Características bucais e craniofaciais da síndrome

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Relato
de caso
GONÇALVES
AR; clínico
BONINI GC; NOVAES TF; MAREGA T; IMPARATO JCP
Características bucais e craniofaciais
da síndrome de Apert: relato de caso
Recebido em: fev/2015
Aprovado em: abr/2015
Alcides Ricardo Gonçalves -
Mestrando em Odontopediatria,
especialista em Odontologia para
Pacientes com Necessidades Especiais
pelo CPO SL Mandic - Professor
assistente do curso de especialização
em Odontologia para Pacientes com
Necessidades do CPO SL Mandic
Gabriela Cunha Bonini - Doutora
em Odontopediatria pela Faculdade de
Odontologia da Universidade de São
Paulo (Fousp) - Professora assistente de
Odontopediatria da graduação do CPO
SL Mandic e professora do programa de
pós-graduação do CPO SL Mandic
Tatiane Fernandes de Novaes
- Pós-doutoranda em Ciências da
Saúde pela Universidade Cruzeiro
do Sul de São Paulo/SP, doutora em
Odontopediatria pela Fousp - Professora
convidada do programa de mestrado em
Odontopediatria do CPO SL Mandic
Tatiane Marega - Doutora em
Educação Especial pela Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar) Professora coordenadora do curso de
especialização em Odontologia para
Pacientes com Necessidades Especiais do
CPO SL Mandic de Campinas/SP
José Carlos Pettorossi Imparato -
Livre-docência pela Fousp - Coordenador
do programa de mestrado em
Odontopediatria do CPO SL Mandic
Termo de Consentimento livre e
esclarecido assinado pela responsável
e enviado à Revista
Autor de correspondência:
Alcides Ricardo Gonçalves
Rua Antonio Pedro, 97
Centro – Pedreira/SP
13920-000
Brasil
[email protected]
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Oral and craniofacial characteristics Apert syndrome: a case report
RESUMO
A síndrome de Apert, também conhecida como acrocefalossindactilia é uma rara condição
genética caracterizada pela fusão prematura das suturas cranianas (craniossinostose), hipoplasia do terço médio da face e sindactilia das mãos e pés. O presente trabalho teve como objetivo
demonstrar as principais características bucais e craniofaciais da síndrome de Apert, através de
um relato de caso. Paciente do sexo masculino, 4 anos de idade, leucoderma, com diagnóstico
médico de síndrome de Apert, foi encaminhado para a Clínica de Especialização em Odontologia
para Pacientes com Necessidades Especiais do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo
Mandic, em Campinas, São Paulo, Brasil. No exame físico, notou-se a presença de sindactilia dos
dedos dos pés e das mãos, alterações craniofaciais, hipoplasia da maxila, palato em forma de V
invertido com pseudofenda na linha média, tumefações nos processos palatinos e ausência dos
incisivos inferiores. Conclui-se que as características bucais e craniofaciais do paciente estão
de acordo com as características relatadas na literatura para a síndrome, devendo o cirurgião-dentista estar apto a identificá-las.
Descritores: acrocefalossindactilia; pessoas com deficiência; odontopediatria
ABSTRACT
The Apert syndrome, also known as acrocephalosyndactyly, is a rare genetic condition characterized by the premature fusion of the cranial sutures (craniosynostosis), hypoplasy of the
middle third of the face and syndactyly of the hands and feet. This study aimed to demonstrate
the main oral and craniofacial characteristics of the Apert syndrome through a case report. A
4-year-old leucoderma male patient, with a diagnosis of Apert syndrome, was referred to the
Clinic of Dentistry Specialization for Special Needs Patients at the Dental Research Center São
Leopoldo Mandic, in Campinas, São Paulo, Brazil. On physical examination there have been noticed the presence of syndactyly of the toes and hands, craniofacial abnormalities, hypoplasy of
the maxilla, inverted V shaped of the palate, with pseudocleft midline, swellings in the palatine
processes and absence of the lower incisors. The results indicated that the oral craniofacial characteristics of the patient are in accordance with those reported in the literature for the Apert
syndrome, and a dentist is required to identify them.
Descriptors: acrocephalosyndactylia; disabled persons; pediatric dentistry
RELEVÂNCIA CLÍNICA
A relevância clinica do presente trabalho é demonstrar as principais características bucais
e craniofaciais da síndrome de Apert, através do relato de caso de uma criança acometida pela
doença. É de extrema importância que o profissional Cirurgião-Dentista saiba reconhecer essas
características no caso de pacientes com essa síndrome para que o tratamento adequado seja
instituído.
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Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais
INTRODUÇÃO
A síndrome de Apert, também conhecida como acrocefalossindactilia, recebeu esta denominação por ter sido descrita por
Eugene Apert em 1906. É uma rara condição genética com padrão de transmissão autossômico dominante, caracterizada pela
fusão prematura das suturas cranianas (craniossinostose), hipoplasia do terço médio da face e sindactilia das mãos e pés.1,2,3,4,5
Estima-se que a prevalência seja de aproximadamente 1:65.000
nascimentos2,6, com uma distribuição por sexo de 1:1.5
As malformações cranianas estão associadas a mutações
ocorridas nos genes receptores do fator de crescimento de fibroblastos (FGFR), identificadas como agente etiológico de algumas
síndromes com craniossinostose, incluindo a síndrome de Apert.7
A fusão prematura de uma ou mais suturas cranianas acarreta deformação do crânio e aumento da pressão intracraniana8,
sendo que os principais traços craniofaciais incluem: acrobraquicefalia (crânio em forma de torre), depressão dos ossos temporais, hipoplasia severa do terço médio da face, boca em forma de
trapézio, ponte nasal achatada, hipertelorismo e proptose ocular,
e fissuras palpebrais obliquas baixas.9
As manifestações bucais podem incluir: palato em forma de
V invertido, maloclusão tipo classe III, tumefações ao longo da
parte lateral do palato duro e pseudofenda palatina. Uma parcela dos pacientes podem apresentar fenda palatina e úvula bífida.2
Quanto à fusão dos dedos das mãos e pés, nome dado a essa
condição de sindactilia, pode ocorrer apenas fusão dos tecidos
moles como também fusão dos tecidos moles e ósseos.10
O diagnóstico pré-natal pode ser feito através da ultrassonografia e do estudo genético, este último viável apenas nos
últimos anos. O diagnóstico pós-natal, além do estudo genético, pode ser realizado através das características clínicas, radiografias, tomográficas e da ressonância magnética.4 O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras síndromes que
causam craniossinostose, como a síndrome de Pfeiffer, Crouzon
e Saethre-Chotzen.11
O tratamento cirúrgico da síndrome de Apert é realizado para
correção das deformações funcionais e estéticas do crânio e das
sindactilias das mãos e pés, contribuindo para a melhora estética
e funcional do paciente.12 O tratamento ortodôntico costuma ser
necessário e é integrado ao tratamento cirúrgico para tratamento da craniossinostose.2
Este relato de caso teve como objetivo demonstrar as principais características bucais e craniofaciais da síndrome de
Apert, sendo de extrema importância que o profissional Cirurgião-Dentista saiba reconhecer essas características no caso de
pacientes com essa síndrome para que o tratamento adequado
seja instituído.
RELATO DE CASA CLÍNICO
Paciente do sexo masculino, 4 anos de idade, leucoderma,
com diagnóstico médico de síndrome de Apert, compareceu no
Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic, de
Campinas/SP, acompanhado de sua mãe, que tinha como queixa
principal a ausência de alguns dentes decíduos, onde foi enca-
minhada para Clínica de Especialização em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais.
Durante a anamnese colhida junto à sua mãe, que teve
uma filha mais velha que não apresentava a síndrome, constatou-se que o paciente permanecia em tratamento médico
no hospital de clínicas da Universidade Estadual de Campinas/
SP (Unicamp), não estava fazendo uso de nenhum medicamento, não havia sido submetido a procedimentos cirúrgicos
estéticos e/ou funcionais até o momento e não falava, apenas
emitia alguns sons.
No exame físico, notou-se a presença de acrobraquicefalia
(Figuras 1, 6A e 6B), sindactilia dos dedos dos pés (Figuras 1, 2
e 3) e das mãos (Figuras 1 e 4), hipoplasia do terço médio da
face (Figuras 1, 6A e 6B), hipertelorismo ocular, pregas epicânticas nos olhos, fissuras palpebrais oblíquas (Figura 5), ponte
nasal achatada e nariz em formato de bico, boca em forma de
trapézio, perfil facial côncavo discreto, má formação e inserção
baixa dos ouvidos externos. (Figuras 6A e 6B).
O exame físico intrabucal revelou hipoplasia da maxila,
diastema entre os incisivos centrais superiores, palato em forma de V invertido com pseudofenda na linha média, tumefações nos processos palatinos (Figura 7), ausência dos incisivos
inferiores decíduos (Figura 8), presença de dentição decídua e
ausência de lesões de cárie (Figura 9).
A radiografia panorâmica revelou ausência dos dentes incisi-
FIGURA 1
Acrobraquicefalia, sindactilia dos dedos dos pés
e das mãos, e hipoplasia do terço médio da face
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FIGURA 4
Sindactilia dos dedos das mãos
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FIGURA 2
Sindactilia dos dedos do pé direito
FIGURA 5
Hipertelorismo ocular, pregas epicânticas
nos olhos e fissuras palpebrais obliquas
FIGURA 3
Sindactilia dos dedos do pé esquerdo
FIGURA 6A
Acrobraquicefalia, hipoplasia do terço médio da face, ponte nasal
achatada e nariz em forma de bico, boca em forma de trapézio, perfil
facial côncavo discreto, má formação e inserção baixa dos ouvidos externos
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FIGURA 8
Ausência dos incisivos inferiores decíduos
FIGURA 6B
Acrobraquicefalia, hipoplasia do terço médio da face, ponte nasal
achatada e nariz em forma de bico, boca em forma de trapézio, perfil
facial côncavo discreto, má formação e inserção baixa dos ouvidos externos
FIGURA 9
Presença de dentição decídua e ausência de lesões de cárie
vos inferiores decíduos e permanentes, e dentes 11 e 21 girovertidos (Figura 10).
A conduta clínica requereu orientações quanto à técnica de
higiene bucal, profilaxia e aplicação tópica de flúor. As consultas
de rotina foram instituídas a cada seis meses, facilitando assim a
manutenção da saúde bucal do paciente e o acompanhamento de
possíveis agravos relacionados à síndrome.
FIGURA 7
Hipoplasia da maxila, diastema entre os incisivos centrais
superiores, palato em forma de V invertido com pseudofenda
na linha média e tumefações nos processos palatinos
DISCUSSÃO
As craniossinostoses são classificadas de acordo com a(s)
craniana(s) sutura(s) afetada(s).13 A fusão prematura de uma ou
mais suturas cranianas pode ocorrer como anormalidade primária,
como parte de uma síndrome, ou estar associada a um conjunto
de condições sistêmicas.8
O retardo mental é considerado usual para o paciente com síndrome de Apert e pode ocorrer devido às malformações cerebrais,
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FIGURA 10
Radiografia panorâmica mostrando ausência dos dentes incisivos
inferiores decíduos e permanentes, e dentes 11 e 21 girovertidos
alta pressão intracraniana ou ambiente familiar.14,15,16
A ocorrência da síndrome de Apert pode estar associada à idade paterna avançada. O que pode explicar esta associação é que
a replicação das células pré-meióticas durante a vida do homem
resulta no acúmulo de mais mutações na linha germinativa de
indivíduos mais velhos, assim elevando a frequência das mutações
dos espermatozoides.17,18,19
A maior ocorrência das mutações genéticas acontece no cromossomo 10q (10q25-26), especialmente no lócus 10q26 do gene
FGFR2 (receptor do fator de crescimento de fibroblastos 2).12 Entre
as craniossinostoses sindrômicas causadas por mutação no FGFR2,
a síndrome de Apert e a síndrome de Crouzon se destacam, representando os extremos do espectro de variabilidade clínica causada
por ganho de função de mutações em FGFR2.6
O paciente do presente caso apresentou como características craniofaciais: acrobraquicefalia, hipoplasia do terço médio da
face, hipertelorismo ocular, pregas epicânticas nos olhos, fissuras
palpebrais oblíquas, ponte nasal achatada e nariz em formato de
bico, boca em forma de trapézio, perfil facial côncavo discreto, má
formação e inserção baixa dos ouvidos externos.1,20,21,22 Os achados bucais revelaram: hipoplasia da maxila, palato em forma de V
invertido com pseudofenda na linha média, tumefações nos processos palatinos7,12,20,22,23,24,25,26 e ausência dos incisivos inferiores
decíduos.27 A radiografia panorâmica revelou ausência dos dentes
incisivos inferiores decíduos e seus sucessores permanentes27, e
giroversão dos dentes 11 e 21.24 Esses achados corroboram com
estudos prévios para o diagnóstico clínico da síndrome de Apert,
mesmo ainda, no presente caso, o diagnóstico por meio de estudos
genéticos não ter sido realizado.
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A totalidade (100%) dos pacientes com síndrome de Apert
apresentam acrobraquicefalia, hipoplasia do terço médio da face
e sindactilia dos dedos30, sendo que essas características são marcantes no paciente relatado.
A ausência de alguns dentes decíduos e/ou permanentes podem ter uma frequência de até 44,4%, as tumefações nos processos palatinos podem ocorrer em até 88,8% e a erupção ectópica
também pode estar presente em 33,3% dos casos.12 Essas alterações podem ser explicadas pela hipoplasia da maxila12 que, também, está presente no referido paciente.
Embora a hipoplasia da maxila resultar em uma significante
maloclusão tipo classe III22,28, o paciente relatado não apresentava
esta característica, sendo que o mesmo será acompanhado clinicamente sempre observando essa possível condição. A fenda palatina,
presente em até 24% dos pacientes, e a úvula bífida, em até 75%31,
também não foram características apresentadas pelo paciente.
O tratamento cirúrgico das craniossinostoses visa melhorar a
estética e previnir alterações neurológicas.12
A craniostomia pode ser realizada durante o 1° ano de vida
para tratar a craniossinostose. O avanço frontofacial e do terço
médio da face podem ser feitos depois para corrigir a proptose e a
hipoplasia do terço médio da face.4
O tratamento ortodôntico costuma ser necessário e é integrado ao tratamento cirúrgico.2 Não há um consenso quanto o melhor tempo para corrigir cirurgicamente a hipoplasia do terço médio da face, sugere-se que a cirurgia deve ocorrer de nove a doze
anos de idade com tratamento ortodôntico dos 12 aos 21 anos.29
O tratamento deve ser realizado por uma equipe interdisciplinar, sendo que o planejamento cirúrgico ocorre em diferentes
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etapas: correção das alterações craniofaciais (descompressão cirúrgica para crescimento cerebral normal), avanço do terço médio
da face (melhorar o fluxo aéreo-nasal) e cirurgia ortognática (correção funcional e estética). A cirurgia corretiva para a sindactilia
dos dedos das mãos deve ser realizada na infância, enquanto que
para os dedos dos pés a cirurgia corretiva está indicada se a habilidade de andar estiver prejudicada.31 Até o momento o referido
paciente não havia sido submetido a procedimentos cirúrgicos
estéticos e/ou funcionais.
O paciente será acompanhado ambulatorialmente na Clínica
de Especialização em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais do Centro de Pesquisas Odontontógicas São
Leopoldo Mandic, de Campinas/SP, visando à manutenção da
saúde bucal, o diagnóstico e o tratamento precoce de possíveis
alterações inerentes à síndrome; assim como possíveis reabilitações orais no momento oportuno. A interdisciplinaridade será
estabelecida junto à equipe médica do hospital de clínicas da
Universidade Estadual de Campinas/SP (Unicamp), sempre visando condutas conjuntas para o bem-estar do paciente.
CONCLUSÃO
De acordo com o relato de caso apresentado, conclui-se
que as principais características bucais e craniofaciais do paciente estão de acordo com as características relatadas na literatura para a síndrome, devendo o Cirurgião-Dentista estar
apto a identificá-las.
APLICAÇÃO CLÍNICA
Esse relato de caso demonstra de maneira efetiva as principais características bucais e craniofaciais da síndrome de Apert,
fazendo com que o Cirurgião-Dentista clínico geral ou especialista
esteja apto a identificá-las e, desta maneira, instituir o tratamento
ou direcionamento adequado a seu paciente.
AGRADECIMENTOS
Ao programa de Mestrado em Odontopediatria e ao Curso
Especialização em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo
Mandic, de Campinas/SP.
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