O Código Florestal, as mudanças climáticas globais e a saúde da população - Parte I Eder Zanetti e Robson Zanetti Nesse momento, em que o País assiste ao embate entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e o Ministério do Meio Ambiente, em torno da necessária reforma do Código Florestal, vale a pena esclarecer sobre alguns aspectos sutis desse preceito legal, que colocam em risco outros mecanismos legais de garantia de qualidade de vida para a população. Especificamente, a questão da manutenção de Reserva Legal e as questões envolvendo mudanças climáticas globais com aumenta da temperatura, e sua conseqüência para o espalhamento de doenças e epidemias. No dia 31 de março de 1964 o Brasil sofreu um Golpe de Estado, Castello Branco foi um dos líderes do movimento e os militares tomaram o poder no dia 1.º de abril de 1964. Oito dias depois era decretado o Ato Institucional N.º 1 (AI-1) cassando os mandatos políticos dos opositores ao novo regime, a estabilidade dos funcionários públicos, a vitaliciedade dos magistrados etc. O mesmo Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, sancionou a Lei n.º 4.771 de 1965, aprovando o novo Código Florestal. A reserva legal e a área de preservação permanente foram estabelecidas no Art 1.º, § 2.º, item II e III. Depois disso, os auto-intitulados ambientalistas, de classe média e alta, que espalham o temor da destruição das florestas pelos meios de comunicação, fizeram com que ambos (RL e APP), ganhassem novas atribuições, vindo a estabelecer-se como parcelas das propriedades rurais destinadas a contribuir para a conservação da natureza e o equilíbrio ecológico dos biomas que ocupam. Em 2000, passou a incluir a reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e o abrigo e proteção de fauna e flora nativas (MP 2166/67). O objetivo maior dessa estratégia é estabelecer uma convivência harmônica e pacífica entre a natureza e as atividades econômicas, que permitam ao ser humano suprir suas necessidades básicas sem atentar contra a qualidade de vida, fim maior de toda atividade humana. A população mundial tem crescido, e algo entre 1,5 e 2,5 bilhões de pessoas vive diretamente dentro ou nas redondezas, de imensas áreas "nativas", principalmente nos trópicos. População essa que tem um crescimento de 3,1% anual (ITTO, 2005). A transformação desses ambientes, é resultado das mudanças que ocorrem em toda a sociedade. O avanço tecnológico da melhoria genética de plantas e animais, o sucesso mundial de algumas espécies em decorrência desse fator (soja, milho, algodão, gado etc), a queima de combustíveis fósseis e os processos industriais ou desenvolvimento urbano são alguns exemplos. Somente durante a última década, foram reconhecidas numerosas doenças infecciosas novas, emergentes e re-emergentes. As principais causas apontadas para isso são: mudanças nos estilos de vida, cidades muito populosas, modificação no processamento de alimentos e, a mais importante para o Brasil, a chegada de pessoas em partes remotas do globo, como a Floresta Amazônica. As mudanças globais, não somente as climáticas envolvem processos que ocorrem independentemente, mas estão intimamente interligados. Para o Brasil, o desafio de adaptar-se a modificação das zonas climáticas aumenta, dado o elevado nível de pobreza encontrado no País, que se encontra altamente suscetível ao aumento do alcance e da ocorrência de doenças. É preciso alavancar as atividades necessárias a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, permitir o crescimento econômico, gerar interesse na iniciativa privada, propiciar a adaptação das legislações estaduais e municipais e distribuir de forma mais justa os resultados dessas atividades, através de modelos democráticos. As mudanças climáticas globais, que tem interface com a atividade florestal, aumentam os problemas relacionados a incidência de pragas e doenças, que podem ter benefícios do aumento das temperaturas globais, seja pelo aumento da sua propagação, seja pelo stress resultante no meio. A reserva legal e a área de preservação permanente, são parcelas das propriedades rurais, dedicadas à manutenção da qualidade de vida e equilíbrio ecológico, contribuindo para cumprir as funções sociais destas. Como conseqüência da implementação desses dois preceitos legais, da reserva legal e área de preservação permanente, dentro da estruturação das propriedades rurais, temos a convivência contínua de dois cenários: de um lado as atividades agropecuárias (e mesmo florestais) e do outro as populações silvestres, de plantas e animais. Com as mudanças climáticas, altera-se o comportamento de mamíferos, répteis, pássaros e insetos, que emergem mais cedo de seus abrigos, e acabam caindo vítimas de frio ou umidade, prejudicando e matando principalmente os indivíduos mais jovens. Sair dos períodos de recolhimento, ou nascer, mais cedo, é muito perigoso para esses animais A falta de alimentos e de reservas torna a situação ainda mais delicada (KIRBY, 2007). Existem duas classes de doenças relacionadas com as áreas verdes. De modo geral, o primeiro é a das doenças não-comunicáveis, o segundo das doenças transmissíveis. A primeira classe está relacionada com a perda de áreas verdes, que leva a uma mudança de hábitos na população. São doenças crônicas e que acometem milhões de pessoas pelo mundo, como, por exemplo, a obesidade. Planejar melhor as cidades, orientando o seu crescimento para manter áreas destinadas a diminuir o stress da vida moderna, ajuda a conter o avanço destas doenças. A segunda classe está relacionada com a presença da vida silvestre, que leva a uma mutação nos microorganismos. São doenças contagiosas, que acometem milhões e podem ser facilmente transmitidas por toda a população, como, por exemplo, a gripe aviária. Essas doenças participam de uma co-evolução com os hospedeiros, defesa. Quando encontram áreas de cultivo, criações domésticas ou populações de humanos, esses microorganismos passam a dispor de uma vasta quantidade de hospedeiros que não participaram dessa co-evolução. As mudanças climáticas poderão aumentar a proporção da exposição mundial a doenças como dengue e malária de 35% a 60% até o ano 2085. Os insetos provaram ser altamente adaptáveis, com capacidade evolutiva de conviver com uma variedade de mudanças ambientais, incluindo as relativamente recentes mudanças climáticas globais, que estão levando ao aumento de suas populações totais. Além de adaptar-se ao clima mais quente, os insetos aumentam seu número de descendentes, com graves e amplas implicações para o agronegócio, a saúde pública e mesmo a conservação da natureza (STRICHERZ, 2006), passando a ter a capacidade de eventualmente, virem a alterar ecossistemas inteiros. Com uma população estima de 15 milhões de insetos diferentes no Brasil é evidente o potencial de proliferação de doenças nesse ambiente. Os mosquitos são especialmente utilizados pelos micróbios, antes do sistema imunológico ter a capacidade de identificá-los e iniciar as suas defesas (DIAMOND, 2005), e são seletivos, atacam determinadas pessoas e as outras utilizam somente como vetores. 70% dos antibióticos utilizados no mundo civilizado são aplicados em animais de criação (gado, porcos, carneiros, cavalos etc), simplesmente para promover crescimento ou prevenir contra infecções. Dentre os micróbios os com maior potencial para atingir os humanos, estão também os mais abundantes nas "selvas tropicais": as bactérias e os vírus. Uma única bactéria pode gerar 280 bilhões de indivíduos em um único dia (de DUVE, 2005). A cada uma, de suas milhões de divisões, elas geram "mutantes", que podem tornar-se hábil o suficiente, e para resistir ou "enganar" os antibióticos que a destruiriam, com uma vantagem muito importante: as bactérias dividem informação umas com as outras. Qualquer bactéria pode "capturar" informação genética de uma outra, o que na prática significa dizer que a nova mutação vai se espalhar tão rápido quanto elas se reproduzem para todo o universo de seres existentes em um determinado local, e elas estão em eventualmente "todos" os lugares. Novas e ameaçadoras viroses aparecem todo o tempo. Ebola e a febre Marburg, têm tido esse comportamento de surgimento e desaparecimento rápido. Ninguém pode dizer com segurança se elas estão testando novas formas mutantes ou simplesmente esperando pela oportunidade ideal para se espalharem por todo o mundo. Outras doenças que surgiram ou reapareceram recentemente são: Dengue; Rotavírus; Parvovírus; Cryptosporidium parvum; Legionella pneumophila; Antivírus; Campylobacter sp; Vírus Linfotrópico; Staphylococcus taxin; Escherichia coli; HTLV II; Borrelia burgdorferi; HIV; Heliobacter pylor; HHV-6; Ehrlichia chafeensis; Hepatite C; Guanarito; Vibrio cholerae 0139; Machupo; Junin; Rocio; Rift Valley; Listeria monocytogens; Sabiá; Morbilivírus; Haemophilus influenza. Existem ainda pelo menos outros 200 patógenos descobertos à partir de 1996 de maior ou menor risco para a saúde humana. Em 1997 o vírus H5N1, que supostamente só atacava pássaros, começou a infectar pessoas, transformando-se no primeiro caso conhecido de seres dessa natureza. A chamada "Gripe do Frango" causou a morte de diversas pessoas em Hong Kong que contraíram a doença. O que fez soar o alarme sobre a doença, que continua extremamente ativa (OMS, 2005). A preocupação é que a nova forma de infecção, de um ser humano para outro, possa formar a base de uma nova ameaça global. Como se observa, a ditadura ambiental da Reserva Legal e das Áreas de Preservação Permanente do Código Florestal, representa um grave risco para a saúde humana, sendo urgente a revisão desses instrumentos, de forma a abarcarem todas as possíveis conseqüências que sua instrumentação tem para a sociedade. Uma forma democrática de dirimir as divergências em torno do tema, seria a realização de um "Plebiscito do Setor Rural", para que os produtores pudessem opinar sobre esses preceitos legais. No próximo artigo, explanaremos com mais detalhes sobre as manifestações do problema das doenças no setor rural brasileiro e possíveis medidas preventivas. Eder Zanetti é pesquisador de Mudanças Climáticas Globais e Serviços Ambientais das Florestas da Embrapa Florestas. [email protected] Robson Zanetti é Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 PanthéonSorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Autor de mais de 200 artigos , das obras Manual da Sociedade Limitada: Prefácio da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi ; A prevenção de Dificuldades e Recuperação de Empresas e Assédio Moral no Trabalho (E-book). É também juiz arbitral e palestrante. www.robsonzanetti.com.br e [email protected]