Doente hipertensa com múltiplos factores de risco Caso Clinico O controlo dos doentes hipertensos com múltiplos factores de risco cardiovasculares associados a outros problemas de saúde e polimedicação representam um grande desafio para o Médico de Família. Com o objectivo de conhecer um exemplo desta realidade, apresenta-se este caso clínico de uma senhora de 64 anos, natural e residente em Coimbra, doméstica. Sem hábitos alcoólicos nem tabágicos. Com antecedentes pessoais de asma e antecedentes familiares de hipertensão arterial, insuficiência cardíaca e dislipidémia no pai, e diabetes mellitus na mãe. O primeiro registo de tensão arterial no seu processo data de 1995 e o valor encontrado foi 220/115 mmHg. Nesta data Foi medicada com a associação de enalapril e hidroclorotiazida. Em 2002 foi internada no Serviço de Cardiologia (Hospitais da Universidade de Coimbra) para estudo de possível causa secundária da sua hipertensão arterial dadas as dificuldades no seu controlo. No estudo realizado não foram identificadas causas secundárias de HTA tendo-se inclusivamente colocado a suspeita de hipertensão de bata branca. O ecocardiograma realizado no internamento revelou dilatação da aurícula esquerda e aorta ascendente e enchimento anómalo do ventrículo esquerdo. Em 2003, em consulta de Cardiologia, é acrescentado diltiazem à medicação inicial e é substituído enalapril por lisinopril. Um ano mais tarde, mantendo tensão arterial descontrolada, repete ecocardiograma que revelou sinais de insuficiência mitral e aórtica ligeiras e faz ainda radiografia do tórax que revelou ligeiro aumento da silhueta cardíaca e sinais de ateromatose da crossa da aorta. O estudo analítico também efectuado mostrou alterações da ficha lipídica, estabelecendo-se nesta altura o diagnóstico de dislipidémia (com colesterol total de 240 mg/dL, colesterol LDL 162 mg/dL). Em 2006 com a tensão arterial continuamente descontrolada introduz-se Nebivolol na medicação da doente. Quando chega à primeira consulta com a actual Médica de Família, em Julho de 2007, temos uma doente obesa, com história de hipertensão arterial essencial com 12 anos de evolução e dislipidémia, entre outra patologia crónica associada (Quadro I). Joana Alves Internato Complementar de MGF Conceição Maia Assistente Graduado em MGF USF BRIOSA – Coimbra Quadro I Lista de Problemas (Julho 2007) Asma Hipertensão Arterial (1995) Refluxo Gastroesofágico (2004) Hérnia do Hiato (2004) Dislipidémia (2004) Osteoporose (2006) Síndrome do Cólon Irritável (2006) Diverticulose Intestinal (2006) Depressão (2007) Obesidade (2007) 72 Recebido para publicação: Novembro de 2010 Aceite para publicação: Novembro de 2010 Revista Factores de Risco, Nº21 ABR-JUN 2011 Pág. 72-74 Referia nesta altura queixas de astenia e sensação de taquicardia para esforços moderados pelo que foram pedidos novo ecocardiograma e holter. O primeiro acrescentou aos anteriores a existência de hipertrofia ventricular esquerda. O holter mostrou extrassistolia supraventricular pouco frequente. Em Junho de 2008 é detectada microalbuminúria (101mg/24h) pela primeira vez e, na sequência disto e com ecografia renal a revelar apenas um pequeno quisto cortical simples, é alterada a medicação. Assim, introduz-se telmisartan para substituir o lisinopril, mantém-se a hidroclorotiazida, e introduzem-se também a amlodipina e rosuvastatina (mantendo-se valores de colesterol total de 264 mg/dL e de colesterol LDL de 191 mg/dL). A tensão arterial desta doente aparece controlada, pela primeira vez em 13 anos, na consulta de Outubro do mesmo ano onde, através de estudo analítico pedido nesta altura se pode constatar também a melhoria paralela dos valores de microalbuminúria e do perfil lipídico. No entanto, em Janeiro deste ano surge um dado novo. Devido a alteração dos valores de glicemia em jejum é pedida PTGO que vem demonstrar a existência de uma anomalia da glicemia em jejum. Os gráficos que se seguem pretendem ilustrar a evolução dos valores de tensão arterial, colesterol total e LDL e microalbuminúria nesta doente. Figura 1 Evolução dos valores de tensão arterial sistólica e diastólica Figura 2 Evolução dos valores de colesterol e colesterol LDL 73 Caso Clinico - Doente hipertensa com múltiplos factores de risco Figura 3 Evolução dos valores de microalbuminúria Em resumo… O Médico de Família depara-se neste momento com uma senhora de 64 anos com elevado risco cardiovascular (de acordo com a ESH/ESC. J Hypertens 2007), não só pelos factores de risco que apresenta – hipertensão arterial (de difícil controlo), dislipidémia e obesidade – e que a enquadram na definição de Síndrome Metabólico. Mas também porque já se encontraram sinais de dano subclínico de órgãos traduzidas através dos valores de microalbuminúria e pela presença de hipertrofia ventricular esquerda. A par dos múltiplos problemas e da necessária intervenção terapêutica, de acordo com a EBM1, o Médico de Família tem ainda que estar atento às farmacológicas auxiliares), são as melhores armas que o Médico de Família possui para o controlo destes doentes no sentido da prevenção de eventos cardiovasculares potencialmente fatais. Assim a continuidade, a globalidade e a acessibilidade são dimensões da prestação de cuidados ao nível dos Cuidados de Saúde Primários que têm, no Médico de Família, o seu principal promotor. Joana Alves Conceição Maia interacções medicamentosas e ao maior risco de iatrogenia nestes doentes. Assim, é uma doente que exige uma vigilância atenta (que é feita com uma periodicidade mínima de 6 meses na nossa consulta) e que inclui a avaliação de peso, perímetro da cintura e tensão arterial com o mesmo intervalo. Estão ainda previstos a realização de ficha lipídica, função renal, microalbuminúria, glicémia em jejum e ecg, anualmente. Durante as consultas é importante reforçar a adesão do doente, muitas vezes através de processos de capacitação e responsabilização do doente no sucesso terapêutico. A vigilância atenta e a intervenção precoce nos factores de risco (através não só da terapêutica farmacológica mas também do reforço constante das medidas não 1 EBM – Evidence Based Medicine (Medicina Baseada na Evidência) 74