- Sociedade Brasileira de Sociologia

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XI CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA
1 a 5 de setembro de 2003, UNICAMP, Campinas, SP
SOCIÓLOGOS DO FUTURO
TÍTULO:
MANIFESTAÇÕES CULTURAIS NA COMUNIDADE DE ACARI
CONTRASTES EM PRODUÇÃO E CONSUMO
Autora: Carmem Sílvia Moretzsohn Rocha
RESUMO:
A presente pesquisa tem como objetivo contribuir com a sociologia da cultura, num
âmbito mais geral, e participar como fonte de enriquecimento da pesquisa
“Estruturação de redes e trajetórias ocupacionais de populações de rua no Rio de
Janeiro. Relatório de andamento da pesquisa.”
 O trabalho buscou
1
embasamento teórico em fontes bibliográficas. Numa segunda etapa, a partir de
entrevistas realizadas com os líderes comunitários do Centro Cultural Areal Livre
de Acari, situado na periferia do Rio de Janeiro, procuramos abordar o tema da
cultura segundo critérios de avaliação e classificação de seus integrantes, os
contrastes ou diversificações ou, ainda, as nuances de suas manifestações
culturais. A pesquisa pretende abordar as manifestações culturais de Acari como
referência para a discussão do tema da cultura em sua complexidade, as etapas e
os processos de socialização envolvidos tanto no consumo como na produção
cultural da comunidade.
1
SILVA FILHO, Dario de Sousa e. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2001.
 Obs: O desdobramento desta pesquisa constatou que ocorreu uma diminuição da população jovem de rua,
no período. Daí surgiram duas hipóteses: a primeira é que estes jovens saíram das ruas em função de uma
maior inclusão social. A segunda hipótese, que foi constatada, é a de que o tráfico de drogas estaria
absorvendo estes jovens para a sua atividade. A favela de Acari foi escolhida por estar em evidência neste
contexto, no momento da pesquisa.
1
I – O Conceito de Cultura
A subjetividade do conceito de cultura tem início em sua base.
Do dicionário, temos de um lado: “desenvolvimento intelectual”, “saber”, “estudo”,
“elegância”, “esmero”. Ao mesmo tempo, encontramos como definição: “sistema
de atitudes e modos de agir”, “costumes e instruções de um povo”, “conhecimento
geral”. Podemos observar a complexidade do tema, ao nos depararmos com uma
contradição na própria tentativa de
definí-la. Afinal: Cultura é o resultado de um
aprimoramento erudito, algo que possa ser acumulado, possuído, ou é a
expressão de um conjunto de valores, de indivíduos?
A fim de seguirmos com o espírito de pesquisa, optamos por não buscar
uma resposta para esta questão, acreditando que a dúvida será mais
enriquecedora neste início de trabalho.
Ainda sobre o conceito de cultura, Geertz esclarece:
“[...]Todavia, esse padrão se confirma no caso do conceito de cultura, em
torno do qual surgiu todo o estudo da antropologia e cujo âmbito essa matéria
tem se preocupado cada vez mais em limitar, especificar, enfocar e conter.”
“O ecletismo é uma autofrustração, não porque haja somente uma direção a
percorrer com proveito, mas porque há muitas: é necessário escolher.”
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias
de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas
teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca
de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado. 2
2
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. p. 14 -15.
2
Como definição de cultura, temos ainda:
Cultura é um sistema semiótico, um sistema de textos, e, enquanto tal, um
sistema perceptivo, de armazenagem e divulgação de informações. Como os
processos perceptivos são inseparáveis da memória, na estrutura de todo
texto se manifesta a orientação para um certo tipo de memória, não aquela
individual, mas a memória coletiva. Cultura é assim memória coletiva nãohereditária. 3
Immanuel
Wallerstein
analisa
profundamente
a
problemática
da
conceituação da Cultura afirmando ser
[...]o mais amplo de todos os conceitos usados nas ciências sociais...”.
As interpretações tampouco serão isentas de intenções: “...a própria interpretação de
cultura se torna um campo de batalha, o campo de batalha ideológico principal em face
dos interesses opostos dentro do sistema histórico. 4
Renato Ortiz, ao se referir à cultura no contexto contemporâneo, se
contrapõe à uma “visão economicista”:
Os economistas podem inclusive mensurar a dinâmica desta ordem
globalizada por meio de indicadores variados: as trocas e os investimentos
internacionais. A esfera cultural não pode ser considerada da mesma maneira.
Uma cultura mundializada não implica o aniquilamento das outra
manifestações culturais, ela cohabita e se alimenta delas. 5
Tendo em mente que a cultura de um grupo é, portanto, a expressão de seu
cotidiano, sua história e seus anseios, buscamos uma aproximação através desta
lente para uma possível leitura das estruturas organizacionais e suas implicações
objetivas e subjetivas.
3
OLIVEIRA, Regiane. Disponível em: < www.pucsp.br/~cos-puc/cultura/conceito.htm>
4
WALLERTEIN, Immanuel. A cultura como campo de batalha ideológico do sistema mundial moderno.
In: FEATHERSTONE, Mike (org.). Cultura global. Petrópolis: Vozes, 1994. p.50.
5
ORTIZ, Renato. mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 2000. p.26-27.
3
II - HISTÓRICO E ORIENTAÇÕES DA PESQUISA
Esta pesquisa teve início em maio de 2002, como estágio voluntário da área
de sociologia. Tivemos como objetivo primeiro, abordar os princípios da
conceituação de cultura. Embora seja por demais ampla, podemos nos ater a
algumas imagens que nos vêm à mente no momento em que nos referimos à
Cultura; Em primeiro lugar, está atrelada aos seres humanos. Em segundo lugar,
procuramos nos situar geograficamente (cultura, de onde?) E, por fim, buscamos o
contexto histórico (afinal, de que época estamos falando?) Também é conveniente
lembrar que dentro de uma “Cultura” (de uma região, por exemplo) encontramos
várias sub-culturas (planos diferenciados).
É nesse momento, na verdade, que iniciamos nosso trabalho, tendo como
referência a população jovem (de 12 a 25 anos) da favela de Acari (Rio de
Janeiro), na atualidade. Tomando como base uma bibliografia recomendada
(autores como: Alba Zaluar, Marcos Alvito, Sergio Paulo Rouanet, Antonio
Augusto Arantes, entre outros), a pesquisa teve prosseguimento a partir de
entrevistas com líderes comunitários de Acari.
Citando Marcos Alvito:
Toda representação é uma prática, nos ensina Chartier (1990). Ora, as
representações populares, continuamente rastreadas, reapropriadas e
reinventadas pelos jornais populares, são por sua vez incorporadas pelos
moradores à sua realidade num processo contínuo de recriação da realidade.6
6
ALVITO, Marcos. As cores de Acari: uma favela carioca. Rio de Janeiro: FGV, 2000. p. 118.
4
Para o coordenador do trabalho:
A intensa comunicabilidade da favela com outras áreas é fato: quando o
jovem é receptor de padrões de consumo e mensagens prescritivas quanto
aos símbolos de status (roupas, calçados, acessórios) ou quando o jovem
pode localizar sua expectativa de inclusão em meios que neguem ou dêem
novo significado à sua origem. Entre uma opção ou outra a busca ativa de
valores de referência e inserção fazem com que a favela se afaste cada vez
mais do estereótipo desenhado pela violência banalizada e ausência de
valores civilizados. 7
Alba Zaluar, por sua vez, ressalta a importância de “...descobrir suas
identidades sociais tal como definidas por eles mesmos.” 8
Acreditamos, portanto, que os processos de socialização envolvidos tanto
no consumo como na produção cultural da comunidade representem a realidade
de seu cotidiano.
Partimos, em seguida, para a elaboração do seguinte roteiro de perguntas
que serviu como base para a realização das entrevistas.
7
SILVA FILHO, Dario de Sousa e. Estruturação de redes e trajetórias ocupacionais de populações de rua
do Rio de Janeiro. Relatório de andamento da pesquisa. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2000. p. 29.
8
ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo:
Brasiliense, 1994. p. 59.
5
ROTEIRO DE PERGUNTAS:
1- O que é cultura, pra você?
2- Você acha que existe mais de um tipo de cultura?
3- Que tipo de cultura está mais presentes em Acari?
4- Em relação aos jovens (de 12 a 25 anos), quais são as suas atividades, de
uma maneira geral?
5- Como você descreve o consumo cultural dos jovens?
6- O que fazem os jovens, dentro da comunidade?
7- Aonde vão os jovens, quando querem se divertir?
8- Pra você, qual é o papel da cultura na vida dos jovens?
9- Você acha que os jovens de Acari interferem no processo cultural, isto é, criam
cultura?
10- De que maneira eles se organizam?
11- Existe mais de uma fase neste processo?
12- O que você gosta, em termos de cultura?
13- Dê alguns exemplos.
Embora as entrevistas tenham sido realizadas de uma forma direta e
com a preocupação de interferir o mínimo possível nas falas dos
entrevistados, tivemos a preocupação de justificar teoricamente as
perguntas, a fim de termos claros nossos objetivos.
6
JUSTIFICATIVAS DO ROTEIRO DE PERGUNTAS
Perguntas 1 e 2:
- Estas questões tem como objetivo partir de um conceito de cultura elaborado
pelo próprio nativo, para evitar logo de início, uma postura etnocêntrica.
“Existe realmente, paralelo à violência que a atitude etnocêntrica encerra, o
pressuposto de que o „outro‟ deva ser alguma coisa que não desfrute da palavra
para dizer algo de si mesmo.” 9
É preciso compreender tanto a organização da atividade social, suas formas
institucionais e os sistemas de idéias que as animam, como a natureza das
relações existentes entre elas. É justamente nesse sentido que se dirige a
tentativa de esclarecer os conceitos de estrutura social e de cultura. 10
As perguntas de 3 a 7:
tratam da especificidade da pesquisa: o que consomem e produzem os
jovens de 12 a 25 anos da comunidade de Acari, em termos de cultura.
“O estudo da cultura, a totalidade acumulada de tais padrões, é, portanto, o
estudo da maquinaria que os indivíduos ou grupos de indivíduos empregam para
orientar a si mesmos num mundo que de outra forma seria obscuro.”
9
11
ROCHA, Everardo P Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984. p.10.
10
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC,1989. p. 228.
11
Ibidem, p. 229.
7
O mundo cotidiano no qual se movem os membros de qualquer comunidade,
seu campo de ação social considerado garantido, é habitado não por homens
quaisquer, sem rosto, sem qualidades, mas por homens personalizados,
classes concretas de pessoas determinadas, positivamente caracterizadas e
adequadamente rotuladas. Os sistemas de símbolos que definem essas
classes não são dados pela natureza das coisas – eles são construídos
historicamente, mantidos socialmente e aplicados individualmente. 12
Pergunta 8:
Sahlins está preocupado em mostrar que a produção simbólica, cultural, pode
variar em termos de focos e ênfases de acordo com o tipo de sociedade e
momento histórico mas que em qualquer sociedade ela dá sentido, significado
e intencionalidade às ações e comportamentos sociais. 13
Perguntas 9, 10, 11:
Os indivíduos concretos, em suas biografias, interpretam, mudam e criam
símbolos e significados evidentemente vinculados a uma herança, a um
sistema de crenças. Com isso recupera-se a idéia de que os indivíduos
também desempenham o papel de agentes na transformação e mudança da
cultura e da sociedade e não são meros joguetes de forças impessoais. O fato
de que as pessoas nascem dentro de um sistema sócio-cultural já dado não
quer dizer que este sistema não esteja sempre se fazendo através das
biografias individuais. Não é necessário ter consciência e percepção do
sistema enquanto totalidade (problemática) para influenciá-lo através de ações
e interpretações em que os símbolos são manipulados e transformados diante
de circunstâncias e situações novas. Embora um indivíduo sozinho não
invente uma cultura, é através das interações dos indivíduos desempenhando
e reinventando papéis sociais que a história se desenrola. Entendendo-se a
cultura como um código, como um sistema de comunicação, percebe-se o seu
caráter dinâmico ao produzir interpretações, significados, símbolos diante de
uma realidade permanentemente em mudança. 14
As perguntas 12 e 13:
- pretendem conhecer as opções culturais do nativo.
Gans, preocupado em fazer análise mais complexa da sociedade americana,
procura distinguir taste cultures em que a idéia de uma opção por determinado
estilo de consumo cultural permitiria traçar um quadro mais flexível e rico sem
12
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC,1989. p. 229.
13
VELHO, Gilberto; CASTRO, E. B. Viveiros de. O conceito de cultura e o estudo de sociedades complexas:
uma perspectiva antropológica. Artefato Jornal de Cultura, ano 1, n. 1, p. 3, 1978.
14
Ibidem, p. 5.
8
deixar de identificar variáveis sociológicas capazes de estabelecer limites e
possibilidades, como a classe social, a etnia e a faixa etária (Gans, 1974). A
noção de que existe uma certa margem de liberdade e iniciativa parece ser
útil, especialmente, para a compreensão da sociedade complexa onde os
indivíduos participam de forma desigual em diferentes „mundos‟ com
produções simbólicas de alguma especificidade e até, em certos casos,
conflitantes. Assim é que, movendo-se do trabalho para a família como
membro de alguma religião, no seu lazer, participando de alguma associação
ou grupo político, interagindo em geral com diferentes pessoas de sua rede de
relações, o habitante da grande metrópole, especialmente, se vê participando
de códigos e valores que podem guardar pouca coerência entre si,
provocando respostas e decisões muitas vezes contraditórias (Wirth, 1966).
Ou seja, o mapa social está longe de ser claro e as pessoas são levadas,
consciente ou inconscientemente, a tomar decisões que vão marcar tipos de
trajetórias possíveis dentro de uma sociedade. A busca da lógica dessas
decisões pode ser um dos caminhos para entender a maior ou menor eficácia
dos sistemas simbólicos envolvidos. Sahlins argumenta que na sociedade
capitalista ocidental as relações de produção constituem o principal foco de
manifestação da produção simbólica mas isto não deve implicar em uma
forma de reducionismo que desconheça não só as mediações como o fato de
que outros focos existem e podem ser decisivos e determinantes em várias
situações e momentos da vida social. 15
O arcabouço deste trabalho está subdividido em quatro eixos da pesquisa,
a saber: 1- Conceito(s) de Cultura(s). 2- Especificidades (a- manifestações
culturais / produção e consumo; b- jovens de 12 a 25 anos; c- Acari). 3- O papel
da cultura na vida dos jovens. 4- Criatividade, socialização e organização
envolvidos no processo.
Esta é a primeira versão deste trabalho, que se encontra em andamento.
15
VELHO, Gilberto; CASTRO, E. B. Viveiros de. O conceito de cultura e o estudo de sociedades complexas:
uma perspectiva antropológica. Artefato Jornal de Cultura, ano 1, n. 1, p. 5, 1978.
9
REFERÊNCIAS
ALVITO, Marcos. As cores de Acari: uma favela carioca. Rio de Janeiro: FGV,
2000. cap. 3. p. 75-119.
BUARQUE, Cristovam. O que é apartação: o apartheid social no Brasil. São
Paulo: Brasiliense, 1999. (Coleção primeiros passos, 278)
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
OLIVEIRA, Regiane. Disponível em:
<www.pucsp.br/~cos-puc/cultura/conceito.htm>. Acesso em 15 jul. 2003
ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 2000.
ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense,
1984. p. 7-22.
ROUANET, Sergio Paulo. O novo irracionalismo brasileiro. In: ___. As razões do
iluminismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1987. cap. 4. p. 124-137.
SILVA FILHO, Dario de Sousa e. Estruturação de redes e trajetórias ocupacionais
de populações de rua do Rio de Janeiro. Relatório de andamento da pesquisa. Rio
de Janeiro: FAPERJ, 2001.
VELHO, Gilberto; CASTRO, E. B. Viveiros de. O conceito de cultura e o estudo de
sociedades complexas: uma perspectiva antropológica. Artefato Jornal de Cultura,
ano 1, n. 1, p. 1-7, 1978.
WALLERSTEIN, Immanuel. A cultura como campo de batalha ideológico do
sistema mundial moderno . In: FEATHERSTONE, Mike (Org.). Cultura global.
Petrópolis: Vozes, 1994. p. 41-67.
ZALUAR, Alba. Relativismo cultural na cidade? Anuário Antropológico/ 90. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, p. 137-155, 1993.
_____. A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da
pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 7-63.
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