a íntegra da decisão

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ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
Comarca da Capital
1ª Vara da Fazenda Pública
Autos n° 0045899-89.2012.8.24.0023
Ação: Mandado de Segurança Coletivo/PROC
Impetrante: Associação Nacional de Restaurantes
Impetrado: Diretor do Procon Municipal de Florianópolis
Vistos, etc.
A Associação Nacional de Restaurantes impetrou
mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, contra ato praticado pelo
Diretor do PROCON do Município de Florianópolis, visando obstar a autuação de
estabelecimento associado em razão da proibição contida na Lei Municipal
8.985/12.
Para fundamentar sua pretensão, afirmou que a Lei
Municipal 8.985/12
que proíbe a comercialização de lanche acompanhado de
brinde ou brinquedo
é inconstitucional, por ter o legislador municipal invadido a
esfera legislativa alheia; por violar os princípios da proporcionalidade, da isonomia,
da livre iniciativa e da concorrência; e, por tratar sobre questões publicitárias afetas
à lei federal.
Instado nos moldes delineados no art. 22, § 2.°, da
Lei 12.016/09, o Município de Florianópolis informou que o objetivo da lei é proteger
o público infantil, impedindo a adoção de hábitos alimentares prejudiciais à saúde,
coibindo, por consequência, o marketing abusivo.
Concedida a liminar em fls. 151-160.
Notificada, a autoridade coatora deixou transcorrer o
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prazo in albis, sem apresentar suas informações.
Instado, o Ministério Público opinou pela concessão
da ordem.
Vieram-me os autos conclusos.
É o relato do necessário. Fundamento e decido.
Busca associação impetrante, através da presente
ação mandamental, obstar a autuação de estabelecimento associado em razão da
proibição contida na Lei Municipal 8.985/12.
O embate mandamental está sedimentado na Lei
Municipal n.° 8.985, de 25 de junho de 2012, a qual proibiu a comercialização de
lanche acompanhado de brinde ou brinquedo de qualquer tipo; considerando como
lanche, para efeito da lei, todo alimento vendido como refeição rápida, comumente
comercializada por grandes redes de alimentação.
De acordo com o Município de Florianópolis, o
objetivo da legislação tisnada é proteger o público infantil, já que sob sua ótica o
marketing de cortesia acaba influenciando nos hábitos alimentares de forma a
prejudicar a saúde da coletividade.
É nítido que as grandes redes de lanchonete de
refeições rápidas adotam a venda cumulativa de lanches com a distribuição de
brindes, para fomentar a atenção do público infantil e, consequentemente, aumentar
a venda dos produtos alimentícios. Trata-se de verdadeira campanha publicitária de
captação de clientes.
Também é sabido que o consumo exagerado de
alimentos relacionados às redes de fast food contribui significativamente para o
aumento de colesterol e triglicerídeos, ocasionando, em muitas vezes, o
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aparecimento da obesidade, em razão do acúmulo excessivo de calorias.
Todavia, tais fatores exponenciais não outorgam
poderes legislativos para o Município criar embaraço acerca das relações
comerciais, como o fez ao editar a Lei 8.985, de 25 de junho de 2012. Eis que,
mesmo em se tratando de adoção de medidas de políticas públicas, no topo do
ordenamento jurídico está a Constituição Federal, a qual deverá ser fielmente
seguida para regular os anseios sociais, de modo a direcionar o caminho a ser
trilhado.
Prova disso, é a distribuição de competência
conferida pelo constituinte originário a cada esfera administrativa, justamente para
impedir que haja um big bang legislativo incontrolável, com a estipulação desmedida
de preceitos normativos conflitantes.
E é com base nesse seguimento, que a Constituição
Federal outorgou aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de
interesse local (art. 30, inc. I).
Todavia, a possibilidade do Município legislar sobre
“assuntos de interesse local” não lhe chancela poderes para legiferar sobre todo e
qualquer assunto.
“Interesse Local”, segundo a doutrina de Hely Lopes
Meirelles, não é interesse exclusivo do município; não é interesse privativo da
localidade; não é interesse único dos munícipes. Se se exige essa exclusividade,
essa privacidade, essa unicidade, bem reduzido ficaria o âmbito da Administração
local, aniquilando-se a autonomia de que faz praça a Constituição. Mesmo porque
não há interesse municipal que não o seja reflexamente da União e do estadomembro, como também não há interesse regional ou nacional que não ressoe nos
municípios, como partes integrantes da Federação brasileira. O que define e
caracteriza
o
'interesse
local',
inscrito
como
dogma
constitucional,
é
a
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predominância do interesse do Município sobre o do Estado ou da União.
Celso Ribeira Bastos, em igual direção, enfatiza que
o conceito-chave utilizado pela Constituição para definir a área de atuação do
Município é o de interesse local. Cairá, pois, na competência municipal tudo aquilo
que for de seu interesse local. É evidente que não se trata de um interesse
exclusivo, visto que qualquer matéria que afete uma dada comuna findará de
qualquer maneira, mais ou menos direta, por razões de ordem lógica: sendo o
Município parte de uma coletividade maior, o benefício trazido a uma parte do todo
acresce a este próprio todo. Os interesses locais dos Municípios são os que
entendem imediatamente com as suas necessidades imediatas, e, indiretamente,
em maior ou menor repercussão, com as necessidades gerais.
Com o louvor que lhe é sempre devido, Celso
Antônio Bandeira de Mello sustenta que o interesse local é aquele interesse próprio
e comum a todo e qualquer Município, independentemente das peculiaridades de
cada qual. Assim sendo, dada matéria é de interesse local, consoante o autor,
quando disser respeito a interesses que se encartam apenas na órbita própria das
circunstâncias menores
e em quaisquer delas, indistintamente -, por dizerem
respeito a assuntos tipologicamente concernentes ao menor dos âmbitos
geográficos em que se repartem as competências normativas. Bem por isto, são
pertinentes a todo e qualquer Município, já que atinam a uma categoria de
interesses que é, em sua generalidade, de natureza local.
A eles é que está
reportado o inciso I do artigo 30. (...) Trata-se, então, de uma competência comum
de qualquer Município e a qualquer Município. O assunto é dele e de mais ninguém.
É de interesse local.”
Logo, verifica-se que muitos são os interesses locais
interesses econômicos, interesses políticos, interesses culturais
porém, a sua
grande maioria não cabem integralmente na competência firmada pela Carta Magna
atribuída aos Municípios no art. 30, inc. I. Por se tratarem de atribuição legislativa
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outorgada ao Estado-membro ou à União.
Com isso, não se pode confundir interesse local com
poder legiferante sobre assuntos de interesse local. Afinal, pode haver interesse
econômico local ou interesse político local, mas não há interesse local para os fins
do exercício da competência do art. 30, I, pois, nesses casos, prevalece a
competência estabelecida expressamente na Carta Magna aos demais entes
administrativos.
Nesse contexto, aferindo-se que a legislação
municipal tisnada tem conteúdo açambarcado pela competência estabelecida
constitucionalmente aos estados-membros e à União, de forma concorrente, por
estabelecer premissas normativas atinentes ao consumo, proteção e defesa da
saúde e à infância e à juventude (CF, art. 24, incs. V, XIII e XV), não é dado ao
Município legislar sobre o tema.
Afinal,
estando
acobertado com as “melhores intenções”
o
Município
mesmo
que
legislando sobre matéria outorgada
constitucionalmente a outro ente administrativo, acaba por imiscuir a força normativa
editada, por haver expressa violação aos preceitos constitucionais, ocasionando
vício de forma impassível de convalidação.
Para demonstrar que não se trata de “interesse
local”, convém que se perceba que o mesmo mecanismo de atração de vendas é
utilizado pelo comércio em outros Municípios, inclusive os avizinhados à capital (São
José, Palhoça...). Pois bem, se o núcleo de proteção que se busca tutelar é a
salvaguarda da saúde da criança e do adolescente, indagar-se-ia se esse mesmo
público estaria desprotegido nos demais municípios?
A resposta a essa inquietação traça a matriz de
compreensão a respeito da invasão no terreno da competência do Município frente
aos demais entes federados.
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Afinal, as crianças e os adolescentes, e até mesmo
os adultos adeptos as guloseimas comercializadas pelos comércios, viventes em
Florianópolis, não são diferentes das demais pessoas que vivem na região
metropolitana de Florianópolis e de qualquer outro rincão nacional.
Portanto, não estamos defronte de um interesse
predominantemente do Município de Florianópolis. Não se olvide que, o bem-estar e
a saúde da população local não se apresentam como verniz tutelável apenas na
capital do Estado catarinense. Sua dispersão é difusa, e a todos os brasileiros
interessa.
Por mais difícil que seja identificar um assunto
cunhado como de “interesse local”, ante as conhecidas multifacetadas e distintas
características do solo brasileiro, não se mostra árduo verificar que, essa
conformação dada pelo Município de Florianópolis, não é um assunto matriz que se
possa ser agasalhada.
Ora, é mais fácil identificar um assunto de interesse
local por sua face negativa do que pela positiva. Ou seja, mais nítido se tem o que
não é interesse local do que aquilo que é. E o caso em voga é um exemplo disso!
Observe-se que, não há predominância de interesse
do Município de Florianópolis sobre outros Municípios brasileiros, e nem sobre
qualquer outro Estado-membro, e nem mesmo frente à União Federal. A saúde tem
carga de responsabilidade estatal indistintamente para a União, Estados e
Municípios, sem preponderância de uma sobre a outra (CF, art.196).
Não
havendo
a
ascendência,
predomínio
ou
superioridade de interesses quanto à satisfação das necessidades imediatas do
Município Florianópolis sobre os demais entes federados, não há como acatar a
tese da predominância de interesse para sustentar a legiferação traduzida pela Lei
n. 8.985/12.
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Prima face, a questão toca ao condomínio de
legiferar afeto à União, ao Estado e ao Distrito Federal, observando sua máxima de
operacionalização nos parágrafos do art. 24 da Constituição Federal.
Constata-se, ainda, outros vícios capazes de
impedir que a legislação editada produza validamente seus efeitos. Pois, o
Município de Florianópolis, ao impedir a venda de lanches acompanhada de brindes
ou brinquedos, acabou não só invadindo esfera de competência alheia, como
também:
1. Violou o princípio da proporcionalidade, utilizandose de mecanismos incapazes, ao que tudo indica, de inibir o consumo de alimentos
calóricos. Afinal, até pode-se acreditar que a concessão de brindes ou brinquedos
possa chamar a atenção do público infantil, porém, não será sua proibição que fará
com que o consumo de alimentos calóricos seja eliminado (ou mesmo reduzido) de
uma dieta. Há outras medidas a serem adotadas, que com certeza, menos
agressivas e com eficácia mais salutares.
2. Violou o princípio da livre concorrência, pois, em
se tratando de Município pertencente a uma região metropolitana, contínua e de
fácil locomoção, nada impede que o público interessado venha adquirir os produtos
nas cidades vizinhas. Com isso, só estará fomentando a venda fora dos logradouros
de Florianópolis.
3. Infringiu o princípio da isonomia. Pois, vê-se que
a adoção da política normativa municipal restringiu o acompanhamento de brindes e
brinquedos apenas aos lanches comercializados por grandes redes de alimentação.
Ou seja, admite-se que as empresas de pequeno e médio porte promovam tal tipo
de publicidade, vendando-se, contudo, sua adoção pelas grandes empresas;
criando, assim, verdadeira ofensa ao princípio da isonomia, de forma a tratar os até
então considerados iguais, de forma desigual.
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À luz do exposto, CONCEDO a segurança visada, a
fim de impedir que a autoridade coatora promova a autuação das empresas
associadas à Associação Impetrante, em razão da proibição normativa prevista na
Lei Municipal n.° 8.985, de 25 de junho de 2012.
Sem custas e sem honorários.
Decisão sujeita ao duplo grau jurisdicional.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Florianópolis (SC), 10 de março de 2014.
Luiz Antônio Zanini Fornerolli
Juiz de Direito da 1ª Vara da
Fazenda Pública
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