Rev Panam Infectol 2010;12(1):28-30. artículo original/artigo original Determinação do perfil sorológico de toxoplasmose em um grupo de pacientes febris residentes no município de Santana, Amapá* Determination of serological profile of toxoplasmosis in a group of febrile patients living in the Municipality of Santana, Amapá State Ediclei Lima do Carmo1; Giselle Maria Rachid Viana2; Júlia Eugênia Figueredo3; Cléa Nazaré Carneiro Bichara4; Marinete Marins Póvoa5 Bacharel em Biologia e Mestre em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários pela Universidade Federal do Pará, Belém-Pará (UFPA); Pesquisador Contratado da Seção de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas (IEC/SVS/MS), Ananindeua, Pará, Brasil; 2 Farmacêutica-Bioquímica pelo Centro Universitário do Pará, Belém - Pará (CESUPA), Mestre em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários pela Universidade Federal do Pará, Belém - Pará (UFPA); Pesquisadora Contratada da Seção de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas (IEC/SVS/MS), Ananindeua, Pará, Brasil; 3 Farmacêutica pelo Centro Universitário do Pará, Belém - Pará (CESUPA); Ex-Bolsista do Laboratório de Toxoplasmose do IEC/SVS/MS, Ananindeua, Pará, Brasil; 4 Médica e Professora Titular da Universidade do Estado do Pará (UEPA); Mestre em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários pela Universidade Federal do Pará, Belém - Pará (UFPA); Pesquisadora Colaboradora da Seção de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas, (IEC/SVS/MS), Ananindeua, Pará, Brasil; 5Farmacêutica-Bioquímica pela Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro - RJ, Doutora em Parasitologia Médica pela University of London, Inglaterra, Pesquisadora Titular do IEC, Coordenadora dos Laboratórios de Toxoplasmose e de Pesquisas Básicas em Malária do IEC e Pesquisadora do CNPq, Nível 1-D, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 1 Rev Panam Infectol 2010;12(1):28-30. Conflicto de intereses: ninguno Recibido en 27/01/2009. Aceptado para publicación en 9/3/2009. 28 Abstract To determinate the serological profile of toxoplasmosis in a group of febrile patients resident in the municipality of Santana, Amapá State, forty two patients with fever of unknown origin assisted at Municipal Hospital of Santana were evaluated by specific serology (research of IgG and IgM anti-T. gondii antibodies). The tests demonstrated that 76.2% of the patients presented only IgG antibodies and that 11.9% presented IgM and IgG. The results suggest that the seroprevalence of toxoplasmosis in this municipality is high, fact that is corroborated by the indicative of recent/acute transmission, since a part of the febrile patients had serological profile of acute infection. Key words: Toxoplasmosis, serological profile, febrile patients, Santana-AP. Resumo Para determinar o perfil sorológico de toxoplasmose em pacientes febris residentes no município de Santana, Amapá, 42 pacientes com quadro febril de origem desconhecida, atendidos no Hospital Municipal de Santana, foram avaliados por sorologia específica para toxoplasmose (pesquisa de IgG e IgM anti-T. gondii). Os testes demonstraram que 76,2% dos pacientes apresentaram somente anticorpos da classe IgG e que 11,9% apresentaram anticorpos IgM, além de IgG. Os resultados sugerem que a soroprevalência de toxoplasmose no município é alta, fato corroborado pelo indicativo de transmissão ativa/recente, visto que parte dos pacientes febris possuía perfil sorológico de infecção aguda/recente. Palavras-chave: Toxoplasmose, perfil sorológico, pacientes febris, Santana-AP. Introdução A toxoplasmose, infecção causada pelo protozoário intracelular Toxoplasma gondii, é uma zoonose emergente que apresenta distribuição cosmopolita. A transmissão da infecção pode ser pela via oral com a ingestão de carne de animais de produção ou de caça contendo cistos teciduais do parasito, ou ingestão de água Carmo EL, et al • Determinação do perfil sorológico de toxoplasmose... ou alimentos contaminados com oocistos excretados nas fezes dos felinos domésticos ou silvestres.(1,2) Em humanos, a soroprevalência de toxoplasmose no mundo em geral é alta, podendo alcançar índices de até 90% em alguns países.(1,3-5) No Brasil, numerosos inquéritos sorológicos têm sido realizados, os quais apresentaram soroprevalência variada.(6-8) Na Amazônia brasileira, a soroprevalência da toxoplasmose também é elevada, podendo alcançar índices superiores a 70%.(9-12) Nessa região, as características ambientais são adequadas para o desenvolvimento do parasito e justificam esta prevalência. Além disso, outros fatores como o homem vivendo em zonas urbanas ou rurais próximas a áreas de floresta, o elevado número de felinos e o hábito da população de eventualmente consumir outros animais domésticos ou selvagens, contribuem para a alta transmissão da infecção em virtude do possível contato frequente com o parasito.(9) No Estado do Amapá, registros de inquéritos soroepidemiológicos para toxoplasmose na população local, são escassos;(13,14) diante desse fato, foi proposta uma análise sorológica piloto para a referida infecção. Assim, este estudo piloto foi proposto com o objetivo de determinar o perfil sorológico para toxoplasmose em um grupo de pacientes febris residentes no município de Santana, Estado do Amapá. Material e métodos A coleta das amostras foi realizada na área urbana do município de Santana (00º 02’ 06’’ S; 51º 10’ 30” O), Estado do Amapá, especificamente na demanda de pacientes apresentando quadro febril de origem desconhecida atendidos no Hospital Municipal de Santana em novembro de 2007. Após esclarecimento sobre os objetivos, procedimentos a serem realizados, riscos e benefícios do estudo, os pacientes ou responsáveis assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com as recomendações do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Evandro Chagas, que aprovou este estudo (CEP/IEC-CAAE:0009.0.072.000-07; Protocolo nº. 0007/07). Aqueles que concordaram em participar do estudo forneceram também informações para preenchimento de ficha clínico-epidemiológica. De cada paciente foi coletada amostra (10 ml) de sangue total por punção venosa em tubo a vácuo sem anticoagulante, o soro sanguíneo foi separado e aliquotado no local, e transportado sob congelamento até o Laboratório de Toxoplasmose do Instituto Evandro Chagas (Ananindeua - PA) para realização da sorologia (Pesquisa de IgG e IgM anti-Toxoplasma). Para triagem sorológica foi utilizada a reação de imunofluorescência indireta qualitativa (RIFIq). As amostras com triagem positiva para uma ou ambas as imunoglobulinas (IgG e/ou IgM anti-T. gondii) foram retestadas pela RIFI quantitativa para determinação dos títulos de anticorpos. segundo descrição de Camargo (1974).(15) Brevemente, os soros foram descongelados, diluídos e colocados para reagir com antígeno de T. gondii fixados em lâminas próprias para a reação. Após etapas de incubação e lavagem foram adicionados os conjugados específicos, anti-IgG ou anti-IgM (bioMérieux® SA) e posteriormente as lâminas foram visualizadas no microscópio de fluorescência. As amostras que proporcionaram a fluorescência total do antígeno fixado nas lâminas foram consideradas positivas. O título de positividade foi relativo à última diluição que ainda apresentava fluorescência. O ponto de corte previamente definido foi o título de 40 para ambas as imunoglobulinas. Resultados Foram obtidas amostras de sangue de 42 pacientes procedentes do município de Santana - AP; destes, 20 eram do sexo masculino e 22 do sexo feminino, com idade variando de 2 a 63 anos. A tabela 1 apresenta o perfil sorológico das 42 amostras de soro dos indivíduos investigados neste município. Tabela 1. Resultado da pesquisa de IgG e IgM anti-Toxoplasma em amostras de soro de 42 moradores investigados no município de Santana - AP Perfil Sorológico Nº % IgG + / IgM - 32 76,20 IgG + / IgM + 05 11,90 IgG - / IgM - 05 11,90 +: Positivo; -: Negativo Todos os indivíduos com perfil sorológico sugestivo de infecção aguda ou recente não relataram, além da febre, qualquer outro sinal ou sintoma sugestivo de toxoplasmose, como infartamento ganglionar, astenia, mialgia, exantema, manifestações oculares, etc. O tamanho da amostra não permitiu a análise das associações entre a soropositividade e parâmetros de idade e sexo. Todos os pacientes relataram contato com felinos domésticos no peri e/ou intradomicílio, além de relatarem possuir o hábito de ingerir constantemente carnes de origem bovina, suína e de aves, tanto bem cozida como malpassada na forma de churrascos. Discussão A toxoplasmose humana na maioria das vezes caracteriza-se por seu quadro clínico benigno e autolimitado. Com exceção do que se observa geralmente em indivíduos imunocomprometidos ou menores infectados pela via congênita, os sintomas quando presentes apenas 29 Rev Panam Infectol 2010;12(1):28-30. sugerem a possibilidade da doença, visto que são comuns a outras infecções. Dentre esses sintomas estão quadros de febre, em geral acompanhados de infartamento ganglionar, cefaleia, mialgia, astenia, náuseas e, em alguns casos, quadro exantemático, manifestações oculares ou com envolvimento visceral.(16,17) No referido estudo, aproveitando a demanda do hospital municipal do município de Santana no Estado do Amapá, foi realizada uma investigação sorológica para toxoplasmose em um grupo de pacientes da área urbana do município que apresentavam quadro febril sem qualquer outra manifestação sistêmica relatada. A investigação indicou um perfil de infecção crônica por T. gondii bastante elevado (76,2%), além dos casos sugestivos de infecção aguda ou recente (11,90%). A etiologia dos demais casos febris, com perfil sorológico de suscetibilidade ou de infecção crônica por T. gondii, não pode ser esclarecida. O elevado índice de soropositividade observado no referido grupo evidencia que a população do município está continuamente exposta aos fatores de risco para contaminação com o parasito (hábitos alimentares que incluem alto grau de carnivorismo e contato frequente com felinos domésticos), ou seja, a soroprevalência da infecção por T. gondii na área urbana do município de Santana provavelmente tende a ser bastante elevada, ao contrário do que foi observado na comunidade de pescadores da vila de Sucuriju, também no município do Amapá (43,8%).(14) Porém, a situação verificada em Santana está de acordo com observações feitas em outras áreas da Região Amazônica, onde a soropositividade para a infecção também foi bastante elevada.(9-12) Os resultados aqui apresentados reforçam a necessidade de se realizar no município de Santana um estudo mais amplo que permita investigar um número maior de moradores, inclusive os pertencentes aos chamados grupos de risco (gestantes, indivíduos imunocomprometidos, etc.), o que não foi possível nesta avaliação piloto. Porém, as informações aqui apresentadas servirão como base para o planejamento completo de investigação soroepidemiológica de toxoplasmose no município de Santana – AP. Agradecimentos Ao projeto PIATAM mar I (Convênio UFPAPetrobras) pelo apoio logístico durante a etapa de coleta das amostras, aos técnicos do IEC, José Mário Peres, Nair Salgado e Rodrigo Marinho pelo apoio nos procedimentos de coleta e de execução dos métodos laboratoriais, e a direção e técnicos do Hospital Municipal de Santana pelo apoio durante a execução do estudo. * Trabalho realizado no Laboratório de Toxoplasmose do Instituto Evandro Chagas (IEC/SVS/MS) – Ananindeua – Pará – Brasil. 30 Referências 1. Tenter AM, Heckeroth AR, Weiss LM. Toxoplasma gondii: From animals to humans. Int J Parasitol 2000;30:1217-1258. 2. Dubey JP. Toxoplasmosis – A waterborne zoonosis. Vet Parasitol 2004;126:57-72. 3. Dubey JP, Beattie CP. Toxoplasmosis of animals and man. CRC Press, Boca Raton FL;1988. 4. Beaman M, McCabe RE, Wong SY, Remington JS. Toxoplasma gondii. In: Enfermidades Infecciosas-Principios y Práctica. Mandell GL, Douglas RG, Bennet JE (eds.). Buenos Aires: Editorial Medica Panamericana, 1997, p. 2754-2770. 5. Jenum PA, Kapperud G, Stray-Pedersen B, Melby KK, Eskild A. Prevalence of Toxoplasma gondii specific immunoglobulin G antibodies among pregnant women in Norway. Epidemiol Infect 1998;120:87-92. 6. Millar PR, Daguer H, Viente RT, Costa T, Carli AL, Sobreiro LG et al. Soroprevalência de anticorpos anti-Toxoplasma gondii em trabalhadores de um matadouro de suínos e em indivíduos com outras atividades na cidade de Palmas, Paraná, Brasil. Cienc Rural 2007;37(01):292-295. 7. Francisco FM, Souza SLP, Gennari SM, Pinheiro SR, Muradian V, Soares RM. Seroprevalence of toxoplasmosis in a low-income community in the São Paulo Municipality, SP, Brazil. Rev Inst Med trop S. Paulo 2006; 48(3):167-170. 8. Galisteu KJ, Mattos CB, Lelis AGL, Oliveira MP, Spejorim LF, Jordão P et al. Prevalência e fatores de risco associados à toxoplasmose em grávidas e suas crianças no noroeste paulista. Rev Panam Infectol 2007;9:24-29. 9. Bichara CNC. Perfil epidemiológico da toxoplasmose humana na área metropolitana de Belém/PA: A experiência no Serviço de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas, Belém/PA. [Dissertação]. Universidade Federal do Pará, 2001. 10. Carmo EL, Silva MCM, Xavier UAM, Costa BO, Póvoa MM. Inquérito sorológico de toxoplasmose em candidatos a transplante renal no Hospital Ofir Loyola, Belém, Pará, Brasil. Rev Panam Infectol 2004; 6:15-17. 11. Cavalcante GT, Aguilar DM, Camargo LM, Labruna MB, de Andrade HF, Meireles LR et al. Seroprevalence of Toxoplasma gondii antibodies in human from rural western Amazon, Brazil. J Parasitol 2006;92(3):647-649. 12. Bóia MN, Carvalho-Costa FA, Sodré FC, Pinto GMT, Amendoeira MRR. Seroprevalence of Toxoplasma gondii infection among Indian people living in Iauareté, São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, Brazil. Rev Inst Med trop S. Paulo 2008;50(1):17-20. 13. Sobral CA, Amendoeira MRR, Teva A, Patel BN, Klein CH. Seroprevalence of infection with Toxoplasma gondii in indigenous Brazilian populations. Amer J Trop Med Hyg 2005;72:37-41. 14. Carmo EL, Figueredo JE, Monteiro NSS, Marinho RR, Viana GMR, Póvoa MM. Soroprevalência de Toxoplasmose na Vila de Sucurijú, Uma Comunidade Pesqueira Localizada no Litoral do Amapá. XIV Congresso Médico Amazônico 008/DTI, Belém, Brasil. 2008. 15. Camargo ME. Introdução às técnicas de imunofluorescência. Rev Bras Patol Clin 1974;10:143-171. 16. Bhopale GM. Pathogenesis of toxoplasmosis. Comp Immunol Microbiol Infect Dis 2003;26:213-222. 17. Sukthana Y. Toxoplasmosis: Beyond animals to humans. Trends Parasitol 2006;22(3):137-142. Correspondência: Ediclei Lima do Carmo Rod. BR 316, Km 07, s/nº - Bairro Levilândia CEP 67030-000 - Ananindeua - PA - Brasil. e-mail: [email protected]