A monocultura do eucalipto na Região do Sudoeste Baiano conflitos sócio ambientais e enfrentamentos Maicon Leopoldino de Andrade Mestrando em Geografia MGEO/UFBA, Grupo de Pesquisa Projeto GeografAR, [email protected] Gilca Garcia de Oliveira Professora dos Mestrados em Economia e Geografia da UFBA, Grupo de Pesquisa Projeto GeografAR, [email protected]. Guiomar Inês Germani Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia (MGEO/UFBA), Grupo de Pesquisa Projeto GeografAR, [email protected] Os primeiros plantios de eucalipto no Brasil remontam no começo do século XX, e no caso da Bahia, a porta de entrada destes plantios se deu pelo Litoral Norte e pelo Extremo Sul da Bahia no final dos anos 1980 e começo dos anos 1990. A consolidação desse processo foi fortemente induzida pelo Estado por meio do Programa de Zoneamento Florestal do Estado da Bahia e do Plano Nacional de Papel e Celulose (1974) no âmbito federal. Mais recentemente na Bahia, em 1979 na criação da Odebrecht Perfurações Ltda e do recente criado Pólo Petroquímico de Camaçari, foram feitos investimentos vultosos na produção de papel e celulose em áreas do Litoral Norte baiano. É neste mercado industrial interno, que o Estado Brasileiro constrói as bases para a expansão da eucaliptocultura ampliando esta produção para o Sul e Extremo Sul baiano. Neste cenário, tem-se a construção da BR 101 que liga duas metrópoles: Vitória do Espírito Santo a Salvador na Bahia, facilitando e viabilizando o processo de ocupação e de exploração de plantios de eucalipto nesta região. Baseado nesta estratégia de expansão, a região do Sudoeste baiano é a “bola da vez”. O interesse pelo agronegócio florestal, na região do Sudoeste da Bahia, remonta ao período da crise da monocultura do café, que se inicia no final dos anos 1980 e se aprofunda nos anos 1990 com a queda do preço da saca e o encolhimento da área plantada em todo o Planalto da Conquista. Diante dessa ameaça, fez-se necessária a mobilização da sociedade civil no sentido de impor limites às ações das corporações, resguardando os interesses coletivos e a defesa do meio ambiente. Nesta direção, o Fórum de Entidades e Movimentos Sociais do Sudoeste Baiano está desenvolvendo ações de enfrentamento com grupos e entidades dos municípios da região sudoeste e médio sudoeste baiano de não só restringir plantios de plantas exóticas, mas criam códigos municipais ambientais que normatizam toda e qualquer ação ambiental nestes municípios. Esta ação concreta está sendo desenvolvida através de Leis de Iniciativa Popular nos municípios de Itarantim, Maiquinique e Barra do Choça onde estas leis já foram aprovadas. Este artigo busca trazer alguns dos conflitos gerados pela expansão do capital no campo, representado neste caso, pela eucaliptocultura, assim como, a forma como vem se dando a resistência coletiva por meio de leis de iniciativa popular empreendidas pelo Fórum de Entidades e Movimentos Sociais do Sudoeste Baiano. Palavras-chave: eucalipto, resistência, sudoeste, fórum. Introdução Na Bahia, atualmente, um dos maiores desafios à preservação dos direitos socioambientais consiste na consolidação expansão do agronegócio, através das diversas commodities, como no caso da soja e celulose, com impactos decisivos na segurança alimentar e nutricional da população do campo e da cidade, principalmente, nas regiões oeste, sudoeste e sul do estado. As monoculturas agrícolas para exportação ou para insumos industriais rapidamente avançam pelos campos baianos, destinando as terras do estado para produzir carvão, soja, algodão e celulose. No quesito celulose, em 2010, a Bahia passou a ser o terceiro maior produtor nacional, com os eucaliptais alcançando 658 mil ha de área plantada, um acréscimo de 18,7% em relação ao total de 2008 (ABRAF, 2013). Essa transformação no espaço agrário e agrícola no estado da Bahia pelos plantios de eucalipto não se deu de forma isolada, mas fundamentalmente alicerçado numa estratégia de “desenvolvimento nacional” orquestrada pelo aparato estatal em meados da década de 60, onde a passagem de uma economia agrário-exportadora para urbano industrial foi a chave para a reprodução das condições da expansão capitalista no campo e na cidade (OLIVEIRA, 1972). A farta concessão de créditos e subsídios seletivamente direcionados para o ramo do setor agroflorestal na década de 70 do século passado, tem o objetivo de disseminar tecnologias e agregar valor no emergente setor industrial, agravando não somente as relações sociais no campo, mas também consolidando uma apropriação privada do espaço por empresas multinacionais no campo brasileiro, como no caso da Veracel Celulose. Atualmente, o município de Vitória da Conquista, cidade pólo de toda região sudoeste, direta e indiretamente atingida pela expansão da Veracel, já se encontra fortemente atingida pela expansão da monocultura de eucalipto, estimulada pelo pólo siderúrgico de Betim (MG) que demanda madeira para a produção de carvão. É iminente o aumento de área de plantios de eucalipto na região sudoeste e médio sudoeste baiano, devido à liberação por parte do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), publicado no Diário Oficial da Bahia, no dia 14 de março de 2012, para plantios de 50.900 ha nos municípios de Itarantim, Maiquinique, Encruzilhada, Macarani, Potiraguá e Itapetinga. Diante dessa ameaça, fez-se necessária a mobilização da sociedade civil no sentido de impor limites às ações das corporações, resguardando os interesses coletivos e a defesa do meio ambiente. E nesta direção, o Fórum de Entidades e Movimentos Sociais do Sudoeste Baiano está desenvolvendo ações de enfrentamento com grupos e entidades dos municípios da região sudoeste e médio sudoeste baiano de não só restringir plantios de plantas exóticas, mas de criar códigos municipais ambientais que normatizem toda e qualquer ação ambiental nestes municípios. Esta ação concreta vem sendo desenvolvida através de Leis de Iniciativa Popular, que no caso dos municípios de Itarantim, Maiquinique e Barra do Choça, leis deste tipo já estão aprovadas. Expansão da Eucaliptocultura no Estado da Bahia e Região Sudoeste O campo brasileiro, desde a época da colonização sempre foi um espaço de apropriação do capital, e a partir de uma lógica de acumulação de riqueza e lucro e tendo o estado brasileiro como mediador da manutenção da ordem capitalista mundial, constrói as bases para o aprofundamento das desigualdades no campo e conseqüentemente promove o início dos conflitos sócio-ambientais. Esta lógica ora incentivada pelas empresas de assistência técnica e créditos bancários, ora com participação ativa de empresas multinacionais, se manifesta pela apropriação da natureza, transformando-a em mercadoria, tornando sobretudo o espaço rural cada vez mais concentrado. Em 1979, na criação da Odebrecht Perfurações Ltda e do recente criado Pólo Petroquímico de Camaçari, na região Metropolitana de Salvador, foram feitos investimentos vultosos na produção de papel e celulose em áreas do Litoral Norte baiano. É neste mercado industrial interno, que o estado brasileiro constrói as bases para a expansão da eucaliptocultura ampliando esta produção para o Sul e Extremo Sul baianos. Neste cenário, tem-se a construção da BR 101 que liga duas metrópoles – Vitória, no Espírito Santo, a Salvador, na Bahia – facilitando e viabilizando o processo de ocupação e de exploração de plantios de eucalipto nesta região. Baseado nesta estratégia de expansão, a região do Sudoeste baiano é a “bola da vez”. O interesse pelo agronegócio florestal, na região do Sudoeste da Bahia, remonta ao período da crise da monocultura do café, que se inicia no final dos anos 1980 e se aprofunda nos anos 1990 com a queda do preço da saca e o encolhimento da área plantada em todo o Planalto da Conquista. É interessante notar que é nesta mesma época que se registra o maior número de ocupações de terra, mais de 20 somente entre os anos 1986 e 2000, sendo a primeira delas justamente na fazenda do extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC), hoje Assentamento União. Assim, depois da fase da pecuária e do café, apresenta-se uma nova fase de investimentos do capital agrário no Sudoeste da Bahia, através da eucaliptocultura. É importante destacar, que diferentemente do Sul e Extremo Sul da Bahia, no Planalto da Conquista, o eucalipto serve primeiramente para abastecer de carvão o pólo siderúrgico do Norte de Minas Gerais. Além de fornecer lenha para a produção de cerâmicas, e madeira tratada para as mais diversas atividades agrícolas, industriais e da construção civil. Neste contexto, produtores rurais e empresários do ramo florestal, apoiados por instituições públicas de ensino, pesquisa e extensão como EMBRAPA Florestas e Universidade Estadual da Bahia (UESB), buscam no agronegócio florestal oportunidades de investimentos e lucros rápidos. É importante destacar, neste período, o papel fundamental que a UESB desempenhou, no sentido de fortalecer o agronegócio florestal e, conseqüentemente, a monocultura do eucalipto, onde a partir de dois simpósios ocorridos nos anos de 1992 e 2005, estas discussões ganharam eco junto a várias prefeituras e produtores da região. É a partir do começo da década de 90 do século passado que os primeiros plantios de eucalipto na região sudoeste da Bahia começam a ganhar força e adesão dos grandes proprietários de terra, mas também sendo assimilados posteriormente por pequenos agricultores fomentados por créditos agrícolas. A cidade de Vitória da Conquista, pólo de toda região Sudoeste, direta e indiretamente atingida pela expansão da Veracel, já se encontra fortemente impactada pela expansão da monocultura de eucaliptos, estimulada pelo pólo siderúrgico de Betim (MG), interessado na madeira para produção de carvão. Somente nos tabuleiros deste município já são cerca de 35 mil hectares de eucaliptos plantados, aos quais se estima existirem outros 15 mil em Encruzilhada, e mais 20 mil hectares nos municípios de Barra do Choça, Cordeiros, Piripá, Cândido Sales, Planalto e Poções, todos no Planalto da Conquista. Assim, somente nesse Planalto estima-se cerca de 70 mil hectares de eucaliptais. Em toda Bahia já são cerca de 658 mil ha de área plantada, com o Sul e Extremo Sul da Bahia com cerca de 70% desse total, caracterizando o Estado da Bahia como o 3º maior produtor de áreas plantadas de eucalipto do país. Processos de Enfrentamento e Resistência No sentido contrário, movimentos sociais, organizações não governamentais, ambientalistas e segmentos da sociedade civil passam a se mobilizar em torno de uma pauta coletiva de enfrentamento ao plantio extensivo de eucalipto, de proteção ao meio ambiente e de busca de alternativas de reprodução da vida. É nesse mesmo contexto que se dá o surgimento do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), da Cooperativa Mista Agropecuária de Pequenos Agricultores do Sudoeste da Bahia (COOPASUB), do Centro de Convivência e Desenvolvimento Agroecológico do Sudoeste da Bahia (CEDASB), do Instituto Mata de Cipó. Todos eles têm em comum a busca por alternativas socioambientais sustentáveis para a região e, para muitos, isso se traduz na luta explicita contra o agronegócio florestal. Assim, ao barulho dos tratores de esteira e seus correntões derrubando o pouco que resta da mata-de-cipó, tem feito eco o grito “Não comemos papel, nem carvão!”. Um grito de alerta e de luta que promoveu o ajuntamento, simbólico e real, das bandeiras do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST); do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD); do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); com o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) no 1º Seminário Regional contra o monocultivo de eucalipto no ano de 2001. Foi neste Seminário que se traçou a estratégia de se antecipar ao agronegócio florestal, ocupando latifúndios que serviriam para novos plantios de eucalipto, além de realizar seminários locais para discutir, com as comunidades atingidas, sobre a monocultura do eucalipto e suas conseqüências para a saúde e o meio ambiente. Outro evento marcante foi o intercâmbio realizado na comunidade geraiseira, no município de Rio Pardo de Minas, norte de Minas Gerais, em 2002 quando aquela comunidade travava uma disputa ferrenha com a empresa Minas Floresta para a reconquista e demarcação de seu território ancestral. Já em 2004, outro intercâmbio com o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA) e com os Povos do Cerrado estreitava uma parceria entre o Norte de Minas Gerais e o Sudoeste da Bahia no enfrentamento ao eucalipto e na busca por alternativas sustentáveis do ponto de vista social, cultural, econômico e ambiental. Esses seminários e a trajetória coletiva das entidades e movimentos sociais em torno desta problemática provocaram a criação, no ano de 2011, de um ambiente de discussão e reação frente a estes projetos do agronegócio, denominado de Fórum de Entidades e Movimentos Sociais do Sudoeste Baiano. A aproximação entre o Fórum de Entidades e Movimentos Sociais do Sudoeste e outros grupos já com longa trajetória de enfrentamento ao monocultivo do eucalipto no Sul e Extremo Sul do Estado, a exemplo do Fórum Socioambiental do Extremo-Sul e o Fórum por Trabalho, Terra, Emprego e Cidadania do Sul da Bahia teve início, ainda em 2011, quando da preparação e da atuação conjunta e coordenada nas Audiências Públicas do Processo de Licenciamento Ambiental do projeto de expansão da Veracel, que prevê um total de 50.900 ha para plantio e 101.800 ha para aquisição de terras. ÁREA PRETENDIDA PELA VERACEL (hectares) PARA PLANTIO (ha) PARA AQUISIÇÃO*(ha) MUNICÍPIO 4.000 8.000 Encruzilhada 10.000 20.000 Itapetinga 10.000 20.000 Macarani 4.000 8.000 Maiquinique 17.900 35.800 Itarantim 5.000 10.000 Potiraguá 50.900 101.800 TOTAL (*) A Veracel só informa a área pretendida para plantio efetivo. A área a ser adquirida é uma estimativa a partir de dados do EIA-RIMA Em dezembro de 2012, se realiza o I Seminário Regional da Monocultura do Eucalipto, no Município de Vitória da Conquista, com relatos das experiências de enfrentamento das organizações do Sul e Extremo Sul do Estado da Bahia, como o Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (CEPEDES) e organizações do Norte de Minas, como o MAB, bem como as experiências de elaboração das Leis de Iniciativa Popular no Sudoeste Baiano, contando ainda com setores importantes da Universidade, como no caso do Projeto GeografAR/UFBA e estudantes da UESB, bem como Promotores Públicos da esfera federal e estadual e diversas organizações sociais do Planalto da Conquista, fortalecendo as articulações e uma pauta comum de enfrentamento. O uso intensivo de recursos naturais e os fortes impactos socioambientais da atividade da eucaliptocultura vêm sendo denunciados articuladamente pelos Fóruns de Movimentos e Entidades Sociais do Sudoeste da Bahia, e pelo Fórum Socioambiental do Sul e Extremo Sul. Neste contexto de enfrentamento, atualmente, os municípios de Itarantim, Maiquinique e Barra do Choça têm Leis de Iniciativa Popular aprovadas, e encontram-se na fase de consolidação e fortalecimento dos Conselhos de Defesa do Meio Ambiente, para que possam realizar o controle popular e qualificar suas proposições no que diz respeito a gestão ambiental e territorial, impondo restrições a expansão de plantios de plantas exóticas, bem como institui uma política ambiental municipal que alie a produção econômica e a preservação ambiental. No mapa abaixo, encontram-se os municípios da região sudoeste já com plantios de eucalipto (cor verde), os municípios (rachurados) com licença ambiental expedida pelo Governo do Estado da Bahia para expansão e os municípios com os (limites em destaque) de cor preta com projetos de Leis de Iniciativa Popular aprovados e em fase de consolidação dos conselhos municipais de defesa do meio ambiente. Figura 1: Mapa de localização de plantios de eucalipto na região sudoeste e municípios com Leis de Iniciativa Popular Fonte: Fórum de Entidades e Movimentos sociais do Sudoeste da Bahia, 2013. Base Cartográfica: IBAMA, 2007. Elaboração: Projeto GeografAR, 2013. Segundo o artigo 61, §2 da Constituição Brasileira, regulamentado pela lei 9.709, de 1998, é permitida a apresentação de projetos de lei pelos poderes Legislativos e Executivos e pela iniciativa popular. Neste último caso, a Constituição exige como procedimento a adesão mínima de 1% da população eleitoral nacional, mediante assinaturas, distribuídos por pelo menos cinco unidades federativas e no mínimo 0,3% dos eleitores em cada uma dessas unidades. No caso dos municípios citados, as leis orgânicas de Itarantim e Barra do Choça exigem no mínimo a assinatura de 5% do eleitorado. Já no caso de Maiquinique está na ordem de 10%. Estado e as Multinacionais do setor Agroflorestal: uma receita de exclusão e de conflitos socioambientais Na medida em que se amplia a reprodução do capital, passa-se a não se visualizar projetos nacionais, mas sobretudo um estado dominado por interesses de corporações transnacionais. Freqüentemente, emergem outras formas de poder econômico e político, dissociadas da soberania do Estado-nação e que muitas vezes a sobrepõe. Nesta análise, Marx cita de forma concreta esta relação: ”[...] em todas as formas de sociedade, é uma determinada produção e suas correspondentes relações que estabelecem a posição e a influência das demais produções e suas respectivas relações [...]” (MARX, 1991, p.59). No momento em que o país aprofunda a lógica da racionalidade técnicoinstrumental, através, por exemplo, do PAC, Pré-Sal e agrocombustíves, constróise um pensamento da reificação da natureza e do homem, reforçando a idéia de um mundo máquina. Assim tem-se locus de conflito tanto materiais, quanto imateriais. O conflito se refere tanto aos aspectos ideológicos como em alterações do ambiente que expressam e materializam estes confrontos. Figura 2 – Grandes projetos ligados a mineração, celulose e ao agronegócio no Estado da Bahia Elaboração: Projeto GeografAR, 2011. Verifica-se na figura acima um concatenamento de projetos, como é o caso do minerioduto que liga o norte de Minas Gerais ao sul da Bahia, a ferrovia leste – oeste (FIOL) e os projetos de expansão da monocultura de eucalipto no Estado, denotando assim um planejamento organizado para a consolidação das cadeias produtivas do grande capital. Essa fase de reificação da natureza traz consigo através do modo de produção capitalista, um espaço homogeneizado, comandado por corporações multinacionais (GONÇALVES, 2001), muitas vezes ancoradas e apoiadas por estruturas do Estado. O papel do Estado neste caso é o de criar as bases para que a acumulação capitalista industrial possa se reproduzir, intervindo de modo planificador ao modo do Estado inglês (OLIVEIRA, 1972). No caso da eucaliptocultura, esta aliança se dá tanto através de subsídios fiscais como em programas de fomento (PRONAF Florestal). Esta aliança do Estado com o capital, que não é recente no caso brasileiro e da América Latina como um todo, muda decididamente a estrutura sócio econômica destes países, constitui, sobretudo a fase do capitalismo monopolista, que conduz os países dominados às seguintes características (MARINI, 2012) : • Concentração econômica, sob o domínio da grande indústria, sobretudo internacional; • Domínio monopolista do mercado; • Surgimento de uma camada gerencial que representa os interesses do grande capital; • Organização sindical e política dos interesses do grande capital; • Controle da vida política e do Estado, mediante a adaptação a seus interesses. Pode-se assim dizer, localizando a relação entre o Estado capitalista e as classes politicamente dominantes, que esse Estado é um Estado com direção hegemônica de classe (POULANTZAS,1977) Por isso, a compreensão da luta e dos confrontos das classes e grupos sociais é também fundamental para dar conta das diversas relações havidas no seio das sociedades capitalistas. Os confrontos e as lutas revelam a situação específica da política e da economia dentro da estrutura do capitalismo. Mas para além da luta dos grupos sociais, as formas sociais do capitalismo lastreadas no valor e na mercadoria, revelam a natureza da forma política estatal (MASCARO,1976). Um retorno às análises de Milton Santos (1997) pode indicar caminhos para a interpretação destes processos sociais de enfrentamento. Em seu estudo sobre teoria e método nas análises do espaço, Santos (1997) sugere pensar os processos de desterritorialização do social, mediante a formulação do conceito de organização territorial. Para o autor, o conceito de espaço requer considerações sobre seus desdobramentos. Assim, ao se abordar a sociedade através da categoria espaço necessita-se levar em conta a descrição, a definição ou sua interpretação, considerando ingredientes sociais e naturais, e a caracterização do espaço, considerando variáveis, periodização e o significado das “localizações”. Santos considera que o espaço deve ser caracterizado como fruto de relações sociais e, não só, como condição físico-social. Ou seja, ele é uma instância social como a econômica, a cultural-ideológica, ou a político-institucional, contendo-as e sendo contido por elas. Sua essência, sendo social, é formada pela natureza mais a sociedade: a configuração espacial (ou geográfica) pela qual a paisagem se mostra, e “todos os processos sociais representativos de uma sociedade em um dado momento”, que se resolvem em funções e se realizam em formas (SANTOS, 1997, p. 2). É nesta essência do espaço, que os conflitos e enfrentamentos são inerentes a sua própria dinâmica. Assim, segundo Sauer (2008), o conflito é uma das mais vividas interações sociais (que não pode ser exercida por um indivíduo isolado), conseqüentemente possui um caráter integrador. Não se trata de idealizar o conflito, mas de reconhecer a existência e explicitar sua dinâmica social e política, a partir de disputas e embates presentes na sociedade. Essa situação de conflito revela sobretudo as conseqüências desse modo de produção capitalista no campo, explicitando os impactos negativos socioambientais, desmistificando para a sociedade, a falsa idéia de um desenvolvimento inclusivo e ambientalmente correto. Não por acaso, tal conflito encontra suas origens, na histórica instabilidade estrutural no qual o país se encontra. Esta instabilidade estrutural compromete sobremaneira uma nação soberana, pois encontra-se extremamente dependente do capital internacional e de uma política primário exportadora. Neste caso, a cadeia produtiva da celulose cumpre seu papel de equilíbrio das contas comerciais brasileira. Esta constatação encontra explicações em Santos (2000, p.379): “[...] de qualquer forma, a situação básica de dependência leva a uma situação global dos países dependentes, que os coloca em posição de atraso e sob a exploração dos países dominantes [...]”. A despeito da magnitude, sem par em nossa história, da crise socioambiental desencadeada pelo avanço da agricultura capitalista, seus efeitos perversos não se limitaram ao recrudescimento da exclusão social e da degradação ambiental da região sudoeste da Bahia (e médio sudoeste), mas também afeta de forma sutil as unidades dos pequenos agricultores da região. Dessa forma, a dependência tecnológica converte-se em dependência cultural, imobilizando as capacidades autônomas de inovação local e com isso reduzindo as margens de manobra para que famílias e comunidades rurais se autodeterminem por meio da permanente atualização de suas estratégias tradicionais. Diante desse contexto, restabelecer maiores graus de liberdade para que as populações rurais retomem as rédeas de seus destinos é um dos maiores desafios que os grupos e movimentos sociais da região sudoeste e médio sudoeste baiano tem neste momento. Ressignificar o papel do campesinato e das comunidades tradicionais na luta pelos seus territórios vai muito mais além do argumento econômico, mas sobretudo defender o território enquanto espaço de produção da existência, identidade, interpelações e pluralidades (STÉDILE,2013). Considerações finais Esta situação de expansão da eucaliptocultura na região do sudoeste e médio sudoeste baiano têm como conseqüência a territorialização da produção da natureza através do modelo de produção do agronegócio, onde o papel do “Estado” entra como organizador de entrada e expansão das empresas produtoras de celulose e desorganizador das relações sociais camponesas e suas entidades representativas. Por outro lado, os movimentos sociais reunidos no Fórum de Entidades e Movimentos Sociais do Sudoeste, contrapondo a este avanço e expansão do monocultivo de eucalipto, utilizaram de um artifício jurídico constitucional, denominada de Lei de Iniciativa Popular, para mobilizar os diversos segmentos da sociedade na elaboração de projetos de Lei que restrinja o avanço indiscriminado deste modelo de produção intensificada e predatória, construindo assim um processo de resistência a estes megaprojetos. Atualmente, os municípios de Itarantim, Maiquinique e Barra do Choça tem suas leis aprovadas e encontram-se na fase de consolidação e fortalecimento dos Conselhos de Defesa do Meio Ambiente, para que possam realizar o controle popular e qualificar suas proposições no que diz respeito a gestão ambiental e territorial. As iniciativas de enfrentamento e resistência do Fórum de Entidades e Movimentos Sociais do Sudoeste tem se apresentado como alternativas contra a expansão do eucalipto na região, além de trazer como resultado, o envolvimento popular e o fortalecimento/criação dos conselhos de defesa do meio ambiente para a efetivação dos direitos individuais e coletivos das populações locais e acima de tudo tem sido um exercício de produção coletiva, onde o processo de instalação e aplicação das Leis de Iniciativa Popular por si só acumula um sentimento de pertencimento para a (re)construção de um modo de produção que seja adequado técnica e socialmente para as comunidades locais. Essas experiências no sudoeste baiano fazem nascerem outras plantas além dos eucaliptos, alimentando os grupos de conhecimento e de um processo organizado de luta, desorganizando a ordem do agronegócio na região. Referências GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Meio ambiente, ciência e poder: diálogo de diferentes matrizes de racionalidade. In: SPOSATI, Aldaíza; SAWAIA, Bader Buriham; GONÇALVES, Carlos Walter Porto; et. Al. Ambientalismo e participação na contemporaneidade. São Paulo: EDUC/FAPESP, 2001. MARINI, Ruy Mauro. O ciclo do capital na economia dependente. In: FERREIRA, Carla, OSÓRIO, Jaime e LUCE, Mathias (orgs). Padrão de reprodução do capital. São Paulo: Boitempo, [1979] 2012. MASCARO, Alysson. O Estado e forma política. São Paulo: Boitempo. 2013. MARX, Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas. 6ª ed., São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. OLIVEIRA, Francisco. Crítica à razão dualista. O Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo. 2012. POULANTZAS, Nico. 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