224 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 224-228 C. I. S. Rodrigues et al - Efeitos da felodipina e enalapril na hipertensão arterial Comparação entre os efeitos anti-hipertensivo e metabólico da Felodipina e do Enalapril em pacientes com hipertensão arterial essencial leve a moderada Cibele Isaac Saad Rodrigues, Antonio Felipe Simão, Nyder Rodríguez Otero, Fer nando Ratto, Moacir Nicodemus Marte, Fer nando Antonio de Almeida Neste estudo foram incluídos 60 pacientes com pressão arterial diastólica entre 95 e 110 mmHg, classificados como portadores de hipertensão arterial essencial leve a moderada, segundo os critérios da Organização Mundial de Saúde e da Sociedade Internacional de Hipertensão, nos quais foram avaliados os efeitos anti-hipertensivos e metabólicos da felodipina, um bloqueador dos canais lentos de cálcio com alta seletividade vascular, e do enalapril, um inibidor da enzima conversora da angiotensina, ambos com ação prolongada, podendo ser utilizados uma vez ao dia como monoterapia na hipertensão arterial. O controle pressórico foi semelhante, ambos apresentaram boa tolerabilidade e nenhum efeito metabólico detectado no período de estudo de 8 semanas. Disciplina de Nefrologia - Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba Endereço para correspondência: Prof. Dr. Fernando Antonio de Almeida Praça José Ermírio de Moraes nº 290 - CEP 18030-230 - Sorocaba - São Paulo. Telefone: (0152) 31.5999 Fax: (0152) 33.9022 hipertensão arterial, felodipina, enalapril, efeitos metabólicos e anti-hipertensivos arterial hypertension, felodipine, enalapril, anti-hypertensive and metabolic effects Introdução A felodipina é um antagonista dos canais lentos de cálcio do grupo das diidropiridinas com ação vasosseletiva. 1 Seu principal mecanismo de ação é a inibição do influxo de cálcio nas células musculares lisas dos vasos de resistência. 1, 2 Sua afinidade pelos canais de cálcio da musculatura lisa vascular é 100 vezes maior quando compa- rada ao verapamil e 10 vezes maior que da nifedipina. 2 Este efeito deter mina diminuição da resistência periférica por vasodilatação arteriolar diminuindo a pós-carga e não apresentando ação inotrópica negativa. 3 Por ser liberada lentamente no trato gastrintestinal e devido às suas propriedades farmacocinéticas, pode ser administrada em dose única diária, sem pico plasmático e, portanto, com menos efeitos indesejáveis. 1, 3 A felodipina pode ser utilizada com eficácia no tratamento da hipertensão arterial (HA) leve a moderada, onde pode ser utilizada como monoterapia, o que lhe confere comodidade posológica e melhor adesão do paciente à terapêutica. 1, 2 Outro grupo de agentes anti-hipertensivos amplamente utilizado no tratamento da HA são os inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA). Deles, o enalapril tem demonstrado eficácia e boa tolerabilidade quando administrado para tratamento monoterápico em pacientes hipertensos leves a moderados. 4, 5, 6 Estas duas classes de anti-hipertensivos J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 224-228 225 C. I. S. Rodrigues et al - Efeitos da felodipina e enalapril na hipertensão arterial são também semelhantes no sentido de, habitualmente, não induzirem efeitos metabólicos indesejáveis. 4, 5, 6, 10 Assim, o objetivo do presente trabalho foi comparar a eficácia e tolerabilidade à felodipina e ao enalapril em dose única diária, fornecidos como monoterapia anti-hipertensiva, administrada a pacientes ambulatoriais com pressão arterial (PA) diastólica > 95 mmHg e < 110 mmHg definidos, segundo os critérios da Organização Mundial de Saúde e da Sociedade Internacional de Hipertensão, como portadores de HA essencial leve a moderada. 7 Pacientes e Métodos Trata-se de estudo multicêntrico, aberto e randomizado. Foram incluídos 60 pacientes de ambos os sexos, de qualquer etnia, com idades entre 18 e 70 anos, que concordassem em participar do estudo através da assinatura do termo de consentimento pós-informado. Foram considerados critérios de exclusão: gravidez, amamentação ou risco de engravidar; HA de causa secundária; alterações clinicamente significantes da função hepática, cardíaca ou renal; infarto ou acidente vascular cerebral nos últimos três meses; presença de angina, insuficiência cardíaca congestiva, bloqueios átrio-ventriculares de 2º ou 3º graus; doença severa concomitante, incluindo diabete melito descompensado; uso de drogas que causam dependência ou alcoolismo. O protocolo de estudo foi aprovado pelas Comissões de Ética das Instituições onde foi realizado. Protocolo de estudo Toda medicação anti-hipertensiva foi suspensa 15 dias antes da entrada do paciente no período basal ou placebo. Os pacientes mantiveram-se em suas dietas habituais, embora estimulados a um menor consumo de sódio. Aqueles que apresentaram PA diastólica supina entre 95 e 110 mmHg após 4 semanas de uso de placebo foram incluídos no estudo. Nesta visita, além das medidas da PA e exame clínico completo, realizamos um eletrocardiograma (ECG) e avaliamos os resultados dos exames laboratoriais coletados na semana 2 do período placebo (uréia, creatinina, potássio, colesterol, glicemia, exame hematológico, transaminases glutâmicas e oxalacética e fosfatase alcalina). Es- tes exames foram considerados como o perfil metabólico inicial dos pacientes estudados. Na semana 0 (zero), foi iniciada a parte aberta e randomizada do estudo onde os pacientes receberam felodipina 5 mg ou enalapril 10 mg, em dose única diária, recomendando-se que fossem tomados diariamente no mesmo horário entre as 6 e as 10 horas da manhã, por um período de 4 semanas. Os pacientes compareceram ao ambulatório a cada duas semanas, para que fossem aferidas a PA e a freqüência cardíaca (FC) de 22 a 26 horas após a última ingestão da medicação e, obrigatoriamente antes de sua próxima tomada. Os pacientes que, por qualquer motivo, tivessem tomado a medicação no dia da consulta eram solicitados para não tomá-la na manhã seguinte, retornando então nestas circunstâncias para serem examinados. As pressões sistólica e diastólica (fases I e V dos sons de Korotkoff, respectivamente) foram sempre aferidas através da utilização de esfigmomanômetro de mercúrio, de acordo com as normas técnicas preconizadas. 8 Durante todo o estudo, estas medidas foram feitas pelos mesmos observadores, no mesmo braço e utilizando os mesmos manguitos, após 5 minutos de repouso na posição supina e, posterior mente, após 5 minutos na postura ereta. Todas as medidas foram feitas duas vezes consecutivas, com intervalo de 1 minuto entre elas, tirando-se a média das duas determinações. Após a randomização dos pacientes nos grupos enalapril e felodipina, a cada visita, além de avaliação clínica completa, verificamos a adesão ao tratamento e a presença de efeitos adversos, os quais, quando presentes, eram discriminados quanto a sua severidade, duração, relação com as drogas estudadas e evolução. Na semana 4, os pacientes foram subdivididos em dois grupos: os que responderam satisfatoriamente à terapêutica inicial (PA diastólica < 95 mmHg), permaneceram com a mesma dosagem de felodipina ou enalapril até a semana 8, e aqueles que mantiveram PA diastólica > 95 mmHg passaram a receber o dobro da dose inicial, ou seja, os não-respondedores utilizaram 10 mg de felodipina ou 20 mg de enalapril, em dose única pela manhã. Após duas semanas de tratamento, os pacientes foram reavaliados clinicamente (semana 6) e, retornavam para a visita final (semana 8). Na última consulta, além da avaliação clínica, 226 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 224-228 C. I. S. Rodrigues et al - Efeitos da felodipina e enalapril na hipertensão arterial nova avaliação laboratorial idêntica à inicial foi solicitada, incluindo a realização de ECG. A adesão ao tratamento foi baseada na contagem do número de comprimidos que restaram a cada visita, comparada ao número teórico daqueles que deveriam restar. Análise estatística Para os dados paramétricos a comparação entre médias independentes foi realizada através do teste t de Student. Quando se tratava de medidas repetidas, utilizamos a análise de variância e, quando havia diferença, foi aplicado o teste contrastes de Scheffé. Para as análises qualitativas (dados não paramétricos), foi utilizado o teste do qui-quadrado. Consideramos como nível de significância estatística a partir de 5% para testes bicaudais. Resultados Do total de pacientes incluídos 60 ter minaram o estudo, sendo 31 do grupo felodipina e 29 do grupo enalapril. Como pode ser visto nas tabelas 1 e 2, os grupos eram comparáveis quanto às características demográficas, clínicas e laboratoriais observadas no período basal, não havendo qualquer diferença estatística entre eles. Efeitos na Pressão Arterial e Freqüência Cardíaca Ao término do estudo (semana 8), ambas as drogas anti-hipertensivas reduziram significantemente a PA sistólica e diastólica nas posições supina e ortostática sem, no entanto, mostrar diferenças estatís- ticas entre os dois grupos. As reduções médias da PA sistólica, na posição supina nos pacientes tratados com felodipina, foram de 18,6 mmHg e com enalapril de 20,1 mmHg. Para a PA distólica na posição supina foram obser vadas quedas pressóricas médias de 13,8 mmHg nos pacientes que receberam felodipina e de 10,5 mmHg naqueles que receberam enalapril. Dos pacientes que receberam felodipina 3 (10%) mantiveram PA diastólica acima de 90 mmHg no final do estudo e um necessitou interromper o tratamento por apresentar PA diastólica acima de 110 mmHg. Entre aqueles que tomaram enalapril em 7 pacientes (24%) a PA diastólica manteve-se acima de 90 mmHg e um foi excluido do estudo por ter PA diastólica acima de 110 mmHg. Esta diferença entre os grupos não atingiu significância estatística. Em 3 pacientes tratados com felodipina (10%) foi necessário dobrar a dose do medicamento passando, portanto, a usar 10 mg/dia. O mesmo ocorreu em 10 pacientes (34%) do grupo enalapril, que passaram a receber 20 mg/dia. Esta diferença foi estatisticamente significante (p<0,05). A FC não apresentou alterações estatisticamente significantes entre os dois grupos de pacientes no decorrer do estudo. As médias dos valores pressóricos, em todas as visitas, podem ser visualizadas no gráfico 1. Efeitos Metabólicos A tabela 2 apresenta, em ambos os grupos de pacientes, a média dos resultados das avaliações laboratoriais quanto aos níveis sangüíneos de potássio, creatinina, uréia, colesterol e glicemia. Embora tenham ocorrido pequenas alterações nas médias dos Tabela 1 Características Demográficas e Clínicas dos Pacientes (Final do Período de Placebo) Grupo Felodipina n = 31 Idade (anos) % Mulheres % Brancos % Fumantes % Medicação anterior Peso (kg) Altura (cm) Freqüência cardíaca supina (bpm) Pressão arterial sistólica supina (mmHg) Pressão arterial diastólica supina (mmHg) 57,0 ± 9,6 61,3 71,0 6,5 64,5 76,1 ± 13,4 162,1 ± 9,3 72,9 ± 10,7 156,7 ± 16,8 97,6 ± 7,8 Grupo Enalapril n = 29 52,7 ± 12,3 41,4 82,8 6,9 69,0 74,2 ± 13,5 163,4 ± 9,1 74,5 ± 11,2 155,4 ± 18,6 97,9 ± 8,2 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 224-228 227 C. I. S. Rodrigues et al - Efeitos da felodipina e enalapril na hipertensão arterial Tabela 2 Parâmetros Laboratoriais Grupo Basal Potássio (mEq/l) Creatinina (mg/dl) Uréia (mg/dl) Colesterol (mg/dl) Glicemia (mg/dl) 3,9 0,9 29,3 209,8 93,3 Felodipina Semana 8 ± 0,3 ± 0,1 ± 9,3 ± 50,6 ± 9,4 4,0 1,1 33,7 207,8 95,7 Grupo Basal ± 0,5 ± 0,2 ± 10,2 ± 46,7 ± 13,1 3,9 0,9 32,5 219,0 85,3 ± 0,3 ± 0,1 ± 12,9 ± 35,9 ± 8,7 Enalapril Semana 8 4,0 1,1 31,1 198,1 93,4 ± 0,3 ± 0,2 ± 11,8 ± 36,8 ± 13,6 Média ± DPM parâmetros laboratoriais metabólicos avaliados no início e no final do tratamento, estas não atingiram significância estatística em ambos os grupos em estudo. Efeitos Adversos As queixas mais freqüentes relatadas espontaneamente podem ser observadas na tabela 3. Não há diferença estatística entre os grupos no que se refere à freqüência de efeitos colaterais tomados como um todo. Como mostra a tabela 3, exceto pela cefaléia que esteve presente nos dois gr upos com freqüência semelhante, a natureza dos efeitos adversos relatados foi diferente nos dois gr upos, impedindo por isso a comparação estatística entre eles. A intensidade dos efeitos adversos foi, habitualmente, de grau leve a moderado, de tal for ma que nenhum paciente precisou ser retirado do estudo por estes motivos. Não houve também qualquer alteração dos valores do exame hematológico, transaminases e fosfatase alcalina em ambos os grupos. PRESSÃO ARTERIAL SISTÓLICA (PAS) E DIASTÓLICA (PAD) NA POSIÇÃO SUPINA mmHg 170 PAS 150 * * * * * 130 110 PAD * Discussão O enalapril, um inibidor da enzima conversora da angiotensina II, tem eficácia e tolerabilidade comprovadas por inúmeros trabalhos da literatura. 4, 5, 6 Tratase de uma pró-droga, que necessita ser hidrolisada pelo fígado para exercer efeito farmacológico sistêmico. 6 Sua meia-vida prolongada permite a utilização em dose única diária. 4, 5, 6 A felodipina, um antagonista dos canais lentos de cálcio de última geração, do grupo das diidropiridinas, apresenta perfil farmacológico caracterizado por vasosseletividade e eficácia anti-hipertensiva prolongada. 1, 2, 3 Ambas as drogas utilizadas neste estudo não determinam picos plasmáticos acentuados e, possivelmente por esta razão, observamos baixa incidência e pequena intensidade de efeitos colaterais no período de 8 semanas de tratamento com droga ativa. Uma explicação alternativa é que alguns dos efeitos colaterais mais comuns aos IECA (tosse) e aos antagonistas de cálcio (edema pré-tibial) podem ter aparecimento mais tardio (após as 8 semanas do período de droga ativa deste estudo). Como era esperado, o controle pressórico alcançado, tanto sistólico como diastólico, foi equivalente nos dois grupos. Também como observado na maioria dos estudos com estas classes de anti-hipertensivos nenhuma alteração metabólica significante foi detectaTabela 3 Efeitos adversos 90 70 -4 -2 * = p < 0,001 vs BASAL 0 2 4 6 Felodipina Sistólica Felodipina Diastólica Enalapril Sistólica Enalapril Diastólica 8 Felodipina Enalapril semanas Gráfico 1 - Evolução da média das pressões arteriais sistólicas e diastólicas durante as 12 semanas do estudo. Cefaléia Taquicardia Edema MMII Tonturas 6% 2% 2% 2% Cefaléia Rubor Insônia Tosse 5% 3% 3% 1% 228 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 224-228 C. I. S. Rodrigues et al - Efeitos da felodipina e enalapril na hipertensão arterial da no curto período entre as avaliações laboratoriais efetuadas. 4,5,6,10 Entretanto, no grupo que recebeu enalapril, foi maior o número de pacientes que necessitou dobrar a dose para controlar a pressão arterial (p<0,05). Dos pacientes que receberam felodipina, 87% (27/31) chegaram ao final das 8 semanas de tratamento efetivo com PA diastólica < 90 mmHg, enquanto no grupo que recebeu enalapril isto ocorreu em 62% (18/29), diferença não significante do ponto de vista estatístico (p>0,05). A FC per maneceu estável no decorrer de todo o estudo, mesmo no grupo que utilizou antagonista de cálcio em dose máxima (10 mg/dia), demonstrando que a taquicardia, um efeito adverso freqüente com as não esteve drogas do grupo das diidropiridinas, 9 presente nos pacientes estudados. Também não observamos bradicardia, um efeito colateral que pode ocorrer com antagonistas de cálcio do gr upo difenilalquilaminas (verapamil). 9,10 Assim, podemos concluir que ambas as drogas possibilitaram o controle pressórico dos pacientes estudados, portadores de HA leve a moderada, com boa tolerabilidade clínica e metabólica, constituindose em opções terapêuticas anti-hipertensivas adequadas, quer do ponto de vista farmacológico, quer de comodidade posológica, o que certamente interfere positivamente na adesão do paciente hipertenso ao tratamento medicamentoso da hipertensão. Finalmente, vale a pena ressaltar que entre os pacientes que receberam felodipina a grande maioria (27/31 - 87%) pode ser controlada com dose relativamente baixa da droga (5 mg/dia). Este fato certamente deve ter contribuido para que os efeitos colaterais observados nestes pacientes tenham sido raros e de pequena intensidade. Assim, o uso de felodipina na dose de 5 mg/dia deve ser considerado como uma boa opção como monoterapia inicial de pacientes com hipertensão arterial de graus leve a moderado. Summary In this study we included 60 patients with diastolic blood pressure from 95 to 110 mmHg, defined as mild to moderate essential hypertensive, according to the criteria of the World Health Organization and International Society of Hypertension, in whom the anti-hypertensive and metabolic effects of felodipine (a vascular selective calcium-channel blocker) and enalapril (an angiotensin-converting enzyme inhibitor) were evaluated. Both are long-action dr ugs allowing their use as once-a-day monotherapy to treat hypertension. Blood pressure control were similar and both had good tolerability. Metabolic effects were not detected during the 8-week period of the study. Referências 1. Todd PA, Faulds D. Focus on Felodipine. Dr ugs. 1992; 44(2):252-277 2. Elvelin L, Kennerfalk A, Elmfeldt D. 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