APRESENTAÇÃO A juventude rural e os desafios do desenvolvimento local Foto: Liviam Beduschi Luiz Carlos Beduschi Filho As relações entre juventude e desenvolvimento local, apresentadas nas três seções desta publicação – Idéias, Organização e Ação, Trajetória e Visão –, refletem a convicção nas capacidades e potencialidades de um segmento social que, a cada dia, vem ganhando mais espaço e visibilidade na sociedade. Como afirma o Secretário Nacional de Juventude, Beto Cury, “o mais importante nesse governo foi reconhecer que a juventude não é apenas uma fase de transição na vida e sim um segmento social com diferentes recortes”. Reflexo disso são algumas inovações que estão ocorrendo no País, como a instituição da Comissão Especial da Juventude da Câmara dos Deputados Federais (Cejuvent), a criação do Consórcio Social da Juventude, a implementação do Pronaf Jovem e do Nossa Primeira Terra. “A juventude leva consigo o ‘germe da mudança’. Espera-se dela uma atitude contestadora, provocada pelo inconformismo, que pode desencadear processos de mudança social.” Por outro lado, a juventude leva consigo o “germe da mudança”. Espera-se dela uma atitude contestadora, provocada pelo inconformismo com determinadas situações, que pode desencadear processos de mudança social. É coerente com isso a idéia de Wilson Schmidt, novo gerenteexecutivo do Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural (Cedejor), ao afirmar que a formação dos jovens deve ser vista como um meio, e não como um fim em si, para mudar o perfil dos territórios. 06 APRESENTAÇÃO Apesar da importância da dimensão local implícita nesse raciocínio, vale lembrar que os territórios não estão desconectados de dinâmicas mais amplas. Causas de problemas e oportunidades de desenvolvimento estão, muitas vezes, além dos limites territoriais. As análises de Ícaro Cunha, sobre as crescentes demandas por recursos naturais, e de Márcia de Paula Leite, sobre as dinâmicas atuais dos mercados de trabalho, explicitam essas relações e os potenciais conflitos e oportunidades que engendram. “O desafio está em provocar uma verdadeira alteração na correlação de forças entre os diferentes atores sociais, que possa resultar em melhores condições de vida para a sociedade como um todo.” Essas duas dimensões – oportunidades e conflitos – estão presentes de forma permanente no cotidiano dos territórios. Aprender a lidar com elas, de forma a aproveitar as oportunidades e minimizar os efeitos negativos dos conflitos, é um desafio capital no processo de formação de jovens. O desafio está em provocar uma verdadeira alteração na correlação de forças entre os diferentes atores sociais, que possa resultar em melhores condições de vida para a sociedade como um todo. O que se espera do jovem rural, então, é que ele seja um empreendedor, no sentido amplo empregado no artigo de Osvaldo Ruiz, em diferentes esferas: econômica, política, social, ambiental e cultural. Espera-se que atue como verdadeiro agente de desenvolvimento territorial, nas palavras de Wilson Schmidt. Dessa forma, oferecer ao jovem rural formação humana, gerencial e técnica, com ênfase no fortalecimento da sua capacidade empreendedora, como propõem o Instituto Souza Cruz e o Cedejor, parece ser a orientação adequada. Estimular o empreendimento privado é condição importante para a afirmação do jovem na sociedade, como demonstram as experiências de alguns dos jovens rurais apoiados pelo Cedejor. Entretanto, isso pode não ser suficiente para provocar alterações mais amplas na sociedade se não estiver articulado com outros atores sociais. Associado ao aumento da capacidade técnica e gerencial, é necessário fortalecer as habilidades sociais dos jovens, entendidas como “a habilidade de induzir outros atores a cooperar”, para que possam ocupar espaços e influenciar decisões políticas que afetam as dinâmicas dos territórios em que estão inseridos. “Despertar o desejo de mudanças nos mais velhos e conseguir a sua cumplicidade em projetos inovadores continua sendo um grande desafio para os jovens rurais.” Os conhecimentos técnicos que o jovem David de Lima Pacheco está adquirindo, no Cedejor em Irati, ampliam não só a sua capacidade para empreender individualmente um projeto produtivo (piscicultura), mas também para induzir outros atores a cooperar com ele. Assim, a associação de agricultores, por exemplo, concordou em “implantar um sistema de coleta de lixo na comunidade para evitar o despejo no rio e preservar a natureza”. Segundo David, em breve, os moradores vão se reunir para iniciar a construção da igreja da comunidade. Vale lembrar que, como mostram os comentários dos vários jovens entrevistados, convencer os agricultores mais velhos, seus pais entre eles, a modificar suas práticas individuais e coletivas, não é tarefa simples. Experiências anteriores vividas por eles indicam que o caminho mais seguro é seguir “fazendo mais do mesmo”. 07 Fotos: Ricardo Ayres Fotos: Ricardo Ayres Foto: Gustavo Stephan APRESENTAÇÃO 08 APRESENTAÇÃO Despertar o desejo de mudanças nos mais velhos e conseguir a sua cumplicidade em projetos inovadores continua sendo um grande desafio para os jovens rurais. Concluindo, cabe destacar, pelo menos, três aspectos relevantes, tratados nas diferentes seções da Revista, que relacionam juventude e localidade. O primeiro deles é a dimensão política do desenvolvimento. Diferentes atores ou grupos sociais, em posições de dominação, têm seus interesses ameaçados em um processo de mudança social. As correlações de forças, que estavam estabilizadas, são alteradas pelo exercício da iniciativa e da criatividade, o que gera comportamentos contrários a qualquer modificação das “regras do jogo”. Exatamente por isso, aqueles grupos sociais em posições subalternas, como é o caso dos jovens rurais, necessitam ampliar sua capacidade organizativa e desenvolver as habilidades sociais indispensáveis para garantir que as mudanças aconteçam. O segundo aspecto trata da relação entre economia e sociedade. A constatação de que a ação econômica não acontece no vácuo, mas está incrustada em uma estrutura social complexa, resultado de uma verdadeira teia de relações formais e informais entre múltiplos e variados atores sociais e instituições, reforça a idéia de que é necessário que os jovens rurais atuem em projetos produtivos, mas que também empreendam ações que contribuam para alterar o ambiente institucional no qual as suas ações econômicas estão inseridas. O terceiro deles diz respeito à aprendizagem social. A aprendizagem por meio da interação com o diferente é condição fundamental para a alteração de comportamentos individuais e coletivos e para o surgimento de inovações. Dessa forma, a inserção em redes que estimulem o intercâmbio de experiências e a construção de conhecimentos é importante para ampliar a capacidade de intervenção dos atores em seus territórios. A realização da Jornada Nacional do Jovem Rural: Empreendedorismo e Desenvolvimento Local Sustentado, realizada em setembro de 2005, é um bom exemplo disso. Os depoimentos dos participantes não deixam dúvida sobre a importância que teve a Jornada para o fortalecimento da atuação de cada um deles nas suas regiões. Por outro lado, espaços colegiados, como os Conselhos de Desenvolvimento Rural, podem ser mais do que a instância burocrática em que os distintos segmentos sociais representados expõem suas listas de reivindicações. Eles podem ser o lócus para um intenso processo de aprendizagem social que permitirá aos diferentes atores alterar, de forma consciente e autônoma, seus comportamentos, manifestando, como sugere o artigo de Paulo Haddad, aquela “energia capaz de canalizar, de forma convergente, forças que estavam latentes ou dispersas”. Quando estas forças estiverem em movimento, aí sim, poderemos afirmar, como Celso Furtado, que o desenvolvimento está ocorrendo. E este é o amplo panorama reflexivo que este número de Marco Social oferece ao leitor comprometido com a mudança social. Luiz Carlos Beduschi Filho é engenheiro agrônomo e mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é consultor do Escritório Regional para América Latina e Caribe da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). 09