FUNDAMENTOS DA GESTÃO PÚBLICA E O EXERCÍCIO

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FUNDAMENTOS DA GESTÃO PÚBLICA E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL: UMA
LEITURA NECESSÁRIA
Gabriella Mariano Munhoz Zeneratti1
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo evidenciar os alguns fundamentos da gestão
pública (concepção Estado, política social e diferentes modos de gestão). Entendemos que a
especificidade em cada um destes fundamentos orienta um modelo de gestão. O trabalho tem um
caráter exploratório e as reflexões construídas até o momento, e que sustentam os argumentos deste
artigo, são fundadas em revisão bibliográfica. Esses apresentam dois eixos teóricos basilares:
concepção de Estado Moderno/burocracia e os modelos de gestão pública no Estado brasileiro. Sendo
que, na concepção ampliada do Estado e levando em consideração os pressupostos das políticas
sociais na contemporaneidade (universalização, descentralização, territorialização, participação social,
intersetorialidade, matricialidade sócio familiar), se propõe um novo caminho, a gestão pública
voltada para área social, a partir da radicalização das estruturas democráticas do aparelho estatal.
PALAVRAS CHAVES: fundamentos da gestão pública; política social; exercício profissional.
INTRODUÇÃO
Propor um diálogo entre o objeto de pesquisa que centra sua discussão entre os
aspectos éticos que orientam as decisões e encaminhamentos dos profissionais do Serviço
Social que atuam na execução da medida socioeducativa de internação, e a gestão da política
social exige uma leitura crítica do contexto que envolve a prática profissional. Isso porque,
sem ter esse arcabouço teórico como pano de fundo essa discussão pode se apresentar de
forma fracionada.
Compartilharmos da premissa de que sem contextualizar o espaço sócio ocupacional
do assistente social, com intuito desvelar a tensão política que está presente na gestão das
políticas sociais, e, portanto nas formas de administração que o Estado adota para enfrentar as
demandas postas, as limitações do exercício profissional e no caso em questão os dilemas
éticos recaem de forma exclusiva na subjetividade manifesta ou não do profissional. Isso, em
1
Assistente Social do Centro de Sócioeducação (CENSE) de Paranavaí vinculada a Secretaria de Estado da
Família e Desenvolvimento Social (SEDS) do Paraná e mestranda do curso de pós-graduação em Política
Social e Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina/PR. Email: [email protected]
1
nossa opinião, é uma forma cruel de responsabilizar o indivíduo por contradições inerentes à
sociabilidade burguesa.
O presente artigo sistematiza as discussões e leituras realizadas durante a disciplina
Gestão de Política Social: perspectivas atuais, ministrada no segundo semestre 2012 no curso
de Pós-graduação stricto sensu da Universidade Estadual de Londrina, e tem como objetivo
evidenciar os alguns fundamentos da gestão pública (concepção Estado, política social e
diferentes modos de gestão). Entendemos que a especificidade em cada um destes
fundamentos orienta um modelo de gestão. O trabalho tem um caráter exploratório e as
reflexões construídas até o momento, e que sustentam os argumentos deste artigo, são
fundadas em revisão bibliográfica. Esses apresentam dois eixos teóricos basilares: concepção
de Estado Moderno/burocracia e os modelos de gestão pública no Estado brasileiro.
CONCEPÇÃO DE ESTADO MODERNO
A discussão sobre a teoria de Estado inicia em Maquiavel, segundo Gruppi (1987, p:
8), “desde começo de 1500 temos Nicolau Maquiavel, que é o primeiro a refletir sobre o
Estado”. No entanto, nosso objetivo, neste texto, não está em elucidar a concepção liberal e a
concepção democrática-burguesa que Marx se deparou, mas sim, centrar a discussão no que
Coutinho (1985) indica como sendo o modo “restrito” ou “amplo” de conceber o Estado.
Para Coutinho (1985) os primeiros estudos do jovem Marx concentram-se na análise
do Estado Moderno, no qual inicialmente ele coaduna com as premissas de Hegel, que afirma
que o Estado representa a vontade geral de todos. No entanto, Marx logo passa assumir um
discurso crítico em relação a essa teoria hegeliana e mostra que o Estado “[...] não passa de
uma máscara a ocultar a dominação de uma casta burocrática que defende apenas (como todas
as outras ‘corporações’) os seus próprios interesses” (COUTINHO, 1985, p: 16).
Em outras palavras, o Estado despolitiza a sociedade e atua como comitê executivo da
burguesia, no qual seu poder se impõe essencialmente pelos aparelhos repressivos e
burocrático-executivos. Está assim formulado o alicerce da concepção “restrita” do Estado,
isso porque, “[...] esse seria a expressão direta e imediata do domínio de classe (‘comitê da
burguesia’) exercido através da coerção (‘poder de opressão’)” (COUTINHO, 1985, p: 19).
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Neste sentido o entendimento de revolução socialista só ocorre com a derrubada
violenta da burguesia, através da revolução permanente, e o estabelecimento da ditadura do
proletariado e consequente quebra do Estado, pois a estrutura econômica está na sua própria
base, no qual segundo Gruppi (1987, p: 26) “a sociedade política, o Estado, é expressão da
sociedade civil, isto é, das relações de produção que nela se instalaram”.
Isto posto, para Coutinho (1985), a concepção “restrita” de Estado e a visão
“explosiva” do processo revolucionário foram superadas nas obras posteriores de Marx,
sobretudo, de Engels. Este foi o primeiro marxista a empreender o processo de ampliação da
teoria do Estado.
O Império Alemão, como todos os pequenos Estados e, em geral, todos os Estados
modernos, é produto de um pacto; primeiramente, de um pacto dos príncipes entre si e,
depois, dos príncipes com o povo. Se uma das partes quebra o pacto, todo ele é nulo e a
outra parte está desobrigada. (ENGELS, apud Coutinho, 1985, p: 27-28)
Aqui está para Coutinho (1985, p: 28) uma das maiores contribuições do marxismo
para a teoria política, pois “(...) Engels vê agora que a dominação de classe não se manifesta
apenas através da coerção, mas resulta também de mecanismos legitimação que asseguram
um consenso”. Ainda segundo autor, as formulações a respeito de uma concepção “restrita”
de Estado se configuram como um verdadeiro anacronismo, pois desconsidera precisamente
os aspectos históricos, no qual os conceitos de Estado e revolução se articularam e evoluíram
ao longo da reflexão marxista.
Essa necessidade de acompanhar a mudança histórica de sociedade e, portanto
combater o que Coutinho (1985, p: 47) denomina como sendo “generalização do
bolchevismo” estava expressa tanto nas formulações de direita, de Kautsky, Bernstein, como
por representantes do marxismo de esquerda: Rosa Luxemburg. Mas sem dúvida a maior
expressão da teoria ampliada de Estado está nas concepções mais sistemáticas do italiano por
Antonio Gramsci.
Gramsci distinguiu duas esferas no interior das superestruturas: a sociedade civil e a
sociedade política. Esta expressa os aparelhos coercitivos do Estado ligados às forças armadas
e policiais e aplicação das leis, o que já havia sido demostrado por Marx, Engels e Lenin. Já
na definição de sociedade civil, segundo Coutinho (1985, p: 60-61):
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Em Marx e Engels, que nisso seguem essencialmente Hegel, ‘sociedade civil’ designa
sempre o conjunto das relações econômicas capitalistas, o que eles chamam de ‘base
material’ ou ‘infra-estrutura’. Em Gramsci, ao contrário, o termo ‘sociedade civil’, designa
um momento ou esfera da ‘superestrutura’. Designa o conjunto das instituições
responsáveis pela elaboração e/ou difusão de valores simbólicos, de ideologias,
compreendendo o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, as organizações
profissionais, os sindicatos, os meios de comunicação, as instituições de caráter científico e
artístico, etc.
Enfim, segundo Coutinho (1985), ambas as esferas formam o Estado, no qual existe
uma “hegemonia revestida de coerção”. A sociedade politica tem a função de coerção,
ditadura, dominação, através dos seus aparelhos coercitivos e repressivos, já a sociedade civil
tem o papel de promover a hegemonia através do consenso, direção e utiliza-se dos aparelhos
privados de hegemonia. Diante deste pressuposto, Gramsci afirma que a revolução socialista
acontece de forma gradual, processual, no qual a hegemonia da classe proletária é
estabelecida após uma revolução moral de valores que se contrapõem aos valores e a moral da
sociedade dominante.
Ficam assim, descrito de forma sintética, os dois modelos no qual nos propomos a
elucidar neste item, a concepção do modo “restrito” e “amplo” de conceber o Estado. A
concepção “restrita” está ligada a leitura de que é no Estado que se encontra a gênese da
sociedade de classes, pois ele é a expressão das relações de produção estabelecidas, e sua
função precípua está em conservar a divisão de classes e assegurar os interesses particulares da
sociabilidade burguesa. Já no modo “amplo”, o Estado tem a função de coerção e consenso,
sendo que, ele será menos coercitivo e mais consensual quando, segundo Coutinho (1985):
(...) tal fato depende sobretudo do grau de autonomia relativa das esferas, bem como da
predominância no Estado dos aparelhos pertencentes a uma ou a outra (uma predominância
que, por sua vez, depende não apenas do grau de socialização da política alcançado pela
sociedade em questão, mas também da correlação de forças entre as classes sociais que
disputam a ‘supremacia’. (COUTINHO, 1985, p: 64)
O escopo desta questão está em evidenciar que o modo de conceber o Estado, seja
“restrito” ou “amplo”, orienta a leitura sobre política social, e forma de sua gestão. Isso
porque, se tiver como apoio teórico a concepção restrita, a politica social nada mais é que uma
forma de reprodução da força de trabalho, e, portanto, mais um elemento de dominação da
classe dominante, e o exercício da democracia é uma estratégia de manutenção do status quo
e o continuum de uma sociedade trabalhadora despolitizada. Portanto, a única saída para essa
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forma de dominação seria a revolução violenta, mobilizada através dos partidos políticos, com
intuito de tomar o Estado por assalto e destruí-lo.
Já na leitura ampliada de Estado, as políticas sociais acenam as demandas da classe
trabalhadora, e segundo Filho (2011, p: 1) “[...] apresentam-se como o campo, por excelência,
de viabilização dos interesses das classes trabalhadoras na ordem do capital”, ou seja, a
politica social é um projeto ideopolítico em disputa. Diante disso, a democracia torna-se um
modelo a ser seguido, no qual o Estado é um importante mediador que dialoga com a
sociedade civil, com a função de organizar a luta de classes. Neste contexto, a política social
serve para a manutenção da classe trabalhadora, no entanto ela traz consigo a contradição de
classes, o que auxilia na construção para o consenso social ao atender demandas da classe
trabalhadora, dentro dos limites e possibilidades do Estado, dito de outro modo, “[...] a
ampliação de políticas sociais, via Estado, é compatível com ações que pretendam a superação
da ordem burguesa” (FILHO, 2011, p: 32).
Fica claro que uns dos fundamentos da gestão pública- concepção de Estado e política
social- tem dois grandes eixos teóricos de debate, ora para uma leitura “restrita” ora para uma
“ampliada”, no qual ambas parte de um mesmo pressuposto, a análise da sociedade burguesa,
no entanto apresentam pontos, já explicitados, que convergem e divergem nas possibilidades
de gestão, diante de um modo de conceber o Estado.
MODELOS DE GESTÃO PÚBLICA NO ESTADO BRASILEIRO
Não há como desvincular a gestão pública do conteúdo ideopolítico do Estado na sua
perspectiva histórica. Pensar nos fundamentos da administração pública naturalmente exige
uma conexão com os seus modelos, no qual será considerada sua clássica divisão de
patrimonialista, burocrática, gerencial e social, localizadas na trajetória histórica da
organização das políticas sociais no Brasil.
A classe burguesa brasileira traz as marcas do neocolonialismo e das fortes
determinações do capital externo, no qual segundo Rizzotti (1999, p:5) “[...] a formação
social é determinada de fora para dentro”. De acordo com essa tese, Nogueira (1998, p: 12)
complementa “somos protagonistas de revoluções sem revolução”. Diante deste pressuposto,
o Estado brasileiro:
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[...] é simultaneamente passado e presente (e, em boa medida, futuro), que é tudo e é nada,
que encerra a força da conservação e as possibilidades da renovação, que se intromete em
todas as coisas mas é dominantemente omisso, que é forte e fraco, odiado e amado com
idêntica intensidade- o mais sedutor e perigoso dos campos de batalha em que pelejam as
classes e os grupos da sociedade (NOGUEIRA, 1998, p: 13).
Um Estado burocrático e entrelaçado de patrimonialismo que expressa a ausência de
um projeto político nacional e estrategicamente garante o fortalecimento externo das
oligarquias, além de historicamente se utilizar da repressão para enfrentar as demandas postas
pela classe trabalhadora, vai propor diferentes modelos de administração pública na sua
trajetória histórica. Apoiados em Filho (2011, p. 81):
[...] a administração pública brasileira nasce, desenvolve-se e se consolida de uma espinha
dorsal que combina patrimonialismo e burocracia, configurando uma unidade contraditória
coerente com a particularidade de nosso capitalismo periférico e de nossa ‘revolução
burguesa’ não clássica.
Diante
deste
pressuposto,
podemos
afirmar
que
a
administração
pública
patrimonialista pode ser identificada como a forma de gestão onde não há distinção entre a
coisa pública do bem privado, sendo que, a corrupção é o nepotismo são inerentes a este
modelo de administração. No caso brasileiro 1822 é a data oficial para identificar o fim do
estatuto colonial e o nascimento do Estado nacional, e neste primeiro momento, se instaura a
administração pública patrimonialista, predominantemente durante o período imperial e a
República Velha. Neste período histórico, o modelo de gestão pública é marcado pela
presença do clientelismo, apadrinhamento e práticas despóticas. A demanda da classe
trabalhadora é enfrentada de forma repressiva, no qual ficam a mercê da filantropia.
Nesse sentido, a organização político-administrativa da colônia combinará a dimensão
tradicional patrimonialista advinda do Estado português com a que brota da articulação
entre o poder central e o poder local patriarcal exercido pelos proprietários rurais. (FILHO,
2011, p:84)
A estrutura administrativa brasileira organiza-se de forma patrimonialista, entretanto,
segundo Filho (2011) para essa dominação atingir o âmbito nacional e local há necessidade de
uma ordem burocrática.
Sendo assim, a gênese da ordem administrativa brasileira se funda no patrimonialismo e na
burocracia, não porque se forja uma dicotomia entre o ‘velho’ e o ‘novo’ entre o ‘atraso’ e o
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‘moderno’, mas sim devido à necessidade de objetivar a dominação das classes dominantes
(proprietários rurais e burguesia comercial) em nível local e nacional simultaneamente, a
partir do momento em que ocorre a passagem da sociedade colonial para uma sociedade
nacional, que implicou a existência de um sistema tradicional escravista e de um sistema
capitalista emergente articulados intensivamente. (FILHO, 2011, p: 90)
Segundo Nogueira (1998, p: 24) “nas quatro décadas que separam o fim da monarquia
e a revolução de 1930, o Brasil conhecerá um tumultuado e irregular processo de expansão
capitalista”. Ou seja, uma nova civilização vai se consolidando e a vida urbano-industrial
desponta no cenário político. Entretanto, essa emergente sociedade urbano-industrial se
apresenta de forma heterogênea e fragmentada sendo insuficiente para propor uma revolução.
A supremacia da burguesia agrária (em especial a de São Paulo) manterá o País voltado
para a produção de matérias-primas e alimentos destinados ao mercado externo, fazendo
com que o café conheça sua glória e deixe em posição subordinada os demais ramos da
economia. (NOGUEIRA, 1998, p: 24)
Por isso, para Nogueira (1998) a década de 1930 foi um dos períodos mais
emblemáticos da história para república brasileira, pois depôs o presidente constitucional e
sete anos mais tarde instaura a mais severa ditadura da sua história, o Estado Novo.
Vistos em conjunto, os anos 30 foram determinados pelos esforços para viabilizar um novo
sistema de poder, fundado no compromisso inter-elites de industrializar aceleradamente o
País com base na modernização das estruturas do Estado e na incorporação subordinada das
massas urbanas emergentes. (NOGUEIRA, 1998, p: 21)
Nessa tentativa de conter a classe trabalhadora delineou-se uma política paternalista
estatal, também conhecida como populismo.
Diante desta conjuntura, a forma de
administração pública, segundo Nogueira (1998, p: 23) “apenas nominalmente seria um
sistema civil e democrático: na verdade, fincou raízes em um localismo mandonista e em
práticas clientelísticas autoritárias, desinteressadas da cidadania e distantes dos grandes
valores republicanos”.
Enfim, segundo Filho (2011), no período de 1930 até o final da ditadura militar o
desenvolvimento da ordem administrativa estava vinculado a expansão do nosso capitalismo
periférico estruturado entre interesses agrários tradicionais e burguesia industrial,
incorporando setores da classe trabalhadora de forma seletiva e regulada.
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Na realidade material, na política e nas mentes, o Brasil mudava. No entanto, em
certa medida, continuava o mesmo: a democracia não avançava, as massas
permaneciam à margem das decisões e os seculares problemas nacionais-miséria,
concentração da propriedade agrária, dependência externa, profunda desigualdade
regional e social- restavam intocados ou eram dramaticamente agravados. O
confronto entre duas épocas- a da velha República latifundiária dos coronéis e a do
novo País do Estado, da indústria e dos trabalhadores-, embora dinamizasse a
sociedade e exigisse a redefinição do sistema de poder, não se concluía com a
eliminação radical de sua pólo mais atrasado: mais uma vez seria encontrado um
compromisso, um acordo mediado pelo Estado entre as velhas e as novas elites.
(NOGUEIRA, 1998, p: 29)
Com relação as gestão das políticas sociais, neste contexto histórico, para Filho (2011)
não existe um projeto de aprofundamento dos direitos sociais, mas sim uma operacionalização
de forma seletiva e limitada, que pouca alteração sofrerá até o golpe militar de 1964.
A partir da década de 1950 a economia brasileira passa para um novo patamar de
desenvolvimento capitalista. Para isso se exige a expansão do caráter burocrático do Estado,
ou seja, segundo Filho (2011) uma nova forma de apropriação do público pelo privado, que
não se confunde com patrimonialismo, pois aqui os bens não pertencem a um senhor, mas sim
privilegiará uma determinada classe social.
Assim, cabe ressaltar a ocorrência de uma mudança na função que a dimensão insulada da
burocracia exercia. No período compreendido entre 1937 e 1945, o ‘insulamento
burocrático’ serviu, prioritariamente, para sustentação da ditadura de Vargas. A partir da
década de 1950, ele servirá, prioritariamente, para viabilizar o projeto de expansão
capitalista brasileiro. Porém, o cariz antidemocrático de então permanecerá na medida em
que, através do insulamento, será impedida a participação das classes trabalhadoras no
desenho do desenvolvimento capitalista a ser expandido no país. (FILHO, 2011, p:121)
Com o golpe militar em 1964 e a reforma administrativa legalizada através da
promulgação do Decreto-lei n 200/1967, para Filho (2011, p: 129) “[...] o que ocorre no
Brasil, do ponto de vista administrativo, a partir do golpe de 1964, é a institucionalização e
expansão da estrutura anterior, porém, sob a égide da consolidação monopólica do
capitalismo brasileiro”.
Esse período histórico é conhecido por expressar a administração pública burocrática
fundada sob lógica do poder racional legal, com características de profissionalizar o quadro de
trabalhadores públicos, implementar o quadro de carreira, constituir e implementar a
impessoalidade, tudo com intuito de controlar os abusos da administração pública
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patrimonialista. Entretanto, como já dito anteriormente, o Estado brasileiro tem característica
peculiar de ser passado e presente, o novo e o velho, dentro de uma mesma estrutura.
Com relação às políticas sociais a universalização ocorre de forma combinada com
mercantilização dos serviços, segundo Filho (2011), implementa um sistema de baixa
qualidade para a massa da população brasileira e oferece todas as condições para a criação de
um sistema privado. Diante disso, as características das políticas sociais, deste período, são a
fragmentação, a centralização e a burocratização.
Com a eclosão da crise mundial na década 1970 e no caso brasileiro a crise do
“milagre econômico” emerge no cenário político uma retomada conservadora na forma de
administração pública. Sendo assim, o diagnóstico neoliberal que justifica esse momento de
crise do capital, encontra-se traduzido numa crise fiscal e financeira, decorrente dos gastos
excessivos com políticas sociais. Desta forma, é preciso propor uma reforma do Estado e
enxugar sua estrutura e função, portanto um Estado mínimo, para que assim, retome os níveis
de desenvolvimento econômico. Segundo Bento (2003):
O Estado mínimo, proposto pelo neoliberalismo é forte na sua capacidade de gerir a massa
monetária, no controle da moeda e na regulamentação dos mercados; forte para romper com
o poder dos sindicatos ou outras mobilizações de classe, para selecionar demandas
compatíveis com a liberdade econômica, mas avaro nas políticas sociais, nas intervenções
econômicas, na produção de bens ou serviços, os quais remetem aos agentes do mercado.
(BENTO, 2003, p: 43)
No Brasil a discussão que o Estado está inchado e inoperante já aparece nos bastidores
do governo Sarney, entretanto foi Fernando Collor que prepara o “terreno” ideopolítico para
Reforma de Estado, que será instalada institucionalmente no governo de Fernando Henrique
através da emenda 19, e, com isso, podemos definir que este contexto histórico é conhecido
por ter uma administração pública gerencial. Essa proposta de reforma do Estado vem de
encontro com um cenário político brasileiro que materializava um alargamento da proteção
social com a Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, a gestão das políticas sociais, segundo Filho (2011, p: 172) “(...)
fundamenta-se na lógica do receituário neoliberal proposto pelo Consenso de Washingtonpautado na estabilização monetária, abertura comercial e privatização”.
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O projeto neoliberal, visando à redução (não eliminação) da intervenção do Estado na área
social- a partir da concepção global de que o bem-estar social pertence à dimensão privada
(família, comunidade e mercado) e de que ao Estado cabe apenas o atendimento residual
para os indivíduos que não conseguem ter suas necessidades atendidas no campo privado-,
propõe estratégias para o desenvolvimento de políticas sociais baseadas, principalmente, na
privatização, focalização e descentralização. Ou seja, ações destinadas à redução do custo
da intervenção do Estado na área social, através da organização de serviços sociais
oferecidos pelo mercado (diretamente ou indiretamente); redução do contingente a ser
atendido pelas políticas sociais, concentrando as ações sociais na população em situação de
pobreza absoluta e desresponsabilização do governo central dos custos de manutenção de
serviços sociais. (FILHO, 2011, p: 151)
Enfim, o que podemos observar é que a administração pública gerencial, sob a égide
de um Estado neoliberal, acarreta mercantilização das políticas sociais, retomada do
assistencialismo e despolitização da luta de classes. No entanto, a ideia do “derrame”,
segundo Kliksberg (2002), que o desenvolvimento econômico traz consigo o social apresenta
sinais de falência, com isso, teóricos passam a discutir uma nova proposta de administração
pública, isso porque, ainda segundo o autor:
Os dados indicam que a realidade funciona de modo muito diferente do que se supõe. As
evidências mostram que, para um país, é imprescindível alcançar uma estabilidade
econômica e o equilíbrio financeiro, melhorar sua competividade e aumentar o produto
interno bruto, mas isso não ‘se derrama’ automaticamente (KLIKSBERG, 2002, p: 22).
Segundo Dowbor (1999, p: 3) torna-se mais evidente que o sistema econômico vigente
“[...] é um sistema que sabe produzir mas não sabe distribuir, simplesmente não é suficiente.
Sobretudo se, ainda por cima, joga milhões no desemprego, dilapida o meio-ambiente e
remunera mais especuladores do que os produtores”.
Diante deste pressuposto, é pensado um modelo de gestão do Estado sob o enfoque
social que consiste na gestão das demandas e necessidades dos cidadãos. Este modelo está
entre a possibilidade de superar a esquizofrenia da ideia do derrame e o idealismo ortodoxo da
leitura marxista. Uma das suas características está em possibilitar a participação da sociedade
na gestão das políticas sociais e com isso catalisar as demandas para o Estado executar. Além
disso, o modelo que mais se adequa aos pressupostos legais das políticas sociais, após
Constituição Federal de 1988 que são descentralização, participação e universalização, é o
modelo de gestão social do Estado. Kliksberg (2002), afirma que:
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A experiência histórica das últimas décadas indica que, diante da tradicional desarticulação
entre o econômico e social, onde, como muitas vezes já se disse, as políticas sociais estão
dedicadas, na verdade, a ‘recolher os mortos e feridos que a política econômica vem
deixando’, é possível se pensar numa articulação integral entre ambos, que potencie
profundamente suas complementaridades. (KLIKSBERG, 2002, p: 36)
A partir desta leitura conceitual, pode se concluir que, quanto mais democrático o
aparelho estatal maior a possibilidade de estratégias que expressam mudanças de
compromisso, e com isso, o planejamento torna-se um instrumento fundante para consolidar
políticas sociais que atendam de fato as demandas da classe trabalhadora. Nesse sentido,
segundo Filho (2011), uma das formas de superação da burocracia é a democratização efetiva
da estrutura administrativa, no qual devemos entender que:
O Estado deve ser forte, amplo e intervencionista para viabilizar a construção da
‘universalidade’ (ainda que tais características não garantam ‘universalidade’, condição
central para sociedade capitalista que pretender enfrentar, com mais ênfase, a desigualdade
sistêmica); a partir deste Estado forte e amplo, a ordem administrativa deve possuir, como
espinha dorsal, a racionalidade burocrática, pois ela possibilita, como vimos, a construção
contra-hegemônica. (FILHO, 2011, p: 77)
Sob esse enfoque Filho (2011) afirma que, há a necessidade de se instaurar uma
administração pública efetivamente democrática, adotando a gestão pública da área social, ou
seja, uma gestão que coaduna elementos da organização burocrática pautada no atendimento
das necessidades das classes dominadas, com vistas a ampliação e o aprofundamento de
direitos numa sociedade de classes.
Nesta concepção ampliada do Estado e levando em consideração os pressupostos das
políticas sociais na contemporaneidade (universalização, descentralização, territorialização,
participação social, intersetorialidade, matricialidade sócio familiar), se propõe um novo
caminho, a gestão pública voltada para área social, a partir da radicalização das estruturas
democráticas do aparelho estatal.
Entretanto, garantir esse modelo de administração pública, ou outro que o gestor
entender mais próximo de suas concepções, necessariamente exige-se certa “autonomia” do
Estado nacional, em relação aos ditames internacionais. Dito de outro modo, há necessidade
da autonomia político-econômica, uma democracia instalada para dialogar com a sociedade
civil, economia interna fortalecida capaz de ampliar oferta de empregos, e a partir disso, o
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Estado nacional terá mais ou menos possibilidade de adotar o modelo de administração
pública que dialogue com sua concepção de Estado e política social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As decisões profissionais, para as quais somos convocados a manifestar
cotidianamente num Centro de Socioeducação, exige uma reflexão crítica sobre gestão das
políticas sociais. A partir dela, torna-se possível adotar uma atitude crítica a estes esquemas
recebidos ou nem percebê-los como esquemas no cotidiano do trabalho profissional. Nesse
processo, corre-se o risco de reproduzir práticas profissionais que divergem dos pressupostos
estabelecidos no Código de Ética profissional e os demais ordenamentos legais e convergir
para uma ação pragmática da realidade.
No entanto, cumpre ressaltar, a materialização da ética ocorre na relação entre limites
e possibilidades que não dependem apenas da intenção de seus agentes. Enfim, não há como
pensar numa atuação profissional num Centro de Socioeducação que não seja precedida de
um diálogo sistemático entre ética, fundamentos da gestão pública, cotidiano e exercício
profissional competente e qualificado.
Portanto, toda essa discussão além de configurar como uns dos fundamentos da gestão
pública, ela está na base que orienta o exercício profissional do assistente social de forma
qualificada e competente. Não desvelar essa leitura crítica sobre o processo de gestão das
politicas sociais e pensar apenas na prática como fim em si mesmo, desconectada deste
contexto, seria o mesmo que “adestrar” o operário para apertar o parafuso, dito de outro
modo, profissional deixa-se engolir no processo alienante e de alienação do mundo do
trabalho. Até porque a atuação profissional com adolescentes privados de liberdade se não
existir uma convergência conceitual com todos que compõem o trabalho intelectual
(socioeducadores) é inócuo o trabalho sob o enfoque de garantia de direitos.
REFERÊNCIAS
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e democratização. São Paulo. Manole, 2003.
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13
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