Artigo Acadêmico

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ESTABILIDADE FINANCEIRA E RESPOSTA
MULTILATERAL NA CRISE DO EURO
Henrique Felix de Souza Machado
Ítria Aguiar Tonon
Teresa de Angelis de Sousa Cavalcanti1
Money, as a physical medium of exchange, made
a diversified civilization possible, […] And yet
it is money, in its mechanical more than in its
spiritual effects, which may well, having brought
us to the present level, actually destroy society.2
Sir Josiah Stamp, apud Fisher (1932, p. vi)
1. INTRODUÇÃO
Após um período de bonança na primeira metade dos anos 2000,
o mundo experimentou um grande abalo que passou a figurar no
centro das atenções de políticos, estudiosos e formadores de opinião: a crise financeira de 2007-08 e a consequente recessão global.
Portugal (2012) afirma que a recuperação da economia mundial
ainda vacila, em meio a dúvidas a respeito do próximo modelo de
crescimento a ser adotado. Segundo Lane (2012), uma das maiores fontes de preocupação acerca da retomada do crescimento é a
atual crise da zona do euro, região econômica do bloco europeu
formada oficialmente em 1999 e detentora de aproximadamente
18% de toda a produção material de riqueza do globo (FMI, 2011).
Na procura por variadas formas de lidar com o urgente e
complexo problema, o FMI foi chamado a ajudar, desempenhando um papel de importância bem mais expressiva que o realizado
nas últimas crises econômicas. Inédita, essa guinada na sua atuação está despertando novos horizontes de atuação multilateral
em situações de crise econômica (GRABEL, 2011). No presente
artigo, pretende-se estudar como a crise chegou a acontecer na
1
Os autores agradecem a colaboração de José Roberto Novaes de Almeida, Ph. D. e M.
Phil. em economia pela George Washington University, Washington, D.C. e professor
do departamento de economia da UnB; e à Maria de Lourdes Rollemberg Mollo, doutora em economia pela Université de Paris X (Paris-Nanterre), França e professora do
departamento de economia da UnB. Seus comentários foram essenciais tanto para a
compreensão do tema deste artigo, quanto para a sua confecção.
2
Tradução livre: “O dinheiro, como meio físico de troca, fez possível uma civilização
diversificada, [...] Mas ainda assim é o dinheiro, em seus efeitos mais mecânicos que espirituais, que bem pode, tendo nos trazido ao nível atual, de fato destruir a sociedade”.
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zona do euro, quais medidas já foram tomadas para atacá-la e
quais outras soluções estão sendo debatidas tanto no âmbito europeu quanto no do FMI para dar uma resposta ao impasse.
A seção 2 revisará os conceitos mais importantes para a
compreensão básica do tema, nas áreas de macroeconomia (especialmente, economia monetária) e de história da integração
europeia. A seção 3 estudará tudo o que já aconteceu, desde as
origens da crise, passando por sua evolução e desenvolvimento,
até as medidas que já foram tentadas para contorná-la. A seção
4, por sua vez, exporá as principais alternativas que ainda não foram tentadas, e depois analisará o papel do FMI. Por fim, a seção
5 trará as conclusões do estudo.
2. CONCEITOS E NOÇÕES FUNDAMENTAIS3
480
Esta seção apresenta o conhecimento básico necessário para a
compreensão de uma crise econômica, especialmente de caráter financeiro (conceito a ser compreendido na subseção 3.1). A
primeira subseção delineia os conceitos econômicos mais fundamentais para a compreensão do tema; o subtópico seguinte descreve o sistema financeiro, seus principais agentes e seu funcionamento; a terceira subseção elucida a relação entre o governo
e o sistema financeiro; e a última detalha os principais atores da
crise atual: a União Europeia e o FMI.
2.1. As bases da economia monetária: moeda e inflação
Uma das características da organização em sociedade é a divisão
social do trabalho. Através dela, cada indivíduo fica responsável
por uma determinada tarefa, uma etapa do processo produtivo,
de modo que todos juntos produzem o necessário para a sobrevivência coletiva. Como ninguém consegue produzir tudo o que
necessita, os indivíduos operam trocas. A maneira mais rudimentar de realizar trocas é o escambo, em que se pagam bens e serviços diretamente com outros bens e serviços. Trocar lã de ovelha
por lenha, por exemplo, é uma forma de escambo. Entretanto, por
ser esse um mecanismo trabalhoso, as sociedades frequentemente facilitam as trocas adotando um bem especial aceito por todos
para intermediá-las: a moeda4. Atualmente, a maioria das sociedades usa o dinheiro como moeda.
Pode-se perguntar, então: por que não simplesmente imprimir dinheiro para resolver os problemas do mundo? Podemos
resumir a resposta a essa pergunta em uma palavra: inflação. A
inflação é um fenômeno que corrói as características da moeda
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
até, em casos extremos, inutilizá-la completamente. De modo geral, seguindo a lei da oferta e da demanda5, se muita moeda é posta em circulação numa economia, isto é, se sua oferta aumenta
muito mais rápido que sua demanda, seu valor perante os demais
produtos irá cair, sendo necessária mais moeda para trocar pelo
mesmo produto – ou seja, ela perde poder de compra e, portanto,
os preços dos produtos sobem6.
Quando essa situação se mantém durante algum tempo, diz-se que há inflação. De maneira simples, pode-se definir inflação
como o aumento generalizado em todos os preços da economia
(i.e., em seu nível de preços). No caso contrário, quando a oferta
de moeda fica abaixo da sua demanda, ocorre a deflação (fenômeno atualmente observado nas economias europeias afetadas
pela crise). Nesse artigo, não entraremos no mérito do clássico
debate sobre os benefícios (e malefícios) que um aumento de inflação pode causar7, pois o conceito não é essencial para a compreensão da crise corrente.
3
As explicações dessa seção derivam da base da teoria econômica e foram simplificadas a partir de Carvalho et al. (2010) e Sachs e Larrain (2000).
4
Além de intermediar trocas, a moeda exerce duas outras funções: a) unidade de
conta, através da qual estabelece valores referência para as trocas se operarem (e.g. o
salário das pessoas é pago utilizando-se da moeda, e esta mesma moeda é utilizada
para adquirir bens – assim, os indivíduos conseguem mensurar o valor de seu trabalho, dos bens que deseja consumir etc. pela quantia em moeda que cada um deles
corresponde) e b) reserva de valor: enquanto alguns bens perdem muito valor com
o decorrer do tempo, como carros, celulares e comida, a moeda retém o seu durante
períodos maiores (se não houver inflação muito alta, um dólar hoje continua valendo
aproximadamente o mesmo daqui a um ano, por exemplo).
5
A lei da oferta e da demanda afirma que, em mercados competitivos, se existe muita
demanda por algum produto e esse produto está em falta (pouca oferta), seu preço
tende a subir, porque as pessoas (demanda) estarão dispostas a pagar mais para obtê-lo. Em contrapartida, se a oferta de um bem ou serviço aumenta muito mais rápido
que a sua demanda, o preço tende a baixar, pois cada vendedor, competindo com
os outros, colocará um preço mais baixo de forma a conseguir vender seu produto.
6
É fácil entender a lei da oferta e da demanda observando o nosso cotidiano. Quando,
por exemplo, um artista internacional de destaque realiza um show em determinado país, os ingressos tendem a ter um preço elevado, pois seus shows acontecem no
máximo uma vez por ano (o que caracteriza uma baixa oferta) e o número de pessoas
que deseja assisti-lo é alto (o que caracteriza uma alta demanda). Já um artisca local,
cuja frequência de shows é bem maior (alta oferta), costuma cobrar ingressos mais
baratos, pois os indivíduos podem deixar de ir a um show, sabendo que em pouco
tempo haverá outro, (caracterizando uma menor demanda).
7
Os economistas clássicos defendem um baixo nível de inflação, como forma de garantir o crescimento econômico. Os economistas heterodoxos, por sua vez, entendem que um certo nível de inflação é essencial para o crescimento econômico. Para
mais detalhes, consultar Mollo (2004).
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2.2. Bancos centrais e o sistema financeiro
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Para proteger o dinheiro da inflação (ou deflação) e dar-lhe confiabilidade, os países atribuem ao governo o monopólio sobre a
sua emissão (i.e., impressão). Dessa forma, é possível tentar dosar a quantidade exata de moeda que deve ser criada (aumento
da sua oferta) para acompanhar o crescimento da economia (i.e.,
da demanda por moeda) sem, no entanto, permitir o avanço da
inflação (ou seja, sem criar dinheiro demais). A entidade governamental responsável por essa tarefa é o banco central, que costuma gozar de certa independência com relação ao Poder Executivo. Controlar a emissão de moeda, no entanto, é apenas um dos
atributos de um banco central. Para esclarecer melhor seu papel,
é preciso antes entender mais sobre o sistema financeiro.
Assim como a moeda representa um avanço em relação ao
escambo, melhorando a coordenação dos agentes econômicos
(pessoas, empresas, governos etc.), o uso do dinheiro através do
sistema financeiro também constitui um avanço em relação ao
seu uso sem essa intermediação. Isso acontece porque, numa
economia, nem sempre os indivíduos utilizarão seu dinheiro de
forma imediata para consumir ou investir diretamente; muitas
vezes elas irão poupá-lo para gastar no futuro. Tem-se, portanto,
uma quantidade enorme de dinheiro parado que poderia estar
sendo usado para fazer a economia crescer.
De outro lado, há agentes econômicos que não dispõem de
recursos necessários, mas estão dispostos a pagar para pegar dinheiro emprestado (crédito) para investir (como abrir uma empresa) ou consumir (como comprar um imóvel). O sistema financeiro é justamente o responsável por promover o encontro entre
a oferta e a demanda de poupança, impedindo o dinheiro de ficar
parado de forma improdutiva. Ele desempenha dessa forma um
papel crucial em qualquer economia contemporânea.
Há uma série de instituições que compõem o sistema financeiro: além do banco central, entre as principais estão os bancos,
as companhias de seguros, os investidores institucionais e as sociedades de crédito, de financiamento e de investimento. O principal instrumento de atuação dessas instituições é o empréstimo,
que é sempre concedido condicionado à cobrança de um valor
adicional, chamado juros, cuja função é compensar o credor (isto
é, aquele que empresta) pelo risco e pela duração do empréstimo8.
Sem os juros, haveria pouco incentivo para os agentes emprestarem dinheiro. Haveria, portanto, muito menos crescimento9.
Como o sistema financeiro intermedia os empréstimos, suas
instituições (sobretudo os bancos) frequentemente não são do-
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
nas dos recursos emprestados. Um banco comercial, por exemplo, recebe o depósito dos que poupam dinheiro e empresta parte
desse dinheiro a juros para aqueles que querem consumir ou investir, mas que não têm dinheiro próprio para fazê-lo.
O banco central não desenvolve as funções tradicionais de um
banco comercial: não recebe depósitos de pessoas/empresas não
financeiras, nem empresta a elas dinheiro. Além de monopolizar a
emissão de moeda, o banco central empresta dinheiro aos outros
bancos: ele é o emprestador de última instância do sistema financeiro, ajudando os bancos quando precisarem de empréstimos
mais seguros e favoráveis. Ainda, ele regula o sistema monetário e
financeiro e é o responsável por monitorar a atividade bancária e
ter certeza de que os bancos não estejam tomando riscos demais.
2.3. O governo, seu financiamento e sua interação com o sistema financeiro
Um dos mais importantes agentes de uma economia é o governo.
Pelo seu tamanho e importância como principal comprador da
economia, o governo tem o poder de influenciar preços de produtos. A título de exemplo, se um governo resolve criar uma nova
política de saúde através da compra e distribuição gratuita de certos medicamentos para a população, ele terá de comprar muitas
unidades desses medicamentos, o que equivale a dizer que a demanda total pelos medicamentos crescerá bastante de maneira
muito rápida. Isso, por sua vez, causará um aumento temporário
no seu preço, estimulando o aumento da produção por parte dos
agentes privados (e, portanto, investimento em novas fábricas,
criação de novos postos de trabalho etc.).
8
O risco de um empréstimo consiste na possibilidade de o devedor não honrar seu
compromisso de pagar de volta todo o valor do empréstimo. Assim, caso o devedor
não pague, o credor é parcialmente compensado com os juros pagos durante o período do contrato. Já a duração consiste no custo de oportunidade do empréstimo, isto
é, o rendimento de outros investimentos que o credor poderia estar fazendo com a
utilização daquilo que foi emprestado durante todo o tempo do empréstimo.
9
Considera-se que o empréstimo é um meio de fomentar o investimento, pois aqueles dispostos a investir, mas que não possuem capital próprio no momento, podem
tomar emprestado, realizar seu investimento e pagar o empréstimo com o lucro dele
obtido. Como investimentos geram frutos no futuro, produzindo riqueza, um incentivo ao investimento também é um estímulo ao crescimento econômico. Quando alguma
quantidade de dinheiro entra no sistema financeiro (e.g. um depósito numa conta
pessoal), alguma parte dela será utilizada para emprestar a agentes que vão investir. Esse mecanismo é uma forma de investimento indireto. Portanto, ao remunerar
aqueles que emprestam seu dinheiro, os juros atuam como um grande incentivo ao
investimento indireto (o investimento realizado pelo próprio detentor do dinheiro
denomina-se investimento direto), o que por sua vez faz a economia crescer.
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Mas o governo não consegue fazer isso sem que haja algum
custo. Como visto no tópico 2.1, se ele simplesmente imprimir
moeda, haverá muita inflação. Portanto, para financiar todas
essas atividades, é preciso tirar recursos de algum lugar, o que é
tradicionalmente feito através da arrecadação fiscal (tributos) ou
do endividamento. Portanto, ao se endividarem, os governos utilizam o sistema financeiro para obter recursos por meio de empréstimos, assim como os demais agentes econômicos.
O principal mecanismo através do qual o governo capta recursos por meio de endividamento é a venda de títulos. Com esse
método, emite-se um documento em formato específico chamado
título da dívida soberana ou título público, que atribui ao seu portador um crédito perante o governo. Depois de criados, os títulos são
vendidos, permitindo ao governo arrecadar dinheiro. Cada tipo de
título tem um período de vencimento, e, quando o título vence, o
governo restitui ao proprietário do título o valor inicial mais os juros. Assim, o proprietário de um título público é credor do governo.
Assim como no exemplo dos medicamentos, o governo tem a
capacidade de influenciar os preços no mercado de empréstimos.
Como o preço de um empréstimo é o valor de seus juros, o governo dá um preço base para todos os empréstimos da economia ao
estipular taxas de juros aos seus títulos. É nesse preço, chamado
de taxa básica de juros – ou simplesmente taxa de juros –, que os
credores se basearão ao fazer empréstimos, através de comparações com preços de outros empréstimos/investimentos.
Conforme exposto, os juros compensam o risco do empréstimo. Os empréstimos tomados por um governo são em geral tidos
como um dos investimentos mais seguros, pela extrema dificuldade de o governo deixar de pagar o que deve. Mas ainda assim
há épocas em que o mercado (i.e., seus agentes) passa a duvidar
da capacidade do governo de honrar seus compromissos creditícios. Isso acontece quando o governo chega a uma situação muito
próxima da insolvência, fenômeno que toma lugar quando a dívida total de um governo, denominada dívida soberana, adquire
magnitude tal que o governo não consegue mais pagá-la por inteiro. A saída tradicional desse quadro é o default10.
Em uma situação como essa, quando percebe tal fragilidade,
o mercado passa a exigir do governo taxas de juros mais altas para
compensar o risco adicional, já que o risco de emprestar ao governo aumenta drasticamente em situações próximas à insolvência.
Assim, para continuar conseguindo financiamento no mercado
de crédito (ou seja, de empréstimos), o governo é forçado a pagar
taxas de juros mais altas. A taxa básica de juros, portanto, reflete a
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
solidez das contas de um governo11. Várias situações podem levar
um governo à beira da insolvência. No presente artigo, duas delas
são mais importantes: o excesso de gastos e a crise bancária.
O excesso de gastos consiste simplesmente em gastar de maneira insustentável, dispendendo muito mais dinheiro do que
se arrecada durante um longo período de tempo, isto é, sustentando déficits de forma prolongada. Déficit é a situação em que
um governo se encontra quando gasta mais do que arrecada em
certo período (geralmente um ano). Mas como ele consegue gastar mais do que ganha? Pegando dinheiro emprestado através de
títulos. Assim, o governo financia seus déficits aumentando sua
dívida total. Ao sustentar déficits por muito tempo numa postura
fiscal irresponsável, a dívida do governo pode crescer de maneira
tal que ele fique próximo à insolvência.
Já a crise bancária opera um mecanismo mais sutil: o que
faz o risco dos títulos públicos subir é a importância do sistema
bancário na economia. Um banco sempre tem uma quantidade
de capital (dinheiro) próprio investido nas suas operações. Mas,
conforme já colocado, bancos intermediam empréstimos, de forma a emprestar também capital que não é seu (ex.: depósitos de
pessoas/empresas, cadernetas de poupança etc.). Portanto, se
um banco vai à falência, o prejuízo recai também sobre todos
aqueles que deixaram seu dinheiro em poder desse banco. Se vários bancos têm problemas, de modo que o sistema bancário está
em crise, toda a economia fica refém do seu futuro. Para não deixar a economia vulnerável, o governo gasta dinheiro para salvar
esses bancos, às vezes assumindo as suas dívidas com todos os
riscos a elas associados. Desse modo, num quadro de crise bancária, o risco que antes era puramente bancário se transforma
em um risco fiscal: ao gastar tanto para ajudar os bancos e para
estimular a economia, a dívida do governo pode crescer demais,
colocando-o próximo da insolvência.
10
Default caracteriza-se pelo descumprimento de qualquer cláusula importante de
um contrato que vincula devedor e credor, tornando o primeiro inadimplente. O
default integral, isto é, de toda a dívida assumida, equivale a um calote. No caso de
uma nação, quando esta suspende o pagamento dos juros da sua dívida externa, tem-se a declaração de moratória. Embora viole o contrato na sua dimensão temporal,
a moratória serve para o devedor ganhar tempo e conseguir pagar a quantia total
posteriormente.
Como o governo tem um poder de mercado sobre o preço dos empréstimos, ele
frequentemente sobe ou desce os juros de maneira unilateral como forma de política
econômica. Porém, isso não diz nada a respeito da sua solidez fiscal. A título de exemplo, o governo pode subir os juros para conter a inflação, assim como pode baixá-los
em épocas de baixo crescimento para estimular os investimentos na economia. Essas
situações não são tão importantes para o presente artigo.
11
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2.4. A União Europeia e o FMI
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Foi descrito acima o funcionamento básico do sistema financeiro e
monetário das economias nacionais. Porém, assim como cada país
possui seu próprio sistema financeiro, há um sistema financeiro internacional, que coordena a oferta e a demanda de poupança entre
os países. Para auxiliar essa complexa interação, existem regras e
instituições específicas. Nesse tópico, será introduzida a estrutura
fundamental do bloco europeu, que traz algumas mudanças na estrutura macroeconômica básica apresentada até aqui, bem como
uma descrição sucinta do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Após a Segunda Guerra Mundial, buscando pôr um fim no
seu histórico de conflitos, as principais potências europeias passaram a aumentar a cooperação e a integração entre si. Desse
esforço resultou um processo de união econômica e política que
culminou na formação da atual União Europeia (UE), com 27 Estados-membros. A UE consiste em um bloco econômico dotado
de um mercado comum, livre movimento de pessoas, bens, serviços e capital, e legislação e políticas comuns em variadas áreas
(e.g.: segurança, justiça, agricultura, pesca, comércio exterior, política externa, desenvolvimento regional). Ainda, visando a aprofundar a integração econômica, 17 membros12 da UE se reuniram
para formar uma união monetária, abrindo mão do poder de seus
respectivos governos de emitir uma moeda nacional própria e
adotando uma moeda comum, o euro. O conjunto desses países
constitui a zona do euro (UE, 2007).
Para garantir seu funcionamento, a UE dispõe de instituições supranacionais e intergovernamentais em favor das quais
os membros aceitaram transferir uma quantidade de soberania.
Embora esteja longe de ter todos os poderes de um Estado soberano, a UE possui uma configuração que lembra um governo com
separação de poderes: há um Executivo (a Comissão Europeia),
um Judiciário (o Tribunal de Justiça), um Legislativo (Parlamento
Europeu e Conselho de Ministros) e um Tribunal de Contas. Além
disso, como maior tomador de decisões políticas, há o Conselho
Europeu e, como autoridade monetária do euro, o Banco Central
Europeu (BCE) (UE, 2007). A Comissão, o Conselho Europeu e o
BCE são os mais importantes para o presente artigo.
O Conselho Europeu dá as diretrizes para a atividade legislativa e executiva da UE, sendo capaz de definir os rumos e de
propor mudanças radicais na configuração do bloco europeu.
Por sua vez, a Comissão detém a responsabilidade fiscal pelos
gastos da União, dispondo de orçamento próprio para oferecer,
embora com grandes limitações, ajuda direta aos países com difi-
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
culdades. Já o BCE detém o monopólio da emissão do euro e atua
de maneira bastante independente com quase todos os poderes
de um banco central nacional (UE, 2007). Sua atuação será mais
discutida nas seções seguintes.
Com relação à zona do euro, é importante notar que a união
monetária não foi acompanhada de grau significativo de união
bancária nem de união fiscal. Isso significa, respectivamente,
que as regulações e a supervisão do sistema bancário continuam nas mãos de cada país individualmente e que o orçamento
fiscal da UE é pequeno demais para ter a influência significativa
na economia da zona do euro13. Essa característica, muitas vezes referida como uma falha no desenho institucional do euro
(BLUNDELL-WIGNALL, 2012; LANE, 2012), foi muito importante para a formação da atual crise do euro e será analisada com
maior profundidade na seção seguinte.
Por sua vez, o FMI é uma instituição financeira global que
tem entre seus objetivos manter a estabilidade do sistema financeiro internacional, socorrendo os países em caso de crises e problemas com suas contas públicas. Uma de suas funções é conceder empréstimos condicionados aos países que lhe solicitam ajuda.
A seção 4.2 explicará como funciona esse tipo de empréstimo. O
FMI também é um importante foro de discussão da regulação do
sistema financeiro internacional (FMI, 2012c). Seu papel atualmente vem sendo rediscutido no âmbito mundial, devido às experiências em crises recentes. Com a entrada de países europeus
na posição de endividados, o FMI tem negociado as condições
para fornecer ajuda aos países necessitados, não estabelecendo
uma cobrança tão rigorosa de medidas em alguns dos casos (STIGLITZ, 2000). Uma possível mudança na postura do FMI é um
debate a ser abordado com maior profundidade no tópico 4.2.
3. AS ORIGENS, O DESENVOLVIMENTO E A SITUAÇÃO ATUAL DA CRISE DO EURO
Após a Segunda Guerra Mundial, a globalização tornava-se uma
ideia cada vez mais popular, pois significava a facilidade de acesso internacional através do desaparecimento de barreiras ao co-
12
Os países são: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Malta, Países
Baixos e Portugal.
13
O orçamento da Comissão Europeia representa apenas 1% de todo o orçamento fiscal da UE. Os outros 99% continuam nas mãos de cada Estado-membro (COMISSÃO
EUROPEIA, 2012b).
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mércio e aos investimentos, e o aumento do fluxo internacional
de bens e serviços (GEISST, 2009). O livre comércio e os mercados
comuns serviriam para facilitar essa ideia.
A redução e eliminação das barreiras comerciais e financeiras advieram da liberalização de seus mercados. Segundo Mollo
(2011), o termo liberalização pode ser entendido como um desvencilhamento das normas estatais de regulação da economia.
Esse processo, inclusive, acabou levando a uma desregulamentação dos mercados, ou seja, o papel do Estado reduziu-se, e os
mercados tornaram-se mais livres para funcionar de acordo com
a sua própria dinâmica e auto-regulamentação.
Nesse sentido, a liberalização do comércio, especialmente
em países em desenvolvimento, apresentou benefícios modestos,
enquanto simultaneamente a liberalização do mercado cambial
e de capitais associou-se a altas taxas de câmbio e de juros, dificultando o crescimento da produtividade, a distribuição de renda
e o desenvolvimento (SUNS, 1998). A liberalização financeira embasou-se na redução do controle estatal do mercado financeiro,
o qual, globalizado, apresentava capitais movimentando-se fora
do âmbito de seu país de origem, por exemplo “(...) [através do]
mercado de dólares fora do controle americano e aplicações europeias em dólar, cuja gestão está fora da alçada dos vários países
europeus” (MOLLO, 2011, p. 460).
Nesse cenário insere-se a atual crise, que pode ser considerada a mais grave enfrentada pela Europa desde a crise decorrente da Segunda Guerra (FREITAS, 2011). Seu início aconteceu em
maio de 2010, a partir das crescentes dificuldades de financiamento14 apresentadas pela Grécia, um dos países economicamente mais fracos da zona do euro. Atualmente, a crise já se espalhou
pela região, tendo atingindo principalmente os chamados países
periféricos, que são: Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália15.
Entretanto, a crise corrente desenvolveu-se em muito além
dos países da zona do euro e expandiu-se para o mundo como
um todo. Como a crise surgiu? O que determinou o seu contágio
pelas economias da zona do euro? Quais os efeitos nessas economias? Tais perguntas serão abordadas nas próximas subseções.
A primeira subseção compreende as condições da economia europeia e mundial que serviram de plano de fundo para a crise. A
subseção seguinte aborda como a crise se espalhou para os demais países da zona do euro. A terceira subseção mapeará seus
efeitos sobre os países (em especial, os periféricos), as medidas
adotadas para contê-la e quais seus resultados e consequências
até o presente momento.
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
3.1. Origens
Antes de entender a crise, é preciso compreender em qual contexto ela foi inserida. Nesta subseção, serão tratados dois fatores
que criaram condições propícias para o deslanchar da crise atual:
a configuração do sistema financeiro internacional e o desenho
institucional europeu.
3.1.1. A configuração do sistema financeiro internacional
A visão de Minsky (1982) acerca da origem e da intensificação das
crises financeiras considera que o surgimento das crises relaciona-se com a composição dos ativos e passivos das instituições
financeiras. Os ativos constituem as aplicações realizadas pelas
instituições financeiras, enquanto que os passivos indicam suas
fontes de captação de recursos. Segundo Muniz (2010), até 1960,
as instituições financeiras só aumentavam seus ativos (como os
empréstimos) se houvesse uma contrapartida no aumento dos
passivos (como um aumento no número de depósitos).
A partir da Segunda Guerra Mundial, o mundo passou por um
período de grande expansão econômica, liderada pelos EUA. Entretanto, após os anos 60, determinadas condições da economia americana - como o aumento da inflação aliado aos gastos realizados
na guerra com o Vietnam (CARVALHO, 2000, p.341), deterioraram
o Balanço de Pagamentos (BP)16 norte-americano (MUNIZ, 2010).
Esse desequilíbrio gerou graves consequências para o mundo, pois
este dependia da dinâmica da economia americana em garantir
a paridade dólar-ouro17, institucionalizada em Bretton Woods18.
14
Conceito que se refere à perda da capacidade do governo de obter receitas para
saldar suas dívidas.
15
Os países periféricos são também conhecidos pelo termo PIIGS (Portugal, Ireland,
Italy, Greece and Spain; em português: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha).
16
No BP são registradas todas as transações entre residentes e não-residentes de um
país. As transações comerciais (exportações e importações) são registradas na conta
corrente e as transações financeiras na conta de capitais do balanço de pagamentos.
17
O padrão dólar-ouro garantia que cada 35 dólares valeriam uma onça troy (31,1g)
de ouro. Ou seja, era garantido a qualquer indivíduo, instituição financeira, empresa ou banco, que o governo dos Estados Unidos forneceriam tal quantidade de ouro
caso fosse apresentada a citada quantidade de dólares. Para essa situacao se manter,
os EUA não podiam desvalorizar sua moeda (barateá-la em relação a outras moedas),
de modo que uma mesma quantidade de dólares valesse menos ouro. Assim, quando
os EUA precisou desvalorizar sua moeda, encerrou-se a padrão dólar-ouro.
18
O Acordo de Bretton Woods foi estabelecido em 1944 no qual o presidente dos EUA
Franklin D. Roosevelt e do primeiro ministro inglês Winston Churchill desejavam garantir a prosperidade pós-guera através da cooperação econômica. Seus principais objetivos consistiam em estabelecer um sistema de taxas de câmbio (o qual levou ao padrão
dólar-ouro) e à reconstrução dos países prejudicados pela Segunda Guerra Mundial.
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Consequentemente, ocorreu a extinção do modelo de taxas fixas
de câmbio através do abandono da paridade dólar-ouro.
Como explica Carvalho (2000, p. 341): “Criou-se, assim, um
ambiente de extrema incerteza para a operação dos mercados
financeiros dos principais países desenvolvidos”. E é justamente neste ambiente que inicia-se uma operação de flexibilização
dos passivos do sistema financeiro, ou seja, da captação de recursos. Essa flexibilização dos passivos deu-se pelo advento de
inovações financeiras19. De acordo com Muniz (2012), os novos
instrumentos financeiros destacaram-se pela forma de captação
de curto prazo20 destinados à atividades de ativos de longo prazo,
ou seja, os recursos eram captados através de contratos de curto
prazo, enquanto os empréstimos eram concedidos por contratos
de longo prazo. Logo, antes que o banco recebesse o montante
emprestado, teria que pagar pelos recursos captados.
Ainda segundo Muniz (2012), entre 1970 e 1980, juntamente
com todo esse processo de liberalização, intensificava-se o processo de internacionalização, ou seja, o processo da facilitação
em atuar em outros países. O Euromercado surgiu nessa época,
permitindo aos bancos europeus captarem recursos de bancos
estrangeiros, diversificando ainda mais sua carteira de passivos
(captação de recursos). Os bancos americanos aproveitaram essa
demanda por capital externo e iniciaram um processo de internacionalização financeira, abrindo filiais de seus bancos em diversos países.
Na década de 80, o processo de criação de novos instrumentos financeiros apresentou um forte dinamismo, especialmente
através da criação de inovações rumo à prática de hedging finance
(CORRÊA, 1995, p. 58). O hedging finance amplia a segurança na
realização de um determinado investimento, fator crucial visto
o ambiente de grande incerteza que prevalecia na época. Muniz
(2010) destaca que nesse período ocorreu uma maior pressão das
autoridades reguladoras para que as instituições bancárias elevassem suas reservas de capital próprio, o que levou à prática de
operações não registradas em balanço, tais como i) as operações
de securitização e ii) derivativos, gerando um efeito perverso.
Essas operações permitiram aos bancos captarem recursos
sem, no entanto, registrar em seus balanços, camuflando os riscos envolvidos em suas operações. Além disso, passam a ter importância os chamados investidores institucionais que, segundo
Carvalho (2000), abarcam os fundos de pensão, fundos de investimentos e os fundos desenvolvidos pelas companhias seguradoras. Conforme aponta este autor, os investidores institucionais
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
são investidores que estão atrás de retornos elevados para seus
capitais e, portanto, sujeitos a correrem maiores riscos.
Todas estas inovações ao longo das últimas décadas permitiram, segundo Muniz (2010), que todo tipo de agente tivesse
a possibilidade de captar recursos, inclusive aqueles com condições precárias de pagamento ou de se auto financiar. Desta
forma, as inovações financeiras, especialmente aquelas que surgiram após a década de 80, tem a característica de tornarem o
sistema muito mais instável. Este processo de criação de instrumentos financeiros e flexibilização nas formas de captação dos
bancos criaram, conforme mesmo autor, um ambiente que dificultou cada vez mais a atuação dos Bancos Centrais em controlar
a atuação bancária e a oferta de moeda.
E foi nesse ambiente que observou-se, especialmente na primeira década do século 21, um considerável aumento do fluxo de
capital externo. O fluxo que era entre 2 a 6% do PIB mundial entre
1980-95, subiu para 15% do PIB desde então; em 2006, esse fluxo
correspondia a $7.2 trilhões (PRIMORAC, 2012).
O grande problema desse aumento exarcebado do fluxo de
capitais em tão curto tempo residiu na ausência de uma regulamentação eficaz, capaz de garantir o pleno funcionamento do
mercado de capitais. Nesse ambiente, iniciou-se a crise econômica global em 2007, por meio do colapso do sistema de hipotécas
dos EUA. Intrinsecamente ligado ao sistema financeiro, o mercado imobiliário sofria com a falta de uma regulamentação eficiente. Aliada a isso, ainda presenciava-se à incapacidade de Federal
Reserve (Fed), banco central americano, em controlar as operações financeiras da economia americana (MENDELSON, 2010).
A crise espalhou-se pelo mundo em 2008, na forma de desequilíbrios no fluxo de capitais externos, através da brusca redução da quantidade de dólares disponíveis. Em síntese, a desregulamentacao do mercado financeiro dificultou o reconhecimento
dos riscos embutidos nas operações financeiras. O conjunto dos
agentes financeiros tornou-se extremamente complexo e não
transparente. Dado que os mercados dependem de informações
para funcionar, essa falta de transparência levou ao desconheci-
19
Carvalho (2000, p. 338) define uma inovação financeira como “(...) a produção
de novos tipos de serviços financeiros ou a novas formas de produção de serviços
financeiros já conhecidos”. As inovações financeiras constituiram-se dos Fundos
de Reserva Federal (FRFs), dos Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) e dos
Commercial Papers (CPs).
20
Na economia, operações de curto prazo têm duração de até um ano.
491
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
mento de quem tinha o quê ou qual o seu valor no mercado financeiro internacional, fator crucial para a viabilidade da crise de
crédito atual (MENDELSON, 2010).
3.1.2. O desenho institucional europeu
492
Nesse âmbito de sofisticação do sistema financeiro internacional
(tanto pela globalização quanto pelo processo constante de criação de novos mecanismos financeiros), a União Europeia (UE)
passava por transformações semelhantes. Segundo Sapir (2011),
a conclusão do mercado único europeu21 com a adoção do euro
em 1999 foi, então, acompanhada pela completa liberalização do
mercado de capitais europeu. Entretanto, essa liberalização não
foi seguida de uma regulamentação comum para todos os Estados membros da zona do euro.
Simultaneamente, esses avanços obtidos em âmbito monetário não foram observados em âmbito fiscal ou bancário, pois a
regulamentação desses setores foi deixada a nível nacional. Aqui
temos o seguinte cenário: i) ocorreu uma união monetária, dada
a adoção do euro por 17 países membros da União Europeia e
de um banco central comum; ii) os segmentos fiscais e bancários
não foram contemplados com nenhuma integração formal, de
modo que os problemas gerados por cada país seriam resolvidos
em âmbito doméstico, sem haver nenhuma entidade supranacional (como o BCE, no caso do sistema monetário) capaz de tomar
decisões concernentes à zona do euro como um todo.
O Tratado de Maastrich, que entrou em vigor em 1993, definiu as direções a serem tomadas pela União Europeia em direção a uma união econômica e monetária (ainda em estágio de
mercado comum). Ao definir que a política monetária seria de
competência da UE22 e que a política econômica seria deixada à
jurisdição de seus Estados membros23, criou-se um desequilíbrio
estrutural no funcionamento da união econômica e monetária da
UE. Por isso, entende-se que o Banco Central Europeu foi instituído de completa independência para decidir a direção da politica
monetária da UE sem, entretanto, contar com uma entidade política forte que pudesse definir as linhas de ação econômica que
dariam suporte à politica econômica monetária adotada.
Tentou-se corrigir esse problema através do Tratado de Amsterdã que entrou em vigor em 1999 e estabeleceu regras fiscais24
para os países da UE. Em síntese, instituía-se um controle centralizado da política fiscal da zona do euro, através de um conjunto
de mecanismos que monitorariam e sancionariam os países da
zona do euro que possuíssem consideráveis déficits públicos
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
(esse conceito será abordado na subseção seguinte). Entretanto,
em 2003, a França e a Alemanha estavam em situação de déficit
excessivo, mas o Conselho Europeu não sancionou os dois países,
conforme previsto no Tratado de Amsterdã (BBC, 2012). Ou seja,
houve um afrouxamento das regras, além de um distanciamento
perante a integração no âmbito fiscal da UE.
O entendimento da configuração do sistema financeiro internacional e do desenho institucional europeu fornece a base para
a compreensão da crise europeia. Esses dois aspectos descritos foram de extrema importância para que ocorresse a liberalização do
mercado de capitais na zona do euro sem simultaneamente ocorrer uma regulamentação adequada que, como sabemos por análise à posteriori, foi o gatilho para o deslanchar da crise corrente.
Na subseção seguinte, serão discutidos o início da crise e seu desenvolvimento, através do detalhamento das entrelinhas políticas
e econômicas pertinentes ao processo de liberalização de capitais.
3.2. A crise europeia
Como foi visto na subseção anterior, a liberalização do mercado
de capitais europeu (i.e, extinção de quaisquer restrições de seu
fluxo) permitiu que instituições financeiras pudessem operar por
meio de filiais espalhadas pelos países da zona do euro25, reali-
21
Há 6 estágios de integração econômica:
1) Zona de preferenciais tarifárias: dois ou mais países adotam uma redução tarifária parcial;
2) Zona de livre comércio: dois ou mais países optam por promover uma alíquota
tarifária de importação igual a zero, ex: NAFTA;
3) União aduaneira: dois ou mais países aprovam, além dos benefícios da área de
livre comércio, a criação de uma tarifa externa comum (TEC), ex: Mercosul;
4) Mercado comum: dois ou mais países que já faziam parte de uma união aduaneira decidem liberar o fluxo de mão-de-obra e capital;
5) União econômica e monetária: dois ou mais países pertencentes a um mercado
comum decidem-se pela criação de uma moeda comum, unificando as políticas
externa e de defesa, ex: União Européia;
6) Integração Econômica Total: estágio mais completo de integração, quando se
adotam políticas monetárias, fiscais e sociais comuns, estabelecendo-se uma autoridade supranacional, encarregada da elaboração e aplicação dessas políticas.
22
De acordo com o Artigo 3 do Tratado de Funcionamento da UE (2010).
23
De acordo com o Artigo 5(5) do Tratado da União Europeia (2007).
24
Essas regras compunham o Tratado de Estabilidade e Crescimento da UE (2012).
25
Além de Islândia, Listenstaine e Noruega, que não adotam o euro mas fazem
parte da UE.
493
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
494
zando operações cross-border26 sem responder a nenhuma autoridade supranacional (SAPIR, 2011), mas apenas ao seu país de
origem. Essa não coordenação entre políticas financeiras e fiscais
foi fragilizando a UE, especialmente pela dificuldade em regular
o cumprimento das normas27 estabelecidas pelo Tratado de Maastricht em suas políticas fiscais (KIRKEGAARD, 2011).
Nesse âmbito, no qual o sistema financeiro e a união monetária
contribuíram para o aumento do fluxo de capitais externos, o governo se insere como um dos agentes a fazer uso desses capitais. Da
mesma maneira que as empresas e as famílias, o governo precisa de
uma fonte de renda para cobrir suas despesas. Essa fonte de renda é
obtida através da arrecadação de impostos. Entretanto, quando os
impostos não são suficientes para cumprir com suas obrigações, o
governo precisa tomar emprestado. E para este sentido o governo
passou a aproveitar o aumento do fluxo de capitais externos.
Dependendo de como o governo aloque os recursos obtidos,
os empréstimos obtidos através da venda de títulos da dívida pública pode auxiliar o país a reduzir seus déficits fiscais e promover
o crescimento, gerando condições para o país se recuperar. Vukovic (2012) aponta duas finalidades para as quais o dinheiro obtido
com a dívida pública pode ser utilizado: a) financiar investimentos (manufaturas, tecnologia etc.), o que é positivo para o país,
pois promove a produção e gera crescimento ou b) financiar o
consumo e os gastos do governo em setores não produtivos, o que
é negativo para o país, pois este capital não vai gerar renda adicional (essa renda não pode ser obtida, por exemplo, quando o governo utiliza dinheiro dos cofres públicos para financiar campanhas
eleitorais). Conforme mesmo autor, Irlanda e Espanha encaixam-se no caso (a), enquanto Grécia, Itália e Portugal, no caso (b).
Após a adoção do euro, dados do FMI (2011) apontam que
todos os países da zona do euro aumentaram seu déficit, à exceção da Alemanha. Segundo Vukovic (2012), isso ocorreu porque
a Alemanha adotou uma série de reformas no seu mercado de
trabalho e no seu sistema de pensões, gerando aumento em seus
níveis de produtividade e redução nos gastos do governo ao enxugar o valor das pensões (KIRKEGAARD, 2011).
Tradicionalmente o país mais competitivo28 da Europa, essas
medidas só distanciaram os demais países dos níveis da Alemanha, o que pode ser observado no aumento das exportações desta e no aumento das importações dos demais países (VUKOVIC,
2012). Com o tempo, as empresas menos competitivas decretam
falência, o que traz claros impactos à arrecadação de impostos. E
quanto menor a arrecadação, menos recursos o governo dispõe
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
para pagar o seu déficit. A continuidade desse ciclo pode levar a
uma recessão da economia (não ocorre crescimento; pelo contrário, a economia produz menos), e, na pior das hipóteses, a uma
depressão (estado agravado da recessão, consistindo em longos
períodos de falências de empresas, desemprego em massa etc.).
Nesse sentido, como os países estão vinculados por uma
união monetária, não podem utilizar a ferramenta de desvalorização de sua moeda para reduzir esse desequilíbrios fiscais
(LANE, 2012), ao baratear suas exportações (o que aumentaria
sua arrecadação), e diminuir o valor de suas dívidas (já que com
a moeda desvalorizada, eles precisam de mais moeda nacional
para pagar a moeda estrangeira, e a dívida é fixa na moeda doméstica – tornando-se, portanto, mais barata).
Outro aspecto da união monetária concerne os agentes do sistema financeiro. Estes desenvolveram a impressão errada de que os
riscos dos títulos das dívidas públicas de cada país da zona do euro
poderiam ser lidos de maneira conjunta, ou seja, como todos eram
cotados em euro, deu-se a impressão que não importava qual título
comprar, pois todos apresentavam o mesmo nível de segurança –
afinal, valiam euros. Antes disso, quando cada país tinha sua própria moeda, havia uma disparidade maior entre as taxas de juros de
cada nação, refletindo a solidez do setor privado e dos compromissos firmados pelos governos (títulos públicos). Países como Portugal e Grécia tinham juros maiores, enquanto países como a Alemanha e a França remuneravam menos os seus credores (LANE, 2012).
Com a união, essa disparidade sumiu, dando lugar a uma convergência para baixo: as taxas de juros que antes eram mais altas
nas economias hoje mais periféricas do euro baixaram até haver
uma semelhança muito grande de valores entre todos os países do
euro (LANE, 2012). Essa queda na taxa de juros fez com que países
que antes da convergência dos juros sofriam com a falta de demanda interna para seu excesso de crédito, como Alemanha e França,
passassem a investir nos países periféricos (VUKOVIC, 2012).
Quando a crise americana espalhou-se pela Europa em 2008,
diversos investidores e instituições europeus possuíam capital investido na economia dos EUA. Os investidores procederam com
26
Entre fronteiras, em tradução livre.
As normas consistem em os países obedecerem ao limite de 3% do PIB para déficit
público e 60% do PIB para dívida pública.
27
28
Segundo Salvatore (2000), entende-se por competitividade a capacidade de um
país em produzir e vender mais barato que os outros países.
495
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
496
a realocação de seus investimentos em ativos dos países periféricos para ativos de menor risco, como os títulos da dívida alemã, para evitar maiores perdas (KOURETAS; VLAMIS, 2010). As
instituições financeiras reduziram a concessão de empréstimos,
devido às perdas que sofreram com a queda do valor de seus títulos da dívida soberana dos EUA. Assim, o realocamento do capital dos investidores simultaneamente à redução da concessão de
empréstimos pelas instituições financeiras levou a uma redução
da oferta de crédito nos países periféricos (REINHART; ROGOFF,
2009). Restaram como únicas fontes de crédito para esses países a
Alemanha (economia mais forte da UE), o Banco Central Europeu
e o FMI (VUKOVIC, 2012).
Como, então, a crise europeia que era aparentemente uma
crise financeira (gerada como consequência da crise americana)
se transformou em uma crise da dívida soberana? As dificuldades
foram inicialmente observadas na Grécia. Os títulos da dívida pública grega passaram a ser reconhecidos como ativos de baixo risco e, com isso, criou-se demanda artificial para esses títulos. Essa
demanda facilitou a tomada de empréstimos pelos governantes
gregos, que, entretanto, utilizaram-nos para financiar seus gastos (inclusive, consumindo os produtos alemães), mas não para
melhorar as condições de competitividade de seu país e, assim,
reduzir seus elevados déficits fiscais. E isso, consequentemente,
tornou os títulos gregos bem mais arriscados, devido à possibilidade de insolvência por parte do governo (LANE, 2012) – quanto
maior o déficit, maior a quantidade de obrigações não cumpridas
pelo governo por falta de dinheiro.
No caso da Espanha e da Irlanda, a crise dos EUA levou à deterioração do preço do setor imobiliário, levando a uma redução
da arrecadação de impostos do governo e a uma redução do número de pessoas empregadas no setor de construção, pois esse
setor representava um grande peso tanto na produção quanto na
geração de empregos de suas economias. Ainda, como o desemprego aumentou, assim também aumentaram os custos do governo perante esses novos desempregados. Essa situação levou tanto
a Irlanda como a Espanha a irem de um superávit para um estado
de enorme déficit, obrigando seus governos a emitirem títulos
públicos de forma a arrecadarem o dinheiro necessário para que
os setores mais afetados fossem socorridos (KRUGMAN, 2011).
Com a solvência desses países também em questão, a confiança dos investidores se deteriorou ainda mais, intensificando a venda de seus títulos públicos oriundos de países periféricos em troca
dos títulos alemães – considerados de baixo risco – em um curto
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
período de tempo (KRUGMAN, 2011). E foi através da tentativa
de venda desesperada dos títulos dos países periféricos – gerando
uma queda de seus preços e, consequentemente, um aumento de
sua taxa de juros (para compensar o risco) – que a crise financeira
europeia transformou-se em uma crise da dívida soberana.
3.3. Medidas
Diante da deflagração da crise da dívida soberana, a UE e o FMI
lançaram mão de medidas conjuntas de ajuda aos países periféricos do euro. Assim, esta subseção analisa os efeitos gerados na
economia desses países através da adoção desses planos, e por
quais razões fez-se necessária a intervenção nesses países para
evitar o contágio da crise pelos demais membros da zona do euro
e do resto do mundo.
O FMI e a UE criaram, primeiramente, um fundo de estabilidade financeira temporário (European Financial Stability Facility – EFSF) para oferecer pacotes de ajuda financeira aos países
afetados, que em seguida tornou-se o European Stability Mechanism (ESM), em caráter permanente (FMI, 2012a). A liberação do
capital oferecido por esses pacotes estava sujeita à adoção de medidas de austeridade, como corte de gastos do governo, salários
e benefícios, aumento dos impostos e demissão de funcionários,
como ocorreu na Grécia, Espanha, Portugal e na Irlanda (VUKOVIC, 2012). Na Itália, a qual até a escrita deste artigo ainda não
solicitou ajuda, também foram introduzidas medidas de austeridade, porém por iniciativa governamental (FMI, 2012a).
Entretanto, a adoção de medidas de austeridade como característica comum a ser adotada por todos os países afetados não
considerou as diferenças econômicas existentes entre esses países. Nos parágrafos abaixo, essas diferenças serão abordadas.
Grécia e Portugal apresentavam uma elevada dívida pública
desde antes de aderirem ao euro (VUKOVIC, 2012). Esta dívida
agravou-se diante dos problemas de competitividade enfrentados após a adoção do euro, pois agora competiam com produtos
oriundos da Alemanha, França e países escandinavos. Como visto nas seções anteriores, a adoção do euro implica na perda de
uma moeda nacional em prol de uma moeda em comum. Anteriormente, estes países desvalorizavam suas moedas nacionais (o
dracma e o escudo português, respectivamente) como forma de
baratear suas exportações (LANE, 2012). Agora, essa possibilidade não existe mais. Então, a perda de competitividade e a impossibilidade de desvalorização de suas moedas piorou a situação de
déficit na conta corrente (ver nota de rodapé 12) dos dois países.
497
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
498
Nesse sentido, as medidas de austeridade têm se mostrado
ineficientes, pois inibem o crescimento da economia desses países, especialmente devido ao corte de salários, os quais desestimulam o consumo da população (KRUGMAN, 2012a). A redução
do consumo implica numa queda na arrecadação do governo,
deteriorando ainda mais sua já debilitada capacidade de pagamento, a qual é refletida em um aumento de seus déficits públicos e uma nova necessidade de empréstimos. Tem-se, assim, uma
ineficiência nos planos de ajuda oferecidos.
A Irlanda e a Espanha tiveram causas distintas das explicadas
anteriormente, tendo seu centro no estouro da bolha imobiliária,
cujo crescimento foi pautado no financiamento externo.
Quando a crise estadunidense foi deflagrada, os bancos irlandeses e espanhóis sofreram com a especulação e perderam
muitos de seus recursos (DRUDY; COLLINS, 2011). As medidas
de austeridade na Espanha tiveram claros impactos negativos
na economia, pois observou-se um aumento do desemprego de
23% para 26%, um aumento da dívida pública de 69% para 91%
e é esperado uma redução do PIB em 3%; apenas o déficit orçamentário apresentou resultados positivos ao reduzir em 2% do
PIB (THE ECONOMIST, 2012d).
Em situação mais animadora, mais de dois anos depois de ter
pedido um resgate, a Irlanda começa a regressar ao mercado, mas
a retomada econômica do país é frágil, apesar da recente queda do
desemprego e do crescimento no setor dos serviços (EURONEWS,
2012). Segundo Ribeiro (2012), o FMI propõe ao governo irlandês
não apresentar mais medidas de austeridade até 2015, mesmo que
isso signifique falhar as metas de crescimento econômico em 2013.
Até o momento em que apenas a Irlanda, a Grécia e Portugal
haviam solicitado ajuda ao FMI, as preocupações não eram tão
grandes, dado que as três juntas representam uma percentagem
pouco significativa da economia da zona do euro. Entretanto, quando Espanha e Itália começaram a dar sinais de problemas, a crise
da zona do euro adquiriu proporções preocupantes, pois estes países estão entre as quatro maiores economias europeias, o que os
torna too big to bailout, ou seja, será necessário um pacote de ajuda muito elevado para auxiliar esses países dado que são grandes
economias. Haja vista que a Itália e a Espanha representam 28,5%
do PIB da zona do euro (EUROSTAT, 2012), uma possível recessão
pode gerar grandes estragos em uma escala mundial, o que reforça
a necessidade da contenção da crise nesses países (FMI, 2012a).
Kirkergaard propõe que países como a Espanha e a Itália “ajudem a si mesmos durante um longo período de consolidação fis-
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
cal” porque seriam beneficiários de grande peso em relação aos
outros (KIRKEGAARD, 2011, p. 6). No caso da Itália, o governo já
vem implementando medidas há alguns meses e sua situação é
mais moderada que dos outros países da zona do euro. É importante ressaltar que a maior contribuição para o EFSF/ESM foi da
União Europeia, tendo em menor grau a contribuição financeira
do FMI (LANE, 2012). Não obstante, como será abordado na seção seguinte, o FMI desempenha papel muito preponderante na
formação das políticas de ajuda.
Analistas financeiros comentam que os empréstimos e medidas de austeridade não serão suficientes para alcançar as metas
propostas pelo FMI (THE ECONOMIST, 2012b). Contudo, é primordial a ajuda às economias afetadas para impedir danos ainda maiores ao euro como um todo, especialmente porque existem muitos
investimentos de fortes economias europeias como da Alemanha
nesses países, e da França, em menor grau. Outro argumento é que
uma parte significativa do superávit da balança comercial da Alemanha e da França é relacionada às exportações para os países periféricos, o que acarretam consequências para suas economias de
um modo global, pois influencia nos investimentos externos e na
sua receita da balança comercial (COMISSÃO EUROPEIA, 2012a).
4. OS CAMINHOS PARA O FUTURO: O BLOCO EUROPEU E O FMI
As causas e consequências de uma crise econômica requerem um
apreciável período de tempo para serem amplamente compreendidas. Considerando que a crise europeia ainda não apresenta sinais de término, não há um consenso perante a eficácia das
medidas já tomadas para solucioná-la. Assim, as dificuldades em
compreendê-la com precisão e a urgência que permeia as tomadas de decisões em prol de resolvê-la estão gerando um amplo debate sobre quais rumos deverão ser seguidos. Esta seção pretende,
então, descrever as principais alternativas que ainda não foram
utilizadas e, em seguida, analisar o papel do FMI em sua resolução.
4.1. Perspectivas na União Europeia
Nas seções anteriores, abordou-se o complexo problema dos países do euro de possuir uma união monetária sem um grau significativo de união fiscal, bancária e política. De início, portanto,
a saída mais imediata para estabilizar a zona do euro parece ser
a sua fragmentação, ou seja, a retirada de um ou mais países da
união monetária ou até mesmo a extinção por completo dessa
união. Isso poderia ocorrer tanto pela expulsão de um ou mais
499
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
500
membros periféricos – a começar pela Grécia, onde a situação é
mais calamitosa – quanto pela saída unilateral de países centrais.
Com isso, o país que sai do euro retoma a configuração macroeconômica tradicional, controlando a emissão de sua própria
moeda e ganhando a capacidade de monetizar a sua dívida, o que
consiste num procedimento de duas etapas: primeiro, o governo
(Poder Executivo) emite muitos títulos para arrecadar dinheiro;
segundo, o banco central emite moeda para pagar por esses títulos (MISHKIN, 2012). Há duas vantagens atraentes nesse método.
Em primeiro lugar, ele transforma o risco creditício (de default)
em risco de inflação (porque aumenta a oferta de moeda muito
mais rápido que sua demanda – ver seção 2.1). Em segundo, permite aos países com problemas de competitividade desvalorizar
sua própria moeda. Assim, tem-se uma possível estratégia de retomada de crescimento: apesar de inflação alta ser ruim, é mais fácil
de lidar, por atrapalhar menos a retomada do crescimento do que
atual risco creditício; por outro lado, uma moeda desvalorizada
deixa os produtos do país mais baratos no mercado internacional,
aumentando a competitividade (BLUNDELL-WIGNALL, 2012).
Apesar de ser o remédio mais simples, a fragmentação do euro
é também o caminho menos desejado, por impor custos enormes
oriundos de quatro principais frentes: (i) a possibilidade de, uma
vez retirado um país, outros o seguirem, num efeito dominó; (ii)
um grande aumento da insegurança jurídica sobre os contratos
expressos em euro, piorando o quadro de crise; (iii) um retrocesso no projeto de integração europeia; (iv) o enfraquecimento do
euro como moeda global e alternativa ao dólar no comércio exterior (KIRKEGAARD, 2011; BLUNDELL-WIGNALL, 2012). Como o
euro e a economia europeia são muito importantes na economia
mundial, essas consequências seriam ruins tanto para a Europa
quanto para o resto do mundo.
Assim, várias medidas são estudadas para manter a coesão da
zona do euro. Algumas são de curto prazo, visando a conter a situação de crise e manter uma via de crescimento; outras são de longo prazo, fazendo ajustes de competitividade dentro dos países e
revendo a organização supranacional da UE e do euro (GRAUWE,
2010). Como a crise do euro envolve uma crise bancária e outra
de dívida soberana (ver seção 3), as medidas devem ser pensadas
em conjunto, pois não é possível sair da situação atual sem que
ambas as crises sejam resolvidas (BLUNDELL-WIGNALL, 2012).
Em oposição à ruptura do euro, há um grupo enorme de
propostas que vislumbra uma maior integração europeia para
promover a estabilidade financeira e fiscal na união monetária.
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
O presente artigo não pretende se aprofundar nesse debate, mas
antes fazer um breve mapeamento das principais propostas nesse sentido. A seção anterior mostrou que a crise do euro nasceu
de uma interação entre a dívida pública e um sistema bancário
fraco, instável e endividado. Para promover maior estabilidade,
as dívidas bancárias devem ser mais solidamente garantidas. Um
dos maiores problemas da união monetária europeia é que ela
deixa os custos de lidar com um sistema financeiro em crise inteiramente nas mãos dos governos nacionais. Assim, tem-se como
caminho inicial mais óbvio as uniões fiscal e bancária na zona do
euro ou na UE, o que retira dos governos a pesada tarefa individual de garantir a solidez de um sistema bancário muito endividado
e transfere essa responsabilidade a um sistema centralizado29.
A primeira consiste em centralizar poderes fiscais, repassando um orçamento bem maior dos membros para a Comissão Europeia. Grauwe (2010) considera essa transferência de soberania
muito improvável no atual momento, por ausência de vontade
política, mas há outras medidas que não transferem soberania e,
ao mesmo tempo, podem assentar as bases para uma futura integração fiscal. A principal dessas medidas é a padronização da política fiscal, segundo a qual cada membro concorda em arrecadar
e gastar seu orçamento observando um mínimo de regras fiscais
comuns30. Já a segunda, que vem sendo em parte implementada,
consiste em unificar a regulação bancária europeia e transferir dos
governos para o BCE algumas responsabilidades, principalmente:
(i) supervisionar a atividade bancária, avaliando sua sustentabilidade e impondo condições para que não se tomem riscos demais;
(ii) salvar o sistema bancário da insolvência; (iii) garantir os depósitos efetuados nos bancos, caso eles não tenham capacidade para
isso (LANE, 2012; BLUNDELL-WIGNALL, 2012; SAPIR, 2011).
Enquanto as medidas que exigem acentuado grau de integração política não chegam, sobretudo na área fiscal, algumas
propostas mais factíveis estão postas à mesa. Entre elas, as principais são a criação dos chamados eurobonds e o fortalecimento
29
Um dos problemas da configuração da UE é justamente a liderança difusa que ela
apresenta. A entidade que de fato tem poderes decisórios para conter crises e acalmar
o mercado é o Conselho Europeu. Mas suas decisões costumam necessitar de consenso entre os 27 membros da UE, dependendo de negociações lentas entre os países.
Com uma união fiscal centralizada na Comissão Europeia e uma união bancária encabeçada pelo BCE, várias medidas necessárias não precisam mais passar pelo Conselho.
30
O Fiscal Compact já começa a endereçar isso, estabelecendo diretrizes para a disciplina fiscal no euro.
501
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502
do European Stability Mechanism (ESM). Os eurobonds seriam
títulos públicos de todo o bloco europeu, emitidos e garantidos
pelos países da UE enquanto bloco. O dinheiro arrecadado com
a venda desses títulos seria repassado aos governos individuais
dos países periféricos, permitindo uma transferência indireta dos
países centrais para os PIIGS (BRUNNERMEIER et at., 2011). Já
o ESM é o sucessor do EFSF (ver tópico 3.3), um fundo para resgatar países e bancos europeus em dificuldades. Os membros do
euro podem fortalecê-lo através da ampliação do fundo e de suas
funções, permitindo-o emprestar aos bancos a critérios mais favoráveis (BLUNDELL-WIGNALL, 2012).
Por fim, algumas propostas de curto prazo ilustram bem um
debate muito presente na atual crise do euro: o da austeridade
vs. estímulos governamentais. De modo geral, em épocas de crise
econômica, governos podem fazer ajustes estruturais, cortando
gastos e benefícios sociais para retomar o crescimento no longo
prazo, ou aumentar os gastos no curto prazo, não deixando que
a economia pare de crescer. Autores como Frankel (2011) acreditam que certas medidas para ajudar os governos dos países
periféricos podem de fato incentivá-los a continuar gastando de
forma insustentável, deixando de fazer as reformas necessárias
a longo prazo às custas da ajuda dos países centrais. Um modo
de tentar evitar esse comportamento é através dos empréstimos
condicionados. Na seção anterior foi mostrado como a UE e o
FMI fizeram isso de forma conjunta na atual crise. No próximo
tópico, apresentaremos uma discussão a respeito do papel que o
FMI assume ao ter essa atuação.
4.2. Perspectivas de atuação multilateral no âmbito do FMI
Antes da crise financeira de 2007-08, o FMI estava cada vez menos influente na esfera internacional. A decadência ocorreu
após um período de forte presença global da instituição durante
as crises de dívida soberana da década de 80 até a crise asiática
de 1997-98, num período em que o FMI atuou com uma lista
grande de países por meio de seus empréstimos condicionados,
entre os principais o Brasil, a Argentina e a Ucrânia. A crise asiática marcou o início de uma fase de cada vez menos alcance
geopolítico da instituição, sobretudo com relação aos países em
desenvolvimento (GRABEL, 2011).
Para entender porque isso aconteceu, é preciso ter em mente
que as condições exigidas pelo FMI para emprestar seu dinheiro
eram bastante rígidas. Essa condicionalidade funciona da seguinte forma: um país com dificuldades de financiamento, geralmen-
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
te em crise, procura o FMI para obter financiamento especial em
troca de tomar determinadas medidas internas que, ao ver do
FMI, são benéficas para a sua economia e, ao melhorar as estruturas básicas de sua economia, permitem um maior crescimento e, consequentemente, melhores possibilidades de pagar sua
dívida para com o próprio FMI através de orçamento fiscal mais
equilibrado (FMI, 2012b).
Para essa atuação, o FMI é dotado de um leque padrão de medidas, que passam por liberalização da economia, privatizações
das empresas estatais e contração dos gastos do governo. Essa lista, sobretudo o último tópico, caracteriza uma postura bastante
acentuada do FMI em prol da austeridade, pregando uma redução do papel do Estado na economia31 (GRABEL, 2011). Mas como
qualquer decisão, o caminho da austeridade apresenta vantagens
e desvantagens. Nas seções anteriores, as mais tradicionais vantagens da disciplina fiscal foram identificadas, sobretudo a possibilidade de retomar um trajeto de ganhos de competitividade e
produtividade, melhor alocação dos recursos através de mercados
mais livres, gastos estatais mais eficientes etc., além de possibilitar
superávits que, acumulados, diminuem a dívida soberana total.
Por outro lado, é possível também identificar problemas com
a aplicação indevida de medidas de austeridade. Dois pontos são
mais relevantes. Em primeiro lugar, de um ponto de vista social,
críticos como Rückert e Labonté (2012), Mohidra et al. (2011) e Van
Waeyenberge, Bargawi e McKinley (2011) apontam que a constrição de gastos governamentais imposta pelo FMI compromete programas sociais importantíssimos patrocinados pelo governo, em
áreas como saúde, educação e distribuição de renda. Nesse sentido,
as medidas de austeridade tomadas pelos países da Europa foram
alvo de grandes mobilizações sociais (PONTICELLI; VOTH, 2011).
Em segundo lugar, sob um ponto de vista econômico, a redução dos gastos do governo pode causar um efeito depressor
da economia no curto prazo, pois, como visto na seção 2.3, ele é
o principal agente de uma economia. Quando um governo para
de consumir certos bens ou de empregar certas pessoas, todos os
setores ligados aos gastos cortados sofrem e a economia cresce
menos. Isso, por sua vez, diminui a arrecadação do governo e faz
com que mais cortes de gastos sejam necessários, o que diminui
31
Essa postura do FMI é por vezes chamada de neoliberal / neoliberalismo. Nesse texto, as expressões serão evitadas por uma forte conotação político-ideológica. Nesse
sentido, ver Lima (2010).
503
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
504
ainda mais o estímulo governamental à economia. Assim, numa
crise, posturas de extrema austeridade podem ocasionar um ciclo
vicioso de recessão econômica no curto prazo, dificultando substancialmente a retomada do crescimento independentemente
da necessidade de longo prazo de muitas reformas estruturais
envolvendo gastos públicos (KRUGMAN, 2012b; KEYNES, 1996
[1936]; THE ECONOMIST, 2012a).
Na crise asiática de 1997-98, em que muitos países em crise financeira na Ásia se socorreram do FMI, a faceta mais negativa da
cartilha do FMI se instalou com bastante intensidade, causando
uma piora substancial na situação econômica desses países. Esse
fato, aliado à experiência de outros países-devedores nos anos
anteriores, fez com que cada vez mais as nações do Sul tentassem
escapar à órbita de influência do FMI32 (GRABEL, 2011). Com isso,
após a crise asiática, o FMI foi gradualmente perdendo a enorme influência do período anterior. Em 2005, apenas seis países
possuíam acordos do tipo stand-by33 com o FMI, menor número
desde 1975 (KAPUR; WEBB, 2006), sendo que de 2003 para 2007
houve redução de um total de U$ 105 bilhões para menos de U$
10 bilhões abrangidos por todos programas do FMI (WEISBROT
et al., 2009). Após o corpo técnico da instituição ter sido reduzido
(KAPUR; WEBB, 2006) e grande parte das antigas dívidas pagas, a
lista de devedores do FMI passou a abranger alguns poucos países extremamente pobres, que não têm alternativa senão buscar
ajuda de instituições internacionais (CHOREV; BABB, 2009).
Com a crise financeira de 2007-08, o FMI saiu de sua decadência e retomou sua posição de importante ator internacional
ao se firmar novamente como primeiro respondente a situações
de crise financeira (VAN WAEYENBERGE; BARGAWI; MCKINLEY, 2011). Entre os fatores que mais contribuíram para essa reinserção estão as decisões dos países do G-20 durante a crise, que
aumentaram as reservas do FMI em 500 bilhões de dólares (dos
quais 90 bilhões vieram de Brasil, China, Rússia e Coreia do Sul)
e distribuíram através dele 750 bilhões dos 1,1 trilhões de dólares
comprometidos para combater a crise (GRABEL, 2011).
Além do G-20, a UE contribuiu de forma significativa para a
retomada de autoridade do FMI ao chamar a sua intervenção nas
crises dos países periféricos (LÜTZ; KRANKE, 2010). Esse fato
reflete o conflito austeridade vs. estímulos do governo, muitas
vezes encarnado na contraposição entre países credores e países
devedores, pois a atitude de incluir o FMI foi levada a cabo pelos primeiros, liderados pela Alemanha, para contrabalancear a
postura menos austera e mais conivente da Comissão Europeia.
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
Entretanto, acabou ocorrendo de o FMI ser incoerente com a sua
postura tradicional, especialmente no caso da Grécia, ao liberar
mais ajuda ao país a despeito do descumprimento das condições
da ajuda (THE ECONOMIST, 2012c).
Essa atitude constitui justamente o foco final do presente
estudo. A atuação do FMI nessa crise vem sendo pautada por
atitudes incoerentes. Se, por um lado, a exigência tradicional de
austeridade, privatizações e flexibilização da economia e dos direitos trabalhistas continua a regra, algumas exceções específicas
mostram uma flexibilidade maior do FMI em estipular condições
diferenciadas e aceitar descumprimentos das condições negociadas inicialmente. Um dos exemplos é o caso do Paquistão, em que
o FMI relaxou a meta acordada de déficit de 3,8% para 4,6% (GRABEL, 2011). Mas aqui o caso mais marcante e significativo é o da
Grécia: não só o FMI flexibilizou o plano de austeridade traçado
inicialmente, como desempenhou papel central no reconhecimento de que o passo da austeridade estava muito rápido e que
o país não irá conseguir pagar suas dívidas sozinho, necessitando
reestruturá-las (o que implica um default, exatamente aquilo que
os credores, liderados pela Alemanha, queriam evitar ao chamar
a intervenção do FMI) (THE ECONOMIST, 2012c).
Em face dessas atitudes pragmáticas, que flexibilizam e, por
vezes, contradizem o próprio discurso do FMI, um novo debate
nasceu: seria essa uma guinada de rumo do FMI? A tradicional
postura de austeridade do FMI estaria abrindo lugar para uma
nova atitude? Para muitos, esse comportamento são apenas exceções transitórias; para outros, representa uma abertura que pode
ou não mudar o pensamento da instituição34.
O debate, é claro, continua aberto. Pelo que se pode observar
dos fatos expostos, a principal motivação das atitudes diferenciadas tomadas pelo FMI é o fato de muitos dos países credores
hoje dependerem muito mais dos países devedores, ao contrário
do que acontecia nas décadas de 1980 (grande devedor: América
Latina) e 1990 (países asiáticos e africanos). Como coloca Grabel
(2011), o FMI é em grande parte liderado pela agenda dos EUA e
32
Sobretudo: enorme acumulação preventiva de dólares, atração de capital estrangeiro para investimentos e surgimento de centros alternativos de financiamento,
como a China e o Brasil (este último pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) (KAPUR, WEBB, 2006; GRABEL, 2011).
33
Principal forma de empréstimo condicionado concedido pelo FMI.
A título de exemplo, representantes da primeira posição são Rückert e Labonte
(2011) e da segunda, Grabel (2011).
34
505
Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
506
da Europa Ocidental, sobretudo Reino Unido. Não só é um dos
principais interesses dos EUA que a crise do euro cesse (KIRKEGAARD, 2011), como também o é dos países da própria Europa.
Até o próprio FMI chegou a reconhecer algumas mudanças, ainda que pequenas, nas diretrizes da definição de condições nos
seus empréstimos. Dentre as mais relevantes, destaca-se uma
preocupação maior com a manutenção de benefícios e programas de ajuda aos mais pobres, o reconhecimento de que medidas
desenhadas especificamente para cada caso são superiores às
medidas-padrão e a capacidade de fazer ajustes no cumprimento
das condições depois de feito o empréstimo, conforme a situação
econômica do país (FMI, 2012b).
A expertise do FMI em lidar com crises e a importância mundial do seu corpo de economistas na formação do pensamento
político-econômico são fatores que sempre contribuíram para a
autoridade da instituição. Numa visão mais ampla, a reinserção
do FMI no centro do sistema financeiro global será um fator significativo para a evolução da economia mundial dos próximos anos.
Nesse sentido, as perspectivas de abertura do FMI para uma eventual mudança de pensamento são potencializadas pela maior participação de países em desenvolvimento na sua composição, tanto em termos de poder de voto quanto de composição do capital
do FMI, o que contribui para dar mais legitimidade à instituição
num mundo cada vez mais multipolar (GRABEL, 2011).
Já numa visão mais focada na situação do euro, fica clara posição de acentuada importância que o FMI assumiu nos últimos
anos. A Troika constitui hoje um grupo um tanto mais equilibrado
de instituições, com a Comissão Europeia pró-estímulos, o BCE
pró-austeridade e o FMI mais pragmático entre os dois (LÜTZ;
KRANKE, 2010). Ao mostrar uma postura mais aberta com relação à Grécia, o FMI mostrou que, pelo menos no tocante à crise
do euro, é capaz de mover soluções de forma mais versátil e casuísta. Resta ver se o FMI irá aproveitar essa posição para tentar
pautar propostas como as discutidas na subseção anterior – que
surgem a cada dia e que esboçam expectativas tanto para os cidadãos do euro quanto para os do restante do mundo.
5. DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE APRIMORAMENTO
A origem e propagação da crise europeia pode ser atribuída à
configuração do sistema financeiro internacional e ao desenho
institucional da zona do euro. Enquanto o último não apresenta nenhuma instituição central capaz de obrigar os seus países
Estabilidade financeira e resposta multilateral na crise do euro
membros a agir em uníssono, o primeiro gerou uma desregulamentação do mercado financeiro, o que dificultou aos países fiscalizarem as aplicações financeiras realizadas em sua moeda ou
pelos agentes econômicos nacionais em moeda estrangeira num
período de crédito farto (BLUNDELL-WIGNALL, 2012).
Tendo em vista o elevado nível das dívidas públicas dos países da zona do euro e a possibilidade de uma nova crise fiscal,
as autoridades da UE propuseram a aplicação do Fiscal Compact
Treaty35 em 2013, atualmente ratificado por 12 membros da zona
do euro. Esse tratado requer que os novos princípios fiscais sejam
embutidos na legislação nacional de cada país (LANE, 2012).
Outro desafio que concerne aos líderes dos países europeus
é o reestabelecimento do nível de competitividade de seus países,
não apenas a nível interno da UE (dado o alto nível de competitividade da Alemanha, economia mais poderosa da região), como
também contra a competição dos demais países (especialmente
os asiáticos). Para isso ocorrer, é necessário a imposição de reformas de caráter estrutural na zona do euro e garantir um crescimento econômico de médio prazo (KIRKEGAARD, 2011), para
possibilitar a redução de seus déficits orçamentários.
Existe, ainda, uma possibilidade bastante comentada nos
meios de comunicação: a saída de alguns dos países afetados da
zona do euro, em especial a Grécia, para que possa voltar a exercer o controle sobre sua moeda nacional e utilizar possíveis mecanismos monetários para auxiliar em seus desequilíbrios fiscais.
Kirkegaard (2011) aponta três razoes para isso não ocorrer: a) o
custo para o país que deixar a UE é muito alto, independente de
este país ser a Alemanha ou a Grécia; b) os anúncios feitos pelos
líderes da UE são bastante claros quanto a não tolerância da saída
de quaisquer um de seus estados membros e; c) não há nenhuma
definição legal no tratado que rege a UE, sobre a saída de algum de
seus membros, de forma que presume-se ser impossível ocorrer.
Qualquer uma dessas possibilidades exigem mudanças nos
tratados que governam a UE e implicam uma transformação no
nível de integração política da região (LANE, 2012). Seja como for,
o ressurgimento do FMI como primeira entidade de resposta a
crises financeiras colocou o FMI numa situação capaz de marcar uma forte posição nesse processo, trazendo um maior equilíbrio ao conjunto de instituições responsáveis pelo combate à
crise (GRABEL, 2011). Esse novo status já foi utilizado para frear
35
Em tradução livre, Tratado de Compactação Fiscal.
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Simulação das Nações Unidas para Secundaristas | 2013
o ritmo de austeridade tanto na Grécia quanto na Irlanda (THE
ECONOMIST, 2012c; RIBEIRO, 2012). Se esse é o prenúncio de
uma nova postura do FMI, não se sabe. Mas os últimos acontecimentos mostram que se abriu no FMI uma possibilidade inédita
de isso acontecer.
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