SOLICITAÇÃO DE EXAMES COMPLEMENTARES POR FISIOTERAPEUTAS LIMINAR EM AÇÃO CAUTELAR PROCESSO Nº: 2003.38.01.001041-3 REQUERENTE: CONSELHO REGIONAL DE FISIOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL DA 4ª REGIÃO PROCESSO Nº: 2003.38.01.001041-3 CLASSE: 9200 – AÇÃO CAUTELAR REQUERENTE: CONSELHO REGIONAL DE FISIOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL DA 4ª REGIÃO REQUERIDO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA – UFJF JUIZ FEDERAL: MARCELO MOTTA DE OLIVEIRA DECISÃO Trata-se de pedido de liminar em Ação Cautelar ajuizada pelo CONSELHO REGIONAL DE FISIOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL DA 4ª REGIÃO contra a UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA – UFJF visando provimento jurisdicional que lhe assegure a suspensão da decisão da requerida que impede a solicitação de exames complementares por fisioterapeutas. Alega o requerente que a partir de 16.08.2002 a Diretoria Clínica do Hospital Universitário, através da Comissão de Ética Médica, passou a impedir que os fisioterapeutas solicitassem exames radiológicos para o acompanhamento de tratamentos fisioterapêuticos, por reconhecer somente aos médicos a prerrogativa de solicitar tais exames. Argumenta que referida decisão limitou a liberdade profissional, sendo que estes necessitam da interação de outros ramos da ciência para a efetivação de seu trabalho. Acompanham a inicial os documentos de fls. 08/15. Custas pagas, conforme guia de fls. 16 dos autos. Despacho designando audiência de justificação prévia, a fls. 18. A fls. 21/22, Termo de Audiência na qual foi feita proposta de acordo às partes, tendo estas requerido a concessão de prazo para submetê-la às instâncias administrativas para análise, tendo sido designada nova data para a realização de audiência. A fls. 25/26 dos autos, consta Termo de Audiência onde o Conselho Regional De Fisioterapia E Terapia Ocupacional Da 4ª Região manifestou-se no sentido de não acolher a proposta efetuada, por entender que com isso, estar-se-ia impondo uma restrição ao exercício da atividade profissional aos fisioterapeutas, o que inviabilizou a realização de acordo entre as partes. Em decorrência, foram ouvidos os assistentes técnicos das partes, conforme consta das fls. 27/32. Identificada a matéria, decido. A concessão de limiar inaudita altera parte, ou após justificação prévia, em sede de3 ação cautelar está autorizada na hipótese do art. 804 do CPC: quando a citação da parte contrária poderá acarretar na ineficiência da medida. É o caso dos presentes autos, em que bem jurídico de imensurável relevância, a saúde pública, encontra-se sob ameaça em razão da limitação imposta pela Universidade Requerida ao exercício da atividade profissional dos fisioterapeutas que prestam serviços em seu Hospital Universitário. Não é possível delongar-se ainda mais o exame do pedido de liminar, sem que com isso haja risco de danos de difícil reparação nos pacientes submetidos a tratamento fisioterápico naquele nasocômio, o que justifica o exame do pedido de liminar, presente esse requisito. Passo a verificar acerca do fumus boni iuris, que também tenho por presente na vertência. No curso de audiência de justificação prévia realizada nesta data, restou caracterizada a necessidade da realização de exames complementares, em apoio à aplicação das técnicas de tratamento fisioterapêuticos. Em seu depoimento de fls. 27/29, o assistente técnico do Conselho requerente esclareceu: “...que na maioria dos casos não é necessário exame complementar, sendo o tratamento feito com base na análise fisio funcional do paciente, mas há casos em que há necessidade de exame radiológico e de outros exames complementares, inclusive para estabelecimento de prognóstico do tratamento; que cita como exemplo o caso de paciente em tratamento de escoliose infanto juvenil; que esse diagnóstico é feito por um profissional médico, mas o paciente não chega necessariamente munido do exame radiológico, porque às vezes o diagnóstico foi feito fora do Hospital Universitário; que o exame radiológico inicial pode não ser suficiente até o final do tratamento, em razão do acelerado crescimento ósseo de crianças, podendo haver necessidade de novos exames radiológicos no curso do tratamento; que durante o período em que está suspenso o fornecimento de exames radiológicos a requerimento dos fisioterapeutas, houve o caso de uma menina de doze anos, portadora de artrite reumatóide juvenil, diagnosticada desde os seis meses de idade, com problema no tornozelo direito, em que no exame verificou-se a existência de restrição de movimento, ficando o tratamento dificultado em razão da impossibilidade de obtenção de exame radiológico; que o problema só foi superado porque a paciente acidentou-se, tendo um médico solicitado uma radiografia do joelho, ocasião em que foi feita também uma radiografia do tornozelo, possibilitando, assim, o tratamento; que a radiografia do tornozelo foi feita por solicitação da família da paciente, por orientação da fisioterapeuta que estava atendendo a paciente; que como estes, há também outros casos em que é necessária a realização de exames complementares; que seria possível, em tese, a obtenção do exame pelo paciente, após consulta com um médico, no próprio hospital Universitário, mas é necessário contextualizar essa informação; que o Hospital universitário é um hospital público, há muitas pessoas para serem atendidas e nem sempre é fácil ou rápido marcar uma consulta médica, o que pode acarretar atrasos no tratamento fisioterápico, havendo além disso a possibilidade de que o médico não solicite o exame por não concordar com sua necessidade...” Por seu turno, o assistente técnico da Universidade informou, às fls. 30/32: “... que trabalha basicamente na enfermagem, onde os pacientes em tratamento fisioterápico normalmente não necessitam de exames complementares; que não conhece casos em que seja necessário exame complementar para o tratamento fisioterápico, os exames normalmente são necessários para o diagnóstico médico; que acredita que uma paciente de doze anos com artrite reumatóide juvenil pode passar por tratamento fisioterápico sem necessidade de exame radiológico; que se algum fisioterapeuta encaminhasse ao depoente um paciente com solicitação de exame complementar, solicitaria o exame, desde que o entendesse conveniente para aquele paciente; que não solicitaria um exame apenas por ter sido pedido pelo fisioterapeuta; que não sabe qual é o tempo médio para marcação de consultas no Hospital Universitário; que não sabe como um fisioterapeuta interpreta um exame radiológico; que não tem conhecimento se houve prejuízo para alguém em razão da suspensão dos exames radiológicos solicitados pelos fisioterapeutas. Dada a palavra ao Procurador da UFJF, ele perguntou e obteve as seguintes respostas: que sempre há médicos de plantão no hospital que poderiam atender casos de urgência encaminhados pelos fisioterapeutas; que o depoente considera casos de urgência na área de fisioterapia apenas aqueles relacionados à atividade ventilatória, nos quais não seria necessário exame radiológico. Dada a palavra ao Procurador do Conselho Regional de Fisioterapia, ele perguntou e obteve as seguintes respostas: que há um setor de imagem radiológica de plantão, para os casos de pneumonia; que esse serviço é deficiente por falta de recursos e, em decorrência, de equipamentos e de pessoal; que esse setor atende a solicitações médicas de exames radiológicos em caso de pneumonia, mesmo durante o plantão, fornecendo a imagem sem o laudo do radiologista, que é encaminhado posteriormente; que o laudo descreve a imagem, mas a relação entre essa imagem e o paciente é feita pelo médico, sendo o laudo apenas um complemento do exame clínico; que o médico pode inclusive discordar do laudo radiológico, que não é suficiente para a formação de um diagnóstico; que se um fisioterapeuta solicitar um exame complementar para um paciente em tratamento e o médico não deferir essa solicitação, isso se dá em função de critérios médicos e não fisioterapêuticos; que se o pedido for feito por outro médico, por escrito, o depoente pede o exame e anexa o pedido do colega ao seu pedido, porque nesse caso a responsabilidade é do outro médico; que se o pedido vier de um fisioterapeuta, o procedimento não será o mesmo devendo o depoente examinar o paciente e verificar o cabimento do exame, porque a responsabilidade pela sua adequação ao caso é sua. O cotejo dos depoimentos mencionados permite inferir que os médicos e fisioterapeutas analisam os exames radiológicos sobre prismas integralmente diversos, dada, natural e evidentemente, a especificidade de suas respectivas áreas de atuação profissional. Os médicos têm os exames complementares como suporte e apoio para o diagnóstico clínico; os fisioterapeutas, de sua vez, utilizamnos como apoio para a aplicação do tratamento inerente à sua atividade profissional. O ilustre e culto assistente técnico da Universidade Requerida deixou suficientemente claro que, a legar-se a apreciação da necessidade de exame radiológico para fins de tratamento fisioterapêutico a profissional médico, esta será procedida apenas do ângulo médico, sem qualquer consideração às peculiaridades do tratamento em exame. E será, via de regra, indeferida , porque mesmo um médico de reconhecidas experiência e capacidade profissional, dotado de vasta cultura, como é o caso do Dr. José Nalon de Queiroz, simplesmente não conhece casos em que seja necessário exame complementar para o tratamento fisioterápico (fls. 30). Mostra-se, ainda, inviável o simples encaminhamento dos pedidos de exame formulados pelos fisioterapeutas aos médicos, para que estes os formalizem, porque a questão não é de cunho meramente formal: os médicos, a teor dos depoimentos colhidos, consideram necessário examinar o paciente e perquirir acerca da utilidade do procedimento solicitado, sob o prisma médico. O fisioterapeuta ficará sem o exame que reputa importante para o tratamento porque ninguém tomará esse ponto de vista em consideração. Os pacientes e os estudantes de fisioterapia que ali recebem parcela de sua formação, obviamente, são os prejudicados. Não é razoável que os pacientes da fisioterapia sejam submetidos, para o atendimento de suas necessidades terapêuticas, ao crivo de profissionais cujo conhecimento técnico acerca da atividade em questão são, data máxima vênia, nulos, o que a própria Universidade Requerida deve reconhecer, eis que mantém Curso Superior de Fisioterapia, claro indicativo de que atribui autonomia científica a essa área do conhecimento humano. Sob o prisma estritamente legal, têm-se que a legislação ordinária não regulamenta, suficientemente, as atividades características do exercício da medicina ou da fisioterapia. Ambos os respectivos Conselhos exercem tais atribuições, por delegação legal, nos termos da Lei 3.268/57, que institui os Conselhos Federal e Regionais de Medicina, e da Lei 6.310/75, que institui os mesmos Conselhos relativos à Fisioterapia e Terapia Ocupacional. É elementar que não cabe ao Conselho Regional de Medicina dispor acerca do exercício da profissão dos Fisioterapeutas ou Terapeutas Ocupacionais, e viceversa, sendo nulas as disposições que contrariem as normas legais em evidência. Da mesma forma e no mesmo diapasão, o Conselho de Ética do Hospital Universitário não pode, sem violência às atribuições legalmente atribuídas aos Conselhos da área, regulamentar a atividade dos fisioterapeutas, instituindo limitações sem amparo legal e, principalmente, em detrimento dos pacientes e estudantes do Hospital, com redobrada vênia das reconhecidas capacidade profissional e idoneidade ética e moral de seus cultos componentes. Histórias como a narrada pelo ilustre e douto Dr. Marcos Souza Freitas, assistente técnico do Requerente, de pacientes que penam por falta de tratamento porque não conseguem obter, no Hospital Universitário, o exame radiológico de que dizem necessitar os fisioterapeutas, `a falta de solicitação formulada por médico; ou que utilizam seus parcos recursos para obtê-los na rede privada, sacrificando suas economias em prol da saúde, são elementares do periculum in mora, que in casu é qualificado pelo disposto no art. 804 do CPC, circunstância já examinada ab initio. Anoto, contudo, que a presente lide envolve, claramente, interesses do Conselho Regional de Medicina a que se subordinam os profissionais que integram os quadros da Requerida, sendo indispensável sua integração à lide para que tenha eficácia, já que para tal é indispensável que eventual sentença de procedência tenha feitos contra esse Conselho, a cujas normas estão sujeitos os médicos radiologistas e que, ultima ratio, deram origem ao litígio, como se depreende do documento de fls. 10. Trata-se de hipótese de litisconsórcio passivo necessários, nos termos do art. 47 do Código de Processo Civil, pelo que deverá promover o Requerente a citação do aludido Conselho. Entretanto, a urgência da medicina postulada recomenda a pronta prolação da presente decisão, condicionando sua permanência no mundo jurídico ao atendimento às providências determinadas ao requerente. Por fim, observo que há relevante interesse público em litígio, pelo que se me afigura possível, em tese, a intervenção do Ministério Público Federal nestes autos, nos termos do art. 86, III, do Código de Processo Civil. Por tais fundamentos, CONCEDO A LIMINAR pleiteada, nos termos em que formulada, pelo que suspendo os efeitos do ato que impede a solicitação de exames complementares por fisioterapeutas, até que se decida a ação principal que será ajuizada no prazo legal. Promova o requerente a citação do Conselho Regional de Medicina em 10 (dez) dias, sob pena de extinção do processo e revogação da liminar concedida. Cite-se, intimando-se a Requerida da presente decisão, para que a cumpra, por mandado, com urgência. Operada a preclusão e após as possíveis contestações, remetam-se os autos ao Ministério Público Federal para que diga sobre seu eventual interesse em intervir como custos legis no presente feito. Intimem-se. Juiz de Fora, 09 de abril de 2003. MARCELO MOTTA DE OLIVEIRA Juiz Federal Substituto da 1ª Vara