÍCOLA
Nos anos noventa houve um novo tipo de ação do governo federal sobre a atividade
agrícola, sendo buscada uma menor intervenção estatal no financiamento e na
comercialização. A redução dos dispêndios com as políticas agrícolas já estava acontecendo
desde o final da década anterior, mas foi a partir de 1990 que as políticas liberais, que
buscavam transferir a regulação do setor agrícola para o mercado, foram iniciadas. Além
disso, pretendia-se que o setor agrícola se tornasse mais competitivo no mercado internacional
com essas medidas. O governo, segundo Blecher (1990), tentaria apenas não prejudicar o
abastecimento interno. O primeiro governo dessa nova fase, o governo Fernando Collor de
Mello, implantou um plano de estabilização econômica que pretendia controlar a inflação e
solucionar o endividamento externo. Esse plano era formado por um conjunto de medidas: o
Plano Brasil Novo ou Plano Collor, cujo objetivo era combater a inflação (março de 1990), a
Nova Política Agrícola (agosto de 1990), o Plano Collor II (janeiro de 1991) e o Projeto de
Reconstrução Nacional (março de 1991). O caráter neoliberal das políticas adotadas nesse
governo era identificado pela proposta de desenvolvimento econômico baseado num setor
privado eficiente e competitivo. Os objetivos das medidas adotadas, de acordo com Brum
(1997, p. 476), eram:
[...] desregulamentar a economia, através da redução do excesso de exigências
burocráticas que dificultavam a ação das empresas e inibiam os negócios; promover
o processo de abertura da economia brasileira, através da redução das tarifas de
importação, expondo as empresas instaladas no país à concorrência internacional
[...] e forçando a sua modernização; tornar o país atrativo aos investimentos
externos; reduzir o tamanho e a presença direta do Estado na economia, através da
privatização de empresas estatais; tornar mais competitivas as exportações
brasileiras, através da reforma (privatização) dos portos e da redução dos custos de
embarque e desembarque; promover o equilíbrio das contas públicas, através de uma
reforma tributária e do reajuste fiscal.
Os efeitos dessa nova orientação sobre os produtores agrícolas podem ser
exemplificados com o caso do confisco dos ativos financeiros, já que os mesmos não tiveram
recursos para realizar a colheita das culturas. Além disso, houve a falta de coerência entre a
correção dos financiamentos rurais e dos preços mínimos, pois os primeiros foram corrigidos
pela variação do IPC de março de 1990 (84%), enquanto a correção dos outros foi feita pela
variação do BTN de março de 1990 (42%). O resultado disso foi a incapacidade de
pagamento das dívidas (MASSUQUETTI, 1998).
A escassez e o encarecimento dos recursos destinados ao financiamento agrícola
tornaram-se um fato no início da década, mesmo com a implantação de medidas que deveriam
evitar o esgotamento completo da intervenção estatal, como foi o caso da medida determinada
pela Circular 1.696, de abril de 1990, que estabelecia que as instituições financeiras deveriam
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conservar um “[...] saldo médio diário de aplicações em crédito rural não inferior a 25% do
saldo médio diário dos depósitos à vista e sob aviso das instituições financeiras, ao mesmo
tempo em que ampliou a base do compulsório” (OLIVEIRA, 1996, p.42).
As Diretrizes de Política Econômica para a Agricultura reuniram quatro projetos que
definiram a nova política agrícola: a política de investimentos, a política de preços, o
programa de competitividade agrícola e o programa de regionalização da produção. Contudo,
o crédito rural e os preços mínimos foram os únicos que sofreram mudanças nos seus
procedimentos, como indicou Silva (1996, p.138):
[...] em relação ao crédito rural, manteve-se basicamente a mesma sistemática
anterior de corrigir os empréstimos pela inflação passada e de fixar os limites de
recursos emprestados em função do tamanho do produtor. Apenas aumentou-se a
parte do financiamento contratado livremente às taxas de mercado. Na verdade, isso
facilitou ao sistema bancário praticar uma ‘taxa média de juros’ para os empréstimos
rurais bastante mais elevada que nos anos anteriores.
No que tange aos preços mínimos as alterações foram mais profundas: houve uma
regionalização, de modo a descontar o valor do frete entre os locais de produção e de
consumo. O objetivo básico dessa regionalização era evitar aquisições significativas
por parte do governo e simultaneamente estimular a transferência das agroindústrias
para as proximidades das áreas produtoras. Também foi eliminada a correção mensal
dos valores fixados, mantendo-se apenas a correção com base na variação da
inflação passada na época da aquisição. A não indexação dos preços mínimos
contribuiu para derrubar ainda mais os preços pagos aos produtores ao longo do ano
de 1990, levando a uma situação paradoxal: queda na produção e queda nos preços
recebidos.
O governo não encerrou o seu projeto de menor intervenção no setor apenas com as
medidas anteriormente apresentadas, mas ainda promoveu uma reestruturação no conjunto de
instituições que formavam a estrutura governamental voltada para a agricultura, como
destacou Massuquetti (1998, p. 106-107):
Outras medidas foram adotadas, cujos objetivos eram a redução da participação do
Governo no setor agrícola, como a criação da Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB) a partir da união da Comissão de Financiamento da
Produção (CFP), da Companhia Brasileira de Armazenamento (CIBRAZEM) e da
Companhia Brasileira de Alimentos (COBAL); extinção do Instituto do Açúcar e do
Álcool (IAA), Instituto Brasileiro do Café (IBC), Empresa Brasileira de Extensão
Rural (EMBRATER) e Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC).
A nova orientação governamental na condução da política agrícola foi percebida já na
safra 1989/90, já que houve um decréscimo na taxa real de crescimento do setor (o PIB
agrícola teve uma queda de -4,4%); uma queda na comercialização de máquinas e insumos,
como tratores e fertilizantes; e uma redução no rendimento físico de algumas culturas, como
arroz, milho, trigo, soja, feijão e laranja. Além disso, na safra seguinte houve também a
redução da quantidade colhida (SILVA, 1996).
Os Pacotes Agrícolas de 1991 e as Leis Agrícolas 8.171, 8.173 e 8.174, de janeiro de
1991, tinham o intuito de promover uma maior competitividade do setor no cenário
internacional a partir de uma redução da incerteza que a intervenção estatal poderia provocar
ao setor (intervenção no financiamento e na comercialização, por exemplo) (TEIXEIRA, 1992
e CONTINI e GONTIJO, 1993). No entanto, como havia uma expectativa de que os baixos
preços recebidos pelos produtores rurais poderiam provocar um desestímulo para o plantio da
safra e, consequentemente, uma queda na produção e uma crise no abastecimento interno,
algumas modificações foram introduzidas na política agrícola adotada, como foi discutido por
Silva (1996, p. 140):
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[...] os preços mínimos do Centro-Oeste voltaram a ser unificados com os do Sul e
Sudeste e a ter reajustes mensais pela inflação passada, os juros do crédito rural
passaram a ter um teto de 12,5% a.a. e introduziu-se a equivalência em produto para
os empréstimos a pequenos agricultores para o plantio da cesta básica. Para ajudar a
recuperação dos preços agrícolas, o governo comprometeu-se a adotar tarifas
compensatórias para reduzir o efeito das importações e a definir um preço não
subsidiado para liberação dos seus estoques reguladores.
Para a safra 1991/92 houve um novo tipo de ação governamental, já que não era
objetivo do governo esperar que os possíveis problemas de abastecimento do mercado interno
acontecessem para ser preparada uma política de ajuste para o setor, como apontou
Massuquetti (1998, p. 109): “ele [o governo federal] optou por voltar a intervir mediante
fornecimento de recursos e da sustentação de preços, mas sem contar com uma atuação
efetiva como aquela no período de auge do financiamento agrícola”. Sendo assim, foram
criados o Plano Agrícola (julho de 1991), o Plano Nacional Agrícola (outubro de 1991) e o
Plano de Reconstrução da Agricultura (março de 1992), onde as principais metas eram
promover a recuperação da produção no sentido de possibilitar o abastecimento do mercado
interno e as exportações. As medidas adotadas permitiram o aumento da produção nessa safra
(além do clima favorável nesse período), causando uma redução nos preços recebidos pelos
produtores e a necessidade de medidas que auxiliassem o setor.
Dentro do contexto de um governo preocupado com a abertura do mercado, os
instrumentos de política agrícola utilizados no governo Fernando Collor de Mello não se
mostraram orientados para esse objetivo, como afirmaram Contini e Gontijo (1993, p. 133):
“As preocupações se concentram em questões voltadas para o mercado interno, como o
planejamento do setor, a descentralização de atividades para esferas do governo estadual e
municipal e questões sociais”. Os principais instrumentos utilizados nesse período, de acordo
com Contini e Gontijo (1993), foram a PGPM, o PROAGRO, o crédito para investimento e o
auxílio tecnológico e os seus impactos sobre as safras agrícolas de 1990/91, 1991/92 e
1992/93 podem ser sintetizados nos seguintes aspectos:
a) Safra Agrícola 1990/91: existe uma discussão em relação ao combate aos
subsídios para o setor agrícola e a necessidade de modernizar este setor, que
demonstraria uma certa orientação para uma maior liberdade do mercado. No
entanto o Governo intervém diretamente no mercado através do congelamento de
preços e do confisco dos ativos financeiros; [...] as diretrizes de descentralização e
desregulamentação da política agrícola e a privatização de armazéns (estabelecidas
no Plano Plurianual para o qüinqüênio 1991/95 (PPA), aprovado pela Lei 8.173, de
30.01.91), são condizentes com a política de abertura econômica; e as medidas
adotadas no Plano Collor que tiveram maior impacto sobre a agricultura
(desindexação econômica, congelamento de salários e preços e bloqueio de
orçamentos) mostraram-se intervencionistas e contrárias a uma política de abertura
de mercado;
b) Safra Agrícola 1991/92: as medidas econômicas, administrativas e políticas do
Plano Agrícola de julho de 1991 mostraram uma tendência à maior liberdade dos
mercados e uma redução das interferências do Governo. O Plano Nacional Agrícola
de outubro de 1991 foi criado para estimular a produção dos alimentos básicos,
sendo definidos novos recursos e a desburocratização, e o Plano de Reconstrução da
Agricultura de março de 1992 determinou um conjunto de medidas de apoio ao setor
agrícola; e
c) Safra Agrícola 1992/93: orientação para uma agricultura voltada para o mercado
aberto, em que não haveria o controle dos preços e restrições para as importações e
exportações (MASSUQUETTI, 1998, p. 112-113).
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Um novo governo foi instaurado ao final de 1992, o governo Itamar Franco, sendo
implantado em meados do ano seguinte o Programa de Ação Imediata (PAI), cuja orientação
era combater a inflação e ampliar a abertura econômica. Como medidas para combater o
processo inflacionário e estabilizar a moeda, o governo buscou reduzir o déficit público,
aumentar as reservas cambiais e renegociar a dívida externa, entre outros (BRUM, 1997).
Para a safra 1992/93, o governo procurou fortalecer novos mecanismos vinculados à política
agrícola – além de dar continuidade às medidas implantadas no período anterior – como os
mercados físicos e de futuros. O objetivo das medidas adotadas era conduzir o setor agrícola
para uma economia de mercado. Por outro lado, os recursos necessários para promover os
investimentos na agricultura nessa safra foram determinados pelo governo, de acordo com
Matsuda (1992, p. 27), da seguinte forma:
- destinação de recursos para financiamento da aquisição, transporte e aplicação de
calcário, através do Banco do Brasil;
- os recursos dos fundos constitucionais, aplicados através do BNB, BASA e Banco
do Brasil, respectivamente;
- o FINAME Rural, que prevê a aplicação de US$ 500 milhões, através do sistema
BNDES, para financiamento da aquisição de máquinas e equipamentos, e construção
de armazéns ao nível de fazenda;
- o financiamento do complexo agroindustrial, através do sistema BNDES, que
prevê a aplicação de US$ 2 bilhões, nos próximos quatro anos;
- o financiamento de investimentos no corredor de exportação norte, através do
Banco do Brasil, com recursos iniciais de Cr$ 200 bilhões.
Um novo plano de estabilização econômica foi implantado em dezembro de 1993, o
Plano Real, que buscava, principalmente, a estabilização da moeda. As suas fases de
implantação foram o ajuste fiscal, a implantação da URV (de março até junho de 1994) e a
implantação do Real (em julho de 1994). Durante a vigência desse plano, um novo governo
fundou-se, o governo Fernando Henrique Cardoso. Primeiramente, os produtores rurais,
principalmente os endividados, foram penalizados com as medidas desse novo plano, já que
os custos de produção elevaram-se enquanto os preços recebidos mantiveram-se estáveis.
Além disso, os gastos do governo com o setor agrícola foram de, aproximadamente, 1,9% do
dispêndio total da União em 1993 (os valores em 1990, 1991 e 1992 foram de,
aproximadamente, 1,9%, 4,4% e 2,5%, respectivamente), sendo que em torno de 84% dos
recursos concentraram-se nos programas de Administração, de Organização Agrária, de
Abastecimento e de Recursos Hídricos. Quanto aos subsídios em 1993, esses foram
equivalentes a 1,5% do produto real do setor agrícola do mesmo ano (GASQUES e VERDE,
1995b).
A safra 1993/94 foi conduzida com a orientação já estabelecida das políticas do
governo, ou seja, a menor intervenção do mesmo no setor. As principais medidas adotadas
estavam relacionadas com as novas regras do sistema de equivalência-produto, a renegociação
das dívidas, as novas regras para o financiamento agrícola e para os preços mínimos, a
regularização de débitos com o PROAGRO e o incentivo para a comercialização de
determinadas culturas por meio das bolsas de mercadorias e futuros (POLÍTICA, 1993).
O governo Fernando Henrique Cardoso pretendia transformar a agricultura brasileira
numa atividade mais competitiva no mercado externo nos aspectos de qualidade e preço dos
produtos nacionais. E, ainda, garantir o abastecimento do mercado interno com preços
condizentes com a realidade da economia, mesmo que fosse necessário importar alguns
produtos em determinados momentos ou até mesmo subsidiar o setor (contudo, reduzindo
essa prática, pois era preciso controlar o déficit público) (BRUM, 1997). A condução da
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política econômica brasileira, nesse momento, não possibilitava a continuidade de uma ação
governamental mediante financiamentos que utilizassem mecanismos inflacionários e, sendo
assim, um novo cenário fundou-se no setor rural, como destacou Bueno (1997, p.77):
[...] surpreendidos pelos efeitos concorrentes do câmbio estável, do corte de
subsídios creditícios, dos altos juros resultantes da política monetária restritiva, da
acentuada redução de abrangência da política de preços mínimos garantidos e da
inusitada competição de produtos agrícolas importados (o algodão é o exemplo mais
veemente), diversos setores do agribusiness defrontaram-se com grave crise,
caracterizada por margens negativas de retorno e liquidez. Para os produtores,
tornou-se impossível conviver com os juros de custeio e também com os juros
relativos a compras de equipamentos e insumos contratadas anteriormente ao plano.
As inúmeras dificuldades enfrentadas pelo setor foram destacadas em Por que (1996,
p. 3), onde se tratou da dificuldade de uma continuidade no desenvolvimento da atividade
agrícola ao longo do biênio 1994-95:
O primeiro deles foi o descolamento dos preços recebidos pelos agricultores na
venda de seus produtos com relação ao valor de suas dívidas. O outro, foram os
ajustes exigidos dos setores produtivos em geral, onde a agricultura não foi exceção,
em decorrência da estabilidade de preços e a conseqüente modificação da política
cambial, que desatrelou-se da inflação passada.
[...]
Vieram ainda a se somar a essas dificuldades, questões de ordem estrutural da
economia brasileira, como a abertura de mercado e conseqüente importação de
alimentos com tarifas reduzidas e crédito favorecido. Não bastando isso, há ainda a
elevada incidência de tributos de origem estadual – ICMS -, que onera as
exportações de produtos ‘in natura’ ou processados e os insumos utilizados, e reduz
as condições de competição da agricultura brasileira. A alta carga desse tributo
retém ainda parte da renda gerada no meio rural.
A falta de uma política que solucionasse as dificuldades que estavam sendo
enfrentadas pelo setor agrícola agravou ainda mais a crise da atividade, ocasionando a
falência de produtores, o desemprego no meio rural e a redução da área plantada e da
produção na safra agrícola de 1995/96. Apenas no final de 1995 é que o governo resolveu
adotar algumas medidas, como:
[...] renegociação das dívidas agrícolas junto aos bancos e sua securitização,
respaldada em títulos públicos federais, a serem pagos pelo governo, caso os
produtores não consigam fazê-lo; alongamento dos prazos de pagamento das dívidas
agrícolas por vários anos; concessão de novos empréstimos agrícolas, com subsídio
variável de acordo com o tamanho da propriedade; intervenção limitada e pontual do
governo na comercialização, em casos extremos, para garantir mercado e preços aos
produtores rurais, como ocorreu em relação ao trigo na safra de 1996; apoio especial
à propriedade familiar, voltada principalmente à produção para o mercado interno,
através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF), com vistas a atenuar o problema social, viabilizar essa faixa de
agricultores, buscando aumentar-lhes a eficiência, para assegurar a rentabilidade e a
oferta de produtos saudáveis e baratos à população (BRUM, 1997, p.542).
A partir do ano seguinte, algumas modificações foram realizadas na PGPM em razão
da redução de recursos governamentais disponíveis para o setor, promovendo uma ação mais
direcionada e restrita dessa política a partir desse período, como o Programa de Escoamento
da Produção (PEP) em 1996 (CONAB, 1998). Além disso, Franca e Freitas (1998) ainda
relataram que a composição das fontes de recursos para essa safra foi dividida entre os
recursos obrigatórios, os recursos da caderneta de poupança rural, os recursos externos e os
recursos próprios livres.
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Já que um novo cenário estava se configurando ao longo dos anos noventa na
economia brasileira, o governo passou a conduzir a política agrícola orientado em dois
conjuntos de medidas, sendo que as medidas de transição seriam aquelas direcionadas para a
reformulação do crédito rural, dos preços mínimos, do seguro rural e dos estoques do governo
(adaptação dos instrumentos para adequá-los ao mercado). Por outro lado, as medidas de
longo prazo estariam voltadas para a pesquisa e a difusão de tecnologias, a modernização da
infra-estrutura portuária, de transportes e de defesa agropecuária e o incentivo para a
participação do setor privado na comercialização da atividade agrícola (PORTO NETO,
1996).
Enfim, a década de 1990 foi marcada pela redução significativa de recursos para o
financiamento da atividade do setor agrícola, ocasionando, principalmente, o endividamento
dos produtores e a dificuldade de pagamento dessa dívida. Contudo, esse fenômeno de menor
intervenção do governo federal na condução do setor (redução do volume de recursos do
SNCR e dos subsídios) e a maior participação do setor privado foi um fato percebido desde
meados da década anterior, quando começaram a surgir novas fontes de recursos para o
financiamento da atividade agrícola. Essas novas fontes não-inflacionárias e de natureza
privada tentavam substituir as antigas fontes que eram incompatíveis com a estratégia de
estabilização econômica (GASQUES & VERDE, 1995a).
Dessa forma, a solução para o setor rural, nesse contexto de redução dos recursos
governamentais e de elevação no custo dos mesmos, foi buscar fontes alternativas para o
financiamento da atividade, como a Caderneta de Poupança Rural, os Fundos Constitucionais,
os Depósitos Interfinanceiros Rurais (DIR), a Sociedade de Crédito Imobiliário, Bancos
Múltiplos e Fundo de Aplicações Financeiras (FAF), o Sistema de Equivalência-Produto, os
Depósitos Especiais Remunerados (DER), os Recursos Externos, os Fundos de Commodities,
os Mercados Derivativos, o Certificado de Mercadoria com Emissão Garantida (CMG), a
Cédula do Produto Rural (CPR), os Recursos Extramercado, os Contratos de Compra e Venda
de Soja Verde, os Adiantamentos sobre Contratos de Câmbio (ACC), o FINAME Agrícola e o
Sistema de Integração.
A maior participação da iniciativa privada no financiamento do setor rural e o
esgotamento das fontes tradicionais foi uma realidade na segunda metade da década de 1990.
É importante salientar que essas novas fontes, de acordo com Gasques e Verde (1995b), eram,
geralmente, fundos de recursos de médio e longos prazos e operam com taxas de juros reais.
Quanto aos complexos agroindustriais, já que ocorreu uma inserção maior da agricultura nas
relações setoriais, houve a necessidade de um fortalecimento dos mecanismos de
financiamento agrícola (mediante recursos privados) para possibilitar que não ocorresse a
interrupção do dinamismo dos complexos (MASSUQUETTI, 1998).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No contexto das discussões feitas nesse trabalho, pode-se dizer que a criação do SNCR
alavancou a mudança institucional mais importante para o funcionamento das políticas
agrícolas brasileiras do século passado. Além de instaurar no país uma fase de expansão do
financiamento agrícola via recursos do governo e estimular o processo de modernização da
base técnica da agricultura brasileira, o SNCR foi responsável por aproximar o agricultor da
rotina dos financiamentos da produção, da indústria, do sistema financeiro e, em especial, de
uma outra dinâmica de acumulação de capital. Do ponto de vista institucional, é possível
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supor que a inserção do produtor na sistemática de elaboração de projetos, captação do
crédito, pagamentos, negociações, refinanciamento etc. foi importante para evitar que o
sistema de financiamento entrasse em colapso diante da escassez de recursos públicos e de
créditos baratos dos anos 1980. Mas, mais do que isso, inseriu a atividade agrícola no rol das
dinâmicas de acumulação de capital que já haviam se consolidado em outros setores, como o
industrial e o financeiro. Ou seja, o SNCR parece ter sido capaz de institucionalizar a prática
de financiamento da produção que, posteriormente, passou a ser viabilizada por outros canais.
Isso porque ao estabelecer práticas e rotinas viabilizou o “aprendizado” aos produtores na
sistemática de funcionamento dos mercados de crédito, facilitando a migração para as novas
formas de financiamento (lógica privada) com relativo sucesso.
Sabe-se que o SNCR foi criado com o intuito de oferecer ao setor agrícola crédito
abundante e com taxas favorecidas para estimular a aquisição, por parte dos agricultores, dos
chamados “insumos modernos”. Assim, os agricultores integrariam o mercado consumidor
dos produtos industrializados no país. O SNCR viabilizou a integração técnica entre o setor
agrícola e a indústria, a montante e a jusante, valendo-se do crédito praticado a taxas de juros
subsidiadas. Contudo, essa política não pôde continuar sendo conduzida dessa forma em
virtude do esgotamento do fluxo de poupança externa, da crise da dívida externa, da redução
da poupança do setor público e da aceleração do processo inflacionário. A concentração do
crédito em determinadas regiões, culturas e segmentos de produtores, e também casos de
desvios, de substituição de capital próprio e de gasto excessivo do governo com as taxas de
juros subsidiadas levaram às críticas ao sistema. Ainda assim, é difícil negar que a relação da
produção agropecuária com as formas de financiamento pode ser dividida em “antes” e
“depois” do SNCR.
As políticas macroeconômicas do início dos anos oitenta, que buscavam a
estabilização econômica e a retomada do crescimento da economia pelo controle da inflação,
do endividamento interno e externo, não se mostravam compatíveis com uma política agrícola
intervencionista e expansionista de crédito público. O governo tentou solucionar esse impasse
através de uma elevação dos juros e uma redução da liquidez dos recursos para o crédito rural.
Esperava-se que o setor agrícola passasse a ter uma relação mais direta com o sistema
bancário privado, não dependendo tanto dos recursos governamentais. Nos anos oitenta, a
PGPM teve um caráter mais ativo no processo de financiamento do setor agrícola, cujos
objetivos deveriam ser a garantia da rentabilidade dos produtores rurais e o fornecimento do
crédito para a comercialização dos produtos transacionados dentro dos complexos
agroindustriais, além de limitar a atuação do governo no financiamento do setor, pois agora os
escassos recursos deveriam ser administrados caso a caso.
Com o esgotamento das fontes tradicionais do crédito rural, provocado pelo
agravamento da crise fiscal brasileira, houve um aumento da participação de novas fontes de
recursos, que tinham sido captados na iniciativa privada para o financiamento das safras
agrícolas. Por isso, criou-se um padrão de financiamento sustentado em fontes de recursos,
que foram captadas no mercado desde o final dos anos oitenta e na década seguinte. A crise
econômica, a partir da década de 1980, e a consequente exaustão do sistema de financiamento
rural não inviabilizaram a continuidade do processo de integração entre o setor agrícola e o
setor industrial. Nesse atual estágio de desenvolvimento econômico, a agricultura havia se
tornado um campo de aplicação do capital financeiro, conforme ressaltado anteriormente. O
processo de integração da agricultura com as indústrias, a montante e a jusante, já havia
estabelecido uma situação irreversível de integração de capitais, cujo objetivo era a
valorização do capital, independente do setor em que estava sendo aplicado. Em outras
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palavras, a dinâmica de acumulação de capital observada nos demais setores da economia se
institucionaliza também na atividade agrícola. Essa integração de capitais se verificou tanto na
produção quanto no mercado de terra, e não dependia do tamanho do produtor rural,
possibilitando ao pequeno produtor, desde que tecnificado ou associado ao complexo
agroindustrial, também participar desse processo de integração.
Entretanto, há que notar que o processo acima não alcançou o conjunto da agricultura
brasileira, pois o aparato institucional estabelecido para o funcionamento da política nem
sempre era compatível com os pequenos produtores rurais. Especialmente na década de 1990,
as novas fontes de financiamento e os recursos captados diretamente no mercado foram
utilizados principalmente pela agricultura comercial e não pela agricultura familiar. A
primeira é que se mostrava mais apta a suportar os encargos financeiros elevados e a atuar em
mercados de futuros e físicos, os quais exigem grande quantidade de produto. Tal quadro
somente começa a se alterar a partir de meados dos anos 1990, com a instituição do Programa
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Embora não tenha sido objeto de
análise nesse trabalho, cabe apontar que o PRONAF iniciou um processo de transformações
para a agricultura familiar que provavelmente vem sendo tão impactante quanto aquele
verificado para a agricultura comercial pós-SNCR.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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