A monocultura do eucalipto na Região do Sudoeste Baiano

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A monocultura do eucalipto na Região do Sudoeste Baiano
conflitos sócio ambientais e enfrentamentos
Maicon Leopoldino de Andrade
Mestrando em Geografia MGEO/UFBA, Grupo de Pesquisa
Projeto GeografAR, [email protected]
Gilca Garcia de Oliveira
Professora dos Mestrados em Economia e Geografia da UFBA, Grupo de Pesquisa Projeto
GeografAR, [email protected].
Guiomar Inês Germani
Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia (MGEO/UFBA), Grupo de
Pesquisa Projeto GeografAR, [email protected]
Os primeiros plantios de eucalipto no Brasil remontam no começo do século XX, e no caso
da Bahia, a porta de entrada destes plantios se deu pelo Litoral Norte e pelo Extremo Sul
da Bahia no final dos anos 1980 e começo dos anos 1990. A consolidação desse processo
foi fortemente induzida pelo Estado por meio do Programa de Zoneamento Florestal do
Estado da Bahia e do Plano Nacional de Papel e Celulose (1974) no âmbito federal. Mais
recentemente na Bahia, em 1979 na criação da Odebrecht Perfurações Ltda e do recente
criado Pólo Petroquímico de Camaçari, foram feitos investimentos vultosos na produção de
papel e celulose em áreas do Litoral Norte baiano. É neste mercado industrial interno, que
o Estado Brasileiro constrói as bases para a expansão da eucaliptocultura ampliando esta
produção para o Sul e Extremo Sul baiano. Neste cenário, tem-se a construção da BR 101
que liga duas metrópoles: Vitória do Espírito Santo a Salvador na Bahia, facilitando e
viabilizando o processo de ocupação e de exploração de plantios de eucalipto nesta
região. Baseado nesta estratégia de expansão, a região do Sudoeste baiano é a “bola da
vez”. O interesse pelo agronegócio florestal, na região do Sudoeste da Bahia, remonta ao
período da crise da monocultura do café, que se inicia no final dos anos 1980 e se
aprofunda nos anos 1990 com a queda do preço da saca e o encolhimento da área
plantada em todo o Planalto da Conquista. Diante dessa ameaça, fez-se necessária a
mobilização da sociedade civil no sentido de impor limites às ações das corporações,
resguardando os interesses coletivos e a defesa do meio ambiente. Nesta direção, o
Fórum de Entidades e Movimentos Sociais do Sudoeste Baiano está desenvolvendo ações
de enfrentamento com grupos e entidades dos municípios da região sudoeste e médio
sudoeste baiano de não só restringir plantios de plantas exóticas, mas criam códigos
municipais ambientais que normatizam toda e qualquer ação ambiental nestes municípios.
Esta ação concreta está sendo desenvolvida através de Leis de Iniciativa Popular nos
municípios de Itarantim, Maiquinique e Barra do Choça onde estas leis já foram aprovadas.
Este artigo busca trazer alguns dos conflitos gerados pela expansão do capital no campo,
representado neste caso, pela eucaliptocultura, assim como, a forma como vem se dando
a resistência coletiva por meio de leis de iniciativa popular empreendidas pelo Fórum de
Entidades e Movimentos Sociais do Sudoeste Baiano.
Palavras-chave: eucalipto, resistência, sudoeste, fórum.
Introdução
Na Bahia, atualmente, um dos maiores desafios à preservação dos direitos
socioambientais consiste na consolidação expansão do agronegócio, através das
diversas commodities, como no caso da soja e celulose, com impactos decisivos na
segurança alimentar e nutricional da população do campo e da cidade,
principalmente, nas regiões oeste, sudoeste e sul do estado.
As monoculturas agrícolas para exportação ou para insumos industriais
rapidamente avançam pelos campos baianos, destinando as terras do estado para
produzir carvão, soja, algodão e celulose. No quesito celulose, em 2010, a Bahia
passou a ser o terceiro maior produtor nacional, com os eucaliptais alcançando 658
mil ha de área plantada, um acréscimo de 18,7% em relação ao total de 2008
(ABRAF, 2013).
Essa transformação no espaço agrário e agrícola no estado da Bahia pelos
plantios de eucalipto não se deu de forma isolada, mas fundamentalmente
alicerçado numa estratégia de “desenvolvimento nacional” orquestrada pelo
aparato estatal em meados da década de 60, onde a passagem de uma economia
agrário-exportadora para urbano industrial foi a chave para a reprodução das
condições da expansão capitalista no campo e na cidade (OLIVEIRA, 1972).
A farta concessão de créditos e subsídios seletivamente direcionados para o
ramo do setor agroflorestal na década de 70 do século passado, tem o objetivo de
disseminar tecnologias e agregar valor no emergente setor industrial, agravando
não somente as relações sociais no campo, mas também consolidando uma
apropriação privada do espaço por empresas multinacionais no campo brasileiro,
como no caso da Veracel Celulose.
Atualmente, o município de Vitória da Conquista, cidade pólo de toda região
sudoeste, direta e indiretamente atingida pela expansão da Veracel, já se encontra
fortemente atingida pela expansão da monocultura de eucalipto, estimulada pelo
pólo siderúrgico de Betim (MG) que demanda madeira para a produção de carvão.
É iminente o aumento de área de plantios de eucalipto na região sudoeste e
médio sudoeste baiano, devido à liberação por parte do Instituto de Meio Ambiente
e Recursos Hídricos (Inema), publicado no Diário Oficial da Bahia, no dia 14 de
março de 2012, para plantios de 50.900 ha nos municípios de Itarantim,
Maiquinique, Encruzilhada, Macarani, Potiraguá e Itapetinga.
Diante dessa ameaça, fez-se necessária a mobilização da sociedade civil no
sentido de impor limites às ações das corporações, resguardando os interesses
coletivos e a defesa do meio ambiente. E nesta direção, o Fórum de Entidades e
Movimentos Sociais do Sudoeste Baiano está desenvolvendo ações de
enfrentamento com grupos e entidades dos municípios da região sudoeste e médio
sudoeste baiano de não só restringir plantios de plantas exóticas, mas de criar
códigos municipais ambientais que normatizem toda e qualquer ação ambiental
nestes municípios.
Esta ação concreta vem sendo desenvolvida através de Leis de Iniciativa
Popular, que no caso dos municípios de Itarantim, Maiquinique e Barra do Choça,
leis deste tipo já estão aprovadas.
Expansão da Eucaliptocultura no Estado da Bahia e Região Sudoeste
O campo brasileiro, desde a época da colonização sempre foi um espaço de
apropriação do capital, e a partir de uma lógica de acumulação de riqueza e lucro e
tendo o estado brasileiro como mediador da manutenção da ordem capitalista
mundial, constrói as bases para o aprofundamento das desigualdades no campo e
conseqüentemente promove o início dos conflitos sócio-ambientais.
Esta lógica ora incentivada pelas empresas de assistência técnica e créditos
bancários, ora com participação ativa de empresas multinacionais, se manifesta
pela apropriação da natureza, transformando-a em mercadoria, tornando sobretudo
o espaço rural cada vez mais concentrado.
Em 1979, na criação da Odebrecht Perfurações Ltda e do recente criado
Pólo Petroquímico de Camaçari, na região Metropolitana de Salvador, foram feitos
investimentos vultosos na produção de papel e celulose em áreas do Litoral Norte
baiano. É neste mercado industrial interno, que o estado brasileiro constrói as
bases para a expansão da eucaliptocultura ampliando esta produção para o Sul e
Extremo Sul baianos. Neste cenário, tem-se a construção da BR 101 que liga duas
metrópoles – Vitória, no Espírito Santo, a Salvador, na Bahia – facilitando e
viabilizando o processo de ocupação e de exploração de plantios de eucalipto
nesta região. Baseado nesta estratégia de expansão, a região do Sudoeste baiano
é a “bola da vez”.
O interesse pelo agronegócio florestal, na região do Sudoeste da Bahia,
remonta ao período da crise da monocultura do café, que se inicia no final dos anos
1980 e se aprofunda nos anos 1990 com a queda do preço da saca e o
encolhimento da área plantada em todo o Planalto da Conquista. É interessante
notar que é nesta mesma época que se registra o maior número de ocupações de
terra, mais de 20 somente entre os anos 1986 e 2000, sendo a primeira delas
justamente na fazenda do extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC), hoje
Assentamento União.
Assim, depois da fase da pecuária e do café, apresenta-se uma nova fase
de investimentos do capital agrário no Sudoeste da Bahia, através da
eucaliptocultura. É importante destacar, que diferentemente do Sul e Extremo Sul
da Bahia, no Planalto da Conquista, o eucalipto serve primeiramente para
abastecer de carvão o pólo siderúrgico do Norte de Minas Gerais. Além de fornecer
lenha para a produção de cerâmicas, e madeira tratada para as mais diversas
atividades agrícolas, industriais e da construção civil.
Neste contexto, produtores rurais e empresários do ramo florestal, apoiados
por instituições públicas de ensino, pesquisa e extensão como EMBRAPA Florestas
e Universidade Estadual da Bahia (UESB), buscam no agronegócio florestal
oportunidades de investimentos e lucros rápidos. É importante destacar, neste
período, o papel fundamental que a UESB desempenhou, no sentido de fortalecer
o agronegócio florestal e, conseqüentemente, a monocultura do eucalipto, onde a
partir de dois simpósios ocorridos nos anos de 1992 e 2005, estas discussões
ganharam eco junto a várias prefeituras e produtores da região.
É a partir do começo da década de 90 do século passado que os primeiros
plantios de eucalipto na região sudoeste da Bahia começam a ganhar força e
adesão dos grandes proprietários de terra, mas também sendo assimilados
posteriormente por pequenos agricultores fomentados por créditos agrícolas.
A cidade de Vitória da Conquista, pólo de toda região Sudoeste, direta e
indiretamente atingida pela expansão da Veracel, já se encontra fortemente
impactada pela expansão da monocultura de eucaliptos, estimulada pelo pólo
siderúrgico de Betim (MG), interessado na madeira para produção de carvão.
Somente nos tabuleiros deste município já são cerca de 35 mil hectares de
eucaliptos plantados, aos quais se estima existirem outros 15 mil em Encruzilhada,
e mais 20 mil hectares nos municípios de Barra do Choça, Cordeiros, Piripá,
Cândido Sales, Planalto e Poções, todos no Planalto da Conquista. Assim,
somente nesse Planalto estima-se cerca de 70 mil hectares de eucaliptais. Em toda
Bahia já são cerca de 658 mil ha de área plantada, com o Sul e Extremo Sul da
Bahia com cerca de 70% desse total, caracterizando o Estado da Bahia como o 3º
maior produtor de áreas plantadas de eucalipto do país.
Processos de Enfrentamento e Resistência
No
sentido
contrário,
movimentos
sociais,
organizações
não
governamentais, ambientalistas e segmentos da sociedade civil passam a se
mobilizar em torno de uma pauta coletiva de enfrentamento ao plantio extensivo de
eucalipto, de proteção ao meio ambiente e de busca de alternativas de reprodução
da vida.
É nesse mesmo contexto que se dá o surgimento do Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA), da Cooperativa Mista Agropecuária de Pequenos
Agricultores do Sudoeste da Bahia (COOPASUB), do Centro de Convivência e
Desenvolvimento Agroecológico do Sudoeste da Bahia (CEDASB), do Instituto
Mata de Cipó. Todos eles têm em comum a busca por alternativas socioambientais
sustentáveis para a região e, para muitos, isso se traduz na luta explicita contra o
agronegócio florestal.
Assim, ao barulho dos tratores de esteira e seus correntões derrubando o
pouco que resta da mata-de-cipó, tem feito eco o grito “Não comemos papel, nem
carvão!”. Um grito de alerta e de luta que promoveu o ajuntamento, simbólico e
real, das bandeiras do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem
Terra (MST); do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); do Movimento dos
Trabalhadores Desempregados (MTD); do Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB); com o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Centro de Estudos
e Ação Social (CEAS) no 1º Seminário Regional contra o monocultivo de eucalipto
no ano de 2001.
Foi neste Seminário que se traçou a estratégia de se antecipar ao
agronegócio florestal, ocupando latifúndios que serviriam para novos plantios de
eucalipto, além de realizar seminários locais para discutir, com as comunidades
atingidas, sobre a monocultura do eucalipto e suas conseqüências para a saúde e
o meio ambiente. Outro evento marcante foi o intercâmbio realizado na
comunidade geraiseira, no município de Rio Pardo de Minas, norte de Minas
Gerais, em 2002 quando aquela comunidade travava uma disputa ferrenha com a
empresa Minas Floresta para a reconquista e demarcação de seu território
ancestral. Já em 2004, outro intercâmbio com o Centro de Agricultura Alternativa do
Norte de Minas (CAA) e com os Povos do Cerrado estreitava uma parceria entre o
Norte de Minas Gerais e o Sudoeste da Bahia no enfrentamento ao eucalipto e na
busca por alternativas sustentáveis do ponto de vista social, cultural, econômico e
ambiental.
Esses seminários e a trajetória coletiva das entidades e movimentos sociais
em torno desta problemática provocaram a criação, no ano de 2011, de um
ambiente de discussão e reação frente a estes projetos do agronegócio,
denominado de Fórum de Entidades e Movimentos Sociais do Sudoeste Baiano.
A aproximação entre o Fórum de Entidades e Movimentos Sociais do
Sudoeste e outros grupos já com longa trajetória de enfrentamento ao monocultivo
do eucalipto no Sul e Extremo Sul do Estado, a exemplo do Fórum Socioambiental
do Extremo-Sul e o Fórum por Trabalho, Terra, Emprego e Cidadania do Sul da
Bahia teve início, ainda em 2011, quando da preparação e da atuação conjunta e
coordenada nas Audiências Públicas do Processo de Licenciamento Ambiental do
projeto de expansão da Veracel, que prevê um total de 50.900 ha para plantio e
101.800 ha para aquisição de terras.
ÁREA PRETENDIDA PELA VERACEL (hectares)
PARA PLANTIO (ha)
PARA AQUISIÇÃO*(ha)
MUNICÍPIO
4.000
8.000
Encruzilhada
10.000
20.000
Itapetinga
10.000
20.000
Macarani
4.000
8.000
Maiquinique
17.900
35.800
Itarantim
5.000
10.000
Potiraguá
50.900
101.800
TOTAL
(*) A Veracel só informa a área pretendida para plantio efetivo. A área a ser adquirida é uma
estimativa a partir de dados do EIA-RIMA
Em dezembro de 2012, se realiza o I Seminário Regional da Monocultura do
Eucalipto, no Município de Vitória da Conquista, com relatos das experiências de
enfrentamento das organizações do Sul e Extremo Sul do Estado da Bahia, como o
Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia
(CEPEDES) e organizações do Norte de Minas, como o MAB, bem como as
experiências de elaboração das Leis de Iniciativa Popular no Sudoeste Baiano,
contando ainda com setores importantes da Universidade, como no caso do Projeto
GeografAR/UFBA e estudantes da UESB, bem como Promotores Públicos da
esfera federal e estadual e diversas organizações sociais do Planalto da Conquista,
fortalecendo as articulações e uma pauta comum de enfrentamento.
O uso intensivo de recursos naturais e os fortes impactos socioambientais
da atividade da eucaliptocultura vêm sendo denunciados articuladamente pelos
Fóruns de Movimentos e Entidades Sociais do Sudoeste da Bahia, e pelo Fórum
Socioambiental do Sul e Extremo Sul.
Neste contexto de enfrentamento, atualmente, os municípios de Itarantim,
Maiquinique e Barra do Choça têm Leis de Iniciativa Popular aprovadas, e
encontram-se na fase de consolidação e fortalecimento dos Conselhos de Defesa
do Meio Ambiente, para que possam realizar o controle popular e qualificar suas
proposições no que diz respeito a gestão ambiental e territorial, impondo restrições
a expansão de plantios de plantas exóticas, bem como institui uma política
ambiental municipal que alie a produção econômica e a preservação ambiental.
No mapa abaixo, encontram-se os municípios da região sudoeste já com
plantios de eucalipto (cor verde), os municípios (rachurados) com licença ambiental
expedida pelo Governo do Estado da Bahia para expansão e os municípios com os
(limites em destaque) de cor preta com projetos de Leis de Iniciativa Popular
aprovados e em fase de consolidação dos conselhos municipais de defesa do meio
ambiente.
Figura 1:
Mapa de localização de plantios de eucalipto na região sudoeste e municípios com
Leis de Iniciativa Popular
Fonte: Fórum de Entidades e Movimentos sociais do
Sudoeste da Bahia, 2013.
Base Cartográfica: IBAMA, 2007.
Elaboração: Projeto GeografAR, 2013.
Segundo o artigo 61, §2 da Constituição Brasileira, regulamentado pela lei
9.709, de 1998, é permitida a apresentação de projetos de lei pelos poderes
Legislativos e Executivos e pela iniciativa popular. Neste último caso, a
Constituição exige como procedimento a adesão mínima de 1% da população
eleitoral nacional, mediante assinaturas, distribuídos por pelo menos cinco
unidades federativas e no mínimo 0,3% dos eleitores em cada uma dessas
unidades. No caso dos municípios citados, as leis orgânicas de Itarantim e Barra do
Choça exigem no mínimo a assinatura de 5% do eleitorado. Já no caso de
Maiquinique está na ordem de 10%.
Estado e as Multinacionais do setor Agroflorestal: uma receita de exclusão e
de conflitos socioambientais
Na medida em que se amplia a reprodução do capital, passa-se a não se
visualizar projetos nacionais, mas sobretudo um estado dominado por interesses
de corporações transnacionais. Freqüentemente, emergem outras formas de poder
econômico e político, dissociadas da soberania do Estado-nação e que muitas
vezes a sobrepõe. Nesta análise, Marx cita de forma concreta esta relação: ”[...] em
todas as formas de sociedade, é uma determinada produção e suas
correspondentes relações que estabelecem a posição e a influência das demais
produções e suas respectivas relações [...]” (MARX, 1991, p.59).
No momento em que o país aprofunda a lógica da racionalidade técnicoinstrumental, através, por exemplo, do PAC, Pré-Sal e agrocombustíves, constróise um pensamento da reificação da natureza e do homem, reforçando a idéia de
um mundo máquina. Assim tem-se locus de conflito tanto materiais, quanto
imateriais. O conflito se refere tanto aos aspectos ideológicos como em alterações
do ambiente que expressam e materializam estes confrontos.
Figura 2 –
Grandes projetos ligados a mineração, celulose e ao agronegócio no Estado da
Bahia
Elaboração: Projeto GeografAR, 2011.
Verifica-se na figura acima um concatenamento de projetos, como é o caso
do minerioduto que liga o norte de Minas Gerais ao sul da Bahia, a ferrovia leste –
oeste (FIOL) e os projetos de expansão da monocultura de eucalipto no Estado,
denotando assim um planejamento organizado para a consolidação das cadeias
produtivas do grande capital.
Essa fase de reificação da natureza traz consigo através do modo de
produção capitalista, um espaço homogeneizado, comandado por corporações
multinacionais (GONÇALVES, 2001), muitas vezes ancoradas e apoiadas por
estruturas do Estado.
O papel do Estado neste caso é o de criar as bases para que a acumulação
capitalista industrial possa se reproduzir, intervindo de modo planificador ao modo
do Estado inglês (OLIVEIRA, 1972). No caso da eucaliptocultura, esta aliança se
dá tanto através de subsídios fiscais como em programas de fomento (PRONAF
Florestal).
Esta aliança do Estado com o capital, que não é recente no caso brasileiro e
da América Latina como um todo, muda decididamente a estrutura sócio
econômica destes países, constitui, sobretudo a fase do capitalismo monopolista,
que conduz os países dominados às seguintes características (MARINI, 2012) :
•
Concentração econômica, sob o domínio da grande indústria, sobretudo
internacional;
•
Domínio monopolista do mercado;
•
Surgimento de uma camada gerencial que representa os interesses do
grande capital;
•
Organização sindical e política dos interesses do grande capital;
•
Controle da vida política e do Estado, mediante a adaptação a seus
interesses.
Pode-se assim dizer, localizando a relação entre o Estado capitalista e as
classes politicamente dominantes, que esse Estado é um Estado com direção
hegemônica de classe (POULANTZAS,1977)
Por isso, a compreensão da luta e dos confrontos das classes e grupos
sociais é também fundamental para dar conta das diversas relações havidas no
seio das sociedades capitalistas. Os confrontos e as lutas revelam a situação
específica da política e da economia dentro da estrutura do capitalismo. Mas para
além da luta dos grupos sociais, as formas sociais do capitalismo lastreadas no
valor
e
na
mercadoria,
revelam
a
natureza
da
forma
política
estatal
(MASCARO,1976).
Um retorno às análises de Milton Santos (1997) pode indicar caminhos para
a interpretação destes processos sociais de enfrentamento. Em seu estudo sobre
teoria e método nas análises do espaço, Santos (1997) sugere pensar os
processos de desterritorialização do social, mediante a formulação do conceito de
organização territorial. Para o autor, o conceito de espaço requer considerações
sobre seus desdobramentos. Assim, ao se abordar a sociedade através da
categoria espaço necessita-se levar em conta a descrição, a definição ou sua
interpretação, considerando ingredientes sociais e naturais, e a caracterização do
espaço, considerando variáveis, periodização e o significado das “localizações”.
Santos considera que o espaço deve ser caracterizado como fruto de relações
sociais e, não só, como condição físico-social. Ou seja, ele é uma instância social
como a econômica, a cultural-ideológica, ou a político-institucional, contendo-as e
sendo contido por elas. Sua essência, sendo social, é formada pela natureza mais
a sociedade: a configuração espacial (ou geográfica) pela qual a paisagem se
mostra, e “todos os processos sociais representativos de uma sociedade em um
dado momento”, que se resolvem em funções e se realizam em formas (SANTOS,
1997, p. 2).
É nesta essência do espaço, que os conflitos e enfrentamentos são
inerentes a sua própria dinâmica. Assim, segundo Sauer (2008), o conflito é uma
das mais vividas interações sociais (que não pode ser exercida por um indivíduo
isolado), conseqüentemente possui um caráter integrador. Não se trata de idealizar
o conflito, mas de reconhecer a existência e explicitar sua dinâmica social e
política, a partir de disputas e embates presentes na sociedade.
Essa situação de conflito revela sobretudo as conseqüências desse modo de
produção
capitalista
no
campo,
explicitando
os
impactos
negativos
socioambientais, desmistificando para a sociedade, a falsa idéia de um
desenvolvimento inclusivo e ambientalmente correto.
Não por acaso, tal conflito encontra suas origens, na histórica instabilidade
estrutural no qual o país se encontra. Esta instabilidade estrutural compromete
sobremaneira uma nação soberana, pois encontra-se extremamente dependente
do capital internacional e de uma política primário exportadora. Neste caso, a
cadeia produtiva da celulose cumpre seu papel de equilíbrio das contas comerciais
brasileira. Esta constatação encontra explicações em Santos (2000, p.379): “[...] de
qualquer forma, a situação básica de dependência leva a uma situação global dos
países dependentes, que os coloca em posição de atraso e sob a exploração dos
países dominantes [...]”.
A despeito da magnitude, sem par em nossa história, da crise
socioambiental desencadeada pelo avanço da agricultura capitalista, seus efeitos
perversos não se limitaram ao recrudescimento da exclusão social e da
degradação ambiental da região sudoeste da Bahia (e médio sudoeste), mas
também afeta de forma sutil as unidades dos pequenos agricultores da região.
Dessa forma, a dependência tecnológica converte-se em dependência
cultural, imobilizando as capacidades autônomas de inovação local e com isso
reduzindo as margens de manobra para que famílias e comunidades rurais se
autodeterminem por meio da permanente atualização de suas estratégias
tradicionais.
Diante desse contexto, restabelecer maiores graus de liberdade para que as
populações rurais retomem as rédeas de seus destinos é um dos maiores desafios
que os grupos e movimentos sociais da região sudoeste e médio sudoeste baiano
tem neste momento.
Ressignificar o papel do campesinato e das comunidades tradicionais na luta
pelos seus territórios vai muito mais além do argumento econômico, mas sobretudo
defender o território enquanto espaço de produção da existência, identidade,
interpelações e pluralidades (STÉDILE,2013).
Considerações finais
Esta situação de expansão da eucaliptocultura na região do sudoeste e
médio sudoeste baiano têm como conseqüência a territorialização da produção da
natureza através do modelo de produção do agronegócio, onde o papel do “Estado”
entra como organizador de entrada e expansão das empresas produtoras de
celulose e desorganizador das relações sociais camponesas e suas entidades
representativas.
Por outro lado, os movimentos sociais reunidos no Fórum de Entidades e
Movimentos Sociais do Sudoeste, contrapondo a este avanço e expansão do
monocultivo de eucalipto, utilizaram de um artifício jurídico constitucional,
denominada de Lei de Iniciativa Popular, para mobilizar os diversos segmentos da
sociedade na elaboração de projetos de Lei que restrinja o avanço indiscriminado
deste modelo de produção intensificada e predatória, construindo assim um
processo de resistência a estes megaprojetos.
Atualmente, os municípios de Itarantim, Maiquinique e Barra do Choça tem
suas leis aprovadas e encontram-se na fase de consolidação e fortalecimento dos
Conselhos de Defesa do Meio Ambiente, para que possam realizar o controle
popular e qualificar suas proposições no que diz respeito a gestão ambiental e
territorial.
As iniciativas de enfrentamento e resistência do Fórum de Entidades e
Movimentos Sociais do Sudoeste tem se apresentado como alternativas contra a
expansão do eucalipto na região, além de trazer como resultado, o envolvimento
popular e o fortalecimento/criação dos conselhos de defesa do meio ambiente para
a efetivação dos direitos individuais e coletivos das populações locais e acima de
tudo tem sido um exercício de produção coletiva, onde o processo de instalação e
aplicação das Leis de Iniciativa Popular por si só acumula um sentimento de
pertencimento para a (re)construção de um modo de produção que seja adequado
técnica e socialmente para as comunidades locais.
Essas experiências no sudoeste baiano fazem nascerem outras plantas
além dos eucaliptos, alimentando os grupos de conhecimento e de um processo
organizado de luta, desorganizando a ordem do agronegócio na região.
Referências
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VERACEL
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Disponível
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Download