“A volta da matemática confusa”.

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Krugman, Paul. “A volta da matemática confusa”. São Paulo: Valor Econômico, 08 de outubro de 2001.
Jel: E, F
A volta da matemática confusa
Paul Krugman
Tirando os nervos pós-terror, o que aflige em especial a economia americana é uma coisa boa demais.
Durante os anos da bolha, as empresas gastaram demais em equipamentos de capital; a capacidade
excessiva resultante é um freio aos investimentos, e daí, um freio à economia como um todo.
Já é hora desse excesso ser eliminado. Neste ínterim, a política econômica deveria encorajar outros gastos
para compensar o recuo temporário nos investimentos empresariais. Taxas de juros baixas, que
promovem gastos em moradia e outros bens duráveis, são a principal resposta. Mas parece inevitável que
venha a existir um pacote de estímulo fiscal.
Esse pacote deveria incluir apenas medidas que realmente promovam os gastos agora, quando a economia
precisa deles. Não deveria incluir nada que piore mais que o necessário a situação orçamentária de longo
prazo ou algo que pareça "pegar carona", explorando as dificuldades de curto prazo da economia para
perseguir alvos de longo prazo não relacionados.
Infelizmente, a administração Bush já tomou um enorme passo na direção oposta a este princípios.
Até o final da semana passada, parecia que a maior parte do estímulo fiscal consistiria de gastos públicos
para reconstruir Nova Iorque, para pagar as operações militares e para pagar o seguro desemprego. Isto
claramente colocaria dinheiro na economia de maneira temporária.
Colocar dinheiro para famílias de baixa renda também seria de bom senso. O problema com um corte de
impostos temporário é que não há certeza de que as pessoas gastarão o dinheiro adicional; de fato, o corte
recente parece que foi parar diretamente nos bancos do que na economia. As chances seriam melhores se
o dinheiro fosse para os menos abastados, cujos gastos são freqüentemente restringidos pela simples falta
de dinheiro.
Mas os principais itens da proposta de estímulo fiscal do governo, e confirmada por George W. Bush após
um encontro com os "linha-dura" do Congresso, são aqueles totalmente equivocados - que sugerem que a
aliança bipartidária terminou, e que estamos de volta à política orçamentária cínica do passado.
Uma proposta chave é um corte permanente de impostos para as empresas. Isto viola o princípio básico
de que as propostas do estímulo fiscal devem ser de curto prazo. Além disso, teria um efeito apenas
modesto mesmo agora, pois há excesso de capacidade na economia; mas isto aumentaria os juros no
longo prazo, pelo aumento do déficit futuro e pelo aumento dos empréstimos das empresas. E como os
juros de longo prazo é que influenciam o setor imobiliário, no geral esta medida atrasaria a recuperação
econômica ao invés de promovê-la.
Outra proposta chave do governo é uma aceleração do corte de impostos nas faixas salariais mais altas
que pela lei atual não iria acontecer nos próximos anos. Esta parece uma idéia bizarra: distribui dinheiro
para aqueles que são os menos prováveis a gastá-lo. Seria este um caso de reflexo condicionado dos
conservadores, a crença de que um corte de impostos aos ricos é a solução para todos os problemas?
Na verdade, não: é pior do que isto. O motivo real para se acelerar o corte de impostos de Bush é para
interromper a crescente probabilidade de que parte do corte de impostos seja revertida.
Nos últimos meses o horizonte de longo prazo do orçamento escureceu dramaticamente; fomos de uma
discussão sobre o ataque ao superávit da Seguridade Social a uma possibilidade bem clara de um puro e
simples déficit. Uma resposta natural seria a de, assim que a economia se recuperar, cancelar parcialmente
ou totalmente o corte de impostos, especialmente para os níveis maiores de renda que deveria acontecer
de 2004 em diante. De um ponto de vista político, isto seria bem mais difícil de se fazer uma vez que os
cortes já tivessem sido implementados.
E é certamente porisso que o governo dos EUA quer acelerar o corte de gastos. Está sendo vendido como
um caso de proposta de estímulo de curto prazo, mas é na verdade um caso escondido de "pegar carona."
Para piorar as coisas, uma análise preliminar dos números sugere que a "matemática confusa" está de
volta: o governo parece estar subestimando muito os custos orçamentários de suas propostas e fingindo
que um pacote que consiste basicamente de cortes de impostos está dividido igualmente entre corte de
impostos e de gastos.
Até onde podemos ver, o formato final do pacote de estímulo fiscal está ainda fluido. O pacote final pode
ser desenhado a fim de ajudar a economia de verdade, ou pode ser um veículo de oportunismo político.
Tristemente, a última possibilidade acaba de se tornar muito mais provável.
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