1 USO RACIONAL DE ANTIPIRÉTICOS EM CRIANÇAS DA CIDADE DE ANÁPOLIS Suzane Lemes de Freitas 1,2; Fabiana Sarcinelli Metzker1,3; Rejane Odete Fernandes Batista1,3; Lana Carla Alencar Oliveira 1,3; Thais Moreira Silva1,3; Carla Monic de Sousa Silva1,3; Fabiane Hiratsuka Veiga de Souza1,4 1 Faculdade de Farmácia – Universidade Estadual de Goiás 2 Bolsista PIBIC/CNPq 3 Voluntária de Iniciação Científica PVIC/UEG 4 Pesquisadora Orientadora RESUMO A febre é uma resposta natural do organismo frente a uma infecção, resultando da ação de substâncias endógenas que atuam no hipotálamo. A febre também é uma das principais razões pelas quais os pais levam seus filhos aos médicos. O presente trabalho teve como finalidade avaliar o comportamento dos pais, ou responsáveis por crianças, da cidade de Anápolis, sobre o uso racional de antipiréticos para tratamento da febre em crianças. Um questionário contendo 17 perguntas foi aplicado durante três Campanhas de Vacinação Infantil, na cidade de Anápolis. Foram entrevistadas 598 pessoas, a maioria entre 21 a 40 anos de idade (75,7%) e mães (66,1%). Cerca de 69% conhece os valores corretos da temperatura do organismo. Sobre início de febre, 45,5% disse que se inicia em 37,5 e 38°C. Sobre a temperatura de febre alta, 69,7% afirmou considerá-la a partir de 38,5°C. A infecção foi apontada como a principal causa de febre por 67% dos entrevistados e 64% acredita que a febre possui um caráter lesivo, principalmente por promover mal estar nas crianças. Cerca de 46% percebe a febre nas crianças pelo tato, 23,6% o faz com o auxílio de um termômetro. 73,9% dos entrevistados medica por conta própria a criança febril. Entre os medicamentos, o paracetamol (54%), dipirona (25,1%) e ácido acetilsalicílico (3,9%) foram os mais mencionados. Dos tratamentos não-farmacológicos, os banhos são os mais praticados (28,9%), sendo que 5,1% usam álcool na água. Para obtenção da posologia, 56,9% dos entrevistados tem como fonte os médicos . Para 63,1%, é importante tratar a febre para evitar convulsões. Embora os pais e cuidadores das crianças da cidade de Anápolis tenham apresentado bom conhecimento sobre as temperaturas normais e febris do organismo, ainda foi considerado alto o consumo de medicamentos antitérmicos pelas crianças, uma vez que a febre nem sempre exige tratamento medicamentoso. Verificou-se ainda que a fobia da febre persiste, principalmente em relação às convulsões febris. Dessa forma, para a promoção do uso racional de medicamentos antitérmicos na cidade de Anápolis há a necessidade de realizar intervenções educativas para melhorar o esclarecimento da população. Palavras-chaves: Febre, antitérmicos, crianças Introdução A febre é um importante sinal de doença. Seu início pode ocorrer quando o organismo determina um aumento na temperatura corporal, como uma resposta organizada e coordenada frente a um agente agressor, como, por exemplo, uma infecção bacteriana (KLUGER, 1991; MCCARTHY, 1998). 2 A febre pode ser tratada por métodos farmacológicos e não-farmacológicos. Dentre os não-farmacológicos estão compreendidos a aplicação de água fria, o uso de esponjas umedecidas ou o mergulho parcial da criança em águas tépidas, o seu envolvimento em uma toalha úmida, a uso de roupas leves e a maior ingestão de líquidos (BARKIN, 1996; MEREMIKWU e OYO-ITA, 2005). O tratamento farmacológico consiste basicamente no uso de medicamentos antitérmicos. Entre os mais utilizados estão o paracetamol, a dipirona, o ácido acetilsalicílico (AAS) e outros antiinflamatórios não-esteroidais (AINES) (MURAHOVSCHI, 2003). O tratamento desenfreado com antipiréticos, inclusive com os de venda livre, sem o acompanhamento de profissionais como o médico e o farmacêutico pode mascarar algo mais grave que possa acontecer à criança. Mesmo quando usados para oferecer conforto físico, os pais devem sempre levar em conta que o tratamento antipirético pode oferecer riscos maiores do que benefícios. Nesse sentido, as crenças e mitos criados sobre a febre e os tratamentos da mesma devem ser bem esclarecidos, evitando assim, possíveis desvios no tratamento de distúrbios graves e prevenindo situações em que o principal prejudicado seja o paciente. O uso racional de medicamentos antitérmicos para o tratamento de febre em crianças deve ser estimulado e acompanhado por todos os profissionais de saúde, pois vários podem ser os problemas desencadeados com o uso indiscriminado dos mesmos. Todos os fármacos disponíveis possuem efeitos adversos e mecanismos de ação intrínsecos que podem influenciar negativamente o funcionamento normal do organismo. Considerando que o comportamento dos pais ou responsáveis pelas crianças frente à febre é, na maioria das vezes, empírico, podendo até mesmo ser prejudicial, torna-se necessário investigar quais as atitudes tomadas nessas circunstâncias, e, caso seja detectado algum desvio de segurança, o mesmo possa ser esclarecido e sanado. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho foi avaliar o comportamento e conhecimento dos pais, ou responsáveis por crianças residentes na cidade de Anápolis, a respeito da febre e do uso racional de medicamentos antitérmicos em crianças. Material e Métodos As entrevistas ocorreram durante três Campanhas da Vacinação Infantil realizadas nos dias 10 de junho e 26 de agosto de 2006 e 16 de junho de 2007, na cidade de Anápolis. Os locais escolhidos para as entrevistas foram: 1) Hospital Municipal; 2) OSEGO; 3) Secretaria Municipal de Saúde e 4) Praça Bom Jesus. Foi concedida autorização prévia para a realização das entrevistas pela Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Anápolis – GO. No total foram realizadas 605 entrevistas, mas 07 questionários foram excluídos 3 devido à dupla participação do mesmo indivíduo no estudo. Nestes casos, o segundo questionário preenchido foi excluído. Resultados e Discussão A média de idade dos 598 participantes do estudo foi de 32 anos (± 9,4). A maioria (83,1%) pertencia ao sexo feminino. O resumo das características sócio-culturais dos entrevistados está apresentado na Tabela 1. Tabela 1: Características sócio-culturais dos 598 entrevistados. Grau de escolaridade (ensino) fundamental incompleto fundamental médio incompleto médio superior incompleto superior outros Total % Faixa etária (anos) % Parentesco com a criança % Número de filhos % 13,4 13 - 20 8,0 mãe 66,1 0 5,9 13,4 7,0 39,6 8,4 15,4 2,8 100 21 - 30 31 - 40 41 - 50 51 - 60 mais de 60 42,5 33,4 10,7 4,5 0,8 pai avó tia sem parentesco outros 14,7 8,4 5,2 1,0 4,7 Total 100 Total 100 1 2 3 4 5 outros Total 36,6 37,0 14,4 3,8 0,8 1,5 100 Em relação a temperatura corporal que consideraram como normal, 412 entrevistados (68,9%) responderam ser entre 36 e 37°C. Sabe-se que o centro termorregulador do organismo em condições fisiológicas está ajustado em torno de 37°C, considerando normal a variação de temperatura axilar de 36°C pela manhã a 37°C pela tarde, devido ao ciclo circadiano (MCCARTHY, 1998). Quando se perguntou a partir de qual temperatura os participantes da pesquisa consideravam como febre, 272 indivíduos (45,5%) relataram valores entre 37,5 a 38°C. Pearce e Curtis (2005) consideram que temperaturas de até 38°C sejam febre baixa. Alguns autores consideram como febre alta temperaturas acima de 38,5°C ou 39°C (EICHENWALD, 2003). Na presente pesquisa verificou-se que 69,7% dos entrevistados (417 indivíduos) considerou como febre alta a temperatura a partir de 38,5°C. Assim, em relação a temperatura de febre alta, pode-se dizer que as pessoas apresentaram bom conhecimento. Os entrevistados demonstraram ter bom conhecimento sobre as causas da febre, pois 76% (455 entrevistados) atribuiu a presença de febre a algum tipo de infecção e/ou inflamação (Figura 1). Quando questionados se consideravam a febre benéfica ou lesiva, apenas 34% (n= 205) a reconheceram como benéfica. A maioria (64%) afirmou que a febre é lesiva para o organismo. Os 205 entrevistados que consideraram a febre benéfica apresentaram os seguintes motivos: 77,1% (n=158) afirmou que é porque a febre é um sinal de alerta de que há algo errado no organismo; 14,1% (n=29) disse que a febre é uma 4 resposta de defesa contra o agente causador; 2,4% (n=5) apresentou outras explicações e 6,3% (n=13) dos entrevistados não soube ou não respondeu a essa questão. Figura 1: Causas da febre 1 Infecção 17% Inflamação 7% Infecção/inflamação 5% Outros 4% 67% Não sabe/não respondeu 1 Pergunta: Você sabe o que causa a febre? Não; Sim, o quê? Os 381 indivíduos que afirmaram que a febre é lesiva para o organismo, citaram como os principais motivos: promoção de mal-estar nas crianças (30,7%), sinal de alguma doença (20,6%), prejuízos à saúde (14,8%), pode causar convulsão (14,1%), associação com alguma infecção (14,1%), outros motivos (4,9). Cerca de 10% (n=39) dos entrevistados não soube ou não respondeu. Ressalta-se a baixa porcentagem de indivíduos (14,1%) que associou a febre com a resposta de defesa do organismo frente a agressões e que a febre ser sinal de alguma doença foi considerado por 20% dos entrevistados como algo ruim. A principal forma que os entrevistados utilizam para perceber a febre das crianças é pelo tato (46,4% das citações). Em seguida têm-se o termômetro (23,6%); alterações comportamentais, como indisposição, sonolência, quietude, entre outras (18,8%) e alterações físicas como face rosada e olhos brilhantes (10,1%) (Tabela 2). Considerando que quase a metade dos entrevistados percebe a febre através do tato, o risco de atitudes precipitadas e errôneas por parte dos pais se torna algo possível de ocorrer, pois o tato não é um método eficaz e seguro no qual se deva basear para decidir sobre qualquer tipo de tratamento antitérmico. Entre os 176 entrevistados que relataram utilizar o termômetro, 173 (98,3%) realizam a aferição de temperatura nas axilas das crianças. Foi verificado em pesquisas anteriores que a temperatura axilar é o método mais aceito em nosso país, satisfazendo plenamente os propósitos clínicos (MURAHOVSCHI, 2003). Tabela 2: Formas de perceber a febre da criança1 Forma de Perceber a Febre Citações* Tato 346 Termômetro 176 Alterações comportamentais 140 Alterações físicas 75 Outros 2 Não sabe/não respondeu 6 Total 745 * Cada indivíduo pode ter citado mais de uma % 46,4 23,6 18,8 10,1 0,3 0,8 100,0 forma 5 Quando questionados se medicam por conta própria (sem consulta médica) a criança em casos de febre, 442 (73,9%) entrevistados afirmaram que sim, 145 (24,2%) disseram que não e 11 (1,8%) deles não responderam. Entre aqueles que afirmaram positivamente, a maioria (54%) citou que utiliza o paracetamol (Tabela 3). Tabela 3: Fármacos utilizados pelos pais/cuidadores para o tratamento da febre nas crianças1 Fármacos Citações* % 19 3,9 Dipirona 171 25,1 Paracetamol 263 54,0 Outros 18 3,7 Não sabe / não respondeu 16 3,3 Ácido acetilsalicílico Total 487 100,0 Pergunta: O tratamento feito é: ( ) farmacológico. Qual? * Cada indivíduo pode ter citado mais de um fármaco 1 Em relação a ocorrência de efeitos indesejáveis causados pelos medicamentos antitérmicos nas crianças, 85,3% (n=510) dos entrevistados afirmou não ter observado nada, 3,7% (n=22) não respondeu e 11,0% (n=66) disseram que sim. Destes, os principais efeitos indesejáveis citados foram: alergia ao medicamento (43,9%), ausência de efeito terapêutico (21,2%) vômitos (13,6%) e sonolência (9,1%). Para o tratamento da febre também são utilizadas medidas não-farmacológicas. Os entrevistados citaram os banhos (como ou sem álcool), as compressas (com ou sem álcool) e os chás como as mais utilizadas (Tabela 4). Tabela 4: Medidas não farmacológicas utilizadas para o tratamento da febre nas crianças1 Medidas não-farmacológicas Citações* % Banho Banho com álcool 182 32 28,9 5,1 Compressas com álcool Chás 21 33 3,3 5,2 Compressas Roupas leves Outros Não sabe / não respondeu 11 10 1,7 1,6 7 333 1,1 52,9 Total 629 100,0 Pergunta: O tratamento feito é: ( ) não-farmacológico. Qual? * Cada indivíduo pode ter citado mais de uma medida 1 A ocorrência de convulsões febris ainda é um fator que preocupa muito os pais. Nesse estudo, a prevenção de convulsões foi citada 378 vezes como justificativa para realizar o tratamento da febre. Em seguida foram citados: tratar o mal-estar (72 citações), evitar transtornos mais graves (55 citações) e restabelecer a saúde (35 citações). É 6 importante ressaltar que apenas 7,9% (n=30) dos 378 indivíduos que citaram a prevenção de convulsões como principal fator para o tratamento da febre afirmou ter ocorrido casos de convulsão na família. Ou seja, os filhos de 92,1% desses indivíduos nunca tiveram convulsões febris. Estudos recentes demonstram que não há evidências de eficácia do tratamento profilático com antitérmicos na prevenção de convulsões (revisado por FETVEIT, A.; 2007). Conclusões Os dados do presente estudo sugerem que os pais e cuidadores das crianças da cidade de Anápolis possuem bom conhecimento sobre as temperaturas normais e febris do organismo. Apesar disso, ainda foi considerado alto o consumo de medicamentos antitérmicos pelas crianças, uma vez que a febre nem sempre exige tratamento medicamentoso. A fobia da febre ainda persiste, principalmente em relação às convulsões febris. Verifica-se, portanto, a necessidade de realizar intervenções educativas para a população para a promoção do uso racional de medicamentos antitérmicos na cidade de Anápolis. Referências bibliográficas BARKIN, R. M.; ROSEN, P. Emergências pediátricas: orientação para a assistência ambulatorial. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996. Braz J Med Biol Res. v. 34, p. 301-14, 2001. EICHENWALD, H. F. Fever and antipyresis. Bulletin of the World Health Organization. v. 81, n. 5, p. 372-374, 2003. FETVEIT, A. Assessment of febrile seizures in children. Eur. J. Pedriatr., DOI 10.1007/s00431-007-0577-x, 2007. KLUGER, M.J. Fever: role of pyrogens and cryogens. Physiol. Rev., v. 71, p. 93-127, 1991. MCCARTHY, P. L. Febre. In: GREEN, M.; HAGGERTY, R. J. Pediatria ambulatorial. Porto Alegre: Artes médicas, 1998. p. 150-155. MEREMIKWU, M; OYO-ITA, A. Physical methods for treating fever in children (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, 2. ed. 2005. Oxford: Update Software. MURAHOVSCHI, J. A criança com febre no consultório. Jornal de pediatria, Rio de Janeiro, v. 79, Supl. 1, p. S55-S64, 2003.