Atividades terapêuticas em hospitais psiquiátricos: papel do enfermeiro Fabiana Aparecida Feitosa Aluna do Curso de Graduação em Enfermagem. Rosiani de Cássia Boa Morte de Castro Docente do Curso de Graduação em Enfermagem. Orientadora. RESUMO A partir das observações feitas durante a Graduação em Enfermagem das necessidades dos pacientes psiquiátricos, objetivou-se conhecer a atuação do enfermeiro como agente terapêutico na assistência hospitalar psiquiátrica e identificar quais as facilidades e dificuldades encontradas por estes para desenvolver atividades terapêuticas. A coleta de dados foi realizada em abril/ 2005, em instituição psiquiátrica pública, no município de São Paulo. Para o estudo qualitativo descritivo exploratório utilizou-se um questionário aos quais nove enfermeiros responderam. Após análise de conteúdo das respostas observou-se que o principal obstáculo citado pelos enfermeiros para realizar as atividades com os pacientes, foi à falta de enfermeiros na instituição, o que acarreta maior envolvimento na administração, influenciando na realização das atividades ou contato direto com os pacientes. Descritores: Enfermagem psiquiátrica; Papel do enfermeiro; Reforma psiquiátrica. Feitrosa FA, Castro RCBR. Atividades terapêuticas em hospitais psiquiátricos: papel do enfermeiro. Rev Enferm UNISA 2005; 6: 23-31. INTRODUÇÃO Hoje em dia, o tratamento de pacientes com doenças mentais, não são feitos em hospitais psiquiátricos, já faz algum tempo, pois este tipo de internação não beneficia o estado de saúde do paciente. Desde Florence Nightingale, a Enfermagem é descrita como a arte de cuidar. O enfermeiro é descrito como profissional capaz de perceber o ser humano, de uma forma global engajada, solidária, sensível, estética e criadora. Contudo, em função da busca desenfreada pela cientificidade, muito dessa perspectiva se perdeu(1). Ao longo dos anos, houve muitas transformações no cuidado do doente mental. Nesse novo contexto, para se incluir como profissional de referência, o enfermeiro teve que rever sua prática, gerando novas formas de cuidados(1). Alguns autores, nas últimas décadas, têm enfatizado como principal papel do enfermeiro psiquiátrico o de estabelecer uma relação terapêutica com o paciente. A Enfermagem Psiquiátrica Brasileira tem-se baseado em Peplau(2) que considera que a ênfase do papel do enfermeiro psiquiátrico não está em exercer atividades administrativas, em ser um agente socializador ou em fazer educação à saúde, ou, ainda nos, papéis de mãe substituta ou técnica, mas no seu papel de terapêutico(3). O papel terapêutico foi identificado por Peplau (2) como o âmago da Enfermagem Psiquiátrica. O enfermeiro deveria desenvolver habilidades para se relacionar com os pacientes de modo a compreender o significado de seus comportamentos e, assim, poder ajudá-los(4). Todos estes aspectos influenciaram na minha decisão em realizar esta pesquisa, pois durante a Graduação em Enfermagem, nos estágios de saúde mental e psiquiatria me chamou muita atenção as necessidades que os pacientes tinham por falta de atividades durante o dia todo, o que dificulta a melhora do paciente com transtorno mental. É por isso que decidi questionar a respeito do papel do enfermeiro nos hospitais psiquiátricos, para ter noções das dificuldades que este profissional tem na instituição para realizar as atividades terapêuticas com os pacientes. Frente ao exposto, o objetivo deste estudo é conhecer a atuação do enfermeiro como agente terapêutico na Assistência Hospitalar Psiquiátrica e identificar quais as facilidades e dificuldades encontradas por estes enfermeiros para desenvolver atividades terapêuticas. Para melhor entendermos, sentimos a necessidade de Rev Enferm UNISA 2005; 6: 23-31. 23 apresentar um breve panorama sobre o contexto atual da assistência e do surgimento do papel da enfermeira psiquiátrica. Contexto atual da assistência Para melhor entendermos as mudanças que vem ocorrendo no cenário da assistência em Saúde Mental, discorreremos brevemente sobre o contexto atual em que ocorre a reforma psiquiátrica. A reforma psiquiátrica é um processo em construção no Brasil e não ocorre de forma consensual ou homogênea, está relacionada às condições econômicas, históricas, políticas e culturais que caracterizam as diferentes regiões do país e determinam práticas singulares. A reforma entendida como um movimento social, é articulada a um conjunto de iniciativas operadas nos campos legislativos, jurídicos, administrativos e culturais que visam transformar a relação entre sociedade e loucura(5). Nos anos setenta, no Brasil, teve um movimento de críticas às políticas oficiais de saúde no campo psiquiátrico. Este movimento surgiu em decorrência das críticas e denúncias dos trabalhadores de saúde mental, sobre a violência e o abandono, na qual os pacientes estavam sujeitos(6). No Brasil, as condições dos macros hospitais psiquiátricos estatais, nos anos setenta, eram grandes depósitos, eram lugares fechados e distantes, com aspecto muito sujo, engordurado, escuro, povoado de objetos velhos e apresentavam um cheiro característico de mistura de graxa rançosa com odores corporais, em decorrência da ausência de ventilação(7). Foi neste ano, na qual teve uma mudança no tratamento dos doentes mentais, estava surgindo então as comunidades terapêuticas, que substitui as enfermarias e os hospitais psiquiátricos convencionais. Na década de oitenta, no Brasil, foram criados alguns Centros de Atenção, que acreditavam que o tratamento deve ser feito com as portas abertas e com a aceitação e aderência do paciente, já que este não é tido como incapaz ou improdutivo. É alguém que pode trabalhar, exercer sua cidadania, fazer escolhas. É uma pessoa e não um objeto de estudo. A Reforma Psiquiátrica Brasileira avançou longos passos no ano de 2001, com a promulgação da lei do Deputado Paulo Delgado. A Lei nº 3.657/89 do deputado federal Paulo Delgado foi aprovada e sancionada pelo Presidente da República, no dia seis de abril de 2001. Esta lei dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, com a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais e regulamenta a internação psiquiátrica compulsória(8), ou seja, não propõe a destruição dos hospitais psiquiátricos já existentes, apenas estabelece que novos hospitais psiquiátricos não sejam construídos e que o setor público não contrate ou financie novos leitos em hospitais psiquiátricos(9). Contudo, podemos observar que atualmente há no Brasil um esforço em direção à implantação de uma política 24 Rev Enferm UNISA 2005; 6: 23-31. de saúde mental que, de fato, promova mudanças no uso e na gestão de recursos dos territórios, afirmando coletivamente que a responsabilidade pelo cuidado adequado e de acordo com a reforma psiquiátrica é uma prática de vários agentes, instituições, sistemas de saúde e sociedade(9). Surgimento do papel da enfermeira psiquiátrica O surgimento do papel da enfermeira psiquiátrica foi no início da década de 50. A primeira escola a preparar enfermeiros para cuidar de doentes mentais surgiu no McLean Hospital, em Waverly, Massachusetts, em 1882. As enfermeiras cuidavam das necessidades físicas dos pacientes, como medicação, nutrição, higiene e atividades da ala. Até o final do século XIX, pouco mudou o papel das enfermeiras psiquiátricas(10). Um importante fator no desenvolvimento da enfermagem psiquiátrica foi o surgimento de várias terapias somáticas, tais como: terapia do choque insulínico (1935), psicocirurgia (1936) e a terapia eletroconvulsiva (1937). Essas técnicas exigiam que as enfermeiras tivessem habilidades médicocirúrgicas. À medida que se envolviam mais com as terapias somáticas, as enfermeiras iniciavam seus esforços para a definição de seu papel como enfermeiras psiquiátricas(10). Peplau em 1952, publicou o livro Interpersonal Relations in Nursing, no qual descreveu as habilidades psiquiátricas. Foi o primeiro marco teórico sistemático criado para a enfermagem como um “processo terapêutico importante” (11) . À medida que estudava o processo da enfermagem, ela via o surgimento de vários papéis para as enfermeiras: como uma pessoa a quem recorrer, como professora, como líder em situações locais, nacionais e internacionais, como substituta dos pais e como conselheira(10). Também outra autora(12) definiu os papéis da enfermeira nas instituições enfermeira-cliente: 1) criadora de um ambiente terapêutico; 2) agente socializadora; 3) conselheira; 4) professora; 5) substituta dos pais; 6) técnica e 7) terapeuta. Ela diz que: a) a enfermeira como criadora de um ambiente terapêutico, deve desenvolver uma atmosfera receptiva de aceitação. A equipe de enfermagem deve ser honesta, sincera, amigável e para se ter um clima terapêutico, deve favorecer um sentimento de segurança, essencial para um paciente temeroso, cheio de ansiedade e inseguro. b) a enfermeira como agente socializador, a enfermeira ajuda o paciente a participar das atividades em grupo. No papel de agente socializador, a enfermeira pode oferecer oportunidades para que os clientes atinjam um sucesso maior nas situações sociais, auxiliando a desenvolver sentimentos de segurança quando em presença de outras pessoas. c) a enfermeira como conselheira, ela deve saber escutar o paciente. Demonstrando interesse. O papel da enfermeira é o de ajudar o paciente a lidar com os problemas da realidade que tratem do aqui e agora. Os clientes seguidamente discutem com a enfermeira problemas que dizem respeito a outras áreas de especial interesse e, nessas situações, seu papel como conselheira é mais usualmente proveitoso. d) a enfermeira como professora, ela ensina o paciente a lidar com questões do dia-a-dia, por exemplo, um jogo que não sabe jogar, a enfermeira o ensina. e) a enfermeira como substituta dos pais, em algum caso o paciente não consegue estar realizando uma determinada atividade, a enfermeira então ajuda e incentiva o paciente a estar realizando, e após ele ter conseguido, ele faz por si só. f) o papel de técnica em enfermagem, esta relacionada com a administração dos medicamentos, sinais vitais, observação, registro do comportamento do paciente e exame físico, e a enfermeira realizando esses procedimentos, segundo a autora, proporcionam uma oportunidade para a melhora do relacionamento terapêutico com o cliente. g) a enfermeira como terapeuta, a enfermeira nesta atividade melhora sua interação com o paciente, além de aumentar seus conhecimentos e habilidades. Nos anos sessenta, o foco da enfermagem psiquiátrica começou a mudar para a prevenção primária e a implementação de cuidados, bem como consultas na comunidade. Uma modificação no nome da disciplina, de enfermagem psiquiátrica para enfermagem psiquiátrica e da saúde mental. Esse enfoque foi estimulado pela Lei dos Centros Comunitários de Saúde Mental, de 1963, que ofereceu verbas federais para que os estados planejassem, construíssem e equipassem com pessoal os centros comunitários de saúde mental(10). Durante os anos setenta, a especialidade foi se avançando cada vez mais. As enfermeiras psiquiátricas tornaram-se vanguarda na prática da enfermagem especializada. Elas foram as primeiras a: desenvolver critérios e declarações sobre o âmbito da prática e instituir certificados de enfermagem geral e enfermagem especializada. O ensino da enfermagem reorganizou seu currículo e começou a integrar o conteúdo de enfermagem psiquiátrica nos cursos não psiquiátricos. Essa mescla de conteúdo ficou evidente na segunda mudança de nome da disciplina, durante a década de setenta, de enfermagem psiquiátrica e da saúde mental para enfermagem psicossocial(10). A prática atual da enfermagem psiquiátrica se divide em três domínios: cuidados diretos, comunicação e manejo. Dentro desses domínios sobrepostos da prática, são expressas as funções de ensino, de coordenação, de delegação e de colaboração. A autora (10) ainda diz que os domínios de manejo e de comunicação são ignorados quando se fala do papel do enfermeiro psiquiátrico, e essas atividades consomem muito tempo do enfermeiro. Além disso, diz que é possível delinear as atividades nas quais o enfermeiro psiquiátrico se engaja dentro de cada um desses três domínios e lista uma serie de atividades que o enfermeiro poderia exercer em cada área e que nem sempre participam de todas as atividades. Portanto a enfermagem psiquiátrica é um processo interpessoal, capaz de promover e manter um comportamento no indivíduo, família, grupo, organização ou numa comunidade, contribuindo para uma assistência holística e biopsicossocial(10). METODOLOGIA Esta é uma pesquisa qualitativa caracterizada como “modos de inquisição sistemática preocupada com a compreensão dos seres humanos e da natureza de suas transações consigo mesmos e com seus arredores”. A pesquisa qualitativa costuma ser descrita como holística (preocupada com os indivíduos e seu ambiente, em todas as suas complexidades) e naturalista (sem qualquer limitação ou controle impostos ao pesquisador). Este tipo de pesquisa baseia-se na premissa de que os conhecimentos sobre os indivíduos só são possíveis com a descrição da experiência humana, tal como ela é vivida e tal como ela é definida por seus próprios(13). As pesquisas descritivas são estudos que possuem como principal objetivo o retrato preciso das características de indivíduos, situações ou grupos, e da freqüência com que ocorrem determinados fenômenos. Descrição de fenômenos relativos à profissão. O pesquisador que realiza uma investigação descritiva observa, descreve e classifica (13). A pesquisa exploratória começa com algum fenômeno de interesse, no entanto, mais do que simplesmente observar e descrever o fenômeno, a pesquisa exploratória investiga a sua natureza complexa e os outros fatores com os quais ele está relacionado(13). A coleta de dados foi realizada no mês de Abril de 2005, em uma instituição psiquiátrica pública, na zona sul em São Paulo. A escolha dessa instituição se deu porque foi onde foi possível a observação da atuação da equipe de enfermagem durante os estágios da Graduação em Enfermagem, despertando o interesse. A população desta pesquisa foram os enfermeiros que estivessem atuando na instituição no período de coleta de dados. A escolha deste profissional se deu pela questão da formação recebida para atuar nesta área, é este profissional responsável pela equipe de enfermagem em orientar e reciclar sua equipe por educação continuada. Havia 17 enfermeiros que atuam na instituição, dos quais foram possíveis colher os dados de nove enfermeiros, não sendo possível colher os dados de oito enfermeiros, porque um enfermeiro estava de licença medica, três não quiseram responder o questionário, segundo a coordenadora do hospital e quatro enfermeiros são do plantão do noturno, também não sendo possível colher os dados destes enfermeiros, pela falta de disponibilidade de horário. O projeto foi enviado para o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de Santo Amaro e para o comitê análogo do hospital psiquiátrico. Após, foi feito contato com os enfermeiros da instituição, para que respondessem as perguntas do questionário, de acordo com a disponibilidade de cada um. Foi elaborado e apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, para apreciação, conforme resolução 196/CNS(14). O método de coleta de dados foi o método de autorelato semi-estruturado, que foi realizado através do questionário, com duas perguntas abertas e uma fechada. Para coletar os dados foram feitas quatro visitas na instituição, sendo a primeira visita para agendarmos o dia em que eu iria entregar o questionário aos enfermeiros. A segunda visita foi possível colher os dados de quatro Rev Enferm UNISA 2005; 6: 23-31. 25 enfermeiros, sendo que para todos os enfermeiros foram entregues um questionário e duas cópias dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo que uma cópia permaneceu com o enfermeiro pesquisado e a outra com a pesquisadora. Os enfermeiros estavam cientes de que sua identidade e a instituição seriam mantidas em sigilo, tinham a liberdade de participação e conheciam os objetivos da pesquisa. A terceira visita foi possível coletar os dados de mais quatro enfermeiros e deixando então os questionários em mãos da coordenadora para que ela entregasse para o restante dos enfermeiros. A quarta visita na instituição foi para recolher os questionários e recebi apenas um questionário respondido, pois segundo a coordenadora, três enfermeiros não quiseram responder o questionário. Totalizando, portanto, nove questionários respondidos pelos enfermeiros. A análise utilizada foi à análise de conteúdo, que faz parte desta análise as iniciativas que, a partir de um conjunto de técnicas (parciais, mas complementares), objetivam na explicação e sistematização do conteúdo das mensagens, tendo por finalidade efetuar deduções lógicas e justificadas, referentes à origem das mensagens tomadas em consideração. Tem como características a homogeneidade, pertinência, objetividade, finalidade, fidelidade e a produtividade dos dados(15). E para melhor visualização alguns dados foram apresentados em quadros. RESULTADO E DISCUSSÃO Caracterização da instituição A instituição é pública e foi criada em 1955 e já atendeu 70 mil pacientes até 2004 e está localizada na zona Sul de São Paulo. Recebe somente pessoas do sexo masculino, maiores de 18 anos. A faixa etária média é de 40 anos e a patologia mais comum é a esquizofrenia, seguida de dependências químicas mista – álcool em combinação com outras drogas. A instituição atende a pacientes em 4 grandes programas: atenção ao psicótico, atenção a dependentes químicos, Hospital – Dia (H.D.) e lares abrigados. O complexo fica numa área verde de 33 mil metros quadrados. O critério para internação é pelo Sistema Único de Saúde (SUS). As vagas são fornecidas todas as manhãs para a central de vagas, hoje sob a coordenação da prefeitura municipal de São Paulo, Secretaria da Saúde de São Paulo. A instituição tem no total de 114 leitos, sendo distribuídos em: núcleo de comorbidade com 27 leitos, núcleo de agudos com 24 leitos, núcleo de reagustizado com 28 leitos e o núcleo de moradia protegida com 35 leitos, mas 30 leitos apenas no H.D. Os objetivos desta instituição são: prestar assistência préhospitalar a saúde mental em regime de internação integral, em H.D. e em ambulatório, assim como oferecer recursos de lares abrigados e residências terapêuticas; integrar-se ao SUS como parte do sistema de referência e contra referência; instrumento de referência secundaria, prioritariamente as regiões Sul e Sudeste da capital e de modo geral ao município 26 Rev Enferm UNISA 2005; 6: 23-31. de São Paulo; prover a qualidade da assistência médica, aperfeiçoando e desenvolvendo recursos humanos na área da saúde mental(16). Oferece os serviços do Núcleo de Atenção Continuada, que consiste na internação integral e acompanhamento, depois da alta, para psicóticos agudos. A nova proposta terapêutica faz parte do projeto do governo estadual em 2003 e torna o tratamento mais eficiente. Diminui o tempo de internação e acelera o processo de recuperação depois de crises agudas. O paciente dorme na própria casa e vai todo o dia para o hospital, sozinho ou acompanhado por familiares, de acordo com sua capacidade e a evolução do seu quadro(16). Reforça a auto-estima, ele se sente seguro para avançar no tratamento e fazer atividades triviais, como tomar um ônibus sozinho, trocar de roupa sem a ajuda de alguém, ou mesmo fazer a sua higiene. E continua recebendo, em local próximo da sua residência, a medicação e o atendimento psiquiátrico(16). A nova reforma e ampliação da instituição, ocorreu no dia 13 de dezembro de 2004. A reforma contemplou a enfermaria central, o setor de marcação de consultas e a central de esterilização. Redes hidráulicas e elétricas, pisos e telhado foram substituídos. A unidade estadual recebe mil internações por ano e dispõe de 225 profissionais da saúde. Do quadro profissional participam 12 assistentes sociais, 2 cirurgiões dentista, 1 educador de Saúde Pública, 17 enfermeiros, 2 farmacêuticos, 37 médicos, 1 nutricionista, 15 psicólogos, 1 técnico de reabilitação físico, 5 terapeutas ocupacionais, entre outros(16). Com a reforma a instituição oferece 145 vagas. São 80 leitos para pacientes agudos, 35 vagas nos chamados lares abrigados (para doentes crônicos que perderam a referência familiar e sociais) e outras 30 no serviço conhecido com o H.D., que é uma semi - internação, de segunda a sextasfeiras, o usuário chega por volta das 8 horas e permanece até as 17 horas(16). Nessa modalidade, ele passa por consulta médica individual, participa de grupos terapêuticos duas vezes por semana e de atividades de ressocialização. São oferecidas orientações para a família e práticas internas e externas que estimulam o convívio coletivo, como oficinas artísticas – culturais e visitas a museu, cinemas e parques. Existem 10 oficinas terapêuticas, que incluem reciclagem de papel, corte e costura, culinária, restauro de móveis, confecção de bijuterias, lavagem de carros, entre outras. São ministradas por psicólogos, terapeutas ocupacionais e profissionais de diversas especialidades(16). Prosseguiremos com a análise dos dados referentes à aplicação do questionário, que foram respondidos pelos enfermeiros. Resultados do questionário para os enfermeiros Em resposta a primeira questão: Para você, como deve ser o papel/atuação do enfermeiro como agente terapêutico? Encontramos os seguintes resultados, nos relatos abaixo: “Atuação direta com atendimento direcionado, individual e em grupo. Trazer o paciente o mais próximo da realidade”. “Orientar, acompanhar quando possível nas atividades terapêuticas, incentivando os pacientes, impondo limites quando necessário e participando lado a lado”. “Estabelecendo vínculo terapêutico junto ao paciente, abordando questões referente à doença, tratamento, recaída, de alguma forma promovendo conscientização sobre si mesmo e resgatando dentro do possível sua auto-imagem e auto-estima”. “...sempre buscando “ver” o paciente como um todo, e assim atender suas necessidades básicas. Orientação a pacientes/ familiares, é um dos pontos altos do enfermeiro em saúde mental”. “Não só o enfermeiro, mas integrar toda equipe, transcendendo o conhecimento específico de enfermagem como medicação, curativo e orientação de saúde (ao paciente)...” Como podemos observar, estes enfermeiros relataram que o papel/atuação do enfermeiro está relacionado em ações de cuidado direto. Estes enfermeiros não citaram desenvolver quaisquer ações administrativas na instituição nestas respostas. Stuart(10), quando diz a respeito dos domínios da prática da Enfermagem Psiquiátrica, como já foi dito no quadro 1 anteriormente, ela não diz apenas que as atividades dos enfermeiros devem ser somente nos cuidados diretos e nas atividades de comunicação, ela diz também que o enfermeiro têm as atividades de gerenciamento, para estar desenvolvendo. Alguns autores reforçam a importância da função administrativa do enfermeiro a ser realizada de forma planejada, organizada, sistematizada(17-19). As ações de cunho administrativo são necessárias para a prestação da assistência ao paciente(20). Concordamos com os autores, porém, destacamos que as atividades administrativas não podem tomar todo tempo, o enfermeiro deve ter o discernimento para eleger as prioridades diariamente, dividindo seu tempo entre assistência e atividade administrativa. Outro relato ainda em resposta a primeira questão, sobre o papel/atuação do enfermeiro: “O papel do enfermeiro na atividade terapêutica é de grande valor... o incentivo e a participação fazem grande diferença para o paciente..., um fator de estímulo muito positivo”. Este relato se contrapõe com a resposta dada na questão dois, que será analisada logo a seguir, porque a enfermeira no seu relato diz que por falta de enfermeiros, ela precisa atuar nas questões administrativas, mesmo ela dizendo do grande valor que o enfermeiro têm em seu papel nas atividades terapêuticas e na participação que traz uma grande diferença para o paciente, dá a entender que mesmo sabendo desta importância, não as desenvolve, e que são efetuadas apenas as questões administrativas. Como as atividades administrativas ocupam a atenção e a maior parte da jornada de trabalho dos enfermeiros, eles delegam aos auxiliares as ações de cuidados direto ao paciente, sem especificação do nível de complexidade (1). O enfermeiro ao ocupar-se de tudo, afasta-se das atividades mais importantes, aquelas que estão relacionadas ao cuidado direto do paciente (21). Valorizando a capacitação da equipe de enfermagem em Saúde Mental, um estudo aponta para a importância da educação continuada envolvendo toda a equipe de modo a amenizar a deficiência quantitativa de pessoal tão freqüente nas instituições (22). Para melhor visualização em resposta a segunda questão: Quais as facilidades e dificuldades que você como enfermeiro têm para realizar as atividades terapêuticas? Descreveremos os relatos desta questão no Quadro 1. Conforme descrito, os enfermeiros têm suas facilidades e dificuldades para a realização das atividades terapêuticas. Mesmo com o local disponível para ser feito as atividades, possuindo materiais, tendo uma boa equipe de enfermagem e os pacientes com tempo disponível, mesmo assim, existem as dificuldades, segundo os enfermeiros entrevistados desta unidade. Conforme no relato abaixo, os motivos das suas dificuldades são: Quanto ao número reduzido de enfermeiros e diminuição do tempo para a realização das atividades. “..., que desloca o profissional para atividades burocráticas, de organização e liderança da equipe, distanciando, portanto, o enfermeiro de atividades terapêuticas”. “...número reduzido de enfermeiros, e os que atuam precisam cuidar das questões administrativas”. “...poderia melhorar com a contratação de mais profissionais...” “...em função das atividades administrativas, não há tempo disponível...” Podemos avaliar que dos nove enfermeiros entrevistados, quatros responderam que ficam presos na parte administrativa, por falta de enfermeiros não podendo realizar as atividades com os pacientes e apenas um enfermeiro disse que deveriam contratar mais profissionais, sem relatar que fica apenas na parte administrativa, mas não mantém um relacionamento terapêutico com o paciente. Se o enfermeiro está executando apenas funções administrativas, espera-se que o enfermeiro, mesmo distante do cuidado direto, poderia realizar um trabalho administrativo visando a transformar o cuidado de enfermagem(23). Em relação à última questão: Quais das atividades na instituição realiza e com que freqüência? Para melhor compreensão, os dados serão distribuídos nos Quadros 2 e 3. Rev Enferm UNISA 2005; 6: 23-31. 27 Atividades de cuidados diretos Atividades de Comunicação Terapia ocupacional Conferências sobre casos clínicos Defesa do paciente Desenvolvimento de planos de tratamento Seguimento após o atendimento Documentação dos cuidados dispensados Consultoria e gerenciamento de caso Ligação entre diferentes órgãos Avaliação e educação da comunidade Revisão por colegas Aconselhamento sobre a adesão ao tratamento Transcrição de prescrições Intervenção de crise Preparos de relatórios Planejamento da alta Trabalho em rede com outros profissionais Mudança e segurança ambiental Reuniões de equipe e da unidade Intervenções familiares Relatórios verbais sobre cuidados dispensados Trabalho em grupo Ensino de noções de higiene Atividades de Gerenciamento Avaliação de alto risco Confecção de orçamento e alocação de recursos Intervenções holísticas Supervisão clínica Visitas domiciliares Colaboração Aconselhamento individual Participação de comitês Obtenção do consentimento informado Ação na comunidade Triagem e avaliação para admissão do paciente Consultoria/ligação Administração e controle de medicamentos Negociação de contratos Promoção e prevenção da saúde mental Coordenação de serviços Ambientoterapia Delegação de tarefas Aconselhamento nutricional Solicitação de verbas Educação dos pais Publicidade e relações públicas Triagem de pacientes Mediação e resolução de conflitos Avaliação física Trabalho como instrutor Tratamentos fisiológicos Avaliação e previsão de necessidades Ludoterapia Liderança organizacional Prescrição de medicamentos Manejo dos resultados Oferta de segurança ambiental Determinação de desempenho Psicoeducação Liderança na unidade Aconselhamento de reabilitação Planejamento estratégico e de programas Prevenção de recaída Publicações Atividades de autocuidados Educação da equipe e dos alunos Tratamentos somáticos Manejo do risco Manejo do estresse Atividades de melhoria da qualidade Tratamentos comportamentais e cognitivos Atividades de recrutamento e de retenção Treinamento das habilidades sociais Organização dos horários de trabalho Quadro 1. Domínio da Prática de Enfermagem Psiquiátrica, segundo Stuart(10). Como podemos observar, a atividade mais citada pelos enfermeiros foi música/dança (cinco vezes). A musicoterapia foi organizada cientificamente como especialização, ocupando o estudo e a investigação do 28 Rev Enferm UNISA 2005; 6: 23-31. complexo Som-Ser-Humano, passou a ser denominada Musicoterapia(24). Como descrito nos relatos dos enfermeiros, eles participam nestes momentos com os outros profissionais, Facilidades Área livre dentro do pavilhão e material informativo; Pacientes têm tempo disponível para as atividades; Dificuldades Número reduzido de enfermeiros; Atuação em todas as atividades com interrupções; Boa equipe; A freqüência em que ocorre o trabalho do enfermeiro, estabelecendo um vínculo com o paciente Pacientes que se recusam a fazer as atividades; Alguns pacientes vão nas atividades fora do horário; O próprio paciente trás dificuldades em função da sua desorganização; Têm recursos materiais disponíveis para estar realizando as Falta de compreensão e participação da equipe de atividades terapêuticas. enfermagem Enfermeiros têm um conhecimento científico e técnico; Quadro 2. Relato das respostas dos enfermeiros, segundo as facilidades e dificuldades para realizar as atividades terapêuticas, São Paulo, 2005. Atividades Enfermeiros Atividades físicas 1 Atividades na horta 1 Culinária 1 Modelagem 1 Teatro para a melhora destes pacientes. Atividades artesanais A musicoterapia, que em sua gênese trabalha o som, Jogos de mesa ritmo e o movimento de uma forma muito dinâmica, possui um grande potencial para promover o equilíbrio e Desenho/ pintura relaxamento do corpo e da mente. Tem como finalidade Música/dança 1 disputar no ser humano da infância a geriatria, a consciência 2 de potencialidades, atenção, reflexos, habilidades, 3 estabelecendo ou restabelecendo a capacidade de expressão, descobrindo e experimentando o equilíbrio entre o corpo e 4 a mente, portanto, ajudando o ser na sua totalidade(24). 5 Trabalhos em gesso - Outros 3 Rev Enferm UNISA 2005; 6: 23-31. Quadro 3. Distribuição das respostas dos enfermeiros entrevistados, segundo as atividades realizadas na instituição, São Paulo, 2005. 29 O segundo mais citado foi à atividade de desenho/ pintura (quatro vezes). O paciente tendo ou não treinamento em arte, possui capacidade latente para projetar conflitos internos sob forma visual. Não é o valor estético da expressão artística que importa e sim o quanto expressão é capaz de evocar as vivências do indivíduo para que ele as integre em sua personalidade(25). Atividades artesanais foi citada apenas duas vezes e as demais atividades, foram citadas apenas uma vez. Já a atividade com trabalho em gesso, podemos observar que não foi citada nenhuma vez, no questionário para os enfermeiros. Em outros, podemos citar, segundo os relatos dos enfermeiros, as seguintes atividades: grupo operacional; voley; passeios a museus, exposições; supermercados (atividades da vida cotidiana); atendimento de núcleo família; atendimento individual do paciente e participação em grupo. Analisando o Quadro 4, podemos observar que na atividade de música/dança, aparece na freqüência que quatro enfermeiros, realizam essas atividades uma vez por semana. Neste caso fica a desejar se realmente existe esta atividade de música/dança mais que três vezes por semana conforme descrito por um enfermeiro, já que todos os outros enfermeiros que responderam realizar esta atividade, disseram fazer apenas uma vez por semana. A atividade de gesso, não é realizada nenhuma vez na semana. Apenas três enfermeiros não responderam a questão três, colocando uma observação, dizendo que não realizam essas atividades, porque estão na parte administrativa, não tendo um contato direto com o paciente. E um enfermeiro mesmo dizendo na questão dois que não têm tempo disponível para realizar as atividades por ficar na administração, ela respondeu a questão três, que realiza uma vez por semana a atividade de música/dança. Com este quadro, pode concluir que são poucas as atividades realizadas com os pacientes desta instituição. Como afirmamos anteriormente Stuart(10) e Taylor(12) têm definido o papel do enfermeiro como sendo o de estabelecer a relação terapêutica com o paciente, o que não fica tão evidenciado nas respostas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este estudo foi possível conhecer a atuação dos enfermeiros entrevistados, quais as facilidades e dificuldades encontradas por estes enfermeiros para desenvolver atividades terapêuticas e o estudo nos permitiu ainda saber quais são as atividades que realizam e com que freqüência semanal ocorre estas atividades. Pode-se observar, que o principal obstáculo encontrado nos relatos dos enfermeiros entrevistados, foi à falta de enfermeiros na Instituição Psiquiátrica, e com isso estes enfermeiros dão uma atenção maior as questões administrativas. Como as atividades administrativas ocupam maior tempo na jornada de trabalho dos enfermeiros, eles acabam não mantendo um relacionamento direto com esses 30 Rev Enferm UNISA 2005; 6: 23-31. pacientes. A pesquisa evidenciou que das atividades propostas pelos enfermeiros e a freqüência semanal em que ocorrem estas atividades, percebeu-se que na Instituição são realizadas poucas atividades, e com isso os pacientes ficam com a maior parte do tempo sem realizar quaisquer atividades durante o dia, o que dificulta a sua melhora. Portanto, pelas características deste estudo não se pode generalizar os achados, mas acredito que só esses enfermeiros podem decidir sobre os seus papéis e atuações, já que o papel do enfermeiro é o de estabelecer a relação terapêutica com os pacientes, mas sabendo separar seu tempo para questões administrativas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Tavares CMM. Prática criativa da enfermagem psiquiátrica: fatores intervenientes no seu desenvolvimento. Escola Anna Nery Rev Enferm 2002; 6 (1):107-17. 2. Peplau HE. Interpersonal tecniques: the crux of psychiatric nursing. Am J Nurs 1962; 62 (6): 50-4. 3. Filizola CLA. O papel do enfermeiro psiquiatra – oprimido e opressor. 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