CLÍNICA INTEGRADA DE ODONTOLOGIA CIODONTO ANDRÉIA STANKIEWICZ TRATAMENTO DA MALOCLUSÃO NA DENTIÇÃO DECÍDUA COM PISTAS DIRETAS PLANAS: RELATO DE CASO Monografia apresentada a Ciodonto, como requisito para a obtenção do título de Especialista em Ortopedia Funcional dos Maxilares. GUARULHOS 2009 CLÍNICA INTEGRADA DE ODONTOLOGIA CIODONTO ANDRÉIA STANKIEWICZ TRATAMENTO DA MALOCLUSÃO NA DENTIÇÃO DECÍDUA COM PISTAS DIRETAS PLANAS: RELATO DE CASO Monografia apresentada a Ciodonto, como requisito para a obtenção do título de Especialista em Ortopedia Funcional dos Maxilares. Orientador: Prof. Antonio Fagnani Filho GUARULHOS 2009 Stankiewicz, Andréia Tratamento da maloclusão na dentição decídua com pistas diretas Planas: relato de caso. Guarulhos, 2009 101p Monografia (Especialização) – CIODONTO – Clínica Integrada de Odontologia. maloclusão, dentição decídua, tratamento, pistas diretas Planas. SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................... 05 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 06 2. REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................ 09 3. PROPOSIÇÃO...................................................................................................... 70 4. RELATO DO CASO CLÍNICO .............................................................................. 71 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 88 ABSTRACT............................................................................................................... 92 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 93 RESUMO As maloclusões constituem um dos problemas de saúde bucal mais prevalentes na atualidade, segundo a Organização Mundial de Saúde. Estima-se uma prevalência superior a 70% dos casos se manifestando ainda na fase de dentição decídua. Sem intervenção adequada, se perpetuam e agravam na dentição permanente. O presente estudo tem por objetivo revisar a literatura existente sobre a maloclusão na dentição decídua sob a ótica da Ortopedia Funcional dos Maxilares e o tratamento com pistas diretas Planas, apresentando um caso clínico bastante comum de um paciente do sexo masculino de quatro anos de idade que apresentava maloclusão de classe II de Angle, subdivisão direita, com mordida profunda, desvio postural mandibular e bruxismo excêntrico noturno associados. Foi proposto tratamento com pistas diretas Planas e realizado acompanhamento longitudinal durante oito anos. Constatou-se a rápida melhora sintomatológica do paciente, em cerca de quatro meses após instituída a terapia. A evolução oclusal, da estética facial e harmonização do perfil foram acompanhados até o início da puberdade, com excelentes resultados. Procurou-se enfatizar a importância do diagnóstico e da intervenção oportuna com técnica adequada. Assim, é possível atuar sobre a maloclusão ainda na dentição decídua, simplificando a forma de abordagem e promovendo equilíbrio funcional e estético, o que favorece o prognóstico do paciente. Palavras-chave: maloclusão, dentição decídua, tratamento, pistas diretas Planas. 1. INTRODUÇÃO A maloclusão é considerada pela Organização Mundial da Saúde o terceiro problema odontológico de saúde pública. Por isso cabe ao cirurgiãodentista diagnosticar e intervir o mais precocemente possível, prevenindo o estabelecimento de alterações mais graves no sistema estomatognático em desenvolvimento. De acordo com Silva Filho et al. (2002), em um estudo de levantamento epidemiológico feito com 2016 crianças entre três e seis anos, 73,26% das crianças em fase de dentição decídua possuem algum tipo de maloclusão que, se não tratadas em idade precoce, poderão originar distrofias de base óssea, com alterações ortopédicas ou estruturais, musculares e nervosas, que poderão se perpetuar nas fases seguintes, avançando para os períodos de dentição mista e permanente. Porém, se diagnóstico e tratamento são efetivados precocemente, as alterações de base óssea e outros problemas decorrentes serão evitados. A opção pelo tratamento precoce utiliza variáveis biológicas inerentes a esta faixa etária, proporcionando resultados favoráveis, seguros e rápidos. Desta forma, é possível buscar uma terapêutica que visa a correção de todo o conjunto dos elementos constituintes da oclusão e estética facial e não apenas dos dentes. As observações de Planas (1997), os estudos com populações aborígenes realizados por Simões (2003) e outros estudos com povos primitivos relatados na literatura ajudaram a elucidar os mecanismos neurofisiológicos naturais envolvidos no desenvolvimento do sistema estomatognático e na conseqüente determinação do padrão oclusal individual. A partir destes estudos associados às diversas teorias de crescimento desenvolvidas (SICHER, 1947; SCOTT, 1954; MOSS, 1962; PETROVIC, 1974; ENLOW, 1993), onde cada autor foi “encaixando uma parte do quebra-cabeça” de forma que cada descoberta complementava as anteriores; foi possível compreender que, além dos aspectos genéticos, os fatores ambientais exerciam um papel fundamental, especialmente nos primeiros anos de vida, onde o metabolismo é acelerado, funções vitais são estabelecidas e as transformações físicas são significativas. Assim, a etiopatogenia da maloclusão é explicada, em grande parte, pelos hábitos da sociedade contemporânea. O desestímulo à amamentação por um período suficiente (de acordo com a Organização Mundial de Saúde e demais órgãos competentes, esta deveria ser exclusiva até os seis meses de idade e prolongada até os dois anos ou mais), seja por questões culturais, econômicas, como o ingresso da mulher no mercado de trabalho, ou outras; e concomitantemente a crescente popularização do uso de artifícios de sucção pelos bebês, como, por exemplo, chupetas e mamadeiras, os quais atuam moldando as estruturas orofaciais e guiando seu crescimento de forma desequilibrada. Além disso, a alimentação cada vez mais processada e macia, que não estimula a correta maturação do sistema como já havia alertado Planas (1997). Atuar de forma preventiva, portanto, inclui orientar as famílias, principalmente as mães, desde a gestação sobre hábitos saudáveis e sobre a importância da amamentação. Ao mesmo tempo, uma intervenção oportuna, se necessária, evita a evolução do problema para estágios mais avançados e de tratamentos complexos, longos, mutiladores ou limitados, com altos índices de recidivas. A ortopedia funcional dos maxilares surge nesse cenário com um amplo arsenal de possibilidades terapêuticas ideais para a atuação em fases precoces da dentição, reequilibrando o sistema estomatognático morfo-funcionalmente de forma tridimensional. Um destes recursos indicados para dentição decídua é a Pista Direta Planas (PLANAS, 1997) que será o objeto do presente trabalho, onde será feita uma revisão da literatura atual sobre o tema, posteriormente ilustrada com o relato do caso clínico do paciente T.C.V.C, sexo masculino, quatro anos e quatro meses de idade na época do início do tratamento que apresentava maloclusão associada a bruxismo, com acompanhamento longitudinal durante oito anos do padrão oclusal, evolução funcional, do perfil e estética facial. 2. REVISÃO DE LITERATURA A Pista Direta Planas (PDP) é um recurso terapêutico, onde, através da adição de resinas compostas ativadas por luz halógena, e aplicadas diretamente na oclusal dos dentes decíduos, busca-se a harmonização do plano oclusal em relação ao plano de Camper, e da dimensão vertical alterada patologicamente (PLANAS, 1997). A terapia ortopédica funcional com Pistas Diretas foi desenvolvida pelo Dr. Pedro Planas dentro dos conceitos da Reabilitação Neuro-Oclusal (RNO) na década de 60 e assim batizada pela Dra. Wilma Simões. Compreende o tratamento de pacientes muito jovens, ainda na fase de dentição decídua. É um estágio relativamente curto do desenvolvimento da oclusão, que em média estende-se dos três aos seis anos de idade. Apesar de muito jovem, no final deste período a criança já apresenta cerca de 75 a 80% das dimensões sagitais do adulto (GRIBEL, 2002) e a presença de alterações esqueléticas, musculares e nervosas pode se perpetuar de forma cada vez mais grave nas fases seguintes, avançando para os períodos de dentição mista e permanente (CHIBINSKI et al., 2005). Segundo Planas (1997), a terapêutica na primeira dentição é a “verdadeira terapêutica profilática do problema periodontal e das más posições dentárias” ou maloclusões. Ele costumava dizer que uma intervenção adequada aos dois anos, por exemplo, poderia salvar uma boca pela vida inteira. E que por isso, o recém-nascido, do mesmo modo que é levado à consulta do médico pediatra, sem que ninguém duvide da conveniência de fazê-lo, deveria ser submetido ao controle de um dentista, que conhecesse os princípios da Reabilitação Neuro-Oclusal, com a finalidade de observar o desenvolvimento do sistema estomatognático da criança, diagnosticar os problemas de falta de desenvolvimento e atuar rapidamente contra esse retardo. Os portadores de disgnatias do sistema orofacial apresentam sempre desequilíbrios funcionais, que geralmente iniciam precocemente na vida dos indivíduos, ainda na primeira infância (ARAGÃO, 1992). De acordo com Planas (1997), a melhor terapêutica profilática durante o primeiro ano de vida é a alimentação no peito pelo menos até que ocorra a erupção dos incisivos, procurando manter uma respiração fisiológica nasal. Outros autores (KÖHLER, 2000; CARVALHO, 2010) também reforçam a importância da amamentação como fator de ação ortopédica na prevenção dos distúrbios miofuncionais da face humana. O recém-nascido que é alimentado no peito até o primeiro ano de vida, ou até a erupção dos incisivos, tem sua distoclusão fisiológica corrigida e estabelece um padrão respiratório normal. Se for alimentado total ou parcialmente com mamadeira, fica com parte ou toda a distoclusão por corrigir, e, além disso, poderá ou não ser um respirador bucal (PLANAS, 1997). Existe uma interdependência no fisiologismo dos aparelhos mastigatório e respiratório, de forma que o crescimento normal de um depende do correto desenvolvimento do outro, e vice-versa (PLANAS, 1997). No início do século passado, Angle (1907) fez uma análise sobre as conseqüências da respiração bucal, como sendo esta a causa mais potente e constante da maloclusão, dentre todas as demais causas; com atuação mais efetiva nas idades de 3 a 14 anos. Segundo Angle, a respiração bucal atua indiretamente sobre os dentes ao desencadear um desenvolvimento assimétrico dos músculos, ossos, do nariz e maxilares, e desequilíbrio funcional dos lábios, língua e bochechas. Neste artigo, Angle faz as seguintes considerações sobre a respiração bucal: “Das mais variadas causas das maloclusões, a respiração bucal é a mais potente, constante e variada em seus resultados (...) causando desenvolvimento assimétrico dos músculos, como dos ossos do nariz, maxila e mandíbula, e uma desorganização das funções exercidas pelos lábios, bochechas e língua...Os efeitos da respiração bucal são sempre manifestados na face. O nariz é pequeno, curto, com as asas retas; as bochechas ficam pálidas e baixas; a boca fica constantemente aberta; o lábio superior é curto; a mandíbula fica posicionada para trás e tem falta de desenvolvimento, sendo geralmente menor que o normal em seu comprimento, provavelmente devido a pressões não equilibradas dos músculos”. Quando a criança respira pela boca pode ter o seu desenvolvimento comprometido pelas inúmeras consequências que isso acarreta ao organismo como um todo. O ar inspirado pela boca não sofre o processo de filtragem, aquecimento e umedecimento fisiológicos, deixando o sistema respiratório mais vulnerável a doenças respiratórias em geral. A respiração bucal ainda acarreta uma gama de alterações físicas e posturais, comportamentais e emocionais (COELHO-FERRAZ, 2005; CARVALHO, 2010). Os respiradores bucais tendem a apresentar maior inclinação mandibular e padrão de crescimento vertical com alterações nas proporções faciais normais, evidenciando assim a influência da função respiratória no desenvolvimento craniofacial (LESSA et al., 2005). A alteração da respiração ainda está associada com retrusão maxilo-mandibular em relação à base do crânio (FARIA et al., 2002). A mecânica da passagem do ar pelas fossas nasais excita adequadamente as terminações nervosas ali situadas, as quais, por sua vez, geram determinadas respostas. Entre as mais importantes estão o controle de amplitude do movimento torácico, o desenvolvimento tridimensional das fossas nasais, cujas bases são o teto ou abóbada palatina, a ventilação e o tamanho dos seios maxilares e inúmeros estímulos vitais para todo o organismo; tudo em íntima relação com o crânio facial (PLANAS, 1997). A respiração nasal constitui o estímulo primário para o crescimento dos espaços funcionais nasal, bucal e faríngeo. O crescimento e o desenvolvimento de algumas partes do crânio são secundários e dependentes na origem, crescimento e desenvolvimento da forma e função da “matriz funcional”, de acordo com a teoria descrita por Moss, onde o osso cresce em resposta às relações funcionais que os tecidos moles operam sobre ele (MOSS, 1964). Quando a criança respira pela boca, perde o reflexo do vedamento labial espontâneo, desenvolvendo posições musculares anômalas para suprir este vedamento. Assim, ela deixa de excitar as terminações neurais das fossas nasais, anulando as influências de certas excitações endócrinas (PLANAS, 1997). O ar chega aos seus pulmões por uma via mecanicamente mais curta e fácil, o que iniciará uma falta de desenvolvimento relativa à capacidade respiratória e ao desenvolvimento das fossas nasais e seus anexos. A respiração bucal é altamente agressiva aos tecidos da orofaringe, agredindo os tecidos linfóides da adenóide e amígdalas palatinas que, por defesa, hipertrofiam (ARAGÃO,1992). O nervo vago (X par craniano) é hiperexcitado no paciente respirador bucal, desencadeando frequentes reflexos de vômito, mesmo sob estímulos leves. Como o nervo vago também controla a freqüência cardíaca, a freqüência respiratória e digestiva nos movimentos peristálticos esofagianos, instalase um quadro extremamente danoso para a saúde da criança. A postura da cabeça do respirador bucal é alterada, fletida para frente, fazendo com que todos os grupamentos musculares dos lados direito e esquerdo tomem uma nova trajetória de função. A língua assume uma posição baixa e fica hipotônica, a mandíbula mantém-se retroposicionada, o maxilar sofre uma compressão, as fossas nasais também sofrem este estreitamento e dificultam ainda mais a respiração, predispondo à instalação de patologias das vias aéreas. Os dentes, por fim, sem espaço, manifestam a maloclusão (ARAGÃO, 1992; CARVALHO, 2010). Dessa forma, manter ou restabelecer a respiração nasal é um fator importante para o crescimento e desenvolvimento dentofacial adequado (FARIA et al., 2002; LESSA et al., 2005). A Influência do aleitamento materno sobre o padrão respiratório foi investigada em um estudo realizado com 661 crianças em São Caetano do Sul – SP (SANTOS, 2004), com idades entre 6 e 12 anos. Foram excluídas da amostra aquelas que estavam em tratamento ortodôntico e/ou ortopédico; bem como as submetidas à remoção cirúrgica de amígdalas e adenóides. Os pais ou responsáveis responderam um questionário sobre amamentação, sono, alimentação e problemas respiratórios; enquanto as crianças foram submetidas a exame físico, avaliando vedamento labial e dilatação da asa do nariz durante a inspiração, no intuito de determinar o padrão respiratório. Neste estudo, 26,8% do total dos indivíduos pesquisados apresentavam respiração bucal. Constatou-se que a amamentação materna exclusiva foi fundamental para o estabelecimento do padrão respiratório normal na criança (78,02%); a falta da amamentação exclusivamente materna teve relação direta no estabelecimento da respiração predominantemente bucal (52%); e, além disso, quanto maior foi o tempo de duração da amamentação exclusivamente materna, maior foi a probabilidade da criança desenvolver um padrão respiratório normal (90% dos respiradores nasais foram amamentados por mais de 6 meses). Trawitzki et al. (2005) também observaram que as crianças respiradoras bucais não foram amamentadas ou o foram por um período menor que três meses; enquanto que as crianças respiradoras nasais receberam aleitamento materno por mais de três meses, sendo estatisticamente significativa esta diferença. Amigdalites repetitivas, adenóides, desvios do septo e outras patologias do trato respiratório são quase sempre lesões conseqüentes do hábito de respirar pela boca, adquirido durante os primeiros meses ou primeiro ano de vida. Passados os anos e criados circuitos neurais patológicos de sobrevivência por respiração bucal, é muito difícil de conseguir a reversibilidade dessa lesão, tentando despertar novamente os circuitos fisiológicos que já estão atrofiados (PLANAS, 1997). Deve-se, portanto, procurar de todos os modos que durante o primeiro ano de vida, no mínimo, a respiração seja do tipo nasal, pois uma vez iniciados e reforçados os circuitos neurais fisiológicos da respiração, já não haverá possibilidade de perdê-los. E, se alguma lesão passageira de impermeabilização das fossas nasais se estabelece depois do primeiro ano, a respiração nasal se recupera de forma espontânea, tão rapidamente se restabeleça a permeabilidade. É muito importante que a respiração bucal seja anulada o mais precocemente possível, a fim de manter excitados os centros nasais que controlam a respiração normal (PLANAS, 1997). Só assim ocorrerá o desenvolvimento ortopédico facial e ortodôntico adequado. Além de prevenir o desenvolvimento de respiração bucal e outras disfunções do sistema estomatognático que acabam gerando as maloclusões, a literatura mostra que há associação positiva entre a amamentação e a não instalação de hábitos de sucção não nutritiva (PLANAS, 1997; CARVALHO, 2010; TRAWITZKI et al., 2005). Commerford (1977) concluiu em seu estudo que 92% das crianças que receberam aleitamento materno como forma exclusiva de alimentação nos primeiros seis meses de vida não apresentaram estes hábitos. Também SerraNegra et al., em 1996, encontraram uma taxa de 86,1% de aleitamento natural e a ausência dos hábitos de sucção por mais de seis meses. Souza et al. (2006) concluíram em seus estudos que crianças que nunca mamaram no peito ou que tiveram aleitamento misto antes dos três meses de idade têm aproximadamente sete vezes mais chance de desenvolverem hábitos de sucção do que crianças que tiveram amamentação natural por três ou seis meses, pelo menos. Tais hábitos, por sua vez, também estão relacionados etiologicamente às maloclusões. Souza et al. (2006) encontraram correlação estatisticamente significante entre a presença de hábitos e desenvolvimento de maloclusões. Em sua amostra, crianças com hábitos de sucção apresentaram aproximadamente doze vezes mais chance de desenvolverem problemas oclusais do que crianças sem hábitos de sucção. Da mesma forma, Ferreira et al. (2001) observaram prevalência de 61,6% e significância estatística na relação entre a presença de hábitos e maloclusão; bem como Silva Filho et al. (2003), onde a prevalência encontrada foi de 73,34%. A sucção de dedo ou de outros objetos não é frequente em crianças bem alimentadas com o peito, pois este ato, ao contrário da mamadeira, lhes causa fadiga, cansaço muscular, pelo esforço feito durante o ato de sugar o peito materno. Se não for amamentada no peito, não terá feito o trabalho muscular necessário e correto; e é exatamente a falta dessa fadiga que ela supre chupando o dedo ou outros objetos, das mais diversas formas (PLANAS, 1997). Carvalho (2010) demonstra a diferença existente entre a ordenha do peito e a sucção da mamadeira. Quando a criança mama no peito, ela engloba o máximo possível da aréola, a fim de alcançar as ampolas lactíferas. O mamilo se molda dentro da boca de forma a ocupar todo o espaço livre, adaptando-se a todas as estruturas, ou seja, língua, rodetes gengivais, palato (ARDRAN et al., 1958; WOOLRIDGE, 1986; DRANE, 1996); e chega a aumentar até três vezes o seu tamanho, levando a ponta do bico até o ponto de sucção, localizado na região entre o palato duro e o palato mole. Todos os músculos são trabalhados de forma ideal e a mandíbula realiza quatro movimentos distintos: abertura, protrusão, fechamento e retrusão. O lábio superior, principalmente, e o inferior mantêm a pega e o vedamento durante o processo, auxiliados pela língua, que fica anteriorizada e assume uma forma de concha, com os bordos laterais elevados e o dorso baixo, ao mesmo tempo que libera completamente o espaço da orofaringe. Simultaneamente, os músculos mastigatórios exercem suas funções, excitando os centros de crescimento na articulação temporomandibular (ATM), e, consequentemente, estimulam o crescimento da mandíbula e a correção da distoclusão fisiológica do bebê. A presença do leite ordenhado na parte posterior da língua e do palato mole dispara o processo de deglutição (ESCOTT, 1989), através de movimentos peristálticos que partem desde a ponta da língua. O bebê bem posicionado e com boa pega, inclina levemente o pescoço para trás, empurra o queixo contra o peito e mantém as narinas livres, estabelecendo um padrão respiratório nasal. Todos estes processos ocorrem sincronizados e promovem o desenvolvimento equilibrado de todo o sistema estomatognático. A elevação rítmica e o rebaixamento dos maxilares proporcionam mudanças sequenciais nas posições da língua, em coordenação com suas contrações na sucção. As atividades de sucção estão intimamente relacionadas com as funções motoras da manutenção das vias aéreas, cuja importância é vital e contínua desde o primeiro dia de vida. De acordo com Bu’lock et al. (1990), o movimento de ordenha, a deglutição e a respiração parecem seguir um padrão correspondente a 1:1:1. Este padrão parece se repetir nos movimentos reflexos bucais alguns anos depois do aprendizado inicial (ENLOW, 1998). Um estudo realizado com crianças (ENLOW, HANS, 1998) demonstrou que nove anos após a interrupção da amamentação elas mantinham os mesmos ritmos de sucção, deglutição e respiração inicialmente aprendidos. Esses reflexos primitivos condicionados desde o início da vida, portanto, são muito difíceis de serem modificados. Assim, a amamentação, é o fator decisivo e primordial para o correto aprendizado, maturação e crescimento das estruturas oro-faciais, guiando e estimulando o desenvolvimento neuro-muscular. Isso garante não apenas a sobrevivência, mas melhor qualidade de vida à criança (CARVALHO, 2010). A sucção na mamadeira implica na formação de uma pressão intrabucal negativa semelhante a que ocorre durante um hábito de sucção não nutritivo. E os movimentos mandibulares se resumem a apenas dois: abertura e fechamento. Dessa forma, a dinâmica da sucção fica completamente alterada. Sem o trabalho dos músculos responsáveis pelo avanço e retrusão mandibular, em especial o pterigoideo lateral, estes se tornam hipotônicos e não estimulam o crescimento da cartilagem condilar (PETROVIC, 1972; GRABER et al., 1997), mantendo o retrognatismo da mandíbula. Outra diferença importante diz respeito ao bico de borracha. Nowak et al. (1994) demonstraram que estes são significativamente menos elásticos do que o bico do peito, e que o seu comprimento pouco se altera, de forma que é a boca que se molda a ele. A pressão negativa pode ser produzida através de contração intensa dos bucinadores, cuja ação é mínima durante a amamentação. Este tipo de sucção provoca o estreitamento dos arcos e elevação do palato, com conseqüente falta de espaço para língua e dentes. Outra forma de obter a pressão negativa necessária ao aleitamento com mamadeira é através da sucção da língua sobre o palato mole, onde o palato duro adquire um contorno ogival e os bucinadores ficam hipotônicos (CARVALHO, 2010). Funcionalmente, a deglutição e a respiração também acabam comprometidas no aleitamento com mamadeiras. Os movimentos peristálticos da língua iniciam, não na ponta, mas na região posterior. E esta fica afastada do palato. Em todo o processo existe sempre a presença de ar onde o leite é depositado na boca, que acaba sendo deglutido pela criança. Observou-se que quanto mais trabalhosa é a obtenção do leite, maior a quantidade de ar ingerido. Além disso, ocorrem paradas rápidas e temporárias na respiração, por conta do leite que escorre até a epiglote ou ainda devido à elevação do palato mole contra a parede posterior da faringe, na região da adenóide, como forma de proteção contra refluxos (CARVALHO, 2010). Além disso, a pressão trascutânea de oxigênio (TcPO 2), a qual serve para avaliar a saturação de oxigênio corporal e que se mantém constante durante a amamentação, diminui de forma cíclica no aleitamento com mamadeira, acompanhada de bradicardia. Tal evidência denota uma melhor oxigenação da criança amamentada no peito (MEIER, ANDERSON, 1987; MINCHIN, 1989). Com o uso de mamadeiras, a sucção, a deglutição e a respiração perdem a coordenação fisiológica e predispõem a instalação de patologias morfo-funcionais. A utilização de bicos anatômicos ou ortodônticos parece não surtir os efeitos positivos desejados. Observa-se que em todos os casos a ponta da língua permanece mais baixa e mais posteriorizada com relação ao bico comum (BISHARA et al. 1987), mantendo seu dorso mais elevado. Turgeon O’Brien et al. (1996) demonstraram que a fisiologia da deglutição foi ainda mais prejudicada, pois os bicos ortodônticos produziram mais movimentos incorretos com a língua, o processo de deglutição era deflagrado mais tardiamente e foi observado maior esforço e pressão negativa aumentada para a retirada do leite. O quadro 1 compara a atividade e os desvios funcionais dos músculos envolvidos na amamentação e no aleitamento artifical com bicos comuns e ortodônticos (CARVALHO, 2010). Quadro 1: Atividade e desvios funcionais dos músculos envolvidos na amamentação e no aleitamento artificial com bicos comuns e ortodônticos. Músculo Amamentação Mamadeira Bico Ortodôntico +++ (normal) + (muito hipotônica) ++ (hipotônico) Pterigóideo lateral +++++ (normal) - (muito hipotônica) - (muito hipotônico) Pterigóideo medial ++++ (normal) + (hipotônica) ++ (hipotônico) Temporal fibras verticais ++++ (normal) + (hipotônica) ++ (hipotônico) Temporal fibras horizontais ++++ (normal) - (hipotônica) - (hipotônico) +++++ +++ + (muito posteriorizada) (anteriorizada) (posteriorizada) +++++ (normal) +++ (hipotônica) + (muito hipotônica) + (dorso baixo) +++ (dorso elevado) +++++ (dorso muito elevado) Lábio superior +++++ (normal) + (hipofuncional) + (hipofuncional) Lábio inferior ++ (normal) + (hipotônica) + (hipotônico) Mentalis ++ (normal) + (hipertônica) + (hipertônico) Bucinador + (normal) +++++ (hipertônica) +++++ (hipertônico) Masseter Língua ântero-posterior Língua transversal (concha) Língua vertical (elevação dorsal) Carrascoza et al. (2006) salientam ainda que o uso de mamadeiras interfere negativamente sobre o desenvolvimento orofacial mesmo em crianças que foram amamentadas até, pelo menos, os 6 meses de vida. A amostra, constituída por 202 crianças de 4 anos de idade, foi dividida entre crianças que utilizaram apenas copo para a ingestão de líquidos e as que utilizaram mamadeiras. O primeiro grupo apresentou melhores resultados quanto ao selamento labial (82%), repouso da língua no arco superior (73%), maior ocorrência de respiração nasal (69%) e maxila normal (em 90% dos casos), com diferenças estatisticamente significantes em relação ao segundo grupo. A falta de ordenha do peito materno, portanto, aumenta a necessidade de sucção paralela, gerando assim o desenvolvimento de hábitos orais perniciosos determinantes, direta ou indiretamente, das maloclusões (CARVALHO, 2010). Segundo Moresca e Ferez (1992), os hábitos estão diretamente ligados às funções que se dão por mecanismos reflexos, impulsos naturais presentes ao nascimento e que se definem como padrão com o crescimento e desenvolvimento do indivíduo no complexo ciclo natural evolutivo. São estímulos que geram prazer e satisfação. Um hábito clínico traz consigo uma origem, implicações e conseqüências, cuja gravidade dependerá da sua frequência, intensidade e duração, considerando-se ainda os diferentes biotipos e demais fatores internos e externos relacionados. A sucção de dedo costuma ser uma grande preocupação para a maioria dos pais e profissionais, com a alegação de ser um hábito de difícil remoção, que implicaria em graves deformações das estruturas da face. Contudo, a compreensão da natureza deste hábito, bem como de sua origem leva ao entendimento de que naturalmente ele faz parte do processo de desenvolvimento infantil, sendo um recurso utilizado pelo bebê para propiciar a si mesmo satisfação, percepção corporal, calma, segurança e conforto durante o período denominado de fase oral, que se estende até por volta dos dois anos de idade. Estudos mostram uma prevalência de sucção digital em crianças em torno de 10% (SERRA-NEGRA et al., 1997; SILVA FILHO et al., 2003). Já chupeta é utilizada por 82% (SOUZA et al., 2006), 79% (SERRA-NEGRA et al., 1997), 60% (SILVA FILHO et al., 2003) das crianças. A associação de ambos os hábitos, por sua vez, constitui um evento mais raro: 4,1% (SOUZA et al., 2006). Estudo realizado em Israel mostrou que o número de crianças que desenvolveram hábito de sucção digital foi cinco vezes superior entre as crianças em que a chupeta foi desaconselhada (LARSSON, 2003). Entretanto, não foram abordados no estudo questões relevantes acerca da amamentação e desmame, do abandono espontâneo ou não do hábito e dos efeitos resultantes a longo prazo sob o aspecto morfofuncional. A sucção do dedo acontece de forma reflexa desde a vida intra-uterina, demonstrando um adequado desenvolvimento neural do feto, de forma que ele esteja apto, ao nascimento, para mamar no peito da mãe. Exames de ultrasonografia realizados durante a gestação comprovam que os fetos deglutem líquido amniótico, sugam os dedos e colocam as mãos na boca ou proximidades. Embora a sucção do neonatal seja uma continuação natural do reflexo e um ato normal no início da vida, fetos com sucção digital nem sempre desenvolverão o hábito quando bebês (TENÓRIO, et al., 2005). O dedo polegar tem a forma semelhante ao mamilo, atravessa a boca e chega até o limite do palato duro e do palato mole, e, ao sugá-lo, a língua vem para frente, como acontece com o mamilo na ordenha do peito materno. O padrão de respiração nasal é mantido (CARVALHO, 2005). Segundo a teoria psicanalítica, crianças que têm mais hábitos de sucção não nutritiva, foram bebês que tiveram menos oportunidade de sugar. De acordo com Carvalho (2010), o bebê nasce com duas fomes a serem satisfeitas: a fisiológica e a neural. Ambas deveriam ser esgotadas com a amamentação no peito, em livre demanda, até a satisfação completa do impulso de sucção. Quando isto não acontece, como por exemplo, no aleitamento com mamadeiras, fica um débito de sucção neural que a criança tentará compensar sugando o dedo ou algum outro artifício que lhe seja oferecido. A sucção de uma mamadeira pode satisfazer a fome fisiológica do bebê, mas pela “facilidade” e rapidez com que ela normalmente é esvaziada, fica esse débito de sucção neural. Em contrapartida, todo o tempo consumido na amamentação serve, não só para alimentar a criança, mas para exercitar corretamente a sua musculatura, suprir necessidades afetivas e psicológicas, bem como a necessidade neurológica de sucção. Lingren (1982) é outro autor a afirmar que os hábitos orais infantis de sucção de dedo ou chupeta surgem quando a criança necessita exercitar o mecanismo de sucção que não tenha sido completamente satisfeito no processo de sucção para obter alimento. Rossi et al. (2009), concordam que o aleitamento natural não só está relacionado com os aspectos nutricionais, como também preenche as necessidades emocionais do bebê, através do contato próximo estabelecido entre a mãe e o filho. Ao sugar o peito materno, a criança estabelece o padrão adequado de respiração nasal e postura correta da língua. Ocorre a estimulação fisiológica dos músculos, aumento do tônus e promoção da postura correta para futuramente exercer a função de mastigação. Além desses aspectos, destacam que o desenvolvimento da motricidade oral reflete no desenvolvimento craniofacial, no crescimento ósseo e na dentição. Os hábitos de sucção não nutritivos de bicos artificiais de chupetas, assim como os de mamadeira, produzem efeitos indesejáveis permanentes, sendo que a correção tardia é muito difícil porque o desenvolvimento muscular como um todo já foi alterado. Em relação ao mamilo, os bicos de borracha apresentam diferenças significativas em sua textura, forma, no trabalho que realizam e nas consequências desse trabalho (CARVALHO, 2010). Eles agem na boca como uma força não intencional que pode produzir ou acentuar a maloclusão dentária por alterar o tônus muscular oral. Dessa forma, seu uso deve ser desencorajado pelos profissionais de saúde, já que os estudos relacionados a várias áreas do desenvolvimento demonstram mais efeitos deletérios do que benéficos com o seu uso (ROCHA, CASTILHO, 2009). Segundo Carvalho (2005), após analisar os efeitos funcionais prejudiciais dos bicos artificiais, a chupeta não deveria ser oferecida em substituição ao dedo. As mães, sim, precisariam ser educadas em relação ao mito de que sugar o polegar seria pior do que a chupeta. Tal afirmação não reflete a realidade. Paunino (1993) determina que 95% das crianças têm hábitos de sucção no início da vida, diminuindo com o passar da idade. Em 1985, Larson et al. afirmaram que houve uma diminuição no número de crianças que chupavam o dedo, porém, encontraram um evidente aumento das que estavam utilizando chupetas. Investigando as práticas orais de 357 crianças de 3 a 5 anos, em 4 escolas de diferentes classes sociais em Belo Horizonte – MG, Serra Negra et al. (1997) constataram que o hábito oral mais prevalente era a chupeta, encontrada em 75% dos casos. “Nenhum tipo de bico é inofensivo nem pode substituir o mamilo do peito da mãe”, afirma Carvalho (2005). Crianças que receberam amamentação materna exclusiva, em livre demanda, por um período de tempo suficiente, têm menores chances de adquirir hábitos de sucção não-nutritivos, como sugar dedo ou chupeta (COMMERFORD, 1977; SERRA NEGRA et al., 1997; TRAWITZKI et al., 2005), frequentemente observados nas crianças menores de 24 meses não amamentadas (REGO FILHO, 1996). A introdução de chupetas e mamadeiras constitui uma das principais causas de desmame precoce, e, este fato atua negativamente na aquisição de hábitos orais perniciosos, na oclusão dentária, sobre as estruturas moles e duras do sistema estomatognático e, acima de tudo, na saúde e na vida das crianças (CARVALHO, 2005). A criança que não realizou a ordenha do peito materno apresentará musculatura mastigatória hipotônica e, assim, demonstrará resistência em aceitar alimentos duros em sua dieta alimentar. Contudo, a mastigação também é uma função neural, de forma que os impulsos e estímulos mastigatórios acabarão sendo supridos através de parafunções (PLANAS, 1997; CARVALHO, 2010). A onicofagia e o bruxismo são os hábitos parafuncionais mais prevalentes entre crianças na fase de dentição decídua e mista, com 47,5% e 35% respectivamente (SANTOS et al., 2006). Em geral, os sinais e sintomas mais frequentemente encontrados na faixa etária entre três e cinco anos incluem o hábito de ranger os dentes, dores de cabeça e ruídos na articulação têmporo-mandibular, manifestados em aproximadamente 38% das crianças (BERNAL, TSAMTSOURIS, 1986; SANTOS et al., 2006), ou ainda 43,48% das crianças entre dois e três anos e 35,56% das crianças entre quatro e cinco anos, quando analisadas as faixas etárias separadamente (SHINKAI, et al., 1998). O bruxismo é uma atividade parafuncional do sistema mastigatório que inclui apertar ou ranger os dentes, sendo mais frequente no período do sono. Durante esta atividade parafuncional, que ocorre quase que inteiramente de forma subconsciente, os mecanismos de proteção neuro-musculares estão ausentes, o que pode acarretar danos ao sistema mastigatório e desordens temporomandibulares. A predominância de alta freqüência de bruxismo excêntrico noturno nas crianças bruxômanas (56% apresentavam o problema ao menos três vezes por semana) sugere que a maioria das crianças deve ter um fator intrínseco atuando de forma constante no desencadeamento do hábito. Parece provável que o tipo de comportamento da criança (ansioso ou hiperativo) pode influenciar muito mais na ocorrência do bruxismo do que situações passageiras de estresse emocional (SHINKAI et al., 1998). A associação entre bruxismo e problemas respiratórios ou alérgicos tem sido relatada na literatura (MARKS, 1980; SHINKAI et al., 1998). Em um estudo realizado por Thilander et al. (2002), foram avaliadas 4.724 indivíduos entre 5 e 17 anos de idade, agrupados de acordo com a idade cronológica e o estágio de desenvolvimento dentário. Os resultados mostraram que um ou mais sinais clínicos de disfunção temporomandibular foram registrados em 25% da amostra. O único sintoma relatado pelas crianças foi a dor de cabeça. Ainda observaram que as prevalências aumentavam durante os estágios de desenvolvimento dentários. Associações significantes foram encontradas entre disfunção temporomandibular e alguns tipos de maloclusões, como, por exemplo, a mordida aberta anterior, a mordida cruzada posterior, a maloclusão de classe III de Angle e o trespasse horizontal excessivo. Na onicofagia, contração prolongada, inatividade estática ou com carga exagerada para lascar e arrancar o pedaço da unha são considerados contribuintes para a patogênese dos músculos mastigatórios. Pode ocorrer uma abertura limitada da boca, indicando uma disfunção estrutural do músculo afetado provocada pela contratura, resultando em encurtamento (CARVALHO, 2010). Geralmente a primeira queixa da criança é de dor muscular, que pode evoluir para dor articular e problemas oclusais. O bruxismo, por sua vez, estaria relacionado com os distúrbios do sono e com a síndrome do respirador bucal, e parece representar uma busca do paciente e seus mecanismos neuromusculares para eliminar os contatos prematuros, extinguindo os distúrbios oclusais, e obter uma oclusão balanceada e fisiológica (CARVALHO, 2010). Assimetria facial, aumento da tonicidade muscular dos músculos mastigatórios e facetas de desgaste nos dentes costumam estar presentes. Prevenir as alterações das funções orais é cuidar para que ocorra o crescimento e desenvolvimento correto das estruturas, duras e moles, que possibilitem tonicidade adequada de toda a musculatura do sistema estomatognático, correta postura da língua e lábios em perfeito vedamento. Respiração com padrão nasal. A maturidade neural, a evolução e a adequação das funções orais dependem de exercícios. A amamentação faz isso e nada pode substituí-la em qualidade e eficiência. Mais que o posicionamento dos dentes, formas de arcadas ou de problemas ortodônticos, é preciso preservar todo o sistema estomatognático e suas funções vitais, como sucção, mastigação, deglutição, fonação e, principalmente, respiração (CARVALHO, 2010). A maloclusão raramente é encontrada em achados pré-históricos. Estudos mostram que as oclusopatias são um fenômeno das civilizações modernas, predominantemente urbanas. Sugerem também que são influenciadas por fatores do meio ambiente e comportamentais, como a alimentação menos consistente, infecções respiratórias, perda precoce de dentes decíduos e, principalmente, hábitos bucais deletérios (ROSSI, et al., 2009). Palmer (1998) relata que o correto desenvolvimento da musculatura promoverá também um adequado contorno no palato duro e que o inverso modificará todo o desenvolvimento da maxila. Um estudo em crânios de jovens suecos da Idade Média mostrou baixo índice de maloclusões, em comparação aos jovens atuais. Na Índia, de 210 crianças examinadas com amamentação exclusiva, apenas 2% apresentaram maloclusão e todas apresentavam arcos em forma de “U” e palato baixo. Planas (1997) aponta que todos os problemas do sistema estomatognático têm como causa etiológica a falta de função provocada pelo atual regime alimentar civilizado. A função mastigatória restrita a movimentos de abertura e fechamento não traciona as articulações temporomandibulares, nem excita os periodontos por tração lateral, produzindo como resposta a falta de desenvolvimento. Para que isto não aconteça, o órgão da mastigação deve empenhar-se desde o nascimento, através da amamentação. As funções do sistema estomatognático têm papel determinante no crescimento e desenvolvimento craniofacial. A cabeça é a região do corpo humano onde funções importantes e vitais são exercidas (ARAGÃO, 1992). Diferente da sucção que é um reflexo inato imprescindível para a sobrevivência, a fala, a expressão facial e a mastigação requerem o desenvolvimento de novos padrões motores, assim como uma autonomia maior dos elementos motores (ENLOW, HANS, 1998). A função mastigatória é desencadeada em grande parte pela erupção dos dentes (ENLOW, HANS, 1998). Os músculos que controlam a posição da mandíbula são guiados pelos primeiros contatos oclusais dos incisivos antagonistas. O sistema nervoso central e a musculatura orofacial e dos maxilares amadurecem concomitantemente e, em geral, em sincronia com o desenvolvimento dos maxilares e da dentição. Os primeiros movimentos mastigatórios são irregulares e mal coordenados, como dos estágios iniciais do aprendizado de qualquer habilidade motora. Quando a dentição primária está completa, o ciclo mastigatório fica mais estável e utiliza mais eficientemente o padrão de intercuspidação do indivíduo. Na criança pequena a guia sensorial para os movimentos mastigatórios é proporcionada principalmente pelos receptores da articulação temporomandibular e da membrana periodontal. O plano oclusal é estabelecido pelo crescimento do processo alveolar e pelo funcionamento da neuromusculatura (ENLOW, HANS, 1998). Os movimentos mastigatórios do indivíduo durante o ciclo mastigatório são um padrão desenvolvido e integrado de muitos elementos funcionais. No momento do término da dentição decídua, as relações mastigatórias são quase ideais: a altura das cúspides e a sobremordida são mais rasas, o crescimento ósseo é mais rápido e adaptativo e o aprendizado neuromuscular é guiado com mais facilidade, porque as vias e os padrões de atividade ainda não estão bem estabelecidos. As adaptações à mudança mastigatória são muito mais difíceis em idades mais avançadas (ENLOW, HANS, 1998). Evidências mostram que o padrão respiratório bucal interfere negativamente sobre a mastigação, sob vários aspectos, como, por exemplo, menor tempo médio de mastigação, sobras de alimento na cavidade oral, vedamento labial ausente e produção de ruídos durante a mastigação (ANDRADA E SILVA et al., 2007). A deglutição do lactente é outra função que, por sua vez, difere da deglutição madura em termos neuromusculares (ENLOW, HANS, 1998). Os maxilares ficam separados e a língua situa-se entre os rodetes gengivais; a mandíbula é estabilizada principalmente por contrações dos músculos faciais do sétimo par de nervos cranianos e pela língua interposta; a deglutição é guiada e controlada por intercâmbio sensorial entre os lábios e a língua. A maturação desta função é caracterizada pela oclusão dos dentes; a mandíbula é estabilizada pelos músculos mastigatórios (quinto par craniano), a ponta da língua é mantida contra o palato, acima e atrás dos incisivos e são observadas contrações mínimas dos lábios durante a deglutição. Demonstrou-se que o equilíbrio oclusal nos pacientes tratados ortodonticamente alterou significativamente a deglutição com dentes desocluídos para deglutição com dentes ocluídos (MOYERS, 1988). Assim, a recuperação do equilíbrio oclusal condiciona os reflexos de deglutição que, por sua vez, ajudam a estabilizar o resultado oclusal ortodôntico (ENLOW, HANS, 1998). Muitos autores acreditam que a posição da mandíbula durante a deglutição inconsciente é um fator importante na homeostase oclusal, porque as pessoas engolem inconscientemente o tempo todo. A posição dos maxilares normalmente é controlada, em grande parte, de modo reflexo, mesmo que possa ser alterada voluntariamente. E os receptores da região da cápsula da articulação temporomandibular são fundamentais nesse processo. As posições e as funções não condicionadas dos maxilares incluem a postura mandibular para a manutenção das vias aéreas e da deglutição inconsciente ou reflexa. As posições e funções condicionadas dos maxilares incluem a mastigação, a deglutição madura e a fala, além da maioria das expressões faciais (ENLOW, HANS, 1998). A estabilidade oclusal é o resultado da soma de todas as forças que atuam contra os dentes (ENLOW, HANS, 1998). Essa homeostase depende de mecanismos elaborados sofisticados de retroalimentação sensorial da membrana periodontal, da articulação temporomandibular e de outras partes do sistema mastigatório. Esses mecanismos regulam a força e a natureza das contrações musculares. Forças fisiológicas determinam a posição dos dentes em oclusão, inclusive a erupção, a deglutição, a mastigação, o desgaste oclusal e assim por diante. Outras forças incluem as tendências naturais de desvio mesial dos dentes, o componente anterior de força, o crescimento dos ossos do complexo craniofacial e o crescimento e remodelação do osso alveolar. Atualmente, acredita-se que os mecanismos neuromusculares e os fatores do crescimento ósseo são muito mais importantes na natureza das relações oclusais que outros como a inclinação de cúspides, altura de cúspide ou guia condilar. A homeostase oclusal é atingida e mantida em um sistema complexo de respostas e adaptações em vários sistemas teciduais. A aparência externa da face do bebê não revela quantos dentes decíduos e permanentes, em diversos estágios de desenvolvimento, se ocultam em seu interior. O cérebro, a calvária, a base do crânio e os olhos do recém-nascido são relativamente grandes em comparação com a face, que é proporcionalmente muito menor. No entanto, conforme o tamanho geral do corpo aumenta, os pulmões crescem e a região nasal também se desenvolve. A dentição começa a erupcionar, a mastigação começa a substituir a sucção, os reflexos neurológicos mudam, os padrões de deglutição se alteram e a região bucal, com a rápida expansão dos músculos mastigatórios e o crescimento e desenvolvimento dos maxilares, acompanha o processo. Todas as inúmeras partes regionais seguem sua evolução em um campo geral de crescimento facial. O controle deste crescimento e desenvolvimento ósseo não é apenas genético intrínseco, mas sim epigenético. Ambos são interdependentes. Os fatores epigenéticos modulam para mais ou para menos o crescimento craniofacial. O crescimento e desenvolvimento dos terços médio e inferior da face, com suas cavidades, dependem do perfeito funcionamento e equilíbrio de todo o sistema orofacial (ARAGÃO, 1992; ENLOW, HANS, 1998). Segundo Planas (1997) todo o nosso organismo, incluindo o sistema estomatognático, se desenvolve sob dois estímulos, o genotípico e o paratípico. Da soma de ambos, surge o fenótipo. Seja qual for o genótipo, se o desenvolvimento se realiza sob as influências paratípicas normais, o resultado será um fenótipo normal. Se, pelo contrário, as influências paratípicas são patológicas, o fenótipo ou indivíduo resultante será anormal ou patológico. Diferenças na dentição das diversas populações são bem conhecidas, mesmo as apresentadas por integrantes de uma mesma população e por parentes numa família. A fonte de variação é a interação entre genes e o meio ambiente, durante a formação inicial e o crescimento subsequente das estruturas mastigatórias. Num mesmo indivíduo, a disposição dos dentes nos arcos dentários e a maneira pela qual eles se tocam não permanece estática toda a vida; mudando continuamente, em resposta a processos normais de crescimento, influências do ambiente, tratamentos dentários, patologias e envelhecimento (SIMÕES, 2003). Durante a evolução humana as estruturas mastigatórias foram submetidas a pressões seletivas associadas com o ambiente físico e os requisitos para a obtenção, preparação e consumo do alimento. Comparações do material ósseo representando o homem da época pré-histórica, e as populações intermediárias até o moderno homem civilizado, revelam a extensão das mudanças que ocorreram na morfologia craniofacial, particularmente nas estruturas mastigatórias, de acordo com Simões (2003). De modo geral, houve uma redução no tamanho dos dentes e um decréscimo da musculatura facial. O processo evolucionário ainda afetou as características morfológicas das coroas dentárias, o tamanho e a forma dos arcos, o arranjo dos dentes dentro do arco dentário e o modo da oclusão dental. A musculatura mandibular, o sistema de articulação temporomandibular e a função mastigatória também sofreram alterações. A função neuromuscular é a principal responsável em termos de ação local motora, pela dinâmica que leva a face a crescer, desenvolver-se e percorrer o caminho em direção à sua maturidade dentro do projeto genético herdado (KÖHLER, 2000). Assim, a premissa de que o homem é produto da natureza e do meio ambiente em que vive é verdadeira. É esta relação entre a hereditariedade e o meio que produz o nível de desenvolvimento que um indivíduo é capaz de alcançar. O crescimento e desenvolvimento da face humana dependem do projeto genético em cerca de 40%. Portanto, 60% ficariam a cargo das funções, assentadas nos princípios das leis fisiológicas que as regem (KÖHLER, 2000). Melvin Moss (1962), a partir da Teoria das Matrizes Funcionais, permitiu o entendimento da ação dos distúrbios miofuncionais ligados à face em sua total dimensão e amplitude. A partir de então, estudos de Petrovic (1974), Moyers (1991), Enlow (1993) e outros pesquisadores, surgiram trazendo grandes avanços sobre o que realmente ocorre quanto ao processo de crescimento e desenvolvimento da face, baseado não apenas na carga hereditária, mas principalmente, nas funções exercidas por ela. A teoria genética, inicialmente, estabelecia que tudo era determinado única e exclusivamente pelos genes. Admitia que a face humana – de certa forma – era escrava da determinação genética adquirida através dos padrões herdados. Predominou até aproximadamente a metade deste século (KÖHLER, 2000). Sicher (1947), após muitos anos de estudos e pesquisas, demonstrou através de sua teoria que as suturas existentes entre os ossos é que seriam as responsáveis pelo processo de crescimento da face. Considerava que as suturas e também a cartilagem e o periósteo estavam sob controle genético intrínseco. Em 1954 surgiu a Teoria de Scott ou teoria do crescimento cartilaginoso do septo nasal. Segundo o autor, esta região tem grande importância no crescimento facial durante a vida intra-uterina, pois a cartilagem septal, usando seu poder de expansão endocondral sob pressão, transfere à pré-maxila, e indiretamente a todos os centros de ossificação do terço médio da face, uma força de tração que irá estimular o crescimento de cada peça óssea vizinha. Segundo Cardim (1989), o efeito de tração citado é substituído, a partir do nascimento, por outros estímulos de deslocamento, pois a face passa a adquirir capacidade de utilizar as forças geradas pela neuromusculatura, através das funções que lhe são próprias. A Teoria das Matrizes Funcionais apresentada por Moss (1962, 1997) sugere que a determinação do crescimento ósseo e cartilaginoso ocorre em resposta ao crescimento e à função das estruturas associadas aos ossos em si, observando que as informações genéticas necessárias para o crescimento esquelético não se encontram especificamente nos mesmos, mas sim nas estruturas adjacentes, da qual faz parte toda a neuromusculatura craniofacial. Moss denominou de “matrizes funcionais” estas estruturas associadas, que podem ser de caráter periosteal ou capsular. A matriz funcional periostal é formada pela porção tendinosa do músculo e o periósteo da unidade esquelética. Todas as matrizes periostais agem através de remodelação óssea, alterando o tamanho e/ou a forma das unidades esqueléticas. A matriz capsular é composta pela cápsula neural e pela orofacial, que agem para envolver e proteger suas respectivas matrizes funcionais (ARAGÃO, 1992). A cápsula orofacial envolve a matriz funcional oronasofaringeana, cujo equilíbrio depende da manutenção de uma pressão subatmosférica obtida a cada deglutição, e do perfeito funcionamento das válvulas vitais; ou seja, que a V1 (válvula nasal) esteja aberta, fazendo a inspiração e expiração, a V2 (válvula labial) esteja vedada, e a V3 (válvula velopalatina) e V4 (válvula glótica) funcionem sincronicamente durante a deglutição e respiração (ARAGÃO, 1992). Assim, ocorre a expansão dos seios maxilares, seios frontais, tuba auditiva, ouvido médio e células da mastóide; e a matriz promove translação e transformação óssea em todo o sistema. Quando uma criança nasce, o neurocrânio já tem por volta de 60 a 65% (ENLOW, HANS, 1998) ou 70% (ARAGÃO, 1992) do seu desenvolvimento. Seu desenvolvimento se completa entre o primeiro e segundo ano de vida, com a ossificação das suturas. Cerca de 85% da largura do crânio do adulto é atingida no segundo ou terceiro ano de vida (ENLOW, HANS, 1998) e entre cinco e sete anos de idade, o comprimento da base do crânio chega a 90%. Já o esplancnocrânio apresenta apenas por volta de 30% do seu desenvolvimento ao nascimento; portanto, muito mais suscetível a sofrer interferências de acordo com os estímulos do meio. Assim, o perfeito desencadeamento do processo de crescimento e desenvolvimento vai influir diretamente sobre o desenvolvimento dos terços inferior e médio da face. A Teoria dos Servossistemas de Petrovic (1974) demonstra que a face humana é produto da interação entre os diversos mecanismos de feedback (retroalimentação) nela atuantes e que determinam, na verdade, seu crescimento e desenvolvimento. Seus estudos incorporam a expressão “forma cibernética de comando”, ligada ao estudo dos mecanismos de comunicação e controle, de acordo com uma sequência cíclica do que ocorre nos seres vivos em seu processo de maturação. Em 1972, Petrovic e Stutzmann demonstraram que o músculo pteriogoideo lateral executa uma regulagem no controle do crescimento da cartilagem condilar. Esta confirmação foi verificada posteriormente por McNamara, em 1975. Na mesma época, Stutzmann et al., em 1976 descobriram que o ligamento retrodiscal era o mediador entre o pterigoideo lateral e o crescimento da cartilagem condilar (VINHA, 1998). Estes conhecimentos ajudaram a esclarecer de forma científica como as maloclusões e a aparatologia ortopédica e ortodôntica atuam, promovendo ou restringindo o crescimento e alterando direções ou posturas mandibulares. Os estudos de Petrovic (1972, 1974) detectaram evidências de que a direção e a magnitude da variação de crescimento dos côndilos da mandíbula são decorrentes do aumento quantitativo da maxila. Isto caracterizaria uma espécie de subjugação do crescimento mandibular, principalmente na região de seus côndilos e veio trazer maiores subsídios a tudo o que já fora, anteriormente, explicado pelas demais teorias. Os estudos de Enlow (1993) sobre o crescimento e desenvolvimento da face humana explicam o que ocorre nesta região anatômica sob um contexto amplo e abrangente. Baseados na própria evolução dos conhecimentos atuais sobre a Biologia Craniofacial, reúnem todas as informações necessárias para tornar evidente o fato de que estamos em meio a uma grande revolução conceitual sobre o correto entendimento da face humana e sobre os conceitos terapêuticos a serem utilizados para a sua reabilitação, quando prejudicada por anomalias que interfiram em suas características morfofuncionais. As diferentes hipóteses e/ou teorias do crescimento na verdade complementam ou ampliam umas às outras, criando novos paradigmas de entendimento e de suporte para as condutas terapêuticas. Os conceitos da Reabilitação Neuro-Oclusal proposta por Pedro Planas (1997) partindo do princípio de Claude Bernard de que “a função cria o órgão e o órgão proporciona a função”, vão mais além, determinando que a função parte de uma excitação neural, e, portanto, se esta é fisiológica produzirá um desenvolvimento fisiológico e se, ao contrário, for patológica, a resposta de desenvolvimento será da mesma forma patológica. Por isso, a Reabilitação NeuroOclusal procura atuar sobre os centros neurais receptores que proporcionam a resposta do desenvolvimento do sistema estomatognático para que, excitando-os fisiologicamente e na medida necessária, proporcionem uma resposta de desenvolvimento normal e equilibrada. Foi através de suas observações que Pedro Planas (1997) chegou às Leis de desenvolvimento do sistema estomatognático. A saúde do sistema estomatognático depende do equilíbrio oclusal. Numa oclusão normal, a oclusão cêntrica coincide com a oclusão funcional, isto é, aquela que estabelece o máximo de contatos intercuspídicos entre as arcadas, e qualquer excursão, lateral ou protrusiva da mandíbula, partindo desta posição, produzirá um aumento da dimensão vertical do terço inferior da face, ainda que mínimo. Entretanto, quando existem contatos prematuros, a mandíbula sofre um desvio para alcançar sua oclusão funcional, buscando uma máxima intercuspidação e mínima dimensão vertical (PLANAS, 1997). Este desvio acarreta alterações neuromusculares que modificam o posicionamento da mandíbula e interferem diretamente sobre a função mastigatória. Partindo da oclusão funcional para as posições laterais extremas, embora funcionais, existirá sempre um aumento, maior ou menor, da dimensão vertical do terço inferior da face, ainda que pequeno, por um ou ambos os lados. Se nas excursões funcionais o aumento da dimensão vertical for igual, tanto para a direita quanto para a esquerda, podemos afirmar que existe uma mastigação bilateral alternada. Quando o aumento da dimensão vertical for diferente em cada lado, existe uma mastigação unilateral, do lado em que o aumento é menor, ou seja, o da mínima dimensão vertical (PLANAS, 1997). Ao mover a mandíbula de um lado para o outro, desenha-se, em um plano vertical frontal e em relação horizontal, dois ângulos (um direito e outro esquerdo), que é chamado de ângulo funcional mastigatório Planas (AFMP). O AFMP é muito importante no desenvolvimento equilibrado do sistema estomagnático e na função mastigatória correta, isto é, bilateral e alternada. Embriologicamente, nossa mandíbula é formada por dois segmentos (direito e esquerdo) que se unem na sínfise mentoniana. A mandíbula, portanto, possui duas vias aferentes diferenciadas em cada hemiarcada. A maxila tem três origens embrionárias: o maxilar direito, o esquerdo e o interincisivo e, portanto, três vias de recepção neural diferentes e independentes (pré-molares e molares direito e esquerdo e área central incisiva). Todo este conhecimento é fundamental para compreender as Leis Planas de Desenvolvimento (PLANAS, 1997), que explicam como ocorre a formação da oclusão e da maloclusão dentária. 1a. Lei: Desenvolvimento póstero-anterior e transversal (ossos e dentes) O ponto de arranque do desenvolvimento do sistema estomatognático se encontra na parte posterior da ATM (extremamente inervada e vascularizada), sendo provocado pela tração do côndilo sobre o disco articular. Inicia-se desde a amamentação, estimulando simultaneamente ambos os lados durante a ordenha e corrigindo a distoclusão fisiológica do recém-nascido. A partir do momento que começa a mastigação, só o lado de balanceio é estimulado, produzindo uma resposta na forma de desenvolvimento da metade mandibular deste lado. Ao mesmo tempo, a fricção oclusal dos dentes da hemiarcada inferior do lado de trabalho contra seus antagonistas superiores, produz uma excitação paratípica neural que tem como resposta a expansão e o avanço (para fora e para frente) do maxilar superior deste lado. Portanto, a mastigação produz uma excitação que terá como resposta o desenvolvimento póstero-anterior da mandíbula no lado de balanceio e o desenvolvimento para fora e para frente da maxila no lado de trabalho. A excitação é recebida e transmitida através das inervações periodontais e das trações dos discos articulares. Com a alternância do lado mastigatório, existe o equilíbrio e uma resposta simétrica de desenvolvimento. Em resumo, durante o ato mastigatório ocorre, no lado de balanceio, excitação ou tração póstero-anterior da ATM gerando o desenvolvimento em comprimento do ramo mandibular; e no lado de trabalho, a fricção oclusal funcional produz o aumento da espessura e expansão mandibular bem como o desenvolvimento transversal e para frente deste lado do maxilar. 2a. Lei: Desenvolvimento vertical de pré-molares e molares A boca permanece em “repouso” a maior parte do tempo (dentes sem contato). O contato em cêntrica ocorre durante a deglutição, mas só há contato funcional durante o ato mastigatório, ocorrendo mínimas luxações e intrusões nos periodontos e abrasão nas faces oclusais dos dentes. Em resposta, existe um crescimento da unidade, igualmente pequeno, durante o período de repouso, para resguardar o equilíbrio da oclusão, a oclusão cêntrica e a dimensão vertical. Na mandíbula, a excitação funcional de um ou mais dentes ou uma hemiarcada (de acordo com a origem embriológica), promove o crescimento de todos os dentes desse lado, o qual será neutralizado pelo contato oclusal com seus antagonistas superiores. Na maxila, essas respostas funcionais ocorrerão nos três grupos embriológicos distintamente (pré-molares e molares direito e esquerdo e incisivos). Quando não há estímulo funcional (mastigação unilateral, por exemplo) a resposta de crescimento não acontece. 3a. Lei: Desenvolvimento vertical dos incisivos O movimento funcional dos incisivos, partindo de uma oclusão cêntrica funcional e com uma sobremordida fisiológica de 2 ou 3 mm, os incisivos inferiores devem resvalar pelas inclinações linguais dos incisivos superiores, para baixo e para frente e para ambos os lados simultaneamente, segundo estejam atuando em trabalho ou balanceio, e sem perda de contato nem sobrecarga em suas trajetórias. No lado de trabalho, os incisivos superiores produzem uma resposta de crescimento de todo o grupo; os incisivos inferiores, em todos os dentes desta hemiarcada. Se a boca funciona normalmente, o trabalho simultâneo e alternado irá compensar os estímulos unilaterais na forma de crescimento de todo o grupo incisivo. Assim serão mantidos o desenvolvimento e o equilíbrio. Observa-se que os caninos são as unidades mais resistentes do sistema e servem para guiar os movimentos funcionais e fisiológicos de lateralidade da mandíbula. 4a. Lei: Posicionamento do plano oclusal O equilíbrio oclusal depende fundamentalmente da posição do plano oclusal e de sua curva de decolagem. Dente, periodonto e osso alveolar formam uma unidade funcional e biológica indissolúvel, de forma que o desaparecimento de um deles faz desaparecer os outros dois. O único que permanece é o osso basal. Este, por sua vez, acompanha o osso alveolar em seus movimentos, sempre que o estímulo seja proporcionado biologicamente e através das faces oclusais. A mandíbula é mais forte e compacta do que a maxila. Para se desenvolver, a mandíbula só precisa se mover lateralmente (tração das articulações temporomandibulares). A maxila e a pré-maxila se moldam com o estímulo da fricção oclusal da mandíbula para expandir e avançar, formando o circuito de desenvolvimento. No lado de trabalho, o plano oclusal tende a elevar-se em sua parte anterior e, simultaneamente, a descender na mesma área no lado de balanceio. Com este “sobe-desce” alternado, vai sendo criada a situação correta e equilibrada do plano oclusal, condição imprescindível para manter o equilíbrio do sistema estomatognático. Planas (1997) conclui que a boca que só funciona com movimentos de abertura e fechamento em cêntrica durante a mastigação é como o indivíduo que anda pulando com as duas pernas juntas. A boca que só funciona de um lado, como o indivíduo que anda mancando. A boca que funciona bilateralmente, alternada e equilibrada, é como a pessoa que caminha com as duas pernas, primeiro uma e depois a outra, ambas se compensando e dependendo da outra, fazendo o mesmo esforço durante o mesmo tempo. A função é, portanto, essencial para o desenvolvimento do sistema. Funções incorretas geram estruturas incorretas. Funções adequadas mantêm o sistema em harmonia. Crescimento anormal é qualquer distúrbio que afete a atividade de crescimento ósseo e produza algum tipo de deformidade em qualquer dos três planos: altura, largura e profundidade (SIMÕES, 2003). O diagnóstico de toda anormalidade ou patologia depende do conhecimento do normal para comparação. No caso das maloclusões, é necessário entender os conceitos de normalidade na forma, na função e também no tempo, pois cada idade tem suas características específicas de saúde. Uma boca que funcionou corretamente ao longo do tempo, apresentará abrasão e desgastes funcionais compatíveis. Caso contrário, é sinal de que não funcionou ou funcionou mal e consequentemente sua forma anatômica será funcionalmente patológica (PLANAS, 1997). Segundo Planas (1997) a natureza determinou que o sistema estomatognático seria o responsável pelo primeiro ato digestivo da alimentação: a mastigação, principal função deste sistema. Para isto desenvolveu um mecanismo complexo que deve ser estimulado funcionalmente de forma integral, a fim de ser mantido com vitalidade permanente. Esta estimulação acontece através do movimento póstero-anterior da articulação temporomandibular, proporcionado pelos músculos pterigoideos, masseteres, temporais e através dos periodontos de todos os dentes, durante a fricção oclusal. O grande objetivo da Reabilitação Neuro-Oclusal é diagnosticar o mais precocemente possível a falta de algum estímulo a fim de proporcioná-lo rapidamente ou suprimi-lo se for exagerado, ou ainda manter os estímulos fisiológicos no transcorrer do desenvolvimento do indivíduo (PLANAS, 1997). É muito importante para a realização do diagnóstico e do prognóstico de uma atrofia funcional, assim como para estabelecer a terapêutica a ser aplicada, conhecer o biotipo individual(PLANAS, 1997). O biotipo é um caráter genético e invariável do indivíduo que proporcionará respostas diferentes às mesmas causas perturbadoras do seu desenvolvimento, assim como às terapêuticas. A falta de função produzirá diferentes lesões, seja qual for o biotipo que as sofra (PLANAS, 1997), e o tratamento responderá de forma distinta segundo o biotipo ao qual se aplique. A embriologia considera quatro biotipos genéticos básicos, descritos por Planas (1997), de acordo com o predomínio ou equilíbrio entre o desenvolvimento das três lâminas blastodérmicas: o endoblástico, o mesoblástico, o cordoblástico e o ectoblástico. Do endoblasto derivam as mucosas secretoras do tubo digestivo e seus anexos. Os indivíduos de constituição endoblástica geralmente são altos, sua corpulência é excessiva, a pele pálida e as dermes espessas e moles. O aspecto geral do corpo é pesado, redondo e atônito. A gordura predomina por todo o corpo, com essa tendência à obesidade fisiológica. A fronte é redonda, o crânio geralmente é braquicéfalo, o queixo redondo, largo e afastado e o pescoço é curto e com a nuca saliente. Possuem mastigação do tipo herbívoro. São braquicéfalos. Normalmente, sensíveis às causas alérgicas e às infecções. O paciente endoblástico costuma ser um indivíduo calmo, apático e sedentário, hipogenital e hiperdigestivo. Músculos vermelhos, esqueleto, coração, vasos, sangue, rim, córtex supra-renal e gônadas derivam do mesoblasto. O indivíduo mesoblástico é baixo, com esqueleto e músculos robustos. A corpulência e o peso são relativamente excessivos, a pele rosada. O crânio é bem desenvolvido em todos os diâmetros, com predomínio de formas braquicefálicas. Apresentam bom desenvolvimento das vias respiratórias, baixa freqüência de inflamações do anel de Waldeyer e bom desenvolvimento das bases apicais dos maxilares. As qualidades dominantes do mesoblástico são a coragem, a paixão de viver e a adaptação fácil a um trabalho variado, tanto físico quanto intelectual. Quando estes biotipos sofrem alguma atrofia, não apresentam graves endognatias, grandes desoclusões nem respiração bucal. Observa-se nestes casos, em maior ou menor grau, sobremordida de incisivos, além de lesões periodontais na idade adulta por hipofunção mastigatória. O cordoblástico é o biotipo de equilíbrio perfeito de desenvolvimento das três lâminas blastodérmicas e dos órgãos que delas se derivam. Seria o biotipo fisiológico normal. O tamanho do cordoblástico em geral é acima da média. O peso, magro, porém suficiente, já que o desenvolvimento dos músculos e do esqueleto é excelente. O tronco, alongado, está em harmonia com seus diâmetros de largura e profundidade. O crânio está bem desenvolvido em todos os seus diâmetros, frequentemente mesocefálico, o rosto é harmonioso e retangular. Esses indivíduos resistem bem às infecções microbianas. Possuem uma grande energia vital. O ectoblasto origina a epiderme cutânea, o sistema nervoso central e periférico, o simpático, a epífise, a hipófise e a medula supra-renal. O tamanho dos indivíduos ectoblásticos frequentemente é mediano. Esse biotipo se caracteriza por ter pouco desenvolvimento dos aparelhos mastigatório, muscular e esquelético. As deformações ósseas são comuns. O crânio é dolicocéfalo, achatado nas regiões temporais e parietais. O rosto é pouco desenvolvido e anguloso, o queixo, estreito e curto. Palato ogival e retrognatismo mandibular são característicos. O biotipo ectoblástico é um catabólico anaeróbico, cujo sedentarismo orgânico está compensado por uma vitalidade psíquica acentuada. Acha-se predisposto a infecções crônicas. São indivíduos sedentários, emotivos, que não resistem ao esforço físico prolongado e afetados por falta de função desde a primeira infância. A falta de desenvolvimento produz grandes apinhamentos, endognatias e posições distais mandibulares com sobremordida. Em resumo, dentre os quatro biotipos principais descritos, existem dois positivos, que são o mesoblástico e o cordoblástico; e dois negativos, o endoblástico e o ectoblástico (PLANAS, 1997). O diagnóstico precoce sobre o biotipo possibilitará prever o prognóstico, buscando um equilíbrio o mais perfeito possível. No diagnóstico, portanto, o conhecimento do normal levará, por comparação, que seja diagnosticado o anormal ou patológico de acordo com a idade, já que o considerado normal aos três anos de idade difere do normal aos seis, por exemplo (PLANAS, 1997). A precocidade no diagnóstico, quando as anormalidades e deformações existentes ainda estão em estágios bem iniciais, é recomendável e necessária (KÖHLER, 2000). Desde a década de 40, Planas (1997) preocupava-se com a etiologia e o diagnóstico dos distúrbios da oclusão durante a infância. A redução no número de crianças amamentadas no peito em conjunto com a mudança nos hábitos alimentares (comidas industrializadas, papinhas, iogurtes, fast-food) eliminaram parte importante dos estímulos necessários ao crescimento e modificaram o padrão de desenvolvimento do aparelho mastigatório, programado geneticamente. A consequência direta foi a atrofia de músculos, ossos, reflexos nervosos e articulações, culminando com a falta de espaço para a erupção dos dentes permanentes, desvios posturais de mandíbula, maxilas atrofiadas e disfunções do sistema estomatognático. As lesões funcionais que podem ser tratadas na dentição decídua (PLANAS, 1997) compreendem as seguintes categorias: atrofia de 1º. grau, atrofia de 2º. grau, atrofia de 3º. grau e hipertrofias mandibulares. As atrofias de 1º. grau incluem todos os casos mais simples e que geralmente passam despercebidos pelos pais e por muitos profissionais. A dentição da criança tem aspecto normal em cêntrica, mas esta não é capaz de realizar movimentos de lateralidade. Contatos nociceptivos de caninos e ausência de desgastes nas faces oclusais dos molares decíduos demonstram que o padrão mastigatório se encontra modificado (PLANAS, 1997). As atrofias de 2º. grau apresentam grandes variações. Aos dois ou três anos são comuns casos de endognatia superior e distoclusão mandibular com sobremordida mais ou menos acentuada. Existe uma desarmonia do plano oclusal e este não é paralelo ao plano de Camper. Nesta situação, a mandíbula não se move lateralmente e, em conseqüência, os côndilos não são excitados. O tônus muscular e os reflexos neurais também estão anulados. Sem o movimento lateral, não há fricção oclusal, mantendo a atrofia e o padrão mastigatório anormal (PLANAS, 1997). A atrofia de 3º. grau na primeira dentição é ainda mais aguda, com presença de endognatia superior, grande distoclusão e acentuada sobremordida de incisivos decíduos. Mordidas abertas e cruzadas severas são comumente observadas. O plano oclusal inferior sofre uma grande curvatura. Estes sintomas determinantes do desequilíbrio do sistema estomatognático precisam ser corrigidos o mais cedo possível para que não transfiram o problema para a dentição permanente (PLANAS, 1997). Hipertrofias mandibulares na dentição decídua ocorrem devido a disfunções, amigdalites repetitivas, causas hereditárias ou endócrinas ou outras. A mandíbula se desenvolve mais que a maxila e, ao buscar uma oclusão funcional, é obrigada a protrair-se, estabelecendo uma oclusão cruzada de incisivos e, às vezes, com cruzamento bilateral. Uma mordida cruzada não tratada a tempo também pode levar a este quadro e a tratamentos radicais na idade adulta, com melhores resultados estéticos do que funcionais (PLANAS, 1997). Entre as técnicas mais usadas pela Reabilitação Neuro-Oclusal na primeira dentição estão os desgastes seletivos, as pistas diretas com resina e as pistas indiretas Planas, buscando o equilíbrio do sistema estomatognático, através de uma função oclusal equilibrada (OLIVEIRA, 1997; PLANAS, 1997). Segundo Planas (1997), “a Reabilitação Neuro-Oclusal é a parte da medicina estomatológica que estuda a etiologia e a gênese das alterações funcionais e morfológicas do sistema estomatognático. Tem como objetivo investigar as causas que as produzem, eliminá-las sempre que possível e reabilitar ou reverter estas lesões o mais precocemente possível e, se for preciso, desde o nascimento. As terapêuticas não deverão prejudicar de forma alguma os tecidos remanescentes do sistema.” Dentro desta definição, não mais se admite a clássica recomendação: “tem que esperar.” Em medicina, uma vez feito o diagnóstico, se atua rapidamente, nunca se espera, salvo raríssimas exceções. As pistas diretas Planas, parte do arsenal da Reabilitação Neuro-Oclusal desenvolvidas por Pedro Planas, constituem uma forma eficaz de correção das alterações dentárias e funcionais, em crianças na dentição decídua e início de dentição mista, normalizando não só a oclusão dentária, como a postura mandibular, posição dos côndilos nas articulações temporomandibulares e a função mastigatória (GRIBEL, 1999). Segundo os conceitos de retro-alimentação (mecanismos de feedback), se as causas atuantes não forem suprimidas, através de tratamento e/ou reabilitação à normalidade, se tornarão, com o tempo, progressivamente mais danosas, devido ao ciclo repetitivo de funções incorretamente exercidas, além de assumirem um caráter cada vez mais irreversível (KÖHLER, 2000). As condutas terapêuticas efetuam uma reorganização das funções inadequadamente automatizadas. Esta reorganização cria, a partir do processo terapêutico em si, novos engramas que passarão a comandar funções corretamente efetuadas. E, por sua vez, a ação ortopédica natural sobre as partes estruturais da face recupera seu equilíbrio. Isto torna bem evidente a precocidade de atuação interferindo sobre o processo patológico de forma a impedir a progressão dos danos morfo-funcionais que estavam sendo produzidos (KÖHLER, 2000). A opção pelo tratamento precoce utiliza variáveis biológicas inerentes à faixa etária correspondente à dentição decídua, proporcionando resultados favoráveis rapidamente. Isto ocorre devido à significativa plasticidade e capacidade de adaptação de suas estruturas. Desta forma, é possível buscar uma terapêutica que visa a correção de todo conjunto dos elementos constituintes da oclusão e não apenas dos dentes (CHIBINSKI et al., 2005). A filosofia de tratamento ideal inclui a eliminação dos obstáculos que estejam perturbando o desenvolvimento normal o mais precocemente possível, proporcionando os estímulos que faltam com a finalidade de obter um crescimento perfeito geneticamente predeterminado (PLANAS, 1997). No caso das pistas diretas Planas, este estímulo é proporcionado pela função mastigatória. Confirmando as observações feitas por Planas nos anos sessenta, vários outros autores da Ortodontia e Ortopedia Facial também reconheceram a importância do tratamento precoce das más oclusões, como Vadiakas, Viazis (1992) “... deve ser ressaltado que existe sempre um componente esquelético forte nas mordidas cruzadas e a vasta maioria dos pacientes aos 10 anos de idade que apresentam Classes III, evoluíram através do tempo, a partir de pseudo-Classes III aos três anos de idade”. Já Ricketts (1996) afirma que “essencialmente todas as mordidas cruzadas devem ser tratadas tão logo descobertas”, e que “quanto mais o Ortodontista espera, ou quanto mais velho o paciente, mais difícil e menos provável que aconteçam alterações ortopédicas ou estruturais”. Já Nanda (1988) afirma que o padrão de crescimento em cada forma facial é estabelecido em idade muito precoce, bem antes da erupção dos primeiros molares permanentes e muito antes do surto pré-puberal de crescimento. Gribel (1999) demonstra que cerca de 61,7% das dimensões sagitais da mandíbula de um adulto, já está presente no primeiro ano de vida e cerca de 80% por volta dos 6 anos de idade. Outras evidências reforçam a importância da correção precoce das maloclusões. Em trinta e dois casos de mordidas cruzadas funcionais tratados precocemente (entre 3 e 6 anos), observou-se em 84% dos casos um relacionamento normal entre os primeiros molares permanentes (SCHRODER, SCHRODER, 1985). Em contrapartida, em quarenta e oito casos de mordidas cruzadas não tratadas na dentição decídua, os molares permanentes erupcionaram numa posição normal somente em quatro casos (KUTIN, HAWES, 1969). As intervenções precoces, além de favorecerem o bom posicionamento dos sucessores permanentes, promovem simetria condilar e muscular, previnem problemas articulares, distribuem as forças oclusais e permitem o desenvolvimento equilibrado do sistema estomatognático e da face (OLIVEIRA, 1997). Todas estas observações e constatações nos levam a pensar com seriedade na necessidade de intervenções cada vez mais precoces para estas más oclusões. A filosofia de tratamento com pistas diretas Planas consiste em transformar a inclinação do plano oclusal; com isto, é possível modificar a função, os reflexos neuro-musculares e o padrão mastigatório: uma verdadeira reabilitação, contudo a menos traumática. Com esta terapêutica a distoclusão e outras endognatias, se corrigem espontaneamente (FAGNANI et al., 2008). Uma condição indispensável no tratamento com pistas diretas Planas é que os movimentos de lateralidade sejam realizados livremente em ambos os lados e de maneira equilibrada, ou com contatos simultâneos em trabalho e em balanceio, a fim de que as articulações temporomandibulares se funcionalizem fisiologicamente. O exame clínico anatômico e funcional (manipulando o paciente), os exames radiográficos e a análise dos modelos gnatostáticos são importantes elementos de diagnóstico no tratamento da dentição decídua. O gnatostato Planas é um aparelho que permite a fixação dos modelos superior e inferior em bases quadradas, de gesso, guardando as relações existentes entre os arcos dentários superior e inferior e o complexo craniofacial. Para tanto, fazse coincidir o bordo inferior da base superior do modelo com o plano de Camper. Também o plano sagital mediano dos modelos é montado para coincidir com o do paciente. A análise dos modelos gnatostáticos possibilita uma relação espacial dos modelos, ou seja, relacionam-se o plano oclusal e as estruturas do palato e mandíbula aos planos sagital, frontal e plano de Camper, numa visão tridimensional do caso (OLIVEIRA, 1997). O exame radiológico desempenha papel incontestável como elemento de informação, todavia sua indicação e extensão devem visar a menor exposição necessária do paciente, especialmente em crianças em fase de dentição decídua (SIMÕES, 2003). As radiografias de rotina solicitadas na prática ortopédica funcional e ortodôntica são as periapicais, panorâmicas, interproximais e telerradiografias laterais. A radiografia panorâmica fornece uma visão completa da dentição e constiui um elemento diagnóstico importante na predição de possíveis anomalias, assimetrias e deformidades, ausências dentárias ou presença de elementos supranumerários. As cefalometrias realizadas a partir das telerradiografias laterais não são preconizadas para a dentição decídua. Entretanto, uma breve descrição das principais análises cefalométricas utilizadas em ortopedia funcional será realizada na sequência. A cefalometria de Bimler analisa a morfologia facial, classifica a face tipologicamente, avalia as posições dentárias e as correlaciona às estruturas maxilares. Inúmeros dados resultantes desta análise são avaliados e classificados em relação a faixas de valores, procurando estabelecer, por comparação, condições de harmonia ou desarmonia dentofacial (SIMÕES, 2003). A proposta de Lavergne-Petrovic foi classificar o desenvolvimento morfogenético da face humana em categorias de potencial de crescimento a nível tecidual. Sua cefalometria representa uma forma de prever o relacionamento oclusal a partir dos potenciais histológicos de crescimento maxilo-mandibular e suas respectivas rotações (VINHA et al., 2007). Ambas as análises são ferramentas de diagnóstico muito úteis para o tratamento ortopédico funcional. Além destas, existem outras análises que podem ser de interesse. A cefalometria de McNamara (1990), por exemplo, avalia não somente o relacionamento dos dentes entre si e com as bases ósseas e dos maxilares com a base do crânio, mas principalmente as possíveis obstruções das vias aéreas. Este método específico auxilia no diagnóstico, planejamento e também na avaliação do tratamento. O planejamento do ajuste oclusal e aplicação das resinas para alcançar o equilíbrio oclusal é feito, considerando-se que a inclinação do plano oclusal é estabelecida na maxila e que é a mandíbula que vai se movimentar no sentido desejado, buscando a menor dimensão vertical, ou seja, o plano oclusal mais próximo ao plano de Camper (OLIVEIRA, 1997). De acordo com Oliveira (1997), a resposta de desenvolvimento esquelético através das pistas diretas ocorre em média após seis a oito meses de tratamento, graças à grande capacidade adaptativa e plasticidade dos tecidos, especialmente na infância (GRIBEL, 1999). Uma das principais vantagens inerentes à terapia com pistas diretas é o fato de não necessitarem de colaboração por parte do paciente já que são baseadas em restaurações adesivas e desgastes seletivos que permanecem atuantes no sistema estomatognático 24 horas por dia. Tal particularidade da técnica garante a manutenção da relação intermaxilar correta durante o desempenho de funções ativadoras do crescimento facial como a mastigação, o que é fundamental para o tratamento, porque é nesta fase que grande parte do desenvolvimento se estabelece. Além disso, as pistas diretas Planas apresentam a vantagem de não dificultarem a dicção; serem estéticas; melhorarem o desempenho mastigatório e apresentarem baixo custo, à medida que dispensam material ou equipamento especial para sua realização. Podem ser realizadas em poucas sessões e, acima de tudo, têm no conhecimento científico do profissional a base para um tratamento bem sucedido ((OLIVEIRA, ORTELLADO, 2001; CHIBINSKI et al., 2005, FAGNANI et al., 2008). Paralelamente, apresentam a vantagem de evitar riscos de sobrecorreções, já que o estímulo de crescimento é determinado apenas pela função; não necessitam de colaboração especial do paciente, exceto durante as sessões; e, por fim, como são aplicadas sobre os dentes, favorecem a manutenção de medidas preventivas em relação a outros problemas bucais e de estímulos das funções. Como desvantagens, pode-se citar que a técnica de confecção requer destreza e conhecimento do profissional e a necessidade de entendimento e aceitação da terapêutica precoce por parte dos pais. A correção de uma maloclusão em estágios precoces do desenvolvimento atua gerenciando quatro forças naturais, a partir da correta excitação neural, de acordo com Gribel (1999): crescimento e desenvolvimento crânio-facial, postura e movimentos da língua, postura e movimentos mandibulares e erupção dentária. As pistas diretas Planas geram uma mudança de postura mandibular, modificando a dinâmica equivocada que a atrofia funcional impõe ao sistema músculo-esquelético, proporcionando, desta forma, o desenvolvimento da face e da dentição dentro dos padrões de normalidade (CHIBINSKI et al., 2005), através da desprogramação dos centros nervosos e musculares adaptados ao desvio, com posterior remodelação para a posição adequada. A nova postura mandibular determinada pelas pistas diretas Planas estabelece uma nova arquitetura para os ciclos mastigatórios, produzindo estímulos de crescimento adequados, modelamento e remodelamento no sistema estomatognático, assim como um novo padrão postural e funcional para a língua (músculos intrínsecos e extrínsecos), músculos supra e infra-hioideos e também mastigatórios, faciais e cervicais. No caso de existirem desvios dentários, os mesmos deverão ser compensados durante a elaboração da mudança de postura mandibular. A erupção dentária tem papel relevante na perpetuação das alterações na dimensão vertical provocadas pelas pistas diretas Planas, especialmente com a erupção dos primeiros molares permanentes (GRIBEL, 1999). Gribel (1999) descreve a cascata de eventos que é ativada a partir de estímulos adequados, ou seja, da excitação neural provocados pela mudança de postura da mandíbula e pela mudança de postura terapêutica da mandíbula nos receptores periodontais, musculares, ósseos, articulares e de mucosa. Estes estímulos, que inicialmente são recebidos pelo Nervo Trigêmeo são transmitidos a outros núcleos motores dos Nervos Facial, Glossofaríngeo, Vago, Acessório, Hipoglosso, Oculomotor, Abducente, nervos cervicais C1, C2, C3 e C4, além dos gânglios e núcleos vestibulares superior e inferior da porção vestibular do Nervo Vestíbulo-Coclear, importante centro determinante do equilíbrio. As vias aferentes e eferentes do Nervo Trigêmeo comandam de maneira reflexa a atividade dos músculos do sistema estomatognático e influenciam na atividade muscular de outros grupos e cadeias musculares, como a língua, supra e infra-hióideos, cervicais, escapulares e posturais gerais. As respostas nos outros tecidos, como, por exemplo, o ósseo e o vascular, vêm a seguir. Os mesmos mecanismos e processos que provocam o surgimento de uma maloclusão a partir da ação de fatores epigenéticos são acionados para normalizar forma e função. O tratamento com pistas diretas está indicado na correção de pequenas disto-oclusões, mésio-oclusões, sobremordidas e mordidas cruzadas posteriores e anteriores funcionais (OLIVEIRA, 1997). Segundo Pedro Planas (1997), “a mordida cruzada é uma atrofia das mais fáceis de tratar, quando diagnosticada precocemente. Se não forem tratadas, são as que maiores dificuldades podem nos trazer, pelos riscos de distrofias ósseas de base que podem ocorrer e que serão irreversíveis”. O tratamento das mordidas cruzadas unilaterais posteriores com desvio postural mandibular apresenta características importantes, além da alteração transversal e lateral dentária (mordida cruzada dentária). Os desvios funcionais envolvem atividade muscular alterada, bem como alterações na posição das estruturas de tecidos duros e moles nas articulações temporomandibulares, conforme achados em tomografias computadorizadas e ressonâncias magnéticas inclusive em crianças com dentição decídua e mista. Os músculos demonstram alterações nos casos de mordida cruzada unilateral com desvio mandibular. Nestes casos, o desvio de linha média se deve à tração da mandíbula para o lado cruzado por ação dos feixes oblíquos e posterior do músculo temporal do lado cruzado, posicionando o côndilo mandibular mais pósterosuperiormente deste lado e pterigóideo medial e lateral (feixe inferior) do lado não cruzado, entre outros, anteriorizando o côndilo mandibular do lado não cruzado, buscando sempre o lado da mínima dimensão vertical onde, na maioria dos casos, é o lado da mordida cruzada e o lado da mastigação (figura 2.1). Ortodonticamente, observa-se a combinação de uma classe II de Angle no lado cruzado e classe I de Angle no lado não cruzado ou então uma classe I de Angle no lado cruzado e uma classe III de Angle no lado não cruzado como resultado deste jogo muscular (GRIBEL, 1999). Figura 2.1 – Alterações condilares encontradas nas mordidas cruzadas posteriores unilaterais com desvio mandibular. Tais situações impedem o desenvolvimento harmônico da face e uma terapêutica que seja proposta para a correção deste tipo de má oclusão. Assim, sempre que possível, deve-se levar em conta não apenas as “pontas de iceberg” (dentes), mas também os outros componentes e características das mordidas cruzadas unilaterais posteriores com desvio mandibular funcional, executando e sustentando uma mudança de postura mandibular. Com a nova postura mandibular determinada pelas pistas diretas Planas, o desvio mandibular é corrigido. Com o aumento da dimensão vertical do lado cruzado, a mandíbula desviará para o lado não cruzado, por ação da musculatura do sistema estomatognático e outros (GRIBEL, 1999). As pistas diretas Planas são indicadas neste tipo de maloclusão para os casos de atresia discreta da maxila e mordida cruzada funcional. Sempre deve ser precedido de um desgaste seletivo prévio, até eliminar o contato prematuro que gera o desvio. Deve-se evitar sempre que possível a alteração da dimensão vertical estabelecida com o ajuste oclusal. O objetivo final é complementar o ajuste oclusal, para se chegar aos contatos dentários em cêntrica e em lateralidade (figuras 2.2 e 2.3). Figura 2.2 – Mordida cruzada posterior unilateral. Figura 2.3 - Correção da mordida cruzada com ajuste oclusal prévio e adição das pistas diretas Planas. Após a normalização da forma dos arcos, o ângulo funcional mastigatório Planas deve ser igual de ambos os lados, indicando movimentos mandibulares com igual amplitude e igual dimensão vertical. Acredita-se que essa situação permite mastigação bilateral alternada, fundamental para o desenvolvimento harmônico da face. Nos casos de mordida cruzada unilateral com atresia da maxila somente de um lado, inicialmente deixa-se a mínima dimensão vertical desse mesmo lado, para estimular de palatino para vestibular. O objetivo é desenvolver esse lado atresiado. Após a normalização da maxila, igualam-se os ângulos funcionais mastigatórios Planas, para desenvolvimento facial harmônico. Nos casos de mordida cruzada unilateral com atresia bilateral da maxila, inicialmente inverte-se a mínima dimensão vertical (aproximadamente um mês), para descondicionar os reflexos de mastigação unilateral e exercitar a musculatura do lado que não mastigava. Após esse período, igualam-se os ângulos funcionais mastigatórios Planas para permitir mastigação bilateral alternada (FAGNANI et al., 2008). As pistas diretas Planas para tratamento da mordida cruzada anterior são muito bem indicadas para o tipo postural, causado normalmente por um contato prematuro. Este contato prematuro normalmente é em canino, portanto deve sempre ser feito ajuste oclusal antes do início da confecção das pistas. Não é indicado para classe III severa ou mesmo verdadeira. É excelente para estimular corretamente a pré-maxila deficiente por falta de estímulo para vestibular, e para corrigir a inclinação dos incisivos superiores decíduos. Após o desgaste, acrescenta-se resina na vestibular dos incisivos superiores, descruzando-os artificialmente (figuras 2.4 e 2.5). Este procedimento vai promover um aumento acentuado do espaço entre as arcadas (FAGNANI et al., 2008). Figura 2.4 – Mordida cruzada anterior postural. Figura 2.5 – Correção da mordida cruzada anterior com ajuste oclusal prévio e adição das pistas diretas Planas. As pistas diretas Planas também são muito utilizadas para devolver função e saúde para uma boca atrofiada e impossibilitada de exercer suas funções, como acontece nos casos de mordida profunda. Segundo Planas (1997) aos 6 anos o ideal é que a mordida anterior esteja topo a topo. A mordida profunda, portanto, é patológica nesta fase da dentição. Deve-se acrescentar resina composta sobre a oclusal dos dentes posteriores de maneira que estas fiquem planas e formando um plano paralelo ao de Camper, iniciando preferencialmente no superior. São feitos aumentos gradativos e constantes (figuras 2.6 e 2.7). Dependendo do biotipo ou do padrão facial do paciente, o procedimento deve ser realizado várias vezes até que se obtenha estabilidade (os pacientes dolicoprosópicos necessitarão provavelmente de um maior número de “levantes” para a correção da mordida). Se os caninos não entrarem em função fisiologicamente, também precisarão de acréscimos nas consultas subsequentes (FAGNANI et al., 2008). Figura 2.6 – Mordida profunda patológica em fase final de dentição decídua. Figura 2.7 – Correção da mordida profunda através das pistas diretas Planas. Nos casos de classe II, as pistas diretas Planas podem ser indicadas apenas para casos de baixa complexidade, decorrentes de hipodesenvolvimento mandibular por falta de função correta. Estes casos normalmente estão associados com mordida profunda e atresias de até 2º grau. Em geral, o plano oclusal está ascendente em relação ao plano de Camper (inclinado para cima no sentido ânteroposterior), sendo que a própria inclinação é um fator inibitório de desenvolvimento mandibular. Assim, deve-se igualar a inclinação do plano oclusal com o plano de Camper, ou até mesmo, deixá-la um pouco ascendente no sentido póstero-anterior, como mostram as figuras 2.8, 2.9, 2.10 e 2.11 (FAGNANI et al., 2008). Camper Figura 2.8 – Inclinação póstero-anterior das pistas diretas Planas na correção de distoclusões leves. Figura 2.10 – Caso clínico de distoclusão leve com mordida profunda (atrofia de 1º. grau). Figura 2.9 – Outra forma possível de colocação das pistas diretas Planas no mesmo caso. Figura 2.11 - Caso clínico corrigido após adição das pistas diretas Planas. Quando a pista direta Planas for utilizada para centralizar a linha mediana, geralmente deve ser utilizada após expansão ou disjunção. Utiliza o conceito de contatos prematuros. Para facilitar o trabalho, deve-se inicialmente colocar em apenas um dente centralizando corretamente a mandíbula (figuras 2.12 e 2.13). Com ela bem posicionada, marca-se os demais dentes. Deve-se evitar colocar material na oclusal, servindo apenas de guia de oclusão (FAGNANI, et al, 2008). Figura 2.12 – Pistas diretas Planas utiliza- Figura 2.13 – Caso clínico utilizando o con- das na centralização da linha média. ceito de contatos prematuros na terapia com pistas diretas Planas para correção da linha mediana. Os passos clínicos na terapia com pistas diretas incluem, além do correto diagnóstico, ajuste oclusal (em cêntrica e em lateralidade), aplicação das resinas, reajuste da oclusão e monitoramento (OLIVEIRA, 1997). As pistas diretas são confeccionadas de acordo com o protocolo utilizado em restaurações adesivas, ou seja, condicionamento com ácido fosfórico a 37% durante 30 segundos, lavagem, secagem, aplicação de adesivo e utilização de uma resina fotopolimerizável que ofereça resistência adequada aos esforços mastigatórios e ao mesmo tempo, permita uma boa lisura de superfície e polimento, evitando o acúmulo do biofilme dental (CHIBINSKI et al., 2005). A configuração final das pistas deve ser ampla o suficiente para manter a mudança de postura terapêutica da mandíbula e espessa o bastante para não fraturar quando em função. É fundamental preservar a individualidade dos dentes, podendo-se utilizar uma matriz para evitar que a resina escorra na região interproximal (OLIVEIRA, 1997). O monitoramento deve ser feito periodicamente, em média a cada três meses, segundo Gribel (1999), observando o estado das resinas e os contatos oclusais em cêntrica e em lateralidade. Conforme a necessidade, um reajuste na oclusão deverá ser realizado, através de desgaste ou adição de resina. As pistas serão eliminadas naturalmente com a exfoliação dos dentes decíduos (OLIVEIRA, 1997). O acompanhamento clínico é feito através do Ângulo Funcional Mastigatório Planas (AFMP), observando-se a amplitude dos movimentos mandibulares e a dimensão vertical de ambos os lados. Após a normalização da forma dos arcos o AFMP deve ser igual em ambos os lados, indicando movimentos mandibulares com igual amplitude e igual dimensão vertical. Esta situação permite mastigação bilateral alternada, fundamental para o desenvolvimento harmônico da face (OLIVEIRA, 1997). A finalização do tratamento com pistas diretas Planas deve incluir a orientação mastigatória (SIMÕES, 1985), onde o profissional, contando com a colaboração dos pais, estimula a criança a mastigar mais eficientemente os alimentos, mastigando dos dois lados, de preferência com movimentos rítmicos iguais, bilaterais e alternados. Os pais devem oferecer gradualmente uma dieta mais dura e consistente, treinando a mastigação com seus filhos no intuito de despertar e estimular circuitos neurais fisiológicos de mastigação. Chibinski et al. (2005) consideram que a maloclusão, na maioria das vezes, mostra uma pluralidade de defeitos que precisam da interdisciplinaridade odontológica para alcançar a oclusão ideal, iniciando na atenção à saúde bucal do bebê até o estabelecimento do padrão oclusal adulto. Este acompanhamento permite que terapias preventivas e/ou interceptadoras possam ser implantadas em momento oportuno. Dentro deste contexto, as pistas diretas podem ser consideradas como uma etapa do tratamento, prevenindo o estabelecimento de alterações esqueléticas e criando condições mais favoráveis para o tratamento ortopédico ou ortodôntico futuro, se necessário. A correção precoce com as pistas diretas Planas restabelece desvios morfo-funcionais do sistema estomatognático; promove simetria condilar e muscular; previne síndromes articulares; distribui forças oclusais, favorece o desenvolvimento equilibrado da face e garante saúde e qualidade de vida à criança. 3. PROPOSIÇÃO Relatar o caso clínico do paciente T.C.V.C, sexo masculino, com quatro anos e quatro meses na época do início do tratamento, que apresentava maloclusão de Classe II de Angle, subdivisão direita, desvio postural da mandíbula, mordida profunda e bruxismo excêntrico noturno; tratado com pistas diretas Planas. 4. RELATO DO CASO CLÍNICO Paciente T.C.V.C., do sexo masculino, quatro anos e quatro meses de idade na época do início do tratamento, em fase de dentição decídua. No exame clínico foi constatada mordida profunda anterior, classe II de Angle subdivisão direita de molar e canino, desvio de linha mediana dentária inferior para a direita (figuras 4.1 a 4.3), perfil ósseo e tegumentar convexo e diminuição do terço inferior da face (figuras 4.4 e 4.5). Procurou atendimento particular tendo como queixa principal o bruxismo noturno (presença de barulho ao ranger os dentes dormindo). Padrão respiratório misto, ou seja, nasal e bucal. Apresentava sono agitado e histórico de infecções repetitivas das vias aéreas superiores. Biotipo mesoblástico. Foi amamentado exclusivamente no peito por dois meses e permaneceu em aleitamento misto até os oito meses de idade. Ainda fazia uso da mamadeira na data que iniciou o tratamento. Figura 4.1 – Visão frontal intrabucal Figura 4.2 – Vista lateral direita. Figura 4.4 – Foto frontal. Figura 4.3 – Vista lateral esquerda. Figura 4.5 – Foto de perfil. Na radiografia panorâmica (figura 4.6) observou-se a presença de todos os germes dos dentes permanentes, imagem sugestiva de assimetria condilar e a obstrução das fossas nasais, principalmente do lado direito. Figura 4.6 – Radiografia Panorâmica. Na telerradiografia lateral (figura 4.7) observou-se um padrão facial mesoprosópico, mandíbula retrogênica, perfil ósseo acentuadamente convexo, espaço nasofaríngeo diminuído (5 mm) e espaço orofaríngeo aumentado (maior que 20 mm). Foi detectado ainda um aumento na curvatura da coluna cervical. Figura 4.7 – Telerradiografia Lateral. A proposta de tratamento incluiu a realização das pistas diretas Planas com aumento da dimensão vertical até atingir o D. A., isto é, o toque em determinada área dos incisivos (SIMÕES, 2003), no intuito de corrigir a sobremordida anterior e, simultaneamente, promover uma suave inclinação de classe II, ou seja, póstero-anterior para cima em torno de 15°. Dessa forma, buscouse o paralelismo do plano oclusal com o plano de Camper do paciente e a correção da distorrelação mandibular. Além das pistas diretas Planas, foi feita a orientação mastigatória através de exercícios diários de mastigação, com alimentos mais consistentes do que os habitualmente utilizados pelo paciente, observando-se a alternância dos lados, por no mínimo três minutos diários. As pistas diretas Planas foram confeccionadas de forma direta na boca, sem fase laboratorial, individualmente em cada elemento dentário decíduo, formando planos inclinados que favorecessem a mesialização mandibular e correção do desvio da linha mediana inferior, com altura suficiente para restabelecer a dimensão vertical e a proporção do terço facial inferior. De acordo com os princípios fundamentais da Ortopedia Funcional, foi realizada a Mudança de Postura Mandibular, possibilitando assim, a criação de novos circuitos neuro-musculares mais fisiológicos, inibindo o apertamento e o ranger dos dentes e, ao mesmo tempo, estimulando e possibilitando os movimentos látero-protrusivos mandibulares, buscando-se a normalização do crescimento mandibular (figuras 4.8 a 4.10). Figura 4.8 – Visão frontal logo após a colocação das pistas diretas Planas. Observa-se a correção do desvio da linha mediana inferior. Figuras 4.9 e 4.10 – Vista lateral direita e esquerda, respectivamente, mostrando a inclinação póstero-anterior das Pistas. As Pistas Diretas foram confeccionadas em resina composta fotopolimerizável da marca Z100TM Restorative da 3M ESPE, na cor A1, por ser uma resina microhíbrida de alta resistência às forças oclusais mastigatórias, e por permitir um excelente acabamento e polimento, o que favorece a manutenção de uma superfície lisa, dificultando o acúmulo de placa bacteriana e do biofilme dental. No acabamento e polimento foram utilizadas pontas diamantadas nº 1112F e 1190F da K.G.Sorensen, pontas de Enhance em forma de taça e chama, e pastas de polimento Diamondexcel da FGM. Após dois meses da instalação das pistas diretas, observou-se que praticamente não houve diminuição da dimensão vertical intra-bucal, e uma discreta recidiva do desvio de linha mediana inferior para a direita, a qual foi corrigida apenas com o ajuste oclusal das pistas. A relação póstero-anterior de normorrelação (classe I de Angle do lado direito e esquerdo) foi alcançada, bem como o toque em D. A. mantido, o que evidenciou uma ótima relação ântero-posterior maxilomandibular (figuras 4.11 a 4.13). Figura 4.11 – Vista frontal dois meses após o início do tratamento. Figuras 4.12 e 4.13 – Vista lateral direita e esquerda, respectivamente, dois meses após o início do tratamento. Após quatro meses da instalação das pistas diretas, a mãe relatou que o paciente não fazia mais o “barulho de ranger os dentes dormindo”. Observou-se boa estabilidade do overjet e overbite do paciente (figuras 4.14 a 4.16). Figura 4.14 – Vista frontal no retorno de 4 meses. Figuras 4.15 e 4.16 - Vista lateral direita e esquerda no retorno de 4 meses. No retorno de seis meses após o início do tratamento observou-se uma pequena perda da dimensão vertical fazendo-se um segundo levante compensatório nas pistas inferiores, restabelecendo-se o toque em D.A. (figuras 4.17 a 4.19). Figura 4.17 – Retorno de 6 meses. Vista frontal. Segundo levante das pistas inferiores. Figuras 4.18 e 4.19 – Retorno de 6 meses. Vista lateral direita e esquerda. Segundo levante das pistas inferiores e início da erupção dos primeiros molares inferiores permanentes. Após onze meses do início do tratamento, observa-se a estabilidade dimensional vertical e ântero-posterior do caso, e a chegada dos primeiros molares permanentes inferiores e superiores (figuras 4.20 a 4.22). Figura 4.20 – Retorno de 11 meses. Vista frontal. Caso estável. Figuras 4.21 e 4.22 – Retorno de 11 meses vista lateral direita e esquerda. Caso estável e primeiros molares inferiores e superiores permanentes ainda rompendo. No retorno de quatorze meses, pôde-se observar a manutenção da dimensão vertical e a ausência do bruxismo. Início das trocas dos incisivos inferiores com espaços suficientes no arco, confirmando o correto desenvolvimento transversal dos arcos (figuras 4.23 a 4.25). Figura 4.23 – Retorno de 14 meses. Vista frontal. Início da troca dos incisivos inferiores. Figuras 4.24 e 4.25 – Retorno de 14 meses. Vista lateral direita e esquerda respectivamente. Após dois anos e três meses do início do tratamento, observa-se o perfeito encaixe em Classe I de Angle dos primeiros molares permanentes com sua erupção completa do lado direito e esquerdo, a ótima relação de overbite e overjet dos incisivos permanentes, e o adequado desenvolvimento transversal dos arcos com espaços suficientes para a dentição permanente (figuras 4.26 a 4.28). Figura 4.26 – Retorno de 2 anos e 3 meses. Vista frontal. Figura 4.27 e 4.28 – Retorno de 2 anos e 3 meses. Vista lateral direita e esquerda. Primeiros molares permanentes ocluindo em chave de Classe I de Angle e incisivos permanentes com ótimo overbite e overjet. No retorno de cinco anos e dois meses após o início do tratamento, observa-se a manutenção das dimensões transversais, sagitais e verticais dos arcos dento-alveolares, além do início das trocas dos caninos e pré-molares permanentes, e sem a presença do bruxismo (figuras 4.29 a 4.31). Figura 4.29 – Retorno de 5 anos e 2 meses. Vista frontal. Caso estável. Figuras 4.30 e 4.31 – Retorno de 5 anos e 2 meses. Vista lateral direita e esquerda. Início das trocas dos pré-molares e caninos inferiores. Caso estável. Sete anos e cinco meses após o início do tratamento, observa-se a perfeita estabilidade anatômica e funcional do paciente, já com a dentição permanente completa, observando a relação de Classe I de Angle nos molares e caninos dos dois lados, e o correto alinhamento da linha mediana (figuras 4.32 a 4.34). Figura 4.32 – Retorno de 7 anos e 5 meses após o início do tratamento. Vista frontal. Caso estável e dentição permanente completa. Figuras 4.33 e 4.34 – Retorno de 7 anos e 5 meses após o início do tratamento. Vista lateral direita e esquerda. Caso estável e dentição permanente completa. Aos doze anos e seis meses de idade, oito anos e um mês após iniciado o tratamento com as Pistas Diretas Planas e orientação mastigatória, temos a dentição permanente completa com a perfeita relação oclusal inter-arcos nos três planos espaciais: sagital, transversal e vertical (figuras 4.35 a 4.37), e também os reflexos mastigatórios com movimentos bilaterais e alternados, conforme podemos observar na avaliação dos Ângulos Funcionais Mastigatórios de Planas (AFMPs), que se encontram exatamente iguais dos dois lados (figuras 4.38 e 4.39). Figura 4.35 – Retorno de 8 anos e 1 mês após o início do tratamento. Vista frontal. Caso estável. Figuras 4.36 e 4.37 – Retorno de 8 anos e 1 mês após o início do tratamento. Vista lateral direita e esquerda respectivamente. Caso estável. Figuras 4.38 e 4.39 – Avaliação final da igualdade dos Ângulos Funcionais Mastigatórios Planas. Os sinais e sintomas do bruxismo desapareceram totalmente, tanto clinicamente como quando solicitado em novas anamneses realizadas em todos os retornos do paciente. Observou-se, além do correto padrão mastigatório, a presença do vedamento labial passivo e do padrão de respiração exclusivamente nasal. Evolução facial durante o tratamento. Durante a terapêutica, observou-se o crescimento e desenvolvimento simétrico da face como um todo do paciente e, principalmente, a harmonização dos terços faciais verticais, incrementando-se o crescimento do terço facial vertical inferior. Com a melhora do padrão respiratório, observa-se o desaparecimento das olheiras pronunciadas observadas inicialmente, e a melhora da tonicidade dos lábios inclusive com a correção da curvatura labial que inicialmente se apresentava com aspecto de concavidade inferior, passando ao paralelismo com o plano horizontal (figuras 4.40 a 4.45). Figuras 4.40, 4.41, 4.42, 4.43, 4.44 e 4.45 respectivamente – Acompanhamento da evolução facial durante e após a finalização do tratamento. Evolução do perfil durante o tratamento. O perfil que inicialmente se apresentava muito convexo, principalmente no seu terço inferior, evoluiu com o incremento no crescimento póstero-anterior mandibular, melhorando e corrigindo a relação sagital maxilo-mandibular que refletiu diretamente na harmonização do perfil facial do paciente. Observa-se também, a melhora postural e funcional dos lábios restabelecendo o vedamento labial passivo (figuras 4.46 a 4.51). Figuras 4.46, 4.47, 4.48, 4.49, 4.50 e 4.51 respectivamente – Acompanhamento da evolução do perfil facial durante e após o término do tratamento. O equilíbrio morfo-funcional se reflete esteticamente com a harmonização do perfil. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A elucidação dos mecanismos neurofisiológicos envolvidos nos processos de crescimento e desenvolvimento craniofacial (SICHER, 1947; SCOTT, 1954; MOSS, 1962; PETROVIC, STUTZMANN, 1972; PETROVIC, 1974; MOYERS, 1991; ENLOW, 1993; PLANAS, 1997) bem como o conhecimento das interferências ambientais capazes de alterá-los dentro de certos limites (ANGLE, 1907; ARAGÃO, 1992; PLANAS, 1997; ENLOW, HANS, 1998; KÖHLER, 2000; SIMÕES, 2003; CARVALHO, 2010) embasaram cientificamente a atuação da Ortopedia Funcional dos Maxilares, tanto na promoção ou restrição de crescimento como também alterando direções e posturas esqueléticas. A importância do diagnóstico e atendimento precoce das maloclusões se tornou indiscutível (SCHRODER, SCHRODER, 1985; NANDA, 1988; VADIAKAS, VIAZIS, 1992; RIKETTS, 1996; PLANAS, 1997; OLIVEIRA, ORTELADO, 2001; KÖHLER, 2000; CHIBINSKI et al., 2005; CARVALHO, 2010), especialmente a partir das atuais evidências acerca da intensidade e plasticidade do metabolismo ósseo no período que compreende o nascimento até o final da dentição decídua, onde parte significativa das dimensões crânio-faciais do adulto já se encontram presentes (PLANAS, 1997; ENLOW, HANS, 1998; GRIBEL, 1999). A Reabilitação Neuro-Oclusal (PLANAS, 1997) se caracteriza pela busca constante da função plena a que o sistema estomatognático deveria ter sido exposto desde a lactação, no início da vida, passando por todo o processo de crescimento e desenvolvimento ao longo do tempo e estendendo-se até a senilidade. Ou seja, busca sempre a função equilibrada do sistema, para atingir e manter o equilíbrio fisiológico natural. No entanto, como a estimulação muitas vezes é patológica, observamos a ocorrência de lesões funcionais (atrofias) desde a primeira dentição. Assim, as Pistas Diretas Planas, baseadas num correto e seguro diagnóstico e respeitando as suas melhores indicações clínicas, se apresentam como excelentes recursos terapêuticos para restabelecer a normalização funcional o mais cedo possível, promovendo condições para que o sistema estomatognático resgate sua capacidade de autogerenciar o restante do seu crescimento e desenvolvimento. O tratamento com pistas diretas Planas está indicado para correções dentárias e funcionais em crianças na fase de dentição decídua e mista, e tem a capacidade de não apenas normalizar a oclusão, como também a postura mandibular, posição dos côndilos nas articulações têmporo-mandibulares e a função mastigatória. As pistas diretas Planas, portanto, constituem uma poderosa ferramenta terapêutica capaz de modificar reflexos neuro-musculares condicionados de forma incorreta, além de recuperar o equilíbrio funcional e oclusal nas fases de dentição decídua e mista jovem (PLANAS, 1997; OLIVEIRA, ORTELADO, 2001; GRIBEL, 1999; SIMÕES, 2003; CHIBINSKI et al., 2005; FAGNANI FILHO et al., 2008, CARVALHO, 2010), com a grande vantagem de se manterem ativas em período integral, independente da colaboração da criança quanto ao uso. Por ser uma técnica eficiente, segura, de baixo custo, que não interfere em outras funções, como, por exemplo, a dicção, e que requer somente conhecimento e habilidade profissional (OLIVEIRA, ORTELADO, 2001; FAGNANI FILHO et al., 2008), é possível concluir que suas desvantagens são superadas pelos importantes benefícios obtidos sobre o processo de crescimento e desenvolvimento do sistema estomatognático e da criança como um todo no que concerne à sua saúde e qualidade de vida. O caso clínico relatado no presente estudo é relativamente comum na prática dos profissionais que atuam diretamente com crianças. Em geral, a mordida profunda nesta fase da dentição passa sem diagnóstico e tratamento adequado, perpetuando e agravando a atrofia funcional na dentição permanente. O paciente relatado no estudo apresentava um biotipo favorável (mesoblástico), assim sofreu menos as consequências da falta dos estímulos positivos da amamentação e dos estímulos nocivos do aleitamento artificial e da mastigação deficitária. Respondeu de forma rápida e satisfatória ao tratamento. Em quatro meses, não apresentava mais sinais e sintomas do bruxismo excêntrico noturno. A troca da dentição ocorreu normalmente e a oclusão se estabeleceu de forma correta e equilibrada, tanto sob o aspecto anatômico, nos três planos espaciais, como sob o aspecto funcional. Assim, através deste relato de caso procurou-se enfatizar a importância do diagnóstico precoce da maloclusão e da intervenção em momento oportuno, a fim de prevenir complicações, simplificar o tratamento e favorecer o crescimento e desenvolvimento morfo-funcional equilibrado do paciente, o que reflete direta e positivamente sobre sua estética facial. As evidências científicas encontradas na literatura a respeito das pistas diretas Planas suportam a conduta adotada. O controle da parafunção do bruxismo com o uso das pistas diretas Planas no caso relatado foi extremamente eficaz, sugerindo-se que o leque de suas indicações, incluindo o tratamento deste tipo disfunção ainda na dentição decídua, possa ser ampliado com excelente prognóstico. De acordo com a literatura científica atual, a amamentação constitui a forma primária de prevenção dos diversos tipos de maloclusões e disfunções do sistema estomatognático. Por isso, exercer a Odontologia em toda a sua excelência, ou seja, com especial enfoque no âmbito preventivo, implica, sem dúvidas, em formar profissionais capacitados, não somente a diagnosticar e encaminhar ou intervir precocemente sobre as maloclusões, mas, sobretudo, profissionais aptos a orientar, apoiar, proteger e promover a amamentação em sua plenitude. TREATMENT OF MALOCCLUSION IN PRIMARY DENTITION WITH PLANAS DIRECT TRACKS: REPORT OF CASE ABSTRACT The malocclusion is one of oral health problems more prevalent today, according to World Health Organization. It is estimated a prevalence of over 70% of cases manifesting still in the primary dentition. Without appropriate intervention they perpetuate and aggravate in permanent dentition. This study aims to review the current literature on malocclusion in deciduous dentition from the aspect view of the Functional Orthopedics of the Maxillary and the treatment with Planas direct tracks, presenting a clinical case quite common for a male patient of four years old who had malocclusion Angle Class II, subdivision right, with deep bite, mandibular postural deviation and eccentric nocturnal bruxism associated. It was proposed treatment with Planas direct tracks and conducted a longitudinal follow up for eight years. It was verified the rapid symptom improvement of the patient in about four months after the therapy instituted. The development of occlusal facial aesthetics and the harmonization of profile were followed until the beginning of puberty, with excellent results. We tried to emphasize the importance of diagnosis and opportune intervention with appropriate technique. Thus, you can still actuate on the malocclusion in primary dentition, simplifying the way to approach and promoting functional and aesthetic balance, which favors the patient's prognosis. Keywords: malocclusion, primary dentition, treatment, Planas direct tracks. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ANDRADA E SILVA, M.A. et al. Análise comparativa da mastigação de crianças respiradoras nasais e orais com dentição decídua. Rev CEFAC, v. 9, n. 2, 2007. 2. ANGLE, E.H. Treatment of malocclusion of the teeth. S.S. White Dental. 7ª. ed. Philadelphia, 1907. 3. ARAGÃO, W. Ortopedia dos Maxilares. Pancast, São Paulo, 1992. 4. ARDRAN, G.M.; KEMP, F.H.; LIND, J. A cineradiographic study of bottle feeding. B J Radiol, v. 31, p. 11-12, p. 156-162, 1958. 5. BERNAL, M.; TSAMTSOURIS, A. Signs and symptoms of temporomandibular joint dysfunction in 3 to 5 year old children. J Pedod, v. 10, n. 2, p. 127-140, 1986. 6. BISHARA, S.E. et al. 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