MACHADO, Ednéia Maria DEMOCRACIA, CIDADANIA E

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DEMOCRACIA, CIDADANIA E POLÍTICA SOCIAL*
Dra. Ednéia Maria Machado**
Resumo: As concepções de cidadania e de democracia têm se apresentado como
intrínsecas e complementares uma à outra. No Brasil, atualmente, a cidadania e a
democracia têm se colocado como paradigmas na construção de um novo direito das
relações sociais, tendo uma concepção de Estado de Direito – um Estado que, em seus
marcos legais, estabelece a democracia como sistema político e a cidadania como
paradigma de aperfeiçoamento, aprofundamento e garantia da democracia. Mas, a política
brasileira insere-se nos marcos do neoliberalismo, marcos estes que não se coadunam com
o avanço da cidadania. É com a vitória de Lula, nas eleições presidenciais de 2003, que a
cidadania começa a ganhar contornos de uma ação que deve atingir, fundamentalmente,
aqueles, historicamente, excluídos de qualquer cidadania – seja a de documentação, seja a
de alfabetização, seja a de proprietário etc. Entretanto, as profundas conseqüências do
modelo neoliberal, colocam um desafio dos mais significativos para o novo governo: como
aliar a democracia e cidadania no âmbito de uma política social que transcenda os critérios
de acesso aos direitos sociais, que se colocam como critérios de “exclusão”, e não de
inclusão.. Este é o desafio que, entendemos, se coloca para um dos mais importantes
programas do novo governo: o FOME ZERO.
Palavras-chaves: democracia, cidadania, política social
Introdução
O Brasil elegeu, no ano de 2002, um presidente da república cuja profissão é a de
metalúrgico, e que não tem formação universitária. Fato inédito na história do país, a
eleição de um representante das classes trabalhadoras colocou, em primeiro plano, o debate
sobre a política social, inflexionando, assim, o discurso neoliberal de privilégio ao
econômico. No discurso de posse, o Presidente colocou como prioridade de seu governo o
combate à fome, e lançou o Programa FOME ZERO. Temos, então, uma equação bastante
*
O presente texto é produto parcial de resultado da pesquisa Mania de cidadania: a democracia e a
cidadania na ação profissional do Serviço Social, coordenado pela Dra. Ednéia Maria Machado.
**
Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Professora do
Departamento de Serviço Social, e do Mestrado em Serviço Social e Política Social, da Universidade Estadual
de Londrina – PR/Brasil. Endereço: Rua Luiz Dias, 277, apto. 21. Jardim Petrópolis. CEP: 86.015-440. Tel.:
(43) 3323-4168. e-mail: [email protected]
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polêmica: é possível aliar cidadania, política social, e democracia, num país onde o
capitalismo é o fundamento do modo de produção da vida social? Se nos fundamentarmos
nos conceitos destas três categorias – cidadania, política social, democracia – podemos
concluir que são categorias próprias do modo capitalista. Mas, há que se pensar que o atual
governo é depositário da esperança de milhares de brasileiros que o escolheram para mudar
o quadro de aprofundamento da miséria, do desemprego, da subordinação aos ditames do
capitalismo internacionalizado.
Democracia e Cidadania
O cidadão na teoria liberal: a cidadania pela propriedade
A teoria liberal baseia-se, fundamentalmente, nos direitos individuais, na ação do Estado,
na defesa e preservação da propriedade privada e do livre mercado.
Entretanto, a
concepção de cidadão, ainda que nuançada por conjunturas sócio-históricas específicas, é,
sempre, parametrada pela ordem burguesa, pelo modo de produção capitalista. É a teoria
liberal que funda a idéia de cidadão. E o cidadão é o indivíduo com direitos políticos
legitimados, e que são legitimados pela propriedade. Em outras palavras, a propriedade é
que garante o status de cidadão.
Na doutrina liberal, reconhece-se o direito de alguns homens terem poder, com fundamento
na posse da propriedade. Começa-se, então, a estabelecer critérios para o exercício da
cidadania, a questionar-se se todos os indivíduos devem ter poder e, fundamentalmente, a
questionar se, caso todos os homens tivessem poder, não se colocaria em risco o
fundamento do Estado burguês, que é a propriedade privada. Trata-se, então, de através do
poder retirar dos homens o poder que lhes era inerente, não para transferi-lo para o Estado,
mas para concentra-lo nas mãos dos proprietários. Nesta perspectiva, a democracia também
fica circunscrita pela propriedade, se entendermos a democracia como o exercício do poder
político, das relações igualitárias, dos direitos iguais. É assim, que ainda que direitos iguais
sejam definidos e legalmente instituídos, seu exercício efetivo fica na dependência do
cumprimento de determinados pré-requisitos, que vão desde o estabelecimento de uma
idade mínima para o direito ao voto até a exigência de documentos de identificação de
controle da vida de cada indivíduo.
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Mas, se por um lado, dentro da tradição liberal, busca-se limitar e cercear o poder dos
indivíduos e circunscrever e delimitar o alcance da cidadania, por outro lado, no âmbito da
tradição marxista, numa postura antagônica a essa, o objetivo é ampliar os direitos de
cidadania, desvinculando a cidadania e a democracia da propriedade.
O cidadão no pensamento marxista: a transformação social passa pela cidadania?
Karl Marx (1982), realiza uma profunda reflexão sobre a sociedade burguesa, e, nesta
reflexão, fica claro que o sistema de produção capitalista tem, inerente à sua estrutura, a
desigualdade social. Ao dividir a sociedade em proprietários dos meios de produção e
proprietários da força de trabalho, a burguesia divide a sociedade em classe sociais, sendo
que duas classes são fundamentais: a burguesia e o proletariado. E a sociedade é produto
das ações recíprocas dos homens, que envolve a sua produção e reprodução. Esta
produção/reprodução é material e espiritual.
Mas, as ações dos homens não são homogêneas, elas são complexas, contraditórias, e
perpassadas por diversas dimensões: religiosas, políticas, econômicas, culturais, morais etc.
Assim é que a relação entre o homem e a sociedade é uma relação dialética, onde o homem
se coloca como sujeito da história – individual e coletiva. E, nesse sentido, o homem, não
como ser individual, mas como ser coletivo, como classe social, tem poder de transformar a
estrutura social. Marx utiliza o termo cidadão. Mas, na sua análise, ele mostra que o que é
próprio da sociedade burguesa, específico da sociedade burguesa, é a distinção clara, nítida,
entre a esfera pública e a esfera privada. E é desse elemento constitutivo da vida sóciopolítica na sociedade burguesa, que é a cisão entre o Estado e a sociedade, que emerge a
distinção entre o indivíduo e o cidadão. Em Marx fica muito clara a idéia de que a
concepção e a realidade da cidadania só tem sentido em uma sociedade onde o público está
dissociado do privado.
Como a perspectiva da cidadania vincula-se, estreitamente, à questão da democracia,
ressalte-se que Marx e Engels apresentavam a democracia como contraditória em si mesma:
se, por um lado, a classe dominante cria mecanismos que visam oferecer à população uma
ilusão de participação, por exemplo, as eleições; por outro, ela viabiliza a organização da
população para ampliar as formas democráticas, adentrando na luta por direitos de uma
participação efetiva.
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Nesse sentido é que o debate sobre cidadania e democracia ocupa um importante espaço
dentro da tradição marxista. Se houve um momento em que os pensadores marxistas
consideravam que toda e qualquer conquista da Revolução Burguesa deveria ser eliminada
numa nova sociedade, a conjuntura sócio-histórica demonstrou que a tese deve ser outra, ou
seja, de que as conquistas da Revolução Burguesa, não todas, mas algumas, devem ser
preservadas. Essa linha de raciocínio não se baseia na idéia de que a sociedade burguesa é
democrática, mas que, justamente por ela envolver a dominação numa capa democrática,
abre espaços para que a luta pela democracia se efetive.
A luta pela democracia, pela conquista de direitos de cidadania, apresenta-se, dessa forma,
como um instrumento das classes dominadas contra o sistema de opressão a que estão
submetidas.
Portanto, a questão da democracia, da cidadania, e sua vinculação com a transição
socialista, é um debate em aberto. Mas é um fato inquestionável a luta pelos direitos de
cidadania. Esta luta passa pelos mais diferentes segmentos sociais, tem ressonância nos
partidos políticos, nos meios intelectuais etc. Portanto, coloca-se como um problema que
merece a atenção dos pensadores marxistas.
Sendo a cidadania fundada pela teoria liberal, tendo por fundamento primeiro a propriedade
privada, a questão que se põe refere-se aos limites e possibilidades da própria cidadania no
interior do sistema capitalista e na superação deste. As reflexões sobre esse problema
colocam que a luta pela cidadania é uma luta pela conquista e/ou ampliação da democracia.
E, neste sentido, desmistifica-se a democracia burguesa enquanto tal, expõe os seus limites,
na medida em que não se trata de discutir os direitos dos proprietários, mas de discutir os
direitos dos não proprietários. Assim, busca-se transcender o fundamento da propriedade,
presente na concepção liberal de cidadão, pelo fundamento do trabalho.
E a política social?
Como já afirmamos, o fundamento do capitalismo é a desigualdade, ou, numa concepção
marxista, a contradição, sendo a contradição básica a que opõe trabalho e capital.
A desigualdade se apresenta nos mais diferentes âmbitos: político, social, cultural,
econômico etc. E é no âmbito da desigualdade social que se desenvolvem medidas de
política social que têm uma importante dimensão ideológica: a de manter os conflitos
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sociais em patamares administráveis pelo Estado. Ao incorporar as reivindicações de
trabalhadores, movimentos sociais etc, em programas sociais, o Estado as administra de
acordo com os interesses de manutenção da ordem vigente; em outros termos, o Estado se
apropria das reivindicações e as atende tendo por parâmetro a ordem econômica. Faz parte
desta estratégia do Estado, a segmentação, parcialização, focalização, individualização dos
problemas sociais.
A par de toda esta segmentação, estabelece-se, também, os critérios para acesso aos
“direitos sociais” , que, nesta perspectiva, são apresentados como “benefícios sociais”.
Existem duas lógicas, sob o ponto de vista do Estado, para a definição de critérios de
acesso: uma, a lógica econômica, que implica em manter uma parcela das pessoas sob o
jugo da necessidade, e que funciona como freio na organização das mesmas para lutarem
por direitos; a outra, de ordem filosófica-ideológica, que individualiza os problemas sociais,
culpabilizando as pessoas por suas carências. Nesta lógica, há que se dosar muito bem o
que o Estado “dà” às pessoas, para que elas não se acostumem a viver das “benesses”
públicas.
Assim é que, no Estado capitalista, a política social é uma gestão estatal de controle da
força de trabalho, e de controle do preço da força de trabalho. Portanto, ela é uma
política que atende prioritariamente, ainda que não exclusivamente, a classe trabalhadora.
A política social é, então, uma política de intervenção do Estado no âmbito das
desigualdades sociais produzidas pelo modo capitalista de produção. Estas desigualdades
sociais são explicadas, pelo Estado e pelas classes dominantes, desvinculando-as da
estrutura produtiva e vinculando-as a situações conjunturais e individuais específicas: crise
capitalista, falta de formação profissional compatível com as necessidades do mercado etc.
– o que abre um amplo leque de possibilidades de legitimação do Estado e das classes
detentoras dos poderes econômico e político.
Ao atender parcialmente as necessidades da população através de políticas sociais, seja em
resultado de confronto entre as classes e segmentos e grupos sociais, seja em medidas
antecipatórias, o Estado objetiva manter em condições administráveis as desigualdades
sociais.
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Assim é que, nas formações econômico-sociais capitalistas, a política social atende aos
interesses do sistema capitalista, daí ser uma política circunscrita pelas necessidades de
reprodução do capital como capital e da força de trabalho como mercadoria. Como a
reprodução do capital transcende o âmbito econômico, torna-se imprescindível o
desenvolvimento de políticas que dêem sustentação e legitimidade a essa reprodução, o que
significa que a política social estará limitada pelas próprias necessidades dessa reprodução.
Dado que o modo de produção capitalista se coloca como a resposta pronta e acabada às
necessidades de desenvolvimento do homem e das forças produtivas: “A economia política
burguesa, isto é, a que vê na ordem capitalista a confirmação definitiva e última da
produção social” (Marx, 1980, p. 10); a política social adquire, então, um caráter
temporário.
Essa temporalidade da política social não se refere á política em si, mas aos tipos de
atendimento social, aos critérios de acesso, aos serviços – ou tipo de clientela – e a
abrangência dos atendimentos – considerando, também, por quanto tempo se usufruirá do
direito. Podemos citar como exemplos: seguro desemprego, tempo de serviço para a
aposentadoria, faixa etária para ter acesso aos serviços etc.
Esse caráter temporário é explicado, e justificado, a partir do entendimento de que as
situações objetos de atendimento pela política social se circunscrevem em conjunturas
específicas e passíveis de solução no âmbito do sistema. Portanto, o desenvolvimento do
modo capitalista de produção criaria as condições necessárias para que, cada vez mais, a
política social pública vá restringindo seu âmbito de ação, sendo que parte dela
poderá/deverá ser absorvida, ou transferida, para o atendimento pela iniciativa privada.
Sendo assim, as temporalidades conjunturais que exigem ações no âmbito das políticas
sociais ficariam cada vez mais restritas, dado que o desenvolvimento capitalista
possibilitaria que o mercado e os indivíduos se responsabilizassem por suas necessidades
sociais.
Esta perspectiva da política social coloca, claramente, uma separação entre conjuntura e
estrutura; ou seja, as situações que exigem intervenções no âmbito da política social são
produtos, eminentemente, de momentos conjunturais, e não reflexos estruturais do modo de
produção.
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Concretamente, analisar a política social sob esta perspectiva tem implicado na priorização
de aspectos da subjetividade humana, em detrimento de aspectos objetivos da realidade
social, na definição de lutas e programas – sejam estatais, sejam de grupos organizados da
população. Daí é que categorias como solidariedade, humanidade, ajuda, cooperação,
justiça social etc., ganham relevância como princípios organizadores e solucionadores das
expressões da questão social colocadas à política social. São a estas mesmas categorias que
se recorre, no âmbito do Estado, para explicar a ineficácia e ineficiência da política social,
dado que ela não tem conseguido alcançar o objetivo que lhe é imputado de redistribuição
do produto social de tal forma a diminuir a pobreza e a desigualdade social.
No quadro atual de crise da política social, reflexo da crise atual do capitalismo, e cuja
aparência imediata, no orçamento estatal, é o corte nas despesas sociais do Estado e,
conseqüentemente, o corte de direitos e atendimentos sociais, as possíveis saídas
apresentadas fundam-se, prioritariamente, no desenvolvimento de valores morais e éticos
baseados na igualdade, solidariedade, laços de família, rede de vizinhança etc. Ou seja,
aspectos sociais e culturais que, parecem, têm vida própria, independentes da forma como
os homens organizam o processo de produção. Portanto, é uma análise que apresenta a
política social como tendo origem em situações conjunturais específicas, afirmando, assim,
sua temporalidade, e organicidade, com o capital. Por outro lado, a análise de que os
problemas colocados à política social são produtos da base estrutural sob a qual se organiza
o modo de produção, vincula as lutas coletivas e organizadas da população sob a
perspectiva de conquista de direitos, ainda que nem sempre se vinculem a reformas sociais
substantivas.
A partir desta análise da política social é possível afirmar o papel por ela desempenhado no
movimento entre o capital e o trabalho, sendo que determinadas conjunturas históricas a
colocam como um direito que responde a necessidades objetivas, concretas, reais; e,
noutras, ela é chamada a responder a necessidades subjetivas que, parecem, descolam-se do
real e, aí, a-histórica que se torna, ela propõe soluções que buscam clamar aos homens que
voltem às suas supostas origens naturais de solidariedade e fraternidade.
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A questão que se coloca, então, é: é possível, no âmbito do capitalismo, universalizar a
política social para todos que dela necessitam? E, em sendo possível, esta política social
deveria ter outro critério de acesso que não o da necessidade?
Política Social e Cidadania
Dados os limites das concepções de política social e de cidadania, sumariamente apontadas
neste texto, devemos considerar a possibilidade de ampliar os direitos concernentes às
mesmas.
Os critérios de acesso à política social, no Brasil, quando se trata de programas sociais
governamentais que atingem a parcela da população que se encontra no limite da
sobrevivência, exigem contrapartidas das pessoas atendidas, além de comprovações da
situação de miserabilidade. Além de submeter as pessoas a entrevistas, buscando definir o
perfil sócio-econômico – ou seja, a garantia de que as pessoas não têm nenhuma outra fonte
de sobrevivência -, ainda se realizam visitas para comprovar o afirmado nas entrevistas.
Parte-se do pressuposto de que as pessoas mentem sobre suas vidas, ou omitem aspectos
desta que poderiam significar a exclusão do programa. Ressalte-se que em sua maioria as
pessoas atendidas moram em favelas, condições habitacionais tão precárias que seria
impossível afirmar que elas as escolheram para terem acesso a, por exemplo, uma cesta
básica.
Outro ponto a se considerar é que os programas sociais são homogeneizados em todo o
território nacional, não cabendo às pessoas por eles atingidas qualquer possibilidade de
participação nas decisões. Pode-se pensar, por exemplo, que o conteúdo da cesta básica é
definido pelos órgãos governamentais, definindo, assim, o que as pessoas devem comer.
Mas, como afirmamos anteriormente, exige-se, também, contrapartida das pessoas. Na
maioria das vezes, isto significa participar de reuniões onde os assuntos já estão
previamente definidos.
Fica clara a dimensão filosófica-ideológica da política social: as pessoas são incapazes de
participar e de tomar decisões, cabendo ao Estado fazer isto por elas.
Esta questão se aprofundou no atual governo com a implantação do Programa FOME
ZERO. O programa distribui, mensalmente, à famílias “selecionadas” nas regiões mais
pobres do país, a quantia de R$ 50,00 (cinqüenta reais), o equivalente a U$ 15 (quinze
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dólares). Esta quantia deve ser gasta, exclusivamente, em alimentos, tendo-se discutido,
inclusive, se alguns alimentos seriam proibidos, como, por exemplo, iogurte. O gasto deve
ser comprovado, seja através de nota fiscal, recibo, testemunhos, em fim, de acordo com as
condições de cada família e cidade.
Outra ação do Programa é a solicitação de doação, em dinheiro ou em alimentos. Esta
solicitação está presente em propagandas na televisão, e em caixas eletrônicos de bancos. O
que se tem, então, é um Programa que busca se lastrear na “solidariedade” , com o
agravante de se propor a realizar um pacto entre as classes sociais, unindo-as em torno da
fome que o próprio Estado criou.
Ressaltamos que o Programa está em seu início, portanto o debate é imprescindível para
seu aprimoramento. Acreditamos que a maioria das pessoas seja favorável ao combate à
fome, entretanto, num governo que se firmou politicamente como oposição, e que se elegeu
propondo mudanças, o que temos vivenciado pode ser considerado um retrocesso em
relação aos programas anteriores. Entendemos, também, que o papel do Estado é de
desenvolver políticas e não de pedir doações, principalmente se considerarmos a elevada
carga tributária a qual os brasileiros estão sujeitos.
Entendemos que há que se fazer uma outra leitura sobre as pessoas que têm nas políticas
sociais estatais, a quase exclusiva condição de se alimentar, ter saúde, educação etc. Esta
leitura implica em resgatar paradigmas que desvendem o real, e mostrem que as pessoas
não são culpadas pelas condições econômicas precárias em que vivem. Isto significa rever o
papel do Estado, a concepção de Estado, e o modo de produção da vida social.
Há que se pensar, também, que as pessoas não se dividem em capazes e incapazes, e que
todas têm condições de tomar decisões sem necessidade da “mão paternal do Estado para
guia-las”. As pessoas que recebem uma renda através de um programa social estatal, têm
condições de decidir o que comprar de acordo com suas prioridades, afinal, as necessidades
são tantas que pode-se priorizar, por exemplo, o calçado para a criança freqüentar a escola
onde, na maioria das vezes ela também tem acesso a um lanche. Ou pode-se pensar,
também, que tendo uma renda fixa fica mais fácil comprar à prazo garantindo que a chuva
fique do lado de fora do barraco, e continuar catando latas, ou carpindo quintais, ou
plantando feijão no semi-árido, para garantir a alimentação de todo dia.
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Temos que buscar uma equação que alie democracia, política social e cidadania. Nesta
equação o Estado deve se responsabilizar pelas condições de vida da população, e deve
olhar para cada pessoa como uma proprietária – proprietária de sua vida e de sua história.
Daí, o fundamento pelo trabalho: é o trabalho coletivo que constrói a riqueza social, riqueza
esta que deve ser socialmente distribuída.
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PALMA, Luiz ; STANISCI, Silvia Andrade (orgs.) Assistência social: parâmetros e
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