Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Microbiologia 2006/2007 10.10.2006 Staphylococcus Nota: O que se encontra escrito com o tipo de letra Arial é o que se encontra nos slides usados pela professora. O que se encontra escrito com o tipo de letra Times New Roman é a transcrição do que foi dito pela professora. SUMÁRIO: 1. Característica Gerais 2. Mecanismo de Patogenicidade (aquilo que agride o Homem) 3. Epidemiologia 4. Doenças 5. Diagnóstico Laboratorial 1. CARACTERÍSTICA GERAIS • Cocos • Forma esférica/cocoide • Gram+: - Catalase Positivos: Staphylococcus Micrococcus (Micrococcus, Kocuria e Kytococcus, Alloiococcus) - Catalase Negativos: Streptococcus Enterococcus - Anaeróbios1 Raramente pedimos que fixem o resultado das provas bioquímicas, mas algumas provas, porque dividem os géneros bacterianos, devem saber. Uma delas é a prova da catalase, porque divide os cocos Gram+ em Catalase Positivos (+) e em Catalase Negativos (-). Os Catalase (-) ficam para a próxima aula. Hoje vamos falar apenas nos Catalase Positivos (+), os Staphylococcus e os Micrococcus. 1 Não foram dados na aula porque serão abordados mais tarde, juntamente com os restantes anaeróbios Staphylococcus • Cocos em cacho (quando estão no seu ambiente próprio, ou num produto biológico ou num meio líquido; o facto de estarem em cacho não é patognomónico, mas é frequente estarem aglomerados) • Imóveis • Por vezes capsulados • Não esporulados • Capazes de crescer em elevado teor de NaCl (10%) Todos os meios de cultura têm um bocadinho de NaCl, já que todas as bactérias vão precisar de sais. Mas estes têm uma característica: conseguem crescer com elevadas concentrações de NaCl. Isto é importante, pois vão crescer em alimentos salgados ou em meios de cultura salgados. Não quer dizer que gostem predominantemente, também crescem noutros meios de cultura. Mas se conseguem crescer num meio tão elevado de NaCl a 10%, então podemos concluir que só os Staphylococcus conseguem aguentar essas concentrações tão elevadas de NaCl. Por isso, é uma característica importante. • Toleram temperaturas 18º-40º (intervalo relativamente alargado para bactérias; costumamos pô-las a 37º, a temperatura corporal, ou a 35º, “mais um, menos um”); • Anaeróbios Facultativos (crescem em aerobiose, mas também toleram alguma atmosfera de empobrecimento em oxigénio); • Caracterização: - - Características Fenotípicas Morfologia (aspecto: Cocos Gram+); Bioquímica (prova da catalase); Susceptibilidade a fármacos (muito típica dos Staphylococcus); Estudos Genéticos: Estudos de DNA (permitiram mesmo a mudança de microrganismos que mudaram de um gene para o outro). Esta taxonomia está em constante evolução, é dinâmica. Actualmente, esta classificação é mista: fenotípica e genotípica. • Há, pelo menos, 30 espécies: - S. aureus; - S. coagulase negativos S. epidermidis S. saprophyticus S. haemolyticus S. hominis S. capitis S. warneri S. auricularis S. simulans S. cohnii S. lugdunensis … As espécies mais frequentes em patologia humana são, muitas vezes, as mesmas. Até ao S. capitis temos cerca de 80% das espécies. Mas isto depende da quantidade de provas bioquímicas que fazemos: quanto mais detalhada for a identificação, mais espécies, às vezes até mais raras, vamos encontrar. Destacamos, então, dois grandes grupos: S. aureus, até há uns anos considerado como o único patogénico. Actualmente, não há microrganismos não patogénicos, pois tudo depende da interacção microrganismo-hospedeiro. São coagulase positivos. S. coagulase negativos, sendo os mais importantes S. epidermidis, S. saprophyticus, S. haemolyticus, S. hominis, S. capitis. S. aureus • O mais patogénico. Não é o único patogénico, mas é o que, sozinho, tem mais mecanismos de virulência. Claro que, qualquer microrganismo, se consegue chegar ao sangue, é virulento, pois não temos bactérias no sangue. Vai, então, depender do local onde está localizado. • Coagulase positivo. Para além da catalase, há outra prova bioquímica importante, a prova da coagulase, que distingue os que produzem coagulase (S. aureus) de todos os outros. • Colónias Douradas. Por isso se chama aureus, mas isto não é totalmente verdade. Muitas vezes não são douradas, mas brancas, dependendo do meio em que as pomos. É, portanto, uma característica geral, clássica, mas nem sempre verdadeira. 2. MECANISMOS DE PATOGENICIDADE 2.1 Mecanismos de Patogenicidade Estruturais Há mecanismos que dependem da estrutura da bactéria: • Cápsula: antifagocítica. A cápsula esconde antigénios, esconde tudo do sistema imunológico, que poderia atacar a bactéria mais facilmente se ela não tivesse a cápsula. • Slime-layer: medeia adesão. A Slime-layer é uma camada polissacarídica que reveste o microrganismo e que é muito importante na adesão. A adesão é o primeiro mecanismo patogenicidade. Se uma célula não consegue de aderir às nossas células, não se torna patogénica. Primeiro tem que aderir, e só depois exerce toda a sua patogenicidade. • Parede Celular: - Peptidoglicano (muito espesso: 2/3 da parede nos Gram+) que confere: Rigidez (destruindo Peptidoglicano, lisamos a bactéria); Actividade Endotóxica e activa complemento (pus) Estas duas características permitem formar pus, que é a activação dos leucócitos, que se transformam em piócitos. Estes cocos são piogénicos. Não são só os Staphylococcus, os Streptococcus também são piogénicos. - Produção de IL-1 (pirogénica: responsável pela febre) Leva produção de anticorpos opsonizantes; atrai PMN Proteína A (S. aureus: ligação a IgG, ID) A proteína A, que só existe no S. aureus, é responsável pela ligação a imunoglobulinas, sobretudo as IgG. Também é usada na identificação (ID), já que é específica do S. aureus, logo podemos procurá-la. - Ácidos Teicóicos: medeiam ligação fibronectina (proteína da matriz subcutânea, do tecido conjuntivo); são antigénicos (levam à produção de anticorpos). • Adesinas de Superfície que medeiam adesão ao tecido conjuntivo e seus componentes fibrinogénio, fibronectina, elastina e coagulase; • Membrana Citoplasmática: barreira osmótica e local de biossíntese proteica 2.2 Mecanismo de Patogenicidade – Produção de Substâncias Extracelulares Além dos mecanismos de patogenicidade estruturais, há outros mecanismos como a produção de substâncias extracelulares, mecanismo muito típico dos Gram+, diferente do dos Gram-. Os Gram+ são muito produtores de enzimas e toxinas que libertam para fora da célula. • Exotoxinas: - Hemolisinas (destroem g. rubros, hepatócitos, cels tecido conjuntivo...) - alfa (lise parcial), beta (lise total; mais típicas do S. aureus), gama, delta - Leucocidinas: destroem glóbulos brancos - Esfoliativas A e B (acção descamativa da pele) - Síndrome da Pele Escaldada - 510% S. aureus Só uma percentagem relativamente pequena de S. aureus produz estas toxinas. Logo, numa infecção de S. aureus, nem sempre há produção de todas estas toxinas. - Enterotoxinas A-E: termoestáveis e resistentes ao ácido gástrico e enzimas jejunais – 30-50% S. aureus Ao contrário da maioria das bactérias e toxinas que são destruídas pelo pH ácido do estômago, esta é resistente (por isso, é responsável por quadros de gastroenterites) e termoestável. Logo, aquecendo ou fervendo um alimento que contenha a toxina, ela vai ter na mesma efeito. - TSST –1 (toxic shock syndrome toxin) Esta toxina é muito agressiva para o organismo. Enterotoxinas, toxina esfoliativa A e TSST são superantigénicas, são capazes de desencadear uma reposta imunológica. Provocam ainda Lesão Celular e Tecidular (efeitos locais). • Enzimas: - Catalase- protege da acção da água oxigenada A Catalase degrada o Peróxido de Hidrogénio em Oxigénio e Água. O Peróxido de Hidrogénio é produzido nos tecidos, é água oxigenada, sendo lesivo para muitas bactérias. Numa ferida, vemos a borbulhar porque o próprio tecido tem peróxido de hidrogénio e se lá estiver o Staphylococcus, que é um agente da pele, muitas vezes produz algum oxigénio. A catalase é usada na identificação, pois todos os Staphylococcus são catalase positivos. Portanto, neutralizando a acção endógena do peróxido de hidrogénio, isso confere-lhes alguma patogenicidade. - Coagulase- depósito de fibrina (S. aureus) A coagulase está presente só no S. aureus e vai induzir a coagulação do sangue, convertendo o fibrinogénio em fibrina. Logo, numa primeira fase, há limitação da infecção, com dificuldade de chegada dos PMN para destruição da bactéria, logo é uma defesa para a bactéria. - Hialurinidase- acção no ácido hialurónico (componente tecido conjuntivo) - Fibrinolisina- acção fibrinolítica (acção degradadora da fibrina que vai fazer com que, por exemplo, num infecção inicial da pele, a bactéria possa invadir para a corrente sanguínea) - Lipases- importantes na invasão (há gordura no tecido celular subcutâneo, por isso, as lipases são importantes na invasão do microrganismo para além do tecido celular subcutâneo) - DNAase- destrói o DNA - Beta-lactamases: enzimas muito importantes. Há uns anti-microbianos beta-lactâmicos, o mais banal é a penicilina, que têm estrutura beta-lactâmica. Quando foram descobertas as penicilinas, todos os Staphylococcus eram sensíveis, mas rapidamente conseguiram desenvolver a produção de Beta-lactamases. Neste momento. Cerca de 90% são produtores de Beta-lactamases, ou seja, degradam os anti-microbianos, todos os que têm aquela estrutura química comum, os beta-lactâmicos. Esta figura resume os mecanismos de patogenicidade e o que estivemos a dizer: • A Proteína A, específica do S. aureus, liga-se às imunoglobulinas; • A produção de toxinas, como a TSST que provoca um síndrome tóxico, sistémico, muito grave; • As proteínas de adesão ao tecido conjuntivo; • As enzimas responsáveis pela invasão, pela destruição de células dos leucócitos, dos gl. Rubros... • A parede e cápsula, componentes estruturais. 2.3 Mecanismo de Patogenicidade – S. coagulase negativos Os S. aureus são os mais patogénicos, são capazes de produzir todas estas substâncias de que falámos, mas não são os únicos que têm mecanismos de patogenicidade. Os S. coagulase negativos têm menos mecanismos: têm os mecanismos estruturais quase idênticos, à excepção do Proteína A, e têm outros mecanismos de patogenicidade, sendo conhecidos alguns: • Produção de Antigénio 51: adesão ao epitélio vesical • Produção de Slime: substância de S. epidermidis natureza polissacarídica que Aumenta a adesão (1º passo para a invasão) Protege do sistema imunológico (não são detectados por sistema imunológico) Inibe quimiotaxia e fagocitose por leucócitos Inibe a acção dos anti-microbianos. Muitas vezes, no laboratório, fazendo um teste de susceptibilidade, determinamos que é muito susceptível a um fármaco. Mas o doente está a fazer esse fármaco e a infecção continua e é resistente. Hoje sabe-se que quando os microrganismos estão a produzir estes biofilmes, estão protegidos por esta camada mucopolissacarídica, isto torna-os muitos mais resistentes à terapêutica, os próprios fármacos não chegam lá. Então, há uma discrepância entre a susceptibilidade in vitro e in vivo. Eles são muitas vezes agentes comensais da pele. Qualquer ou destruição que fazemos da barreira da pele, por exemplo, ao pôr um cateter, estes microrganismos aderem ao cateter, produzem esta camada que os esconde e têm o primeiro passo para conseguir invadir. Começa assim a haver febre, há uma septicemia... Estes mecanismos estão muito bem conhecidos para o S. epidermidis. Foi o primeiro coagulase negativo a ser considerado patogénico, mas sabe-se hoje que muitos outros podem ser, dependendo do doente e do local de infecção. 3. EPIDEMIOLOGIA • Pertencem à população microbiana normal da pele e mucosas Logo se temos uma quebra na barreira, são os primeiros agentes a poder penetrar. Eles estão na pele, mucosas, vagina e intestino. Fora do seu local normal, podem causar doença. • Muitos persistem na mucosa nasal (e mãos também) principalmente pessoal hospitalar; • Maior densidade nas regiões da pele mais ricas em glândulas sudoríparas e folículos pilosos; nas regiões mais próximas dos orifícios naturais (boca, região vaginal, região rectal...). • Infecção endógena versus contacto directo ou indirecto A infecção pode ser endógena (isto é, do próprio individuo, que tinha microrganismo na pele e este conseguiu invadir para a corrente sanguínea), ou ser por contacto directo (vem do enfermeiro, médico ou de outro doente) ou por contacto indirecto, através de objectos. • Quebra de barreira/ locais estáveis, havendo o risco de atingir locais estéreis como o sangue. 4. DOENÇAS S. AUREUS Há 2 grandes grupos de doenças: aquelas que são por Acção Directa do agente (próprio microrganismo que provoca doença, havendo invasão dos tecidos) e aquelas provocadas por toxinas. Por vezes, pode ter um componente misto: começa por haver uma acção directa (por exemplo, uma ferida cutânea) e depois há, mais tarde, uma doença provocada por uma toxina que acaba, muitas vezes, por ser mais grave do que propriamente a provocada pela acção directa. • Acção Directa - Pele e tecido celular subcutâneo. Impétigo (provoca uma bolha, onde vamos encontrar o Staphylococcus), foliculite (infecção do folículo piloso), furúnculo (é mais invasor, com cocos purulentos), celulite (mais grave, mais invasor, atingindo celular subcutâneo), complicam infecções nas queimaduras e feridas traumáticas ou cirurgias. Eles são agentes comensais da pele, mas se há quebra da barreira, são os principais agressores. Todas estas doenças não são exclusivas dos Staphylococcus. Uma coisa é uma entidade clínica, tem um furúnculo, muito provavelmente é provocado por um Staphylococcus, mas também há outros agentes que podem provocar furúnculos. Mas em medicina, temos que pensar no mais frequente. Nas infecções cutâneas e das feridas cirúrgicas, um dos agentes mais frequentemente responsável é o Staphylococcus, sobretudo o aureus, porque tem mais mecanismos de patogenicidade. - Empiema, ou seja, um abcesso em qualquer local, desde que consiga invadir um pouco mais para além do tecido celular subcutâneo. - Artrite (infecção das articulações), osteomielite (mais grave, infecção do osso). - Pneumonia, desde que consigam chegar ao tracto respiratório inferior. Se estiverem na boca, não há problema. - Infecção urinária, pielonefrite São frequentemente agentes de Infecção urinária, sobretudo os S. coagulase negativos. Falámos que produzem o antigénio 51, antigénio que existe na bexiga, eles aderem bem a esse antigénio e conseguem localizar-se na bexiga. Esta é um órgão normalmente estéril, mas como temos o tracto urinário distal com população microbiana normal, se esta conseguir ascender até à bexiga, consegue provocar a doença. A pielonefrite ocorre se atingir ureteres e rins. - Endocardite - Meningite - Colonização/infecção de cateteres ou próteses (1º aderem e depois podem provocar infecção) - Bacteremia (possibilidade das bactérias circularem na corrente sanguínea) ou septicemia (infecção localizada na corrente sanguínea). Por exemplo, numa pneumonia ou meningite, temos frequentemente fenómenos de bacteremia, em que as bactérias entram na circulação, mas a infecção está localizada no tracto respiratório ou nas meninges. Se for uma infecção mais grave, em que as bactérias se multiplicam na corrente sanguínea, já é uma septicemia. • Acção de Toxinas - Intoxicação Alimentar 5 enterotoxinas serologicamente distintas A, B, C, D, e E S. aureus introduzido no alimento, temperatura ambiente, produz toxina; resistente ao calor A toxina produzida pelo S. aureus é a causa mais frequente de gastroenterite. Nós só ingerimos a toxina. Geralmente, ingerimos um alimento que está à temperatura ambiente, que foi manuseado ou contaminado pelo espirro. O alimento está, então, contaminado, à temperatura ambiente, mas pode já nem conter a bactéria, que foi destruída mas que teve tempo para produzir a toxina. Mesmo aquecendo o alimento, podemos até destruir o S. aureus, mas não a toxina. Daí que vamos ingerir a toxina e é ela que dá os sintomas típicos de gastroenterite - náuseas, vómitos... A toxina tem tipicamente um período de incubação muito curto. Em média, passadas 4 horas após a ingestão, a pessoa apresenta sintomatologia. Isto é diferente de um salmonelose, em que o bacilo Gram– tem um mecanismo de patogenicidade completamente diferente e vai precisar de se multiplicar para dar sintomas. Aqui é a toxina, a toxina está pronta, é resistente ao pH gástrico e temperatura e começa passado pouco tempo a dar sintomatologia. É o exemplo típico da festa que passado pouco tempo após almoço está toda a gente maldisposta. O tempo de incubação é muito importante. Alimentos: presunto, carne salgada, salada, batata, pastelaria, gelados Nas pastelarias, qualquer microrganismo pode crescer nos alimentos. Nas carnes salgadas, não são tantos os microrganismos que conseguem lá crescer, porque têm tanta concentração de sal, têm menos água, logo é mais difícil o desenvolvimento dos microrganismos. Daí que se possa pensar que estes alimentos são mais seguros. Mas os Staphylococcus, como crescem em meios com altas concentrações de sal, tornam estes alimentos em alimentos de risco. 1-8h de incubação, início súbito, autolimitada <24 horas (ao fim de 24 horas passa). História Clínica: Vómitos, gastroenterite com diarreia aquosa não sanguinolenta, sem febre Tratamento sintomático para dores e hidratação, sem antibioticoterapia porque não está lá nenhuma bactéria a causar a doença. O ideal era neutralizar o efeito da toxina, o que é, neste momento, inviável. Assim, temos que esperar que a toxina seja libertada. Não devemos parar a diarreia, porque só se dá antidiarreicos quando a causa não é infecciosa. Sendo infecciosa, a diarreia vai ser um mecanismo para libertar a toxina. Temos é que fazer com que a pessoa ingira líquidos, para não desidratar. - Síndrome da pele escaldada Outra doença, mais rara, devido à acção da toxina é o síndrome da pele escaldada, que é devido àquela toxina exfoliativa que alguns S. aureus (5 a 10%) são capazes de produzir. Esta toxina invade todo o organismo e provoca um síndrome muito feio de forma generalizada, por todo o organismo. ▪ Toxinas exfoliativas A e B ▪ Precedido de infecção cutânea ou respiratória (deve-se perguntar ao doente se teve há pouco tempo alguma infecção cutânea purulenta ou infecção respiratória provocada por um Staphylococcus, que naquela percentagem de 5-10% pode ser capaz de produzir esta toxina). - Síndrome do Choque Tóxico O Síndrome do Choque Tóxico é já muito mais grave, é uma doença sistémica em que é produzida a Toxina do Síndrome do Choque Tóxico (TSST-1), uma toxina superantigénica. É a reacção imunológica à toxina que dá todo o distúrbio multiorgânico muito grave. Está muitas vezes atribuído à utilização de tampões vaginais. É a nível vaginal que muitas vezes se dá a infecção pelo Staphylococcus; embora seja lá um agente da população microbiana normal, num meio muito rico, com sangue, pode desenvolver-se e produzir aquela toxina que se espalha e dá aquela reacção sistémica muito grave. É uma situação bastante rara, mas devemos pensar nela. ▪ TSST-1; toxina superantigénica produzida em aerobiose e pH neutro após infecção estafilocócica noutro local (na pele ou, mais frequentemente, na vagina) ▪ Febre alta, vómitos e diarreia com rash escarlatiforme, falência multiorgânica (muito difícil de controlar, porque muitas vezes já não é a infecção que está em causa, é a produção de toxina que temos que combater) DOENÇAS S. COAGULASE NEGATIVOS COLONIZAÇÃO vs. INFECÇÃO Os S. coagulase negativos muitas vezes colonizam, são agentes da população microbiana normal da pele e mucosas (o S. aureus também pode pertencer à população microbiana normal, embora seja menos frequente). Por vezes torna-se difícil, quando isolamos um S. coagulase negativo, saber se é de valorizar ou se, pelo contrário, é um agente normal que não está a provocar a doença; às vezes só pelo quadro clínico não se encontrando mais nada, poderá ser um S. coagulase negativo que está a provocar a doença. São agentes importantes de: ▪ Cistite (infecções da bexiga, infecções urinárias) ▪ Infecções relacionadas com cateteres, próteses (por exemplo, prótese mitral, aórtica, articular, …), shunts (S. epidermis): Estes microorganismos são os grandes produtores de slime, camada que os encobre e que lhes vai permitir depois invadir para a corrente sanguínea. Se um doente começa com febre e tem uma prótese, muitas vezes é devido aos Staphylococcus, que existem em qualquer um de nós, às vezes até entram na própria circulação sendo rapidamente neutralizados, mas que neste caso conseguem aderir ao material plástico ou metálico e que conseguem produzir a tal slime layer que os protege do sistema imunológico. ▪ Endocardite (sobretudo nos indivíduos com próteses, característicos deste tipo de infecções) ▪ Meningite (mais raramente) ▪ Bacteremia / Septicemia (mais raramente) ▪ Imunossupressão (depende muito do hospedeiro – se o hospedeiro está imunodeprimido, qualquer bactéria, mesmo que não active mecanismos de patogenicidade, pode provocar uma doença grave). DIAGNÓSTICO LABORATORIAL A nossa disciplina é muito de diagnóstico. Sabendo isto tudo, como é que vamos saber qual o Staphylococcus que está a provocar a doença? Como é que vamos fazer o diagnóstico? 1 - Colheita de produtos biológicos Primeiro temos que colher os produtos. E que produtos? Depende da infecção, do local da infecção. Por exemplo, se o indivíduo tem uma pneumonia, temos que colher expectoração/secreções. Se é uma endocardite ou uma bacteremia colhemos sangue (frascos de sangue para hemocultura). Já vos disse que muitas vezes se pesquisa no nariz (os portadores nasais de Staphylococcus). Utilizamos zaragatoas para infecções cutâneas; ou até os tais cateteres, que muitas vezes mandam para o laboratório para pesquisar se estão ou não infectados com o Staphylococcus. Quadro da página seguinte: (Murray, figura 22.3) Doenças por Staphylococcus. Isolamento dos Staphylococcus dos locais de infecção. 1+ menos de 10% de culturas positivas; 2+ 10% a 50% de culturas positivas; 3+ 50% a 90% de culturas positivas; 4+ mais de 90% de culturas positivas. Este quadro explica algumas das infecções mais frequentes: e está classificado de 1+: muito pouco provável encontrarmos bactérias no laboratório, a 4+: muito provável. Por exemplo: ▪ Endocardite: é claro que a bactéria vai andar em circulação, porque o coração está sempre a bombear sangue para todo o organismo. Portanto, se formos procurar no sangue temos muita probabilidade de a encontrar. ▪ Síndrome da Pele Escaldada: muitas vezes há os portadores nasais – por isso temos que fazer uma zaragatoa nasal e encontrar o Staphylococcus; no entanto vai ser pouco provável encontrá-lo no sangue ou na pele, pois é uma doença provocada pela toxina (nas doenças provocadas pela toxina não vamos procurar a bactéria; devíamos procurar a toxina, mas vamos ver que tem uma metodologia complicada). ▪ Pneumonia: temos que colher secreções, mas muitas vezes as secreções são produtos contaminados em que é difícil encontrar o agente causador da infecção, pelo que às vezes é mais importante, durante os períodos febris, acabar por encontrar a bactéria no sangue, embora a infecção esteja localizada no tracto respiratório (as tais bacteremias). ▪ Gastroenterite por Staphylococcus: nem vale a pena colhermos fezes, porque é muito raro/difícil encontrar a bactéria nas fezes (é uma doença provocada pela toxina). Quando muito, procurar no alimento; mas mesmo no alimento (por exemplo se tiver sido cozinhado) pode já não estar (pode estar só a toxina). ▪ Infecções de cateteres: procuramos no sangue ou nos próprios cateteres. ▪ Infecções cutâneas: procurar na pele (onde é mais provável encontrar) ou eventualmente na corrente sanguínea. ▪ Artrite: colher líquido, por exemplo de um joelho, para procurar o Staphylococcus, ou eventualmente no sangue nos períodos febris. 2 - Exame macroscópico (olhar para o produto) – aspecto purulento O aspecto purulento de um produto é a favor de haver uma infecção estafilocócica, embora não seja patognomónico (há outros Gram + que também produzem infecções purulentas). Se o produto for, por exemplo, um líquido muito límpido, é pouco provável que tenhamos lá uma infecção estafilocócica. 3 - Exame microscópico – Gram + No Gram vocês vão ver os tais cocos Gram + em aglomerados ou cachos. Claro que um exame microscópico negativo não invalida que possam existir Staphylococcus, não diz que não há infecção. 4 - Exame cultural O exame cultural consiste em dar uma oportunidade aos microorganismos de crescerem, de se multiplicarem. Nós só conseguimos identificar um microorganismo se ele estiver em quantidade suficiente e em cultura pura. ▪ São bactérias muito pouco exigentes (crescem em qualquer meio de cultura): . Caldos: tioglicolato, brain heart . Meios sólidos: agar-sangue, agar-manitol-sal O agar-sangue é um meio muito rico em que nós podemos, por exemplo, observar as tais hemolisinas, porque têm glóbulos rubros intactos e as hemolisinas destroem os glóbulos rubros, sobretudo as hemolisinas-β. O S. aureus produz hemólise. O agar-manitol-sal é um meio que dizemos que é muito selectivo para Staphylococcus. É um meio que tem muito sal, tem a tal concentração de 10% de cloreto de sódio, em que nós já sabemos que se crescer lá podemos afirmar que é um Staphylococcus (só ele conssegue crescer lá). Não é que eles gostem, mas conseguem sobreviver em concentrações tão elevadas assim, e nós utilizamos isso como um meio para ajudar a identificá-los. Se crescer no agar-sangue mas também crescer em agar-manitol-sal, deve ser um Staphylococcus. - Pesquisa de toxinas A pesquisa de toxinas é difícil, muitas vezes é um diagnóstico de exclusão. Numa gastroenterite, por exemplo, vocês estão na dúvida se esta será mesmo provocada por uma bactéria (porque há muitas bactérias que a podem provocar) ou se foi provocada por um Staphylococcus; se mandarem as fezes para o laboratório e se o laboratório disser que não cresceu nada de valorizar, vocês apoiam-se na hipótese de ser uma gastroenterite por Staphylococcus, porque de facto ele não tem que crescer nas fezes (é uma doença provocada por uma toxina). Portanto, é muitas vezes um diagnóstico de exclusão, já que a pesquisa de toxinas: ▪ É difícil, exige metodologia sofisticada ▪ Não se faz por rotina na maior parte dos laboratórios IDENTIFICAÇÃO DOS STAPHYLOCOCCUS Como é que vamos identificar o nosso Staphylococcus? Muitas vezes fazemos um Gram, vemos que ele é Gram positivo e então depois fazemos a prova da catalase: ▪ Produção de catalase: 2 H2O2 → 2 H2O + O2 (usamos umas gotinhas de Peróxido de Hidrogénio; se virmos umas “bolhinhas” a aparecer, o microorganismo é catalase positivo porque liberta oxigénio) Com esta prova só podemos dizer que o microorganismo é um Staphylococcus (separa, por exemplo, dos outros cocos, como o Streptococcus). Estes são mecanismos de patogenicidade, mas que nós usamos para a identificação. - Diagnostico Laboratorial (Staphylococcus aureus) ▪ Produção de coagulase ( ex. o S. epidermis é coagulase negativo, enquanto que o S. aureus é coagulase positivo) A coagulase está relacionada com a capacidade de transformar o fibrinogénio em fibrina. Há várias maneiras de pesquisar a coagulase: - Teste da coagulase: se puserem a incubar o Staphylococcus (já sabem que é Staphylococcus, só não sabem qual é) num bocadinho de plasma humano (e não soro, porque tem que ter proteínas, tem que ter fibrinogénio) e se o resultado for positivo, isto é, se se formar um coágulo, então é um S. aureus (muitas vezes fica de um dia para o outro a incubar, mas às vezes às 4 horas já é possível ver). - Teste por aglutinação: pesquisa-se uma proteína, a coagulase específica do S. aureus. É mais rigoroso (tem menos falsos positivos), porque há muitas bactérias que são capazes de produzir a coagulase. Estas provas só têm veracidade num determinado contexto: se eu sei que o microorganismo é um coco Gram positivo e que é catalase positivo, ter a prova da coagulase positiva é a favor de ser um S. aureus. Mas imaginem que até têm uma cultura mista, que tocaram ao lado noutra bactéria que não era um Staphylococcus; se ela produzir coagulase, vocês podem estar a ser induzidos em erro. Portanto, uma coisa é a produção de coagulase em geral, já que há outras bactérias que também são capazes de produzir coagulase, outra coisa é pesquisar exactamente, utilizando anticorpos específicos, a coagulase do S. aureus. Neste momento é o que fazemos. - Diagnostico Laboratorial (S. coagulase negativos) ▪ Resistencia à novobiocina (para identificar o S. saprophyticus) ex. S. epidermis vs. S. saprophyticus Em relação ao S. saprophyticus, dentro dos coagulase negativos, há um fármaco que o permite identificar: a novobiocina. Podemos pôr um disquinho com novobiocina e se o S. coagulase negativo (já fizemos a prova da coagulase) for resistente ao fármaco, então sabemos que ele é um S. saprophyticus. Esta prova neste momento é pouco utilizada, porque só nos diz que se o S. coagulase negativo for resistente à novobiocina é um S. Saprophyticus; se o S. coagulase negativo for sensível à novobiocina (se fizer um halo de inibição à volta do disco, onde a bactéria não conseguiu crescer), então ficamos sem saber qual é o nome (porque todos os outros coagulase negativos são sensíveis à novobiocina), não chegamos à identificação da espécie e, por isso, temos que fazer outras provas bioquímicas. ▪ Provas bioquímicas (+++) Assim, para saber qual a espécie do coagulase negativo temos que fazer uma bateria de provas bioquímicas. Quanto mais provas bioquímicas fizermos, maior discriminação podemos ter entre os S. coagulase negativos. Estes são microorganismos que nos causam alguns problemas de identificação e, quando vocês forem consultar alguns processos dos doentes vão ver que muitas vezes o laboratório acaba por dizer só que o microorganismo é um S. coagulase negativo e não vos diz exactamente qual é o nome, porque não conseguiu chegar a uma discriminação correcta entre as várias espécies. Em termos clínicos, o importante é saber se é um S. coagulase negativo. SUSCEPTILIDADE AOS ANTI-MICROBIANOS ▪ Maioria: Susceptibilidade variável ▪ S. saprophyticus – susceptibilidade mais constante (é dos mais susceptíveis) MECANISMOS DE RESISTÊNCIA • Maioria produz beta-lactamases Já vimos que a maioria dos Staphylococcus são produtores de β-lactamases, o que faz com que destruam os antimicrobianos β-lactâmicos (dos quais a representante é a penicilina. ▪ A produção de β-lactamases é plasmídica, o que faz com que possa ser transmitida de um Staphylococcus para outro. ▪ Resistentes aos β-lactâmicos ▪ Associar inibidores das enzimas ou penicilinas resistentes às penicilinases (ex. Dicloxacilina, flucloxacilina, meticilina ou oxacilina) Como contornar este problema? ▪ Há neste momento penicilinas que são resistentes às β-lactamases, às penicilinases ( a meticilina é o representante deste grupo). ▪ Também podemos associar às penicilinas clássicas umas substâncias que são inibidoras das β– lactamases, como é o exemplo do acido clavulânico; junto com uma penicilina, só tem o efeito de neutralizar as β–lactamases (recuperando a acção da penicilina) • Alteração do PBP-2 – MRSA ▪ Por alteração do gene mecA ▪ Resistentes a todos os β-lactâmicos disponíveis, mesmo os resistentes às β-lactamases ▪ Normalmente só susceptíveis à vancomicina e à teicoplanina ▪ VISA / VRSA (gene vanA) O Staphylococcus pode alterar uma proteína de superfície, a PBP-2 (penicilin binding protein), sendo o mecA o gene responsável. Assim, a bactéria fica resistente a todos os β–lactâmicos, mesmo às penicilinas resistentes às β–lactamases (meticilina), porque o mecanismo já não é pela produção de β–lactamases mas sim porque o alvo de ligação das penicilinas está alterado. Chamamos a estes Staphylococcus meticilino- resistentes, S. aureus meticilino-resistentes – MRSAs (esta é uma sigla que anda na boca de toda a gente). É um risco num hospital ter MRSAs (nós temos muitíssimos). Os MRSAs só são susceptíveis à vancomicina e à teicoplanina, e já há neste momento descritos (não entre nós, não na Europa, mas já foi descrito um no Japão e um nos EUA) os VISAS ou VRSAs (Staphylococcus resistentes às únicas armas que temos neste momento, a vancomicina e a teicoplanina), cuja resistência lhes é conferida pelo gene vanA. Estas são espécies que rapidamente têm sofrido resistência. Nós temos muitíssimos MRSAs, ainda não temos resistentes à teicoplanina. ▪ Pesquisa de portadores nasais de MRSA . nas Unidades de Cuidados Intensivos . pode-se fazer a pesquisa na zaragatoa nasal . Agar-sangue, se S. Aureus, oxacilina . Meio cromogénico para despiste de MSRA . Detecção do gene mecA Os MRSA são importantes a nível hospitalar, são transmitidos principalmente de um doente para outro. Muitas vezes, à entrada dos cuidados intensivos, é feita aos doentes uma pesquisa do MRSA. Se eles tiverem um MRSA no nariz, são relativamente isolados (dentro do possível) e descontaminados, para não transmitirem aos outros. Podemos fazer a sua detecção num meio cromogénico ou mesmo pela detecção do gene mecA que lhes confere resistência à meticilina. ▪ Controlo dos surtos MRSA + Quando foram descritos os MRSAs falou-se muito do isolamento de doentes (que é sempre complicado), da descontaminação do pessoal (que passado pouco tempo acaba por estar colonizado outra vez), e do isolamento do pessoal (nos EUA andam com a paranóia, mandavam todos os médicos contaminados de férias, o que acabou por ser impraticável). ANTIMICROBIANOS DE ELEIÇÃO ▪ Hospitais sem MRSA: penicilinas resistentes às β-lactamases ▪ Hospitais com MRSA: vancomicina, teicoplanina ▪ Estado portador nasal: mupirocina tópica (fármaco de utilização nasal para os doentes que são portadores) Aqui está mais uma aula de Micro! Já estavam ansiosos, não? Para não fugir à regra, pedimos desculpa pela demora e pela extensão da aula... Com um bocadinho de esforço, até se chega ao fim! Força, vocês conseguem! Em caso de erros ou dúvidas, enviem um mail para [email protected] ou para [email protected] Boa Sorte para as frequências! Mariana Pintalhão Ana Aires Silva