IV Congresso de Pesquisa e Extensão da FSG II Salão de Extensão http://ojs.fsg.br/index.php/pesquisaextensao ISSN 2318-8014 CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA EMPATIA DESDE UMA ÓPTICA PSICOLÓGICA, BIOLÓGICA E FILOSÓFICA Fernanda Prux Susina, Horacio Francisco Rodríguez Fleitasb a) 1 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Filosofia. Pós-graduada em Gestão Estratégicas de Pessoas. Pós-graduada em Avaliação Psicológica. Bacharel em Psicologia. Docente da FSG. [email protected] b) Mestre em Educação. Mestrando no Programa de Pós-graduação em Filosofia. Pós-graduado Psicologia Organizacional. Bacharel em Psicologia. Docente da FSG. [email protected] Informações de Submissão [email protected]. Rua Os Dezoito do Forte, 2366 - Caxias do Sul - RS - CEP: 95020-472 Palavras-chave: Empatia. Psicologia. Filosofia. Biologia. Resumo A capacidade humana relacionada à empatia observa-se junto à história do homem e estuda-se há muito tempo e, consequentemente, esses estudos foram objeto de confrontações teóricas. Estas diferenças teóricas, no entanto, contribuíram para o desenvolvimento e enriquecimento do conceito de empatia. O foco deste artigo é abordar o tema empatia no ponto de vista psicológico, biológico e filosófico. No campo da psicologia percorre-se a evolução conceitual da temática até chegar a uma abordagem multidimensional que aduna componentes cognitivos e afetivos para a compreensão dos pensamentos e emoções do/s outro/s. Na biologia se tem como base as pesquisas do etólogo e primatólogo Frans de Waal referente a alguns aspectos da empatia em grandes primatas, e a importância deste componente afetivo para a convivência maneira colaborativa com os seus companheiros de grupo. Na filosofia é abordada a perspectiva de John Stuart Mil referente à empatia (ou simpatia), sendo um componente essencial para a moralidade e que propicia o reconhecimento e o respeito pelo outro, gerando sentimento de coletividade. Resulta do presente estudo a compreensão de que a concepção da de empatia, ao ser objeto de diversas disciplinas do conhecimento, se caracteriza pela sua vasta abrangência. 1 INTRODUÇÃO A primeira vez que se utilizou o termo empatia foi no século XVIII por Vischer com a palavra “Einfülung”, que se traduz como “sentir-se dentro de”. No século XX foi Titchener quem em 1909 (citado por Davis, 1996) concebeu termo “empatia” como se conhece na atualidade, baseando-se no grego εµπάθεια (qualidade de se sentir dentro). Faz-se importante Caxias do Sul – RS, de 04 a 06 de outubro de 2016 IV Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 310 salientar que o termo empatia possui uma ampla abrangência e perpassa várias áreas do saber como a Psicologia, Biologia, Filosofia, Estética, Sociologia, entre outras. No campo da Estética, alguns autores descreveram que o processo que hoje reconhecemos por empatia era o mesmo que, no campo da arte, chamam de Einfühlung; um processo de imitação interna que ocorre durante a apreciação de artefatos artísticos, na medida em que características subjetivas como amabilidade, poder, altivez, por exemplo, podem ser sentidas como pertencentes às próprias obras, como se estas tivessem vida, e a sensação de unidade entre obra e o sujeito que a contempla propicia que se projete sentimentos à sua leitura da obra; ou em uma postura de total abertura que, ao canalizar os sentimentos expressos na obra, os vivencia intensamente. Em se tratando de Psicologia Edward Bradford Titchener (1867-1927), no ano de 1909 descreveu o constructo empatia como sendo a capacidade de conhecer a consciência de outra pessoa e de raciocinar de maneira análoga a ela através do processo de imitação interna, possibilitando a compreensão entre as mesmas. O feito deste estruturalista norte-americano, na realidade, foi adaptar uma noção de empatia que já se observava desde o início do século XIX e que era muito presente nos campos da Psicologia e das Ciências Sociais aos pressupostos da estética. Dessa maneira, a empatia passou a ser difundida pelos psicólogos como uma capacidade que possibilita que as pessoas se compreendam mutuamente, sintam e percebam o que acontece com os outros como se elas próprias estivessem vivenciando tais experiências. Em Filosofia, o conceito de empatia é recente, embora a noção que este designa não o seja. Na teoria moral do filósofo David Hume (1711-1776), esta noção de empatia está presente e é caracterizada como sendo algo que faz com que não apenas as nossas emoções, mas também as emoções das pessoas que são próximas e estimadas por nós, influenciem e regulem o nosso comportamento. Conforme Silveira (2013, p. 148), em seus estudos sobre Hume, “a empatia é uma capacidade básica para que seja possível uma moralidade baseada em afetos”. Deste modo, pode-se dizer que o que conhecemos atualmente em filosofia por empatia já foi objeto de estudo e de análise por vários filósofos, como por exemplo: Hume, Smith e Mill. Mill ao invés deste termo empatia utilizava o termo simpatia. De forma equivalente, também podemos citar Aristóteles que, ao abordar acerca das paixões não utilizou a palavra empatia, mas sim, compaixão, conforme citado na seguinte citação: Seja, então, a compaixão certo pesar por um mal que se mostra destrutivo ou penoso, e atinge quem não o merece, mal que poderia esperar sofrer a própria pessoa ou um Caxias do Sul – RS, de 04 a 06 de outubro de 2016 IV Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 311 de seus parentes, e isso quando esse mal parece iminente, com efeito, é evidentemente necessário que aquele que vai sentir compaixão esteja em tal situação que creia poder sofrer algum mal, ou ele próprio ou um de seus parentes, e um mal tal como foi dito na definição, ou semelhante ou quase igual[...] (ARISTÓTELES, 2003, p. 53). Em uma abordagem mais detalhada acerca destes conceitos, simpatia, compaixão, empatia, encontraremos algumas distinções. Não podemos descartar que há uma proximidade entre eles, principalmente no que diz respeito ao altruísmo, sentimentos que extrapolam a dimensão do “eu” e vão ao encontro do “outro” e que estão relacionados a aspectos motivacionais da vida em sociedade. Segundo Eisenberg & Strayer (apud Cecconelo e Koller, 2000), a empatia está mais relacionada com o compartilhar emoções, ou seja, sentir o que ou outro está sentindo, diferentemente de simpatia que está relacionada a ter preocupação com o sofrimento do outro. O foco neste momento, não é discutir o melhor termo utilizado, mas sim o porquê a empatia tem sido objeto de estudo de diversos pesquisadores das mais variadas áreas do conhecimento. De modo geral, os pesquisadores estão mais preocupados em conhecer as razões pelas quais as pessoas ou animais sociais, como: macacos, lobos, golfinhos, entre outros, se engajam em comunidades e realizam comportamentos de ajuda. E, além disso, investigam-se quais circunstâncias estes comportamentos se tornam mais prováveis ou úteis, bem como qual seria o papel da empatia nesse processo relacional. Portanto, buscar compreender como a empatia funciona é, realmente, mais importante do que chegar a uma conclusão definitiva do que de fato ela seja. E é com este olhar que damos prosseguimento a nossa breve pesquisa, onde será abordado o assunto empatia dentro do campo da biologia, mais especificamente, a partir do trabalho de Fran de Waal; e, no campo da psicologia e da filosofia. 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 A empatia pela perspectiva da psicologia Desde um enfoque cognitivo Köler (citado por Davis, 1996) - considerado pioneiro na pesquisa do conceito – concebe a empatia como a compreensão dos sentimentos do outro, assim como, Fenichel (citado en Davis, 1996) que se refere à empatia como uma identificação com o outro. A maior parte dos pesquisadores com enfoque cognitivo da empatia concordam em considerar que empatia consiste fundamentalmente na adoção da perspectiva cognitiva do Caxias do Sul – RS, de 04 a 06 de outubro de 2016 IV Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 312 outro (cognitive role-taking), numa tentativa de compreender o que se passa na mente dos demais, uma “construção” própria de elaborar os estados mentais do outro. Isto é, uma habilidade de explicar e predizer o comportamento dos outros atribuindo-lhes estados mentais, tais como intenções, crenças, emoções ou desejos. Desde finais dos anos 60, se começa a estabelecer uma visão diferente da empatia, concedendo mais importância ao componente afetivo. Uma contribuição significativa é a de Wispé (1978), que destacou a importância dos estados emocionais positivos como um aspecto a incluir na concepção da empatia. Esta concepção subtrai o aspecto cognitivo da empatia e a compreende como uma emoção que emana diante da presença de estímulos situacionais concretos, ou seja, como sentimentos de interesse e compaixão dirigidos a outra pessoa surgidos da consciência do seu sofrimento. Assim sendo, a empatia requer a adequada identificação das respostas emocionais nas outras pessoas e implica não somente em atitudes, mas também em habilidades e competências bem definidas em uma situação concreta. Considera-se que até a década dos 80 os estudos e pesquisas sobre empatia refletiam pouco consenso a respeito dos divergentes enfoques cognitivos e afetivos. È a partir desta época que se começa a construir uma definição integradora, podendo-se destacar como marco teórico os estudos de Davis (1996), que propõe uma dimensão multidimensional para a concepção da empatia que inclui quatro componentes: a) na dimensão cognitiva têm-se a Fantasia, que tendem a identificar-se com personagens de ficção e a Adoção que se caracteriza por adotar perspectivas cognitivas e b) na dimensão afetiva têm-se a Angustia empática, relacionada a sentimentos de compaixão e preocupação com o outro e a Aflição Pessoal , que se refere à ansiedade que se experimenta ao testemunhar um acontecimento desagradável para o outro. A partir dos anos 90, se abordam os estudos da empatia desde a perspectiva da Inteligência Emocional (IE) - termo popularizado por Goleman (1995), o modelo mais estudado e aplicado deste enfoque é o modelo de Mayer y Salovey (1997), no qual se compreende a inteligência emocional como conformada por quatro capacidades, a saber, a percepção, a facilitação, a compreensão e a regulação emocional. Desde este enfoque, se pode considerar que a empatia inclui aspectos relacionados tanto com a percepção das emoções dos outros como com sua compreensão, coerentemente com as propostas cognitivas no estudo da empatia. Este novo enfoque impulsionou, na atualidade, à realização de novos estudos para comprovar a relação entre os componentes cognitivos e afetivos do constructo e que resultam Caxias do Sul – RS, de 04 a 06 de outubro de 2016 IV Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 313 em realizar esforços para integrar as perspectivas individual e social da empatia, isto é, uma disposição interna do sujeito e aquelas outras que, desde uma perspectiva social, a concebem como uma emoção que depende tanto da pessoa como das características da situação. Perspectiva que indica que, desta maneira, se possibilite atingir a desejável compreensão da empatia de modo integral e multidimensional. 2.2 A empatia pela perspectiva da Biologia de Frans de Waal O primatólogo Frans de Waal, autor de A era da empatia: lições da natureza para uma sociedade mais gentil, ao pesquisar as raízes desta “liga” que nos une e nos insita a cooperarmos uns com os outros, nos mostra que mesmo em tempos conturbados de muita competição pela sobrevivência, egoísmo e individualismo, é possível buscarmos um lugar onde vale a pena viver. Especialista em comportamentos sociais de primatas, Waal nos mostra que a empatia humana conta com o apoio de uma longa história evolutiva, e que somente está presente em nós porque a herdamos de nossos ancestrais, os primatas. E mais, a empatia que nos liga ao outro e nos faz um ser social é a mesma para muitas outras espécies de animais. É verdade que quase sempre se recorre à biologia para justificar uma sociedade baseada em princípios egoístas. Mas não devemos nos esquecer de que a nossa biologia produz também a liga que mantém as comunidades unidas (WAAL, 2010, p. 10). Já no primeiro capítulo do livro, Waal argumenta a respeito da naturalidade da empatia ao narrar uma situação ocorrida logo após a passagem do furacão Katrina, nos Estados Unidos em 2005. Na tragédia, muitas pessoas na ânsia de salvarem suas próprias vidas acabaram se tornando indiferentes ao sofrimento do próximo, em atitudes de quem diz: “Salvem-se quem puder!”. Onde estaria a solidariedade? Os jornais clamavam: “Por que fomos abandonados como animais?”. É a partir disso, que o autor faz sua primeira afirmação: “[...] os animais não necessariamente abandonam uns aos outros”. Daí a decisão do autor de buscar na biologia respostas que possam contribuir à sociedade humana, lançando luz ao que é realmente o mais importante, o bem comum. Waal, então, ao observar e estudar o comportamento de animais como chimpanzés, golfinhos, lobos, elefantes, entre outros, cruza as suas descobertas com o comportamento humano, analisando semelhanças e diferenças entre as espécies. Para o autor, a biologia tem sido usada, há muito tempo, como justificativa de princípios egoístas nas sociedades, Caxias do Sul – RS, de 04 a 06 de outubro de 2016 IV Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 314 principalmente no que tange a assuntos políticos. Se a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin (1809-1882) foi tomada de forma equivocada e transformada em fundamento do chamado “darwinismo social”, está na hora da biologia fornecer subsídios eficazes para ressaltar e reafirmar o verdadeiro darwinismo, diz o autor: Se a biologia fornece alguma orientação ao governo e à sociedade, o mínimo que precisamos fazer é obter uma visão completa, abandonando a versão estereotipada formulada pelo darwinismo social e olhando para aquilo que foi verdadeiramente implementado pela evolução. Que tipo de animal somos nós? Os traços produzidos pela seleção natural são ricos e variados e incluem tendências sociais muito mais propícias ao otimismo do que geralmente se pressupõe. Na verdade, minha hipótese é de que a biologia é a nossa maior esperança. As ideologias vêm e vão, mas a natureza humana permanece (WAAL, 2010, p. 71). Mesmo que milhares de anos tenham passado, e que muitas transformações, adaptações, evoluções tenham ocorrido entre as espécies, criando um abismo entre nós e nossos ancestrais, especialmente quando nos referimos à complexidade da vida e das sociedades atuais, não esqueçamos que, essencialmente, permanecemos os mesmos animais, com os mesmos desejos e também com as mesmas necessidades psicológicas. Esse abismo, que nos faz pensar em nossos ancestrais como seres ferozes e agressivos não se confirma, segundo o autor. A análise do modo de vida deles nos revala que a dependência mútua, os laços sociais entre eles e a supressão das disputas são fundamentais para a coesão e sobrevivência do grupo, uma vez que o alimento e a segurança são primordiais para tal propósito. E mais, que os ataques a outros grupos passaram a acontecer com o desenvolvimento da agricultura e a acumulação de riquezas, cita o autor: “A guerra parece ter mais relação com o poder e os ganhos do que com os impulsos agressivos” (WAAL, 2010, p. 44). Precisamos desmistificar essa ideia de que nossa selvageria, indiferença e até mesmo o nosso egoísmo, sejam as únicas heranças naturais que permanecem em nós, e nos ater a herança biológica que fundamentalmente nos preserva e nos permite evoluir, a empatia. Dessa forma, podemos dizer que a empatia é parte do nosso sistema operacional. Somos pré-programados a cooperar com o nosso semelhante. “A empatia é uma reação automática sobre a qual temos controle limitado” (WAAL, 2010, p. 69). Não conseguimos nos manter imunes e indiferentes à situação dos outros, a não ser que façamos parte daquela parcela da humanidade que conhecemos como psicopatas. A natureza modelou nosso cérebro para que conseguíssemos entrar em sintonia uns com os outros, para que sofrêssemos com o sofrimento alheio e também pudéssemos sentir prazer e alegria por eles. Se evoluir é competir, se sobreviver é aniquilar com os nossos semelhantes, não olhar para o outro, não Caxias do Sul – RS, de 04 a 06 de outubro de 2016 IV Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 315 estendê-lo a mão para as suas necessidades, porque a natureza e a seleção natural continuam apostando e nos munindo com a empatia? Pela lógica da evolução, se não a utilizássemos, provavelmente ela já estaria extinta. E aí, o que seria de nós humanos? Outro aspecto importante trazido pelo autor é que tanto a empatia quanto a solidariedade não se originam do pensamento ou da nossa capacidade de reconstruir conscientemente o que sentiríamos se estivéssemos na situação do outro, e sim da sincronização entre os corpos; uma janela poderosa que nos permite compartilhar emoções, estados de humor e, porque não, criar vínculos. Para o primatólogo, a empatia traz junto na sua composição diversos elementos que se fundem e se transformam na liga que une não só humanos, mas vários animais sociais, como: a coordenação; a capacidade de assumir o lugar do outro; a correspondência também conhecida como o mapeamento dos corpos; e a identificação e a imitação daqueles que são próximos. Como exemplo, cita o autor: Não somente imitamos as pessoas com que nos identificamos, como a imitação estreita esses laços. Entre os humanos, as mães e as crianças fazem jogos de sincronização, brincando de bater palmas aos mesmo tempo e no mesmo ritmo ou de batê-las nas mãos um do outro. E de que modo agem os amantes quando acabaram de se conhecer? Eles fazem longos passeios caminhando lado a lado, comem juntos, riem juntos e dançam juntos. A sincronia fortalece a ligação entre os indivíduos. Pense na dança. Os parceiros complementam e antecipam os movimentos um do outro, guiando-se mutuamente. A dança transmite a seguinte mensagem: “Estamos em sincronia!”. E é assim, por meio da sincronização de seus movimentos, que os animais vêm se ligando uns aos outros há milhões de anos”. ( WAAL, 2101, p. 93). A empatia é a possibilidade da saída do egoísmo para o altruísmo. Podemos facilmente constatar isso na medida em que percebemos que a infelicidade do outro nos causa sofrimento; da mesma forma que a felicidade, o bem-estar e o ato de melhorar a vida de alguém também repercute em nós. A empatia é o acesso para que muitos outros valores e princípios possam se estabelecer em uma comunidade, como: a solidariedade, a cooperação, a proteção, a compaixão, o altruísmo e a justiça. Valores que foram comprovadamente verificados como sendo não exclusivos da espécie humana, demonstrando que a natureza e a biologia têm muito a nos ensinar. Enfim, retornar ao âmago da nossa natureza e recorrer à empatia, pode ser um caminho para uma sociedade mais cooperativa, humanitária e feliz. 2.3 A empatia na filosofia de John Stuart Mill John Stuart Mill, em seu livro intitulado Utilitarismo traz um importante elemento a ser abordado: o conceito de simpatia ou empatia. Caxias do Sul – RS, de 04 a 06 de outubro de 2016 IV Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 316 A simpatia é algo que se assemelha à empatia. Consiste na identificação com as dores e os prazeres dos outros. Uma pessoa completamente destituída de simpatia, como os psicopatas, fica indiferente até ao sofrimento intenso dos que lhe são mais próximos (MILL, 2005, p.114) Para Mill, a empatia é um instinto humano, ou algo similar a isso. “Se houver aqui algo de inato, não vejo qualquer razão para o sentimento inato não ser o da consideração pelos prazeres e dores dos outros” (MILL, 2005, p.70). Sendo assim, todos os indivíduos, excetos os psicopatas, a possuem de forma natural. A empatia acaba sendo um principio moral intuitivamente obrigatório, e desta forma, a ética intuitiva acabaria coincidindo com a ética utilitarista, pois o indivíduo acaba por considerar e se comover com os interesses e sentimentos dos semelhantes. Ao mesmo tempo, Mill coloca que os demais sentimentos morais não são inatos, mas sim são adquiridos e mesmo sendo adquiridos podem ser considerados naturais, pois é possível tê-los em grau reduzido, mas se forem aprimorados através da educação ou mesmo através da cultura, estes sentimentos podem atingir um alto grau de desenvolvimento. Para Mill, o sentimento moral quando associado ao princípio da utilidade ou maior felicidade se harmonizam, acabam se tornando sentimentos sociais, com interesses de união com os semelhantes. “Este poderoso suporte afetivo natural existe, e será ele que, assim que a felicidade geral seja reconhecida como o padrão ético, constituirá a força da moralidade utilitarista” (MILL, 2005, p.72). O fato de o indivíduo cooperar com o outro e de procurarem um interesse coletivo, acaba por ajustar os próprios interesses com os interesses dos demais, e deste modo acaba ampliando os laços sociais e propiciando o fortalecimento da sociedade, além de promover a prática da busca pelo bem-estar dos outros, permitindo ao indivíduo ser integrante de uma comunidade com interesses comuns e, fazendo com que permaneçam unidos a uma situação de coletividade, conforme refere Mill: Como que por instinto, o homem acaba por se tornar consciente de si próprio como um ser que, obviamente, tem os outros em consideração. O bem dos outros torna-se para ele uma coisa que, natural e necessariamente, tem de ser levada em conta tal como qualquer condição física da nossa existência. Ora, uma pessoa que tenha este sentimento num qualquer grau de desenvolvimento será impelida pelos mais fortes motivos, relativos tanto ao interesse como à simpatia, a demonstrá-lo e a encorajá-lo nos outros com todo o seu poder (MILL, 2005, p. 72). De algum modo, através da simpatia (ou empatia), associado às influências da educação, busca-se reduzir as desigualdades, fazendo com que o homem busque a continuidade de uma comunidade, reconhecendo e respeitando os demais membros. Sendo a Caxias do Sul – RS, de 04 a 06 de outubro de 2016 IV Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 317 empatia algo natural, e pelo fato do homem possuir uma natureza social, faz com que ele busque unir-se aos seus semelhantes. Num estado progressivo da mente humana, crescem constantemente as influências que tendem a gerar em cada indivíduo um sentimento de unidade com todos os outros, sentimento esse que, quando é perfeito, leva o indivíduo a nunca conceber ou desejar qualquer condição benéfica para si próprio se os outros não estiverem incluídos nos seus benefícios (MILL, 2005, p. 73). A empatia para Mill é um dos principais pontos para a motivação moral, pois faz com que o indivíduo busque a manutenção da comunidade ou de seu grupo, reconhecendo e respeitando os demais membros. “Na medida em que o princípio da utilidade considera a felicidade de todos os seres sensíveis envolvidos na ação a ser analisada, visualizamos essa relação entre a empatia, como elemento do utilitarismo, com o princípio da utilidade” (CARVALHO, 2012, p.34). Faz-se importante mencionar um questionamento em relação ao papel da empatia para Mill. Andrade (2013, p.111), refere: “Entendo por empatia toda disposição para agir em sintonia com um grau de altruísmo que implica algum sacrifício do próprio interesse em nome de outra pessoa”. Andrade questiona se em determinas situações é possível que o indivíduo tenha decisões racionais, de cunho utilitarista, tendo em vista a felicidade de um maior número de pessoas, pois, para o autor, em algumas circunstâncias o ponto de vista afetivo pode prevalecer na decisão. “Meu ponto é que o utilitarismo se compromete com uma rígida noção de indivíduo (átomo racional), a qual nem sempre está em sintonia com a pulverização de interesses que marca a ação moral e que torna os agentes morais um feixe de múltiplas motivações” (ANDRADE, 2013, p.112). Sendo assim, para Andrade, a quantidade de beneficiados não pode ser um condição suficiente para avaliar se uma ação é moralmente boa, portanto, para o autor, a empatia não é o principal critério para a avaliação moral. 3 METODOLOGIA A metodologia de investigação para a composição deste estudo é a bibliográfica. Conforme Köche (2002), por meio de uma revisão bibliográfica, busca-se uma base conceitual para a consolidação do referencial teórico a ser utilizado no desenvolvimento do estudo proposto. 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Caxias do Sul – RS, de 04 a 06 de outubro de 2016 IV Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 318 Diferentes enfoques da concepção da empatia no campo da Psicologia, característica desta disciplina para o seu desenvolvimento, contribui para o enriquecimento do constructo abordado. Observa-se através da evolução dos estudos sobre o processo empático que o mesmo se baseia em antecedentes que se iniciam sob uma perspectiva cognitiva que, conforme os autores já mencionados, colocam à empatia como uma habilidade da mente de explicar e predizer os comportamentos de si mesmo e dos outros, atribuindo a estes estados comportamentais variáveis relacionadas a crenças, intenções e desejos. Em um segundo momento, se acrescentam as pesquisas sobre as características das pessoas que empatizam, os quais têm forte influência sobre o processo empático, assim como, também, se outorga importância à situação emocional em se produz a experiência empática, tanto da pessoa objeto como da pessoa sujeito. Fatores todos estes que atuam como facilitadores ou inibidores da empatia. E, em uma terceira etapa, desde uma abordagem integradora e multidimensional, a partir dos estudos de Davis, Goleman e do modelo Mayer y Salovey, se chega a uma concepção que inclui tanto os processos cognitivos como os afetivos, concepção na qual o processo cognitivo seria um conjunto de antecedentes que antecedem ao processo afetivo. Para Frans de Waal, a empatia é uma capacidade biológica que alguns tipos de animais sociais, dentre esses o homem, possuem em prol da sua sobrevivência, permitindo assim a preservação e a evolução da sua espécie. Segundo Waal, nós humanos a possuímos porque a herdamos de nossos ancestrais primatas, demonstrando assim que, aquilo que nos preserva e nos permite evoluir não é o mesmo que nos leva ao egoísmo, a competição e a indiferença. Chega de justificar essas ações tão estimulas pelas sociedades atuais, pelo capitalismo, pela mídia, através de um pseudo-darwinismo, que nos levou a acreditar que a seleção natural é naturalmente egoísta. Muito pelo contrário, se ainda hoje existimos e temos a chance de evoluir é porque fomos munidos pela natureza com a empatia, de modo que possuímos a possibilidade de entrar em sintonia com os nossos semelhantes e buscarmos juntos as melhores condições para uma vida digna em sociedade. Conforme John Stuart Mill, o sentimento de empatia por possuir uma base natural, não pode ser negado, e o homem por ser possuidor de uma natureza social, tem o desejo de união aos seus semelhantes. Este sentimento de empatia para com seus pares, ou pode-se dizer, sentimento social, faz com os mesmos se unam e se ajustam para que os seus interesses sejam comuns, deste modo, a empatia juntamente com a inteligência humana, faz com que estejamos vinculados a uma ideia de comunidade ou de coletividade. Esta coletividade Caxias do Sul – RS, de 04 a 06 de outubro de 2016 IV Congresso de Pesquisa e Extensão da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) 319 propicia que o indivíduo reconheça e respeite os demais membros e, deste modo, a empatia revela-se como um importante elemento para a motivação moral. E mais, se analisarmos que o princípio da utilidade considera a felicidade do maior número possível de pessoas, logo, a empatia tornar-se-á um elemento indispensável para tal propósito. Apresentamos brevemente, também, a questão da crítica ao papel da empatia para o utilitarismo e a possibilidade de esta trazer certas dificuldades com relação à tomada do critério de utilidade de modo imparcial, diante da estima maior que temos àqueles que nos são mais próximos, inviabilizando tal critério, visto que não conseguimos aplicá-lo apenas fazendo o uso da razão. A empatia, neste aspecto, seria um obstáculo à ação moral utilitarista. Mesmo assim, faz-se importante salientar que, embora a crítica à empatia seja muito relevante ao que tange à ética utilitarista, nosso objetivo maior visa buscar o papel da empatia no comportamento social e moral humano, e ainda, a possibilidade de esta ser a motivação fundamental para a vida em sociedade. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme se pode observar através desta pesquisa, o conceito de empatia possui uma vasta abrangência, por ser objeto de estudo das mais variadas áreas do conhecimento. Embora tenha se tornado conhecido através de roupagens distintas, ao longo do tempo, este conceito preservou a sua noção essencial, aquilo que denota a sua funcionalidade, o que o torna a liga que une e motiva não somente as pessoas, mas também alguns animais, a viver em sociedade, sendo esta, um importante componente para a vida. 6 REFERÊNCIAS ANDRADE, Érico. O homem vazio: uma crítica ao utilitarismo. Tras/Form/Ação. Marília, v. 36, n. 2, p. 105-122, Maio/Ago., 2013. ARISTÓTELES. 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