1 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Apresentação do Programa Viagem ao Cérebro O Programa Viagem ao cérebro relaciona a linguagem ao trabalho conjugado do cérebro humano para dar conta da complexidade da vida, o que certamente inclui a escola. Concebendo linguagem e cérebro como produtos histórico-culturais que se constituem mutuamente, propomos conhecer um pouco de seu funcionamento voltado para conteúdos disciplinares que você, professor, abordará em suas aulas, de forma a possibilitar uma reflexão conjunta entre você e seus alunos sobre as atividades e os conteúdos teórico-práticos próprios do 3º Ano do Ensino Médio. Destacamos que, por ser o último do Projeto, o Programa Viagem ao Cérebro retoma alguns conteúdos estudados em anos anteriores, não para apresentar novamente tais conteúdos, mas para destacar deles questões relativas ao funcionamento do cérebro e sua relação com a linguagem e os demais processos cognitivos (atenção, memória, percepção, gestos, raciocínio intelectual). É nossa preocupação também, ao retomar certos conteúdos, separar o que é da ordem do normal do que se apresenta de fato como patologia. Por que juntar cérebro e linguagem? Partimos de uma determinada concepção de cérebro e de linguagem cuja compreensão possa produzir efeitos na sua prática em sala de aula. Apresentamos, abaixo, de forma bastante resumida, essas concepções. Concebemos, com Franchi (1977), a linguagem como trabalho, relacionado às múltiplas experiências vivenciadas entre os interlocutores envolvidos em práticas sociais em que se destacam o papel da fala, leitura e escrita que, por sua vez, se articulam com a memória, a atenção, a percepção, os gestos, o raciocínio intelectual, as coordenadas espaciais e temporais. Linguagem como mediadora das relações humanas e culturais que transforma a realidade e é transformada por ela, sendo crucial para isso uma reflexão metalingüística praticada no tempo adequado, ao final da formação escolar em que se encontram os alunos, quando já vivenciaram, em muitos contextos, o aprendizado da língua, um dos eixos norteadores das atividades propostas nesta Viagem. Cérebro como trabalho conjugado de suas partes (com ênfase nos dois hemisférios e nos três blocos cerebrais – esquematizados abaixo), estruturas e funções, que funcionam como uma orquestra cujo maestro é você, professor, e seus alunos, em tempos diferentes, que acontecem a partir da experiência vivida, bem como imaginada e retratada por outros. Os conhecimentos sobre o cérebro são tomados do neuropsicólogo e neurologista A. R. Luria não para serem abordados como conhecimentos específicos da medicina, mas como conhecimentos que as autoras desta Viagem, de diferentes 2 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry formações profissionais (lingüistas, fonoaudióloga, professoras de português e de inglês e todas com formação em neurolingüística), advindos de vários autores que estudaram. Neste programa nós, as autoras, queremos partilhar com vocês (professores e alunos) esse patrimônio, para contribuir para a prática docente e o aprendizado. Por isso, apresentamos o cérebro de um modo tal que você conheça um pouco de seu funcionamento, de forma a entender como se dá o aprendizado, o papel da linguagem nesse processo, de outras pessoas (professores, colegas, familiares) que participam dele, criando condições para que se estabeleça uma atitude ativa frente à atenção, que seja mantida e ampliada a motivação e que possamos reconhecer o desejo de aprender. Entender, também, um pouco da percepção, da seleção e associação realizadas pela memória; tocar na questão da emoção e de como ela participa do planejamento do que dizer, escrever, fazer, bem como na realização de ações. Luria, sendo discípulo de Vygotsky, compartilha da concepção histórico-cultural das funções psíquicas superiores (linguagem, memória, atenção, percepção, gestos) que fazem parte das atividades que realizamos na vida e na sala de aula. Lobo Parietal Lobo Occipital Bloco I Lobo Frontal Lobo Temporal Bloco III Bloco II Bloco I (figura superior direita) – é formado pelas áreas superiores do tronco cerebral composto, particularmente, pelo hipotálamo, tálamo ótico e sistema de fibras reticulares, sendo responsável pelo estado de alerta do cérebro e pela seleção contínua de estímulos. 3 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Bloco II (figura inferior direita) – que se localiza na porção posterior do cérebro, formada pelos lobos parietal, temporal e occipital - desempenha um papel-chave no recebimento, elaboração e registro das informações que chegam ao cérebro. Bloco III (figura inferior esquerda) – localizado na porção anterior do cérebro, composta pelo lobo frontal – é responsável pela formação de intenções e programas de ação. Fonte: Coudry, M.I.H. e Freire, F.M.P. O trabalho do cérebro e da linguagem: a vida e a sala de aula. Linguagem e letramento em foco – Língua Portuguesa, fascículo para o curso de formação de professores (Cefiel/IEL), Ministério da Educação, 2005. Linguagem e cérebro, portanto, participam ativamente do processo de aprendizado, que deve aproximar os conhecimentos que os alunos trazem de sua vida - abrindo espaço para que eles os articulem com outros conhecimentos e práticas - com aqueles abordados pela escola, ampliando-os e considerando as diferenças entre alunos e professores, que se modificam ao longo de sua convivência. Professor, motivar seus alunos para aprender, para ler com compreensão e escrever com sentido é exercer um trabalho (coletivo e individual) que integra cérebro e linguagem. Destacamos, nesse Programa, que a motivação possibilita que o aprendizado efetivo aconteça e se mantenha. Para que isso ocorra é fundamental que o assunto proposto em sala de aula faça sentido para você e seus alunos, entendendo que o conhecimento é construído em conjunto, de forma não linear, em espiral, como aprendemos com Vygotsky (1926) – e isso se dá na interação (no caso, em sala de aula), o que redunda no desenvolvimento humano. Assim apresentamos a possibilidade de aprender a lidar com preconceitos em relação a como se fala e como se escreve, que tanto prejudicam a vida humana e suas relações. Do contrário, cai-se na banalização de interpretar a escrita e leitura que os alunos fazem como sendo da ordem do patológico, sobretudo se esses produtos vierem associados a uma variedade de fala não padrão e estigmatizada socialmente. Erros – que são tentativas de ler e de escrever possíveis no momento, por várias razões - são interpretados/tomados como sintomas de doenças. Em outras palavras, se a variedade de fala dos alunos for transposta para sua produção escrita sem a intervenção do professor, que deve mexer em seus textos, ela permanecerá assim ao longo da vida. Se isto acontecer, os alunos não têm chance de dominar a escrita como uma prática social estabilizada. Foi pensando em todas essas questões que elaboramos os textos, as atividades pósexibição e os jogos interativos articulando conteúdos disciplinares do Ensino Médio, 4 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry sobretudo do 3º ano, com o funcionamento integrado do cérebro, da linguagem e dos demais processos cognitivos (atenção, memória, percepção, gestos, raciocínio intelectual), imersos na vida em sociedade. Enfatizamos em nosso Programa a importância de aprender a aprender, e de passar isso adiante, chave para buscar soluções e tornar o aluno autônomo para construir sua vida daqui para frente, participando e interferindo na realidade político-social brasileira. Este guia é organizado a partir de um conjunto de materiais multimodais como imagens, textos, recursos digitais reunindo escritos infográficos (do cérebro), fotos, ilustrações, mapas, quadros Para Saber Mais, Para ver mais (filmes) exercícios, resoluções, músicas, além de indicação de livros, sites, buscando oferecer a você e ao seu aluno a melhor compreensão dos temas abordados. De cada episódio constarão 7 atividades, sendo a última um projeto de escrita de textos, em vários gêneros discursivos, seguidas de sugestões de respostas e comentários preparados para dar suporte a você, professor. Considere que se trata apenas de sugestões e que outras respostas, de sua parte e de seus alunos, são bem-vindas. Em algumas atividades também haverá quadros Para Saber Mais, cuja função é tanto ampliar e ilustrar os conteúdos tratados quanto despertar para novos conhecimentos e formas de olhar o mundo. Depois de todas as atividades, apresentamos textos que introduzem os jogos interativos de cada episódio, de forma que você, professor, possa conhecer sua função no conjunto do Programa e como são abordados os conteúdos disciplinares. Em seguida, apresentamos Para ver mais, um conjunto de filmes que propõem dirigir o olhar do aluno para os conteúdos tratados. E, finalmente, vem a bibliografia utilizada no Programa Viagem ao Cérebro com uma indicação de seu tema central, sites acessados e livros, sendo que alguns deles podem ser acessados livremente em diferentes endereços eletrônicos. 5 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Sinopse do Programa de vídeo Viagem ao Cérebro Viagem ao Cérebro é uma história cheia de fantasia, na qual um casal de adolescentes, Pedro e Carolina, está literalmente dentro da tela de um computador, procurando uma saída. Nessa aventura fantástica, eles vão se encontrar com Alexander Romanovich Luria, o famoso neuropsicólogo russo, e aprender como funciona o cérebro humano e descobrir a chave para voltar ao real, conseguindo escapar de dentro do computador. Autores Maria Irma Hadler Coudry Sonia Maria Sellin Bordin Michelli Alessandra Silva Giovana Dragone Rosseto Antonio Ana Laura Gonçalves Nakazoni Coordenação Maria Irma Hadler Coudry 6 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Episódio I Sinopse Neste episódio, os adolescentes, cansados de procurar uma saída do computador, resolvem explorar, como último recurso, um ícone do computador que ainda não haviam tentado: a lixeira. Dentro dela encontram um mapa com pistas que os levam à Rússia, onde, nos próximos episódios, acontecerá uma série de ações que os fazem descobrir, finalmente, a saída. Atividades pós-exibição Atividade 1: Relações espaciais e linguagem Como vai o seu GPS? GPS - Global Positioning System - é uma sigla composta de palavras escritas em inglês que traduzidas para o português equivalem a Sistema de Posicionamento Global. Tratase de um sistema gerenciado por satélite americano usado para determinação local, espacial, de um objeto (caracterizado como receptor) na superfície da terra (carro, navio, trem); ou no espaço (avião, satélite, foguete). Além dos Estados Unidos, a Rússia também tem um sistema desse tipo chamado Glonass. A China e a Europa estão em fase de implantação dos seus. Grosso modo, pode-se dizer que a ideia de um sistema de localização no espaço é derivada da capacidade biológica e culturalmente desenvolvida pelo homem de relativizar o posicionamento do seu próprio corpo no espaço e de dimensionar sua distância de diferentes corpos e objetos. Na evolução da espécie, a necessidade do homem em lidar com informações que favorecessem a agricultura e a divisão do tempo fez com que os planetas e seus alinhamentos passassem a ser definitivamente considerados. Quais estações favorecem o plantio, ou a colheita? Que horas o sol nasce? O que acontece no oriente quando tudo isso se passa no ocidente? Como reflete na bolsa 7 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry de valores a relação venda/compra no preço do café ou da soja na época da colheita ou na entressafra? Essas são questões de gerenciamento global interferindo todos os dias na vida de todos. Temos também no nosso corpo um GPS biológico e culturalmente desenvolvido, que tem como objetivo a proteção da vida; por exemplo, quando encostamos sem perceber em algo muito quente, por meio de uma reação reflexa retiramos a mão rapidamente e passamos a evitar esse lugar e a garantir a distância do nosso corpo em relação a ele; ou quando calculamos o tempo que levaremos para atravessar uma rua com determinada largura; ou ainda quando um motorista senta no carro para dirigir no Brasil (a direção se situa à esquerda), ou na Inglaterra (a direção se situa à direita). Outras tarefas, cotidianamente repetidas, são realizadas automaticamente quando incorporadas a esse sistema: preencher e assinar um cheque sem olhar; teclar um número de telefone sem olhar para o teclado, pela posição dos dígitos acompanhados pelos movimentos dos dedos; ou também digitar sem olhar para o teclado do computador. Ou seja, a orientação espacial que construímos sócio-culturalmente se fixa pela repetição e uso, tornando-se memória. Nosso GPS entra em funcionamento consciente quando temos que encontrar um lugar, um endereço que não conhecemos. Para dar conta disso, neurologistas indicam que podemos trabalhar com algumas estratégias e suas combinações, são elas: orientação quando usamos uma referência conhecida ou visível como ponto de destino, ou seja, “Olhe lá em cima, essa loja fica à esquerda daquele prédio alto pintado de azul e vermelho”; integração do trajeto - com a ajuda de alguém você refaz o trajeto pela memória dos próprios movimentos e de tudo o que percebeu naquele momento, e em um determinado ponto desse trajeto memorizado você é orientado quanto à direção a seguir; acompanhamento de rota - alguém lhe indica um caminho “você segue três quadras e depois vira à direita, passa em frente a uma loja toda pintada de vermelho, vira à esquerda e pega a Avenida Brasil e na altura do número 1419 estará no seu destino”. Cabe a você seguir essa indicação sem nunca ter ido anteriormente a esse lugar. Nesse último caso, se esquecer uma indicação estará totalmente perdido, mas essa é, em geral, a forma mais comum de informar a direção a ser seguida para quem 8 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry pergunta por um endereço. Parece que as pessoas memorizam apenas o que é necessário para se locomover, sem criar para isso um mapa exatamente. Quando você caminha em uma direção, durante o percurso vai armazenando informações visuais e cria um trajeto mental; tempos depois já consegue encurtar esse caminho ou seguir outras rotas próximas à primeira, sem se perder. Em nossa sociedade, a relação com o espaço não é a mesma entre homens e mulheres. Historicamente os homens foram responsáveis por várias tarefas que envolviam o domínio do espaço fora da casa: nas guerras, caçadas, trabalho, plantio etc. Por outro lado, as mulheres desenvolveram outros tipos de competência para viver em sociedade: fazer várias coisas ao mesmo tempo para conseguir cuidar dos filhos e simultaneamente dos vários afazeres da casa, além de cuidar de seus suprimentos. E o que tudo isso tem a ver com a linguagem? A questão espacial está implicada diretamente na organização da fala, leitura e escrita. As referências espaciais pela linguagem (aqui, ali, lá, onde, próximo, distante, ao lado, paralelo, em cima, embaixo, na frente, atrás, à esquerda, à direita, norte, sul, leste, oeste, entre outras) mostram isso. As relações espaciais são construídas pela experiência de vida em sociedade no processo de evolução da espécie, as práticas sociais possibilitam pela linguagem formular relações espaciais precisas. Para descrevermos a figura de um carro em frente a uma árvore, recorre-se ao uso de preposições ou locuções prepositivas: “o carro está estacionado na frente da árvore”, outra possibilidade é descrever como “a árvore esta atrás do carro”. A preposição permite expressar relações de várias naturezas, no caso, envolvendo lugar ou tempo, que dão conta de como as coisas/pessoas estão dispostas no mundo. Outro instrumento que envolve espaço, o mapa, criado por volta de 6200 AC, é uma representação bidimensional de um espaço tridimensional, como o planeta terra, cuja superfície é curva e possível de ser representada por uma superfície plana. Veja, no episódio 1 e início do episódio 2 do vídeo Viagem ao Cérebro, que Pedro e Carolina também se deparam com um mapa que se torna uma peça crucial para chegarem até a Rússia e lá, com a ajuda de Luria, desvendarem o segredo CONEXÃO-LINGUAGEM para 9 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry saírem do computador. Pedro e Carolina parecem não ter familiaridade com mapa, talvez porque se trate de uma questão cultural. No Brasil, utilizamos pouco os mapas e perguntamos muito para obter informações sobre locais onde queremos chegar. Estrangeiros, quando vêm para cá, estranham isso. Eles usam muito mapa, talvez porque viajem com frequência de um país para outro e perguntar seria mais difícil em função da diferença de língua e de cultura. Prática em sala de aula Sabendo que a linguagem é povoada de palavras e expressões que remetem a espaço (como pontos cardeais, preposições, etc.), veja o trajeto abaixo no mapa da Cidade Fantasia: Escreva por extenso as orientações necessárias para: 1. Pedro chegar à casa de Carolina. 2. Carolina levar sua irmã ao Centro de Surdos. 3. O Zé ir de sua casa ao Clube e de lá ao Estádio Ponte Branca. 4. Os três jovens, saindo de suas casas, se encontrarem no Shopping. 10 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry 5. O pai de Carolina ir de sua casa ao Banco. Resposta Esperada Nas respostas esperadas é possível haver vários modos de se chegar ao local indicado. Abaixo apresentamos um caminho possível para cada um deles, e, você, professor, e seus alunos, poderão descobrir outros. 1. Pedro pega a rua da Sinapse, vira a primeira à direita onde há uma Delegacia na esquina e, no final do quarteirão, na esquina com a Avenida A. R. Luria, fica a casa da Carolina. 2. Carolina pega a Avenida A. R. Luria, anda duas quadras e vira à esquerda na Rua dos Gestos; o Centro de Surdos fica na esquina com a Rua da Sinapse. 3. Zé pega a Rua dos Gestos, segue em frente até a Avenida da Universidade, vira à esquerda, anda uma quadra e na próxima esquina fica o Clube; depois sai do Clube pela Rua da Memória, anda três quadras, vira à direita na Avenida A. R. Luria, onde fica o Estádio Ponte Branca. 4. Carolina e Zé pegam a Avenida A. R. Luria; Carolina em direção ao Sul e Zé em direção ao Oeste. Pedro pega a Rua da Sinapse e vira a primeira à direita. 5. Pega a Avenida A. R. Luria, em direção ao Sul, até o final, vira à esquerda na Avenida Vygotsky, segue em direção ao Leste até o Centro Recreativo, vira à esquerda na Rua da Atenção e anda uma quadra e meia. Agora localize: 1. o lugar que fica ao leste da casa de Pedro e atrás do Conjunto Residencial. 2. o lugar que fica duas quadras ao Norte da casa da Carolina e ao lado da Padaria. 3. Conjunto Comercial em relação ao Estádio Ponte Branca e à Prefeitura. 4. a Avenida Vygotsky em relação à Rua da Palavra. 5. a Rua da Atenção em relação ao Correio. Resposta Esperada 1. Centro Recreativo. 2. Universidade. 3. O Conjunto Comercial fica ao Leste do Estádio Ponte Branca, em frente à Prefeitura. 4. A Avenida Vygotsky é a terceira via paralela à Rua da Palavra, no sentido sudeste. 5. A Rua da Atenção fica uma quadra e meia do Correio, no sentido nordeste. Comentário para o Professor Como vimos, professor, no texto incial dessa atividade a questão espacial está implicada diretamente na organização da fala, leitura e escrita. De que maneira? A fala se desenvolve em um continuum em relação ao tempo: as sequências de sons que formam as palavras e as pausas entre as unidades de sentido 11 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry mostram isso. Ao falar, as pausas funcionam também como marcadores de um espaço que estrutura não só nossa própria fala como também assegura a entrada do outro no discurso. Além das pausas, usamos marcadores discursivos (prolongamentos vocálicos, aí, então, daí) para mostrar ao nosso interlocutor que ainda não acabamos de falar. Na escrita o espaço contém o que é escrito, e segue um padrão culturalmente instituído para poder ser lido. Por exemplo: as palavras estão dispostas de maneira diferente na escrita ideográfica (sentido vertical) e alfabética (sentido horizontal). Na leitura, como na escrita, o espaço delimita a ordem do que deve ser escrito/lido e isso interfere na questão do sentido. Nas cidades, o escrito (outdoors, placas, letreiros, propagandas, muros, vitrines) pode vir delimitado em diferentes dimensões e todos nós somos capazes de reconhecer e ler. Professor, o objetivo de propormos uma atividade que utilize mapa é de refletir junto com o aluno como as informações nele contidas podem ser representadas pela linguagem e como esta pode ser convertida em informações espaciais representadas no mapa. O mapa é feito para ser lido e interpretado; é composto de imagens e indicações visuais, o que faz dele um texto multimodal cujos diferentes elementos se articulam para formar uma unidade de sentido (KLEIMAN, 2005). Grosso modo, para compreender o que está representado no mapa usamos a linguagem: traduzimos imagens e ícones em palavras de modo a fazer a leitura de um mapa qualquer. É, sem dúvida, uma tarefa complexa, em um constante vai-e-vem entre o que está representado no mapa, sua tradução para a linguagem verbal (fala, escrita) e o que isso corresponde no mundo. Todo o cérebro se mobiliza para realizar uma atividade que envolve relações espaciais e linguagem, como a leitura de um mapa. O Bloco I para manter a pessoa em estado de vigília e atenta ao que interessa (por exemplo, chegar a um determinado destino); o Bloco II para analisar, codificar e registrar as informações que chegam pelos órgãos do sentido (neste caso, especialmente as informações visuais que se articulam com as informações acústicas e motoras para falar e para escrever o que consta no mapa), comparando-as ao que já se conhece; e o Bloco III para planejar e executar o melhor trajeto a seguir. Ler mapas no final do ensino médio é um ótimo exercício lingüístico e cognitivo que conjuga uma série de conhecimentos de diversas disciplinas (geografia, história, português, matemática, ciências, artes) justamente num momento em que os alunos fecham um ciclo em sua formação. Muitos deles prestam vestibular, etapa em que é exigido esse tipo de conhecimento, outros entram para o mercado de trabalho, que também requer profissionais capazes lidar com essas informações multimodais. Ressaltamos, professor, a importância do papel da linguagem na formação dos alunos uma vez que é ela que possibilita que essas informações sejam articuladas e destinadas ao outro: é o que chamamos de CONEXÃO LINGUAGEM. 12 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 2: Hipérbole Quem conta um conto aumenta um ponto Certamente você conhece alguém que sempre exagera aquilo que fala, como fez Carolina ao dizer a Pedro, no primeiro episódio: “Parece que estamos aqui há um milhão de anos...”. Nesse caso, e em tantos outros semelhantes que usamos em nosso dia-a-dia, em que diminuímos ou aumentamos de forma exagerada uma determinada verdade ou mentira, usa-se a figura de linguagem chamada Hipérbole (sobre Hipérbole consulte o Programa Vozes da Cidade, episódio 1, Tema Litotes e Hipérbole). Essa palavra, usada também na linguagem matemática, vem do grego hyperbolé e significa o ato de lançar por cima de, além de; bem como ultrapassar uma medida; excesso – sendo essas últimas as que nos interessam destacar. Não é preciso dizer que Pedro e Carolina, ainda que estivessem naquela situação há muito tempo, não permaneceram um milhão de anos dentro do computador, afinal, ninguém vive todo esse tempo. A hipérbole é, portanto, um recurso utilizado para dar ênfase a algum acontecimento ou sentimento e, por isso, está relacionado a impressões subjetivas. Carolina na verdade estava expressando a sensação de que estava há muito tempo naquela aventura. Trata-se, então, de um exagero óbvio e intencional, que tem como objetivo tornar uma idéia mais expressiva. É importante ressaltar que a hipérbole é exatamente o oposto de uma outra figura de linguagem que você verá mais adiante, o eufemismo. Enquanto no eufemismo suavizamos a forma como dizemos algo, na hipérbole expressamos uma ideia de forma exagerada, enfatizando-a. A hipérbole pode ser usada não apenas em expressões de grandeza como em “um milhão de anos”, mas também no uso de superlativos, como no poema de Augusto dos Anjos: Profundissimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância... Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Que escapa da boca de um cardíaco. (Psicologia de um vencido. In: Eu e Outros Poemas) Nesse caso, a hipérbole está na criação de um advérbio a partir do superlativo do adjetivo “profundo”. Dessa forma, o autor deixa claro o tom de exagero no poema em 13 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry que expressa sua angústia existencial. O mesmo recurso de se criar uma palavra para expressar exagero, por meio da hipérbole, é utilizado por João Guimarães Rosa: Cercavam-nos anjos-da-guarda, aos infinilhões. (Estória no. 3. In: Tutaméia.) O autor, nesse trecho, cria um neologismo unindo a palavra infinito à terminação -lhão, que está associada a grandes quantidades (milhão, bilhão, trilhão). Ou seja, tem-se uma palavra que representa muito, muito mesmo. No entanto, como vimos, a hipérbole não é usada apenas por grandes escritores e aparece de forma bastante recorrente nas conversas cotidianas. Veja alguns exemplos de hipérboles que usamos no dia-a-dia: “Preciso de água. Estou morrendo de sede” “Eu já disse um milhão de vezes pra você não fazer isso” “Eu não te vejo há séculos” “Aquele menino é lindo de morrer” O uso frequente dessa figura de linguagem faz com que ela não seja vista exclusivamente como um recurso estilístico. Agora que você já recebeu um mar de informações sobre hipérbole, vá correndo fazer a atividade proposta, sem que sua professora tenha que pedir um milhão de vezes. Você certamente terminará em um piscar de olhos e sua professora vai morrer de orgulho! Prática em sala de aula Para saber um pouco mais sobre as hipérboles, assista ao vídeo do programa Pé na Rua, da TV Cultura, no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=Z6oHJm-kBT0. Nesse vídeo, as pessoas entrevistadas dizem que os adolescentes são os que mais usam hipérboles, principalmente no diálogo com os pais. Pensando nisso, é a sua vez de criar hipérboles. Sua tarefa será criar um diálogo entre pai/mãe e filho/filha, que represente uma situação na qual para convencer os pais, o filho(a) adolescente utilize várias hipérboles. 14 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Antes de escrever seu texto, é importante que você o planeje, definindo previamente alguns detalhes: quem são os personagens presentes no diálogo? Qual a situação que esses personagens estão vivendo? Que hipérboles poderiam ser usadas nessa situação? Os diálogos podem ser escritos em linguagem coloquial, de modo que se aproximem de uma conversa real entre pais e seus filhos adolescentes. Bom trabalho! Resposta Esperada Não há uma resposta única para essa atividade. O que se espera é que o aluno seja capaz de narrar uma situação por meio de um diálogo entre pais e filhos adolescentes. É importante que o professor verifique se a linguagem escolhida pelo aluno é adequada à situação de conversa informal. Deve-se analisar também o uso das hipérboles, que devem estar relacionadas à situação vivida pelos personagens. Comentário para o professor Reiteramos a necessidade de aproximar a vida do aprendizado em questão e vice-versa. Exagerar é uma forma de expressar a emoção, do ponto de vista de quem conta algo com todos os detalhes que tiveram efeito sobre ele e/ou para impressionar/convencer seu interlocutor. O exagero também está relacionado a questões culturais. Há povos mais exagerados, outros mais discretos nas formas de vestir, falar, gesticular, expressar seus ritos. Compare por exemplo um fato contado por um italiano, um brasileiro, um belga e por um japonês. E, em um mesmo país, um fato contado por um cidadão urbano e outro por um cidadão da área rural, sem que essas diferenças sigam qualquer juízo de valor ou preconceito. Ou ainda, considerando o tema Relações de sentido do episódio III, pense nas histórias contadas por pescador. Observe, professor, que por ser o cérebro sócio-culturalmente construído ao longo da história e por isso vinculado a culturas particulares, por um lado, e à universalização e globalização que caracterizam os dias em que vivemos, por outro, não se estranha que um italiano exagere, mas se estranha que um belga exagere, mesmo que isso possa de fato acontecer. Para tanto, o cérebro realiza uma espécie de cálculo para interpretar/associar o que se diz, como se diz e quem diz a quem, o que requer um trabalho articulado das áreas anteriores (planejar, executar, verificar) e posteriores (associar) do cérebro. Chame atenção de seus alunos de como todos usamos hipérboles em nosso dia-a-dia e proponha que componham uma cena na vida cotidiana contada sem nenhum exagero e a mesma cena com hipérboles. Comparem os efeitos produzidos em seus interlocutores. Aliada à atividade proposta, buscamos com esse exercício fazer com que o aluno sinta na pele a presença de hipérboles que dão vida a um texto, considerando que nem todo gênero discursivo as suporta. A hipérbole também é uma forma de marcar a subjetividade de quem a utiliza, um modo próprio de se apresentar e se expressar. Como figura complexa de linguagem a hipérbole também exige um trabalho coordenado dos três blocos cerebrais contando que os interlocutores calculem que se trata de exagero demais e compreendam o que se quer como efeito de sentido desse exagero. 15 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 3: Comparação e Metáfora Lábios de mel A metáfora e a comparação são duas figuras de linguagem bastante parecidas e, por isso, aparecem juntas nesse texto. Podemos até dizer que a metáfora é uma espécie de comparação, ou que a comparação constitui uma metáfora (sobre Metáfora veja também o Programa Vozes da Cidade, episódio 1, Tema Metáfora e Catacrese). A comparação é o recurso utilizado para aproximar termos, entre os quais existe alguma semelhança. A principal diferença entre comparação e metáfora é que na primeira sempre há o uso de um conectivo comparativo (como, tal qual, assim como, bem como, tanto quanto etc.), que representa essa aproximação entre os termos. COMPARAÇÃO Na comparação temos sempre dois elementos (em nosso caso, o super-herói e o leão) e uma característica comum a eles (no exemplo, a força). Unindo essas informações, temos um conectivo (como) completando a ideia de que a característica Ele é forte como um leão. de um é aplicada ao outro. A metáfora, por sua vez, também aproxima termos levando em consideração alguma característica que tenham em comum. No entanto, a metáfora realiza essa aproximação de maneira mais sutil, sem o uso dos conectivos de comparação e sem expressar a semelhança entre os termos. Essa associação em relação à característica comum dos termos deve ser feita por quem recebe uma mensagem transmitida que apresenta metáforas. 16 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry A palavra metáfora vem do grego metaphorá que significa transporte, ou seja, transportam-se características de um termo a outro. METÁFORA Poderíamos ter afirmado que o super-herói é muito forte, sem precisarmos fazer a metáfora com o touro. Mas, ao fazermos isso, ressaltamos características do algumas touro e transportamo-las para o superherói, dando uma ideia mais completa do que queremos Ele é dizer. um touro. Observe o quadro abaixo que resume o que discutimos nesse texto. COMPARAÇÃO METÁFORA Uso de um conectivo Não há uso de conectivo Característica em comum explicitada Menos abrangente, mais restrito (apenas uma característica é usada) X Característica em comum implícita Mais abrangente, menos restrito (compara-se sem dizer exatamente qual característica) É importante lembrarmos que, em se tratando de figuras de linguagem, tanto a metáfora quanto a comparação não devem ser entendidas ao pé da letra. É tarefa do interlocutor decifrar o que se quis dizer a partir de seu repertório linguístico e cultural. Por isso, entender metáforas e piadas requer que se conheça além da língua, um pouco de sua cultura, para que tais construções façam sentido. Na tarefa de decifrar e construir sentidos, o cérebro aprende a diferenciar, pela experiência do sujeito com a linguagem no mundo, a comparação da metáfora, bem como os sentidos nelas veiculados. 17 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Prática em sala de aula As propagandas se utilizam de metáforas e comparações com bastante frequência. Abaixo temos dois exemplos disso. Na primeira imagem temos uma campanha de uma rede de televisão chinesa anunciando grandes nomes da NBA (National Basketball Association) americana. Na segunda, temos uma ONG que ajuda mulheres, que sofrem abuso verbal em casa, através de uma campanha com o tema: “As palavras também podem machucar”. Qual delas é uma comparação e qual é uma metáfora? Justifique sua resposta. 18 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Fonte das imagens: (acessado em 20 de julho de 2009) http://www.edukbr.com.br/celeirodeprojetos/atividades_bau/mitologia/minotauro.jpg http://www.gardenal.org/grilocaverna/musculoso01.jpg http://www2.uol.com.br/jornalgazetadolitoral/horoscopo/touro.gif http://filipacm.com/media/upld/imgs/Gatinho.jpg http://adsoftheworld.com/media/print/lining_shaq?size=_original http://adsoftheworld.com Resposta Esperada A primeira imagem é uma comparação porque temos os dois elementos comparados presentes na imagem, o jogador de basquete e o tubarão. Eles são independentes um do outro, embora a ideia que a propaganda queira passar seja de que a agressividade do jogador ao enterrar a bola no cesto pode ser comparada à de um tubarão. Observe que também existe um jogo de palavras com o nome do jogador (Shaq) que se assemelha à palavra tubarão em inglês (Shark). A segunda imagem é uma metáfora, porque temos uma transformação em que há a substituição das palavras agressivas pelo pulso, como se esse pulso (no lugar das palavras) estivesse agredindo a mulher. Ora, se a ONG em questão cuida de mulheres que sofrem abusos que não são físicos, mas verbais ou morais, então a ideia de transformar as palavras do homem em um pulso só vem reforçar a ideia que a ONG quer passar. Comentário para o professor Metáfora e comparação são figuras de linguagem muito utilizadas na fala, leitura e escrita. Com elas conduzimos nosso ouvinte/leitor para determinadas especificações do sentido. E você, professor, deve apreciar seu uso por parte dos alunos. Muitas vezes, um sentido difícil de ser construído/interpretado torna-se mais próximo do aluno, e mais claro para ele, se utilizarmos elementos que lhe são familiares. E a comparação e a metáfora possibilitam isso. Na atividade proposta, muitas pessoas podem nem sequer ter ouvido falar do jogador de basquete, mas ao compararem com o tubarão fazem uma ideia de sua força dentro da quadra. Atente para o fato de que seus alunos podem ter dificuldade de interpretar metáforas porque lhes faltam conhecimentos e vivências culturais e, dessa forma, o cérebro não tem elementos para compreender, interpretar, associar. Compreender uma metáfora, como dissemos, requer um domínio da língua (veja a propaganda da associação de basquete) que funciona em diferentes práticas sociais. Para ajudar os alunos a compreenderem o trabalho que se faz com a língua para produzir e interpretar metáforas é que charge, tirinha, história em quadrinho, enunciados de propaganda, manchetes de jornal, títulos em geral, etc. têm sido incluídos nos livros didáticos desde os Anos Iniciais até o final do Ensino Médio, o que amplia a experiência da criança/jovem com a linguagem (fala, leitura, escrita). Em termos do funcionamento do cérebro, todo ele (Blocos I, II e III) participa de construções comparativas 19 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry e metafóricas, com destaque para as áreas associativas (envolvendo os lobos temporal, parietal e occipital) e para o circuito fisiológico da memória (sobretudo o sistema límbico); os quais possibilitam relacionar palavras com palavras, imagens, atitudes, qualidades, considerando que a emoção está envolvida nesse processo. Reflita com seus alunos como a expressão da emoção pode variar de cultura para cultura e muitas vezes dentro do próprio país. Exemplo disso é a cor azul (blue) representar tristeza para os americanos e para nós brasileiros ter um sentido alegre, como a cor do céu de puríssimo azul. O Sistema Límbico é um grupo de estruturas que inclui hipotálamo, tálamo, amígdala, hipocampo, os corpos mamilares e o giro do cíngulo. Todas estas áreas estão envolvidas na produção e interpretação das emoções, assim como nos processos de memória e aprendizado. Por isso, professor, refletir junto com seus alunos sobre construções que envolvem metáforas e comparações é importante para que eles possam compreender seus usos e explorá-los; o que possibilita um refinamento de como falam, em certas situações, de como escrevem, em certos gêneros discursivos, e, de como interpretam diferentes tipos de textos que se beneficiam dessas figuras de linguagem. 20 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 4: Interjeições Puxa vida! Hey! Psiu... É, você mesmo! Você sabe o que são interjeições? Ah, não? Bom, na verdade acho que você apenas não liga o nome ao fato, pois certamente usa interjeições muitas vezes em seu dia-a-dia. Nesse texto mesmo já apareceram várias interjeições: Hey, psiu, ah. As interjeições são palavras invariáveis, ou seja, não sofrem flexões como os nomes (gênero, número e grau) ou os verbos (número, pessoa, tempo, modo). Elas são usadas para exprimir sensações e emoções, ou ainda para agir sobre um interlocutor, dando-lhe alguma informação ou ordem de forma rápida, sem que para isso seja necessária uma sentença completa. Por exemplo, em um show de música, quando as pessoas gritam “Bis”, o cantor já sabe que aquilo significa que a platéia gostou da apresentação e está pedindo para que toquem mais uma música. Não é preciso que as pessoas gritem tudo isso “A apresentação foi muito boa, toquem mais uma vez, por favor”, pois ao dizer “Bis” o que se quer dizer já é dito. Como a interjeição é usada para exprimir uma sensação ou emoção, ela está bastante relacionada à entonação que lhe é dada quando é usada na fala. No texto escrito, às vezes pode ser mais difícil reconhecer o sentido de determinada interjeição e, para isso, é preciso recorrer ao contexto em que ela aparece. Se alguém simplesmente escreve “Puxa” em um texto, ou em uma conversa na internet, não sabemos se está querendo expressar euforia ou decepção. Mas é possível reconhecer esse sentido se ele vier acompanhado de uma outra frase. Veja as duas situações abaixo: Puxa! Esse filme é muito bom! Puxa! Achei que meu time ia ganhar, mas não foi dessa vez! No contexto fica claro que, apesar de ser a mesma interjeição, na primeira frase ela 21 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry expressa alegria, euforia, enquanto na segunda o sentimento é de decepção com o fato de o time ter perdido o jogo. Algumas palavras acabam se tornando interjeições com o passar do tempo. É o exemplo de “Nossa Senhora”, que muitas vezes usamos como uma expressão de espanto, por exemplo, sem nos dar conta de que se refere à mãe de Jesus. Outras expressões que se tornaram interjeições são os palavrões, que são usados mais para expressar um sentimento do que em seu sentido literal. Por exemplo, se você bater o dedo mindinho do pé na quina da mesa, é pouco provável que você diga “Como fui lerdo, bati meu dedo na quina da mesa e está doendo muito”, preferindo dizer um palavrão que expresse ao mesmo tempo dor e indignação com a situação e que sai quase que inconscientemente, como um reflexo à dor. As interjeições, portanto, podem ser formadas apenas por sons (oh, ah, hmmm), por uma única palavra (oba, ufa) ou por mais de uma palavra (meu Deus, puxa vida), em que temos uma interlocução interjetiva. Para saber mais, veja a tabela de interjeições. Sentimento Alegria Advertência Afugentamento Alívio Animação Aplauso e comemoração Chamamento Desejo Dor ou Sofrimento Espanto ou surpresa Impaciência Silêncio Agradecimento Desculpa Despedida Dúvida Suspensão Medo ou terror Interjeições Ah!, Oh!, Oba!, Viva!, Eba!, Ora!, etc. Cuidado!, Atenção!, Alerta!, Alto lá!, Calma!, Olha!, Fogo!, etc. Fora!, Rua!, Passa!, Xô!, Arreda!, Roda!, Toca!, Xô pra lá!, etc. Ufa! Avante!, Vamos!,Coragem!, Eia!, Upa!, Firme!, etc. Bravo!, Bis!, Mais um!,Viva!, Muito bem!, Parabéns!, etc. Alô!, Olá!, Pst!, Oi!, Ó!, Psiu!, Hey!, Socorro!, Olha!, etc. Tomara!, Quem dera!, Queira Deus!, Pudera!, Oxalá!, etc. Ai!, Ui!, Ai de mim, etc. Puxa!, Oh!, Xi!, Ué!, Ah!, Ih!, Uau!, Opa!, Caramba!, Gente!, Céus!, Uai!, Hein!, Hã!, etc. Hum!, Aff!, Ai, ai!, etc. Silêncio!, Psiu!, Quieto!, Xiu!, etc. Graças a Deus!, Obrigado!, Obrigada!, Agradecido!, Valeu!, etc. Perdão!, Desculpa!, etc. Adeus!, Até logo!, Bye Bye!, Tchau!, etc. Hum?, Hein?, Ãh?, etc. Alto!, Basta!, Chega!, etc. Credo!, Cruzes!, Uh!, Ai!, Jesus!, Ui!, etc. 22 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Prática em sala de aula Em conversas na internet, seja em chats ou em programas de mensagem instantânea, é bastante comum o uso de emoticons, junção das palavras em inglês emotion (emoção) e icons (ícones). Os emoticons, portanto, servem para exprimir uma emoção por meio de imagens (desenhos) ou por meio de símbolos. Por exemplo, se alguém fica triste ao ler uma mensagem, ele não precisa escrever “fiquei triste”, pois pode mandar um emoticon que represente esse sentimento: Levando isso em consideração, podemos dizer que os emoticons cumprem na linguagem escrita um papel semelhante às interjeições, uma vez que expressam sentimentos, sem que para isso seja preciso escrever uma sentença inteira. Nessa atividade, primeiramente, você deve relacionar as interjeições aos emoticons que expressem o mesmo sentimento ou emoção; em seguida, escreva um diálogo utilizando pelo menos quatro dos emoticons abaixo. Vamos lá? 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. Resposta esperada 1. e; 2. d; 3. h; 4. b; 5. c; 6. a; 7. f; 8. i; 9. j; 10. g. a. f. Ai de mim! (sofrimento) Oh! (espanto) b. g. Valeu! (Agradecimento) Xiu! (Silêncio) c. h. Alô! (Chamamento) Ãhm?! (Dúvida) d. i. Ufa! (Alívio) Basta! (Suspensão) e. j. Eba! (Alegria) Viva! (Comemoração) 23 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Como se trata de frases elaboradas pelo aluno não há uma única resposta possível. Damos um exemplo do que queremos com essa atividade: Diálogo entre Pedro e Carolina: Trim, trim, trim... (telefone tocando) Pedro: - Alô! Carolina: - Eu vi o que aconteceu com você hoje quando atravessava a avenida em frente à escola... Pedro: - Ai de mim! Eu quase fui atropelado... Carolina: - Ufa! Ainda bem... Só te liguei para saber como você está. Pedro: - Valeu! Comentário para o Professor É interessante, professor, que você chame a atenção de seus alunos para como usam e ouvem interjeições em seu dia-a-dia, expressando diferentes tipos de emoção e atitudes. Na fala, seu uso é mais natural, mas também depende de situações informais ou formais em que cabem certas interjeições e não outras. Na escrita muitas vezes temos que transformar uma interjeição em muitas palavras que descrevam e/ou insinuem certos estados de ânimo que não podem ser diretamente mencionados. E isso depende do gênero de texto em questão. Uma carta de amor é povoada de interjeições; já um ofício, não. Um texto científico também não. Uma história em quadrinho sim, cujo discurso direto pede sua presença. Traga para a sala de aula, professor, o fato de que a internet, por ser essencialmente visual e interativa, inventou um modo de expressar a emoção com os emoticons, recurso criado e muito utilizado pelos jovens. Por isso, propusemos na atividade relacionar interjeições - que os alunos já usam na fala e interpretam na escrita - com os emoticons – que os alunos já usam na internet. É muito interessante, no final do Ensino Médio, os alunos refletirem sobre o uso que fazem das interjeições, na fala e na escrita, e sobre o que recentemente criaram na internet para expressar as emoções - os emoticons. Seu papel é fazer essa ponte entre o que vivenciam fora da escola, pela linguagem (fala, leitura, escrita) e o encaminhamento formal, em termos de conteúdo, que a escola dá a isso. As interjeições, sendo palavras que expressam emoções, demandam um trabalho conjunto dos três blocos cerebrais, articulando especialmente os Blocos II e III com estruturas do sistema límbico, que regulam e orientam nossas emoções. Destacamos, professor, que as emoções têm forte ligação com o aprendizado e a memória. Quando um aluno está triste, seu sistema de atenção sofre com isso e fica difícil focar para aprender. Quando os alunos gostam do professor e/ou da matéria têm mais motivação para estudar, compreender, reter. Gostaríamos que você, professor, ficasse atento, pensando na sua própria experiência, para o fato de que nos lembramos mais de coisas, fatos, pessoas, lugares etc. que nos marcaram pela emoção; emoção essa que pode ser revivida através dos órgãos dos sentidos (visão, audição, paladar, tato, olfato), o que nos faz relacionar com o mundo e, especialmente, através da linguagem. 24 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 5: Duplo Sentido e Ironia "As pessoas mais felizes do mundo!" Fonte: http://happiestpeopleever.tumblr.com. Acessado em 20 de julho de 2009. Você acha que a afirmação feita sobre a foto acima condiz com a realidade nela apresentada? Se sua resposta é não, você deve saber que na língua portuguesa há um recurso chamado ironia que torna essa afirmação possível, mesmo no contexto dessa foto. A ironia é uma figura de linguagem que consiste na inversão de sentidos daquilo que queremos dizer. Na foto acima vemos – pelo olhar e pela expressão facial - que as pessoas não estão felizes e o mais lógico, então, seria afirmarmos isso. Mas no nosso caso afirmamos o oposto e para isso usamos, como figura de linguagem, a ironia que entra em ação quando uma palavra ou expressão é usada em um sentido oposto daquele que é normalmente utilizado. Isso pode parecer confuso, mas usamos esse recurso com mais frequência do que pensamos. Imagine que você marca um encontro com um amigo e ele se atrasa. Quando esse amigo chega, você diz a ele: "Bonito, hein? Atrasado de novo!". Na verdade o que queremos 25 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry dizer é que chegar atrasado não é algo que aprovamos. Não há nada de bonito em se chegar atrasado. A ironia aqui serve para amenizarmos um pouco aquilo que falamos, uma maneira de se queixar de forma mais branda. A ironia também pode criar situações cômicas e é um recurso muito empregado em textos humorísticos. Um outro recurso que pode ajudar bastante na criação de uma ironia ou de situações cômicas é o duplo sentido (ouça também o Programa Quem ri seus males espanta). Sabemos que há palavras e expressões no português que não apresentam um sentido único. Observe a propaganda abaixo: Fonte: http://www.filologia.org.br/vcnlf/anais%20v/civ8_08.htm. Acesso em 20 de julho de 2009. A palavra coroa é usada aqui em dois sentidos: coroa, uma mulher de mais idade (ligada à presença de um homem idoso na propaganda) e coroa de flores, que se envia à família de um ente falecido (em associação à palavra funeral âncora da propaganda, que é de assistência a funeral). Para entendermos o sentido da propaganda precisamos flagrar a duplicidade de sentidos da palavra coroa. Há um nome para esse tipo de fenômeno: polissemia (veja também o Programa Vozes da Cidade, episódio 1, Tema Poesia e frases de pára-choque de caminhão: homonímia e polissemia). Quando há mais de um significado para uma palavra e a situação deixa margem para que ela seja interpretada de duas formas, construímos o duplo sentido. Assim, a polissemia auxilia na construção do duplo sentido. É importante notarmos que nem todas as palavras polissêmicas caracterizam o duplo 26 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry sentido. Por exemplo, nas frases: “A coroa cozinha muito bem”, ou “Mandei uma coroa de flores para os familiares do falecido”, ou ainda, “A coroa da rainha foi roubada”, não há duplo sentido, porque os contextos de enunciação não dão margem a isso, diferentemente do que ocorre com a propaganda aqui analisada. Portanto, para que se trate de duplo sentido, é preciso levar em conta o contexto de enunciação (quem diz o que, com que propósito, como diz e para quem), bem como o próprio enunciado. Compreender construções com duplo sentido e ironia requer uma vivência na cultura, no trabalho do cérebro e da língua - onde se articulam suas dimensões (fonológica, léxicosemântica, sintática, pragmática) – de que participam diversos falantes, que falam, lêem e escrevem sobre diversos assuntos, vinculados a uma certa realidade, certos valores e atitudes, se utilizando de diversos gêneros etc. Exemplo disso é a letra da música Panela Velha na qual se destaca a frase: “não me interessa se ela é coroa, panela velha é que faz comida boa”, que retrata um homem jovem que valoriza o relacionamento amoroso com uma mulher mais velha, quebrando um preconceito social contra esse tipo de relacionamento. Panela Velha - Sérgio Reis A nossa vida começa aos quarenta anos, Nascem os planos do futuro da pessoa, Composição: Moraezinho e Auri Silvestre Quem casa cedo logo fica separado, Tô de namoro com uma moça solteirona, Porque a vida de casado às vezes enjoa, A bonitona quer ser a minha patroa, Dona de casa tem que ser mulher madura, Os meus parentes já estão me criticando Porque ao contrário o problema se amontoa, Estão falando que ela é muito coroa, Não interessa se ela é coroa Ela é madura, já tem mais de trinta anos Panela velha é que faz comida boa Mas para mim o que importa é a pessoa, Vou me casar pra ganhar o seu carinho, Não interessa se ela é coroa Viver sozinho a gente desacossoa Panela velha é que faz comida boa E o gaúcho sem mulher não vale nada Menina nova é muito bom mas mete medo É que nem peixe viver fora da lagoa, Não tem segredo e vive falando à toa Tô resolvido, vou contrariar meus parentes Eu só confio em mulher com mais de trinta Aquela gente que vive falando à toa, Sendo distinta a gente erra ela perdoa, Não interessa se ela é coroa Para o capricho pode ser de qualquer raça Panela velha é que faz comida boa Ser africana, italiana ou alemoa, Não interessa se ela é coroa Panela velha é que faz comida boa Fonte: http://letras.terra.com.br/sergio-reis/103195/ acessado em 14 de setembro de 2009 27 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Prática em sala de aula Acesse o link http://www.youtube.com/watch?v=_MvywfEPeWQ&feature=related e assista a um trecho de um episódio do seriado Friends. a. Transcreva uma frase de algum dos personagens que faz o uso de ironia. b. Friends é um seriado de humor. A ironia e o duplo sentido são recursos bastante empregados nesse tipo de produção. A partir do que você aprendeu e com a ajuda do vídeo assistido, por que você acha que isso acontece? Resposta Esperada a. Há muitos momentos que podem ser considerados ironia: − “Aquela que olhou para você uma vez porque você tropeçou nela” − “Ela tem um vestido de noiva?” − “Acho que é perigoso olhar diretamente para eles”. − “Ótimo! Só preciso arrumar uma pele nova! Obrigado!” b. Isso acontece porque o humor trabalha com o que não é dito, mas subentendido. E a ironia e o duplo sentido são figuras de linguagem que podem ajudar a criar situações em que o que não é dito tende a revelar algo engraçado. O humor também é uma forma mais branda de revelar situações problemáticas, assim como o fazem a ironia e o duplo sentido. Comentário para o professor Veja, professor, na atividade pleonasmo, na sequência, o que expusemos sobre o funcionamento do cérebro em situações de humor. A ironia também tem um lado bem e/ou mal humorado. Fala-se uma coisa querendo dizer outra bem diferente, e sempre com a vantagem de poder desdizer o que se disse. Isso corresponde a um processo complexo de produção e compreensão do sentido, o que se aprende ao longo da vida, nas diferentes interações que estabelecemos com diferentes interlocutores, bem como os diferentes textos que escrevemos e lemos. E todo esse aprendizado está projetado em nosso cérebro em um constante vai-e-vem em relação às demandas da vida, de forma que possamos dar conta de sua complexidade. O cérebro todo participa quando se trata de produzir e interpretar uma ironia. Os dois hemisférios cerebrais (direito e esquerdo), tanto seu córtex, quanto estruturas mais internas (amígdala), também trabalham para produzir emoções, como tratamos nos temas Interjeições e Pleonasmo (ver, neste episódio, as Atividades 4 e 6). Com a atividade proposta, queremos que o aluno reflita sobre a complexidade de uma construção com ironia, que não cabe em qualquer texto/gênero, mas deve ser apropriada ao que se pretende. Essa figura de linguagem, como tantas outras, mostra um refinamento de como se pode usar a linguagem para determinados fins. Por outro lado, isso abre possibilidades de compreender a ironia, o que dá ao aluno prazer ao ler e flagrá-la. 28 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 6: Pleonasmo Subir para cima ou descer para baixo Certamente você já ouviu alguém sendo corrigido por dizer “subir pra cima”, “entrar pra dentro”, “descer pra baixo”, não é? Geralmente essas expressões, apesar de muito comuns na linguagem oral, soam estranhas aos nossos ouvidos, pois são redundantes, repetitivas. O verbo subir, por exemplo, já significa “ir ou levar para cima” (Houaiss) e não é possível “subir para baixo”. Dessa forma, o “para cima” já está implícito no verbo subir e não precisaria ser repetido. Nestes casos, dizemos que se trata de um vício de linguagem, um pleonasmo vicioso. São expressões que, apesar de apresentarem informações desnecessárias, já estão cristalizadas na nossa língua falada. Pleonasmo é uma palavra de origem grega que significa superabundância, ou seja, muito, muito mesmo! E é justamente essa a ideia que ele passa quando empregado em uma expressão do nosso dia-a-dia: sair para fora; sussurre baixo; voltar atrás; há anos atrás; escolha opcional; repetir de novo; beco sem saída; ganhar grátis; criação nova; sorriso nos lábios; coqueiro que dá côco etc. Esses exemplos mostram que a língua acolhe certas formas e outras não, e que isso depende de fatores de natureza social que determinam o como dizer, considerando quem diz e para quem se diz. Por isso, nem sempre o pleonasmo é um vício, algo ruim que deve ser evitado na norma culta de nossa língua. Veja a expressão certeza absoluta – que todos nós falamos, e não identificamos como erro ou como um vício de linguagem. O pleonasmo também pode ser uma figura de linguagem, assim como a metáfora, a onomatopéia, o eufemismo, e tantas outras. O pleonasmo é literário quando uma expressão ou ideia é repetida por uma questão de estilo, resultando em um efeito de ênfase. Esse recurso é bastante usado por grandes escritores. Veja o exemplo abaixo. "Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal" 29 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry O poeta português Fernando Pessoa, autor desse verso, poderia por certo ter ocultado a palavra salgado dessa construção, afinal, todo mar já é salgado por natureza. Mas, observe a consequência da omissão dessa palavra para o sentido do verso. "Ó mar, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal" As palavras mar, salgado, sal e lágrimas são relacionadas, de forma brilhante, pelo autor e acabam criando uma imagem mais forte para o verso, à altura daquilo que Pessoa quer representar: um tributo aos viajantes e exploradores portugueses que arriscavam suas vidas em nome da pátria em terras desconhecidas, como o Brasil. Esse efeito de destaque, portanto, é um toque engenhoso do autor para passar uma ideia que vai muito além dos significados próprios das palavras que ele escolheu para construir seu verso. Prática em sala de aula Não são apenas os grandes poetas que podem se valer dos pleonasmos. Eles também são utilizados com efeito de humor. Assista ao vídeo, na Internet, no endereço: http://br.youtube.com/watch?v=Qbm2w_T4laY e identifique cinco construções com pleonasmo. Transcreva e depois reescreva as construções, identificadas por você como pleonasmo, de forma a eliminar a redundância desse tipo de construção. Resposta Esperada Como exemplo, apresentamos algumas das construções com pleonasmo que constam do vídeo indicado, eliminando a redundância: Divida o melão em duas metades iguais – Divida o melão em duas metades Falta só o acabamento final – Falta só o acabamento Eu tenho certeza absoluta – Eu tenho certeza Temos uma vaga, mas o senhor tem que comparecer pessoalmente – Temos uma vaga, mas o senhor tem que comparecer Está muito difícil conviver junto com você – Está muito difícil conviver com você Eu já falei com os seus amigos e todos foram unânimes – Eu já falei com os seus amigos e eles foram unânimes Seja qual for o seu problema, você tem que pegá-lo e encará-lo de frente – Seja qual for o seu problema, você tem que pegá-lo e encará-lo 30 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Eu já curei aqui uma multidão de pessoas – Eu já curei aqui uma multidão Você já está no quarto e pode ir embora assim que amanhecer o dia – Você já está no quarto e pode ir embora assim que amanhecer Você grita alto – Você grita Comentário para o professor Professor, como vimos, o uso do pleonasmo, sobretudo na fala cotidiana, muitas vezes é tomado como erro e o falante que o utiliza torna-se alvo de preconceito. Veja o diálogo abaixo: Ouve-se uma gritaria e a mãe fala para o filho: Desce lá embaixo e vê o que está acontecendo! Pai: Do jeito que você fala esse menino nunca vai aprender a falar direito. Mãe: Você entendeu, não entendeu? Então, não sacrifica. O menino desce e a confusão continua. Mãe: Como você quer que eu fale? Pai: Direito, senão ele vai falar como sua família. E diplomata, como é o sonho dele, não pode falar assim! Mãe: Nem em casa, com a mulher e os filhos? Acho que você está exagerando... assim fica difícil conviver junto com você. Pai: Conviver junto? Não tem jeito... Na fala informal – entre amigos, parentes – é natural usar expressões como descer lá embaixo, conviver junto, além de usar o presente do indicativo (desce, vê) no lugar do subjuntivo (desça, veja) para formar o imperativo; o que não deve ser entendido de forma depreciativa. Existem formas diferentes de dizer a mesma coisa em situações específicas; por exemplo: em uma conversa informal entre amigos diríamos vamos sair lá fora para ver o que está acontecendo; porém se fossemos dizer a mesma coisa para o diretor da escola diríamos senhor, vamos sair para ver o que está acontecendo? Na primeira situação o pleonasmo ocorre em contexto informal; se ocorresse, porém, na segunda situação, que exige um estilo formal, seria inadequado. Sobretudo no caso de pessoas com pouca escolaridade e que não têm muito contato com leitura e escrita há predominância de construções típicas de fala. Veja, professor, que existem também situações formais de fala e escrita em que o pleonasmo ocorre e nem nos damos conta, porque já foi incorporado pelo uso na língua. Exemplo disso é a expressão superávit positivo que aparece em textos jornalísticos sobre economia ou em telejornais. Por outro lado, o uso do pleonasmo pode ser deliberado pelo autor que se serve da repetição, da redundância como efeito de sentido, o que se pode apreciar na poesia citada de Fernando Pessoa. Esse uso deliberado é planejado e requer um trabalho específico do cérebro na seleção e combinação de palavras a 31 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry serviço da sonoridade e do ritmo, o que envolve os dois hemisférios cerebrais e especialmente: o Bloco I pela atenção, Bloco II pela sonoridade, e o Bloco III no planejamento e execução dessas escolhas e combinações de palavras. No vídeo indicado, o pleonasmo é um exemplo de humor, faz-se rir com ele. Vários pleonasmos na fala do dia-a-dia são proferidos em estilo sarcástico tornando-os ridiculamente óbvios. É obvio ululante que a língua muda com o passar das gerações, diz Nelson Rodrigues, para afirmar uma verdade evidente que está mais do que na cara, tão clara que chega a ulular (uivo emitido pelos cães). A apreciação do humor requer um trabalho do cérebro, mais particularmente do hemisfério direito e do giro para-hipocampal; este último está envolvido no entendimento do humor nos possibilitando reconhecer o que é ou não é familiar. Lobo temporal Fonte: http://static.hsw.com.br/gif/deja-vu-5.jpg O hemisfério esquerdo também participa do entendimento do humor, mas de forma diferente do hemisfério direito; aquele dispõe de várias possibilidades associativas feitas com base na análise do som/acústica, do sentido, da relação entre as palavras, do uso social da linguagem, como também da entrada visual e espacial. Portanto, professor, é importante explicar para seus alunos que construções como as que vimos, envolvendo o uso de pleonasmos, colocam o cérebro em ação; e saber disso abre caminhos para que a aprendizagem efetivamente ocorra. 32 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 7: Onomatopeia TIC-TAC Você já reparou que algumas vezes imitamos os sons de objetos ou animais quando queremos nos referir a eles? Por exemplo, no episódio ao qual você acabou de assistir, Pedro diz “a gente só tem 90 segundos e depois BUM!”. Neste caso, ele usou a palavra BUM para se referir à explosão que aconteceria caso ele e Carolina não fossem rápidos o bastante ao ler o mapa. Percebemos isso, pois sabemos que quando algo explode, escuta-se um barulho semelhante a BUM. Esse recurso utilizado por Pedro também é uma figura de linguagem e se chama onomatopéia, que vem da palavra grega onomatopoiía e significa ação de inventar nomes. Ou seja, cria-se uma nova palavra por meio da imitação do som daquilo a que se quer referir. Apesar de onomatopéia ser um nome diferente, é bastante fácil entender o que significa; geralmente reproduz os sons dos animais, barulhos de elementos da natureza e também algumas ações dos homens. Essa figura de linguagem aparece com bastante frequência nas histórias em quadrinhos. Você já deve ter notado que é comum usar “zzzz” quando alguém está dormindo; “cof cof cof” para representar tosse; “toc toc toc” quando alguém bate à porta ou “soc, paf, tóim” quando se bate em alguém. Desse modo, o leitor é capaz de reconhecer facilmente aquilo que está na cena sem ter que falar. Veja o quadrinho abaixo: 33 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Além disso, há diversas palavras da nossa língua que acabaram derivando de uma onomatopéia. Entre elas podemos citar “roncar”, que vem de “ronc”, “piar”, que vem do som produzido pelos pássaros “piu-piu”, assim como “miar” vem de “miau”. É interessante ressaltar que, apesar de os animais emitirem os mesmos sons em qualquer parte do mundo, as onomatopéias criadas podem ser bastante diferentes em cada lugar, pois cada língua a reconhece e a representa de uma forma. Ou seja, um galo emite exatamente o mesmo som, esteja ele no Brasil ou nos Estados Unidos, mas aqui no Brasil dizemos que o galo faz “cocoricó” enquanto a língua inglesa representa esse som como “cockledoodledoo”. A diferença é ainda maior na representação do som produzido pelos porcos, que para nós é “oinc oinc”, para os alemães “grunz” e para os japoneses “buu”. Como exemplo, veja como fica a tirinha acima quando publicada nos Estados Unidos, em que o que aqui representamos como "tóim", lá se torna "bonk": Prática em sala de aula Agora que você já sabe o que é uma onomatopéia, pense em como essa figura de linguagem está presente em nosso dia-a-dia. Elabore então um texto em que uma sequência de eventos seja narrada apenas com onomatopéias. Depois que você terminar de escrever seu texto, troque-o com o de um colega. O desafio de vocês é tentar descobrir o que as onomatopéias estão descrevendo e ampliar esse texto, escrevendo uma narrativa. Resposta Esperada Não há uma resposta única para esta atividade, mas espera-se que o aluno coloque em prática o conhecimento adquirido com a leitura realizada anteriormente, e, também, possa refletir sobre a 34 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry quantidade de onomatopéias presente em nosso dia-a-dia. O fato de os textos serem trocados entre os alunos faz com que se tenha uma maior preocupação com a compreensão daquilo que se vai escrever, uma vez que há um interlocutor determinado. Além disso, abre a possibilidade de interferência de um aluno no texto do outro, o que permite uma análise daquilo que foi escrito e até mesmo uma reescrita do texto elaborado. Comentário para o Professor Queremos destacar, professor, do tema Onomatopéia, que, de modo todo particular, palavras representam sons de objetos caindo, socos, tapas e beijos, som de animais e barulhos da natureza, ou seja, é um lugar na língua onde há a relação mais próxima entre som e sentido. O som de um soco - Tóim - motiva sua representação gráfica; há uma espécie de coincidência entre som e sentido, o que não ocorre com as outras palavras da língua. A ideia de mesa, por exemplo, não está contida na seqüência de sons M-E-S-A. Levando isso em conta, no caso da Onomatopéia, figura de linguagem baseada na sonoridade, o que se escuta é o que é possível pelo sistema sonoro (fonológico) de cada língua, com sua respectiva representação ortográfica. Uma vez introduzida na língua, ela se engrena na evolução fonética, morfológica etc., que sofrem as outras palavras (SAUSSURE, 1916/1971); como é o caso do verbo miar derivado da onomatopéia miau. Há um trabalho integrado entre os dois hemisférios do cérebro para estabelecer a relação entre o som derivado da onomatopéia (Hemisfério Direito) a ser representado por uma palavra da língua (Hemisfério Esquerdo), considerando que há uma relação direta entre som, sentido e representação sonora e gráfica na língua em questão. O cérebro traduz em palavra (falada e escrita) o que o ouvido escuta. Para isso o Bloco I tem que estar ativado para que o Bloco II escute o som e o Bloco III o associe com uma representação sonora e gráfica compatível com aquela língua. 35 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Episódio II Sinopse Neste episódio, Pedro e Carolina estão na Praça Vermelha, em Moscou (Rússia). Na tentativa de acharem a saída, conversam com um menino que vestia a camisa da seleção brasileira e descobrem que estão em 1970. O menino comenta sobre a ditadura no Brasil e sai apressadamente. Carolina e Pedro decidem procurar outra pessoa para ajudá-los e encontram um senhor carregando um livro com uma imagem do cérebro igual a que tinham visto no mapa que os levou até a Rússia. Intrigados, conversam com o senhor e descobrem que é Alexander Romanovich Luria, um famoso neuropsicólogo. Ele é quem os ajudará a encontrar a saída. Atividades pós-exibição Atividade 1: Eufemismo Furou o pneu do ônibus Você já passou por alguma situação em que tem que tomar muito cuidado com o que fala para não passar uma impressão errada ou para não ofender alguém? Certamente podemos nos lembrar de episódios em que precisamos escolher muito bem as palavras para não sermos mal interpretados. Isso acontece geralmente quando queremos amenizar uma notícia ruim, ou quando queremos fazer uma crítica sem parecermos muito severos, ou quando queremos dar um destaque a algo que não tem nada de extraordinário. Quando damos esse tratamento à linguagem, usamos um eufemismo. A etimologia dessa palavra é bastante elucidativa em relação ao seu uso. Ela é originária do grego euphemismós, que significa, literalmente, falar bem de algo ou alguém. Na tirinha abaixo, por exemplo, o pai não consegue dar à sua família a notícia de que perdeu o emprego. Para não chocar as crianças, a esposa sugere que ele se utilize de um eufemismo, afinal, a implicação de se estar de férias coletivas é uma quase certa demissão. Essa situação é perfeita para a utilização de um eufemismo, pois há uma notícia muito delicada para ser passada adiante e há uma amenização do teor do que se 36 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry quer falar para que o interlocutor não se choque. Um outro exemplo de eufemismo muito frequente é a forma como nos referimos às pessoas de mais idade. Há algum tempo o termo usado era idoso. Essa palavra foi adquirindo um caráter pejorativo entre os falantes de nossa língua e surgiu naturalmente um termo mais oportuno: terceira idade. Mas a mudança não parou por aí. Hoje em dia vemos um novíssimo termo circulando: a melhor idade. O eufemismo funcionou Fonte: www.adalbertopiotto.wordpress.com Acessado em 8 de julho de 2009. aqui como uma forma de amenizar um termo considerado pejorativo. O que observamos, então, é que o eufemismo é uma figura de linguagem muito comum em nosso dia-a-dia e também é usada por grandes autores, basta que a situação peça um certo cuidado especial da nossa parte. Prática em sala de aula Sabemos que na história do descobrimento do Brasil tudo é contado do ponto de vista dos portugueses. Há outras versões da chegada/invasão desses colonizadores no Brasil. Com a comemoração dos 500 Anos (da descoberta) do Brasil vieram à tona outros olhares para o descobrimento. Um deles é o de Fabio de Oliveira Ribeiro, desenvolvido no artigo “Brasil: 500 anos de guerra aos índios”, publicado em 18 de Abril de 2007, no Jornal de Debates, vinculado ao Observatório da Imprensa. Leia trechos deste texto para realizar o que se pede abaixo (versão completa: http://www.jornaldedebates.com.br). BRASIL: 500 ANOS DE GUERRA AOS ÍNDIOS Fábio de Oliveira Ribeiro A história do Brasil começa oficialmente em 22 de abril de 1500, quando a esquadra de Pedro Álvares Cabral ancorou na baía de Cabrália tomando posse destas terras em nome da Coroa Portuguesa. Oficiosamente, entretanto, o primeiro a descobrir o Brasil foi o navegador Vicente Yanes Pizon no ano de 1499. Como a história depende de documentos escritos, é também em 1500 que começa oficialmente a história dos índios que viviam no Brasil. História esta que já começa sendo contada pelos portugueses, pois os índios eram ágrafos. 37 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry O primeiro documento escrito relatando a existência dos nativos é a Carta de Pero Vaz Caminha a El Rey D. Manuel. A primeira referência de Caminha ao gentio da terra é a seguinte "E dali houvemos vista de homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo os navios pequenos disseram, por chegarem primeiro.". O documento revela que antes mesmo de desembarcarem os navegantes tomaram conhecimento de que a terra era habitada. Em seguida, a Carta relata detalhadamente o desembarque e o primeiro contato entre o europeu e o ameríndio. O primeiro ato português constituiu-se, portanto, na primeira violência contra os povos que habitavam a terra. É claro que as nações indígenas não conheciam o conceito de posse legado aos portugueses pelos romanos, mas estavam há séculos ligados à terra de seus ancestrais. Niéde Guidon informa que a ocupação humana do Brasil data de 12.000 anos, a população densa no nordeste de 8.000 anos. Depois de tanto tempo de ocupação do solo, pode-se concluir que os índios tinham direito natural à posse da terra que habitavam. Mas se os nativos desconheciam semelhantes sutilezas teóricas, os portugueses conheciam-nas muito bem. Logo, ao avistá-los poderiam concluir que aqueles homens tinham a posse da terra. Na guerra vale tudo, principalmente a mentira. E os portugueses souberam empregá-la desde o início. Na sua Carta, Caminha informa El Rey que os índios "... não lavram, nem criam...". Niéde Guidon relata que a agricultura é praticada no Brasil há 4.000 anos, em todo território nacional há pelo menos 2.000 anos. Portanto, ao contrário do que escreveu Caminha os índios lavravam sim e há muito tempo. Através de inverdades como a registrada pela pena de Caminha os portugueses criaram a imagem do índio preguiçoso, indolente, desleixado, que ainda hoje combatemos. Foi assim que o europeu conferiu à sua guerra de conquista um caráter diferente, civilizatório. E agora que completamos 500 anos de história desta guerra movida aos índios chegou a hora de desmascararmos sua versão ideológica mostrando o que realmente ocorreu. Além da mentira, os portugueses recorreram sistematicamente ao uso da força. Já em 24/02/1587 foi promulgada uma Lei tornando obrigatória a presença de missionários junto às "tropas" de descimentos. "Tropas", como? Se não estavam em guerra com os índios, porque os portugueses precisavam de "tropas"? Os descimentos constituem um episódio importante da história desta guerra de conquista. Consistiam no deslocamento dos povos indígenas do sertão para aldeamentos junto aos portugueses. Aqueles que resistissem ao convencimento pacífico acabavam sendo conduzidos (descidos) a força. Diversos autores assinalam que os índios morriam como insetos nestes aldeamentos, que os descimentos eram contínuos e foram praticados até o final do período colonial. Assim, os portugueses foram sem dúvida alguma responsáveis diretos pela hecatombe dos índios através do contágio por doenças para as quais eles não tinham defesas naturais. Neste texto o autor confronta a chegada dos portugueses ao Brasil sob dois pontos de 38 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry vista: o dos colonizadores portugueses (descobrimento) e dos índios (invasão). Para realizar a atividade, escreva um texto relatando o momento da chegada dos portugueses ao Brasil sob a perspectiva dos colonizadores, por um lado, e dos índios, por outro. Em relação ao relato dos portugueses, inclua eufemismos que minimizem o impacto das ações cometidas por eles para tomar posse da terra então descoberta. Em relação ao relato dos índios, desfaça esses eufemismos deixando à mostra o que está acobertado. Veja que a palavra descobrimento está encobrindo, do ponto de vista do índio, a palavra invasão. Há também o confronto de culturas, sendo a européia mais prestigiada, do ponto de vista do colonizador. Você pode também usar outras expressões e figuras de linguagem já estudadas e praticadas em outras atividades para compor seu texto. Resposta Esperada O aluno deve perceber ao construir seu texto que os eufemismos podem ser usados para mascarar uma situação. Como eles têm a função de amenizar o acontecido, a verdade, muitas vezes o enunciador se vale de eufemismos para acobertar algo que não quer que fique evidente. Destaca-se que, por isso, a explicitação do que não se quer revelar fica por conta do interlocutor – e isso pode ser utilizado como um recurso argumentativo para determinada conclusão. A composição do texto é livre e o objetivo dessa atividade é fazer com que o aluno saiba reconhecer/compreender e utilizar eufemismos em nossa língua. Para exemplificar o relato dos índios em oposição aos eufemismos utilizados no relato dos portugueses tem-se: − invasão no lugar de descobrimento − catequizar no lugar de conduzir para o bom caminho − ter segundas intenções no lugar de presentear os índios − profanação da terra no lugar de boa terra para plantar e colher. Comentário para o professor Professor, o objetivo desta atividade é levar o aluno a compreender/reconhecer e usar eufemismos como já feito com outras figuras de linguagem (metáfora, comparação, hipérbole, ironia, pleonasmo, onomatopéia). O texto torna-se argumentativamente mais refinado, mais claro, mais consistente quando o 39 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry aluno utiliza construções frasais com certas figuras de linguagem que dão vida ao que se quer amenizar, ressaltar, comparar, parodiar etc. Tais construções demandam um trabalho lingüístico-cognitivo (que envolve o cérebro, a linguagem e os demais processos cognitivos) tanto com a língua enquanto sistema de relações, quanto com a memória (na escolha das palavras, expressões, relações lógico-gramaticais que articulam frases em unidades maiores), com o foco da atenção e com o raciocínio para elaborar um bom texto, que requer, também, por parte do leitor, uma tarefa interpretativa tão complexa quanto. Para escrever e interpretar os fatos é interessante que se tenha conhecimento de várias disciplinas - como português, história, geografia, matemática, filosofia, biologia, química, física, dentre outras, bem como de várias versões sobre os acontecimentos e fatos históricos – e os articule tanto para escrever quanto para falar e ler com sentido. Esta atividade, professor, remete ao Tema Escrever e Argumentar deste Programa (ver Episódio III, Atividade 7) cujo objetivo é levar o aluno do terceiro ano do Ensino Médio a construir textos bem argumentados, articulados, interessantes, que despertem no leitor a vontade de ler e no autor a vontade de escrever. Observe que o domínio do uso do eufemismo requer que se compreenda o que não é possível dizer por alguma razão, o que está implícito. Por exemplo, quando uma pessoa muito gorda nos pergunta se engordou depois das férias, para não magoá-la, podemos dizer que ela não emagreceu; por outro lado, para uma pessoa que não é simpática com ninguém poderíamos responder você deu uma engordadinha... Outro exemplo: a ditadura militar é chamada de governo militar pela direita brasileira justamente para minimizar as atrocidades cometidas a mando dos militares, durante esse regime de exceção que perseguiu, torturou, censurou, assassinou. A intenção de apresentar aos alunos duas visões de um mesmo fato histórico – a chegada dos portugueses no Brasil – é propor duas visões de um mesmo acontecimento histórico: o ponto de vista do vencedor e do vencido. Saber compreender e usar o eufemismo (assim como outras construções), articulando-o ao conhecimento aprendido na escola e na vida, traz ao texto um refinamento e uma complexidade que é o que se espera do aluno nesse nível de formação. Aprender a função de uma figura de linguagem é saber utilizá-la, para que isso não se torne mais um saber que não se sabe para que serve, ou seja, para que não se torne mais um conteúdo escolar sem sentido. O vestibular, o mercado de trabalho, a própria vida - todos demandam um domínio sobre a escrita de diferentes gêneros e dirigida a diferentes interlocutores, o que, por sua vez, como já insistimos no Tema Escrever e argumentar, tem efeitos importantes na fala, na leitura e na vida do próprio aluno. 40 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 2: Pontuação O que se fala e o que se escreve Quando precisamos deixar em casa um recado para nossos pais, ou avisar alguém que vamos chegar tarde, ou que fomos à casa de um amigo, costumamos escrever essa mensagem em um papel e deixar em lugar visível. Já tivemos, com certeza, a experiência de que não adianta escrever e deixar em um lugar que ninguém vê. As mensagens digitais ou telefônicas também facilitam nossa vida quando são lidas/ouvidas a tempo. O homem diante da necessidade de estabelecer contato com alguém ausente fisicamente e de registrar os conhecimentos adquiridos se preocupou em criar um meio durável para fazer isso. Um meio que permaneça resistindo à distância e ao tempo: a escrita. Por exemplo, a carta de Pero Vaz Caminha (escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral), enviada do Brasil para Portugal, em 1500, viajou meses por além mar. Já a permanência da escrita no tempo permite a ampliação, a revisão dos conhecimentos que se tem em determinada época: para os antigos egípcios o coração era o órgão mais importante do corpo humano porque ele administrava tanto o organismo, a moralidade quanto a espiritualidade. O registro disso em hieróglifo, muitos anos antes de Cristo, contribuiu para que a medicina avançasse nos estudos do coração e descobrisse que não é bem assim: o cérebro está no comando orgânico, gerenciando, inclusive, o coração. Não se pode deixar de considerar que algo que é escrito no presente se torna passado para as gerações futuras. A escrita tem, então, uma função de memória permitindo que o presente se concretize, o passado seja revisitado e o futuro projetado. Nas áreas da saúde e educação, na política, na esfera judicial e econômica, a escrita é importantíssima porque só vale o que está escrito. Isso tudo, como estamos vendo nesses episódios, caracteriza o cérebro como histórico, marcado por modificações estruturais e funcionais que se ajustam aos desafios do conhecimento e das práticas 41 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry vivenciadas em sociedade. Para dar conta da complexidade da vida como a nossa é preciso que o cérebro seja um sistema também complexo e equipado para se ajustar, se modificar, se estabilizar, se regenerar, aprender, associar, criar, descobrir novos caminhos. Isso é o que se chama de plasticidade, ou seja, a possibilidade de se adaptar constantemente a mudanças (TAYLOR, 2006/2008). Assim é que - com a linguagem, sofisticada pela escrita - o cérebro humano modificou suas estruturas internas para lidar cada vez mais e melhor com ela; mobilizando as chamadas funções psíquicas superiores (linguagem, memória, percepção, atenção, gestos, raciocínio intelectual, cálculo), sendo a principal delas a linguagem verbal, a fala, naturalmente presente na convivência humana, bem como a leitura e a escrita, em um aprendizado formal posterior. Como registrar na escrita o que eu pretendo que o interlocutor entenda do que eu falo? Se é pergunta, solicitação, ordem, bronca, elogio, afirmação, negação, ironia, o que se revela muitas vezes para além das palavras. Buscando soluções para enfrentar a distância e refinar o registro escrito em prol de uma compreensão possível, a escrita foi sendo marcada para representar a relação direta mantida na fala e representada pela entonação. Foi assim que sinais gráficos (...;:!?@&) foram introduzidos na escrita; pontuar significa, para o cérebro, representar, na escrita, o como se fala, separando e articulando partes do texto que formam um todo consistente a ser interpretado/compreendido por outros. Como ponderam Abaurre e Pontara (2006), os sinais de pontuação podem indicar tanto pausas, como delimitar, na escrita, unidades que, na fala, costumam vir associadas a entonações específicas. Isso para nós constitui a dança da fala em seus vários matizes. Isso exige do nosso aparato fonoarticulatório (nariz, boca, língua, dentes, laringe, pulmão, músculos, etc.) o controle das musculaturas que participam da respiração e da fonação responsáveis pelo ritmo das pausas breves e longas da língua falada; fôlego para emitir unidades de sentido mais extensas; marcação de curvas ascendentes (pergunta) e descendentes (afirmação, ordem) e ainda intensidades variadas (para marcar alegria e braveza, por exemplo) que participam do sentido a ser veiculado. O corpo está envolvido na dança da fala também pelas expressões faciais, pelos gestos com as mãos e pela posição do corpo no espaço. Os vários contornos entonacionais que 42 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry damos a nossos enunciados verbais (tom de pergunta, de exclamação, de ordem, de irritação, de alegria etc.), que são específicos de cada língua, são representados pelas várias marcas de pontuação que, na leitura, por sua vez, são materializados e responsáveis por uma leitura com sentido, com cadência, diferente daquela leitura monótona, sem contorno, pela qual fica difícil a compreensão. Essa leitura com ritmo é a dança da escrita que abriga também vários tons representados por um conjunto de sinais gráficos e ocupações do espaço escrito. Prática em sala de aula A par disso, lembre-se de que a escrita de Pedro no momento que registrou a fala de Carolina guarda marcas de uma escrita rápida, descuidada de seu aspecto formal, no caso, sem atentar para as normas ortográficas e a pontuação. Por vezes, a falta de pontuação na escrita, ou sua presença entre unidades que não se separam, pode levar a mal-entendidos ou à incompreensão do que foi escrito. Em algumas situações, pontuar de forma diferente, mas atribuindo sentido e respeitando princípios gerais da pontuação como não separar termos que se relacionam sintaticamente (os chamados termos essenciais da oração: sujeito e verbo) é um recurso do escritor que sofistica a forma de o leitor compreender a relação entre os personagens e seu narrador. Considere que às vezes é preciso escrever com palavras para indicar, por exemplo, um estado emocional. “Saia daqui! - disse ele irritado”, diz mais do que “Saia daqui!”. Nesse caso, o ponto de exclamação pode indicar vários sentimentos e estados de espírito, cabendo ao texto explicitar a função desse sinal. Textos destinados ao teatro e ao cinema, como uma espécie de roteiro, apresentam entre parênteses o tom que o personagem deve imprimir à sua fala. Exemplos disso são os textos: Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto; Ópera do malandro, de Chico Buarque e Liberdade, liberdade, de Flávio Rangel e Millôr Fernandes. Leia o trecho abaixo de A caverna, do escritor português contemporâneo José Saramago, e perceba a forma singular de como a fala vem representada na escrita. (...) Como lhe correu a manhã, perguntou Marta, Bem, o costume, respondeu o pai baixando a cabeça para o prato, Marçal telefonou, Ah sim, e que queria ele, Que tinha estado a falar 43 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry consigo sobre irmos viver para o Centro quando for promovido a guarda residente, Sim, falávamos nesse assunto, Estava aborrecido porque o pai tornou a dizer que não concorda, Entretanto pensei melhor, acho que vai ser uma boa solução para ambos, O que é que o fez, de repente, mudar de ideias, Não quererás continuar a trabalhar de oleira para o resto da tua vida, Não, embora goste do que faço, Deves acompanhar o teu marido, amanhã terás filhos, três gerações a comer barro é mais do que o suficiente, E o pai está de acordo em ir conosco para o Centro, deixar a olaria, perguntou Marta, Deixar isto, nunca, está fora de questão, Quer dizer que vai passar a fazer tudo sozinho, cavar o barro, amassá-lo, trabalhar à bancada e ao torno, acender o forno, carregá-lo, desenforná-lo, limpá-lo, depois meter tudo na furgoneta e ir vender, recordo-lhe que as coisas já vão sendo bastante difíceis apesar da ajuda que nos dá Marçal no pouco tempo que cá está, Hei-de encontrar quem me auxilie, não faltam rapazes na povoação, Sabe perfeitamente que já ninguém quer ser oleiro, aqueles que se fartam no campo vão para as fábricas da Cintura, não deixam a terra para vir para o barro, Mais uma razão para que largues isto, Não está a pensar que o vou deixar aqui sozinho, Vens ver-me de vez em quando, Pai, por favor, estou a falar a sério, Eu também, minha filha. Agora, reescreva esse trecho colocando as pontuações de acordo com o que se faz tradicionalmente na escrita e identifique quem diz o que, se é Marta ou seu pai, quando não especificado. Considere que assim como podemos falar de várias formas sobre uma determinada coisa também podem existir várias versões escritas de um mesmo texto. Mas não é qualquer coisa que se pode falar sobre determinado assunto, nem tampouco escrever. Há um limite para a construção do sentido. Resposta esperada (...) Como lhe correu a manhã? – perguntou Marta. Bem, o costume - respondeu o pai baixando a cabeça para o prato. Marçal telefonou (Marta). Ah sim, e que queria ele? (pai) Que tinha estado a falar consigo sobre irmos viver para o Centro quando for promovido a guarda residente (Marta). Sim, falávamos nesse assunto (pai). Estava aborrecido porque o pai tornou a dizer que não concorda (Marta). Entretanto pensei melhor, acho que vai ser uma boa solução para ambos (pai). O que é que o fez, de repente, mudar de ideias? (Marta). Não quererás continuar a trabalhar de oleira para o resto da tua vida (pai). Não, embora goste do que faço (Marta). Deves acompanhar o teu marido, amanhã terás filhos, três gerações a comer barro é mais do que o suficiente (pai). E o pai está de acordo em ir conosco para o Centro, deixar a olaria? - perguntou Marta. Deixar isto, nunca, está fora de questão! (pai) Quer dizer que vai passar a fazer tudo sozinho, cavar o barro, amassá-lo, trabalhar à bancada e ao torno, acender o forno, carregá-lo, desenforná-lo, limpá-lo, depois meter tudo na furgoneta e ir vender? Recordo-lhe que as coisas já vão sendo bastante difíceis apesar da ajuda que nos dá Marçal no pouco tempo que cá está (Marta). Hei-de encontrar quem me auxilie, não faltam rapazes na povoação (pai). Sabe perfeitamente 44 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry que já ninguém quer ser oleiro, aqueles que se fartam no campo vão para as fábricas da Cintura, não deixam a terra para vir para o barro (Marta). Mais uma razão para que largues isto (pai). Não está a pensar que o vou deixar aqui sozinho?! (Marta). Vens ver-me de vez em quando (pai). Pai, por favor, estou a falar a sério! (Marta) Eu também, minha filha! (pai) Comentário para o professor Professor: nosso objetivo com essa atividade é refletir sobre a relação entre fala e escrita mediada pela entonação e pontuação. Os diferentes aspectos envolvidos na construção do sentido e de sua compreensão na fala são representados pela entonação, o que nos leva a reconhecer como próprio o ritmo de cada língua; e na escrita isso se dá pela pontuação. Os diferentes sinais de pontuação habitam os diferentes textos de modos também diferentes. Em uma fábula o travessão é mais utilizado para marcar o diálogo dos personagens do que em um romance ou em um texto de ficção nos quais isso vem anunciado de outra forma, sem o travessão, por exemplo. Iniciantes de escrita ou pessoas que escrevem e lêem pouco frequentemente separam sujeito de verbo com vírgula e isso talvez se dê porque justamente respiram e fazem uma pausa depois do sujeito, momento em que se dá a colocação da vírgula. De nada adianta rezar a regra (não se separam termos essenciais da oração), ter o saber metalingüístico, mas não o aplicar na vida real, ou seja: repetir a regra e separar sujeito de verbo. É importante destacar que nem sempre a respiração indica que deve ser colocado um sinal de pontuação; na verdade é o sentido a melhor estrela guia da pontuação que mantém juntos termos que se relacionam diretamente, que se encaixam em outros, o que corresponde a vir entre vírgulas, intercalado. Por isso, professor, é importante ler para os alunos, fazendo uma leitura semântica, isto é, interpondo pausas entre unidades de sentido, articulando unidades de sentido com ritmo específico, destacando com picos de intensidade um contorno entonacional que representa um determinado sentido implícito, uma ironia, por exemplo. Gostaríamos, ainda, professor, de correlacionar entonação/pontuação/respiração com funcionamento cerebral. Respirar bem, oxigenar o cérebro, ajuda a se manter em alerta, com o Bloco I ativo, o que por sua vez é importante para a busca do sentido e para o aprendizado. O Bloco II ativo faz com que você reconheça o que lê e busque associar e relacionar para compreender o escrito. O Bloco III faz com que você se torne um melhor leitor porque lê e porque busca pelo sentido enquanto lê. Leitura de texto literário, como o de Saramago utilizado na atividade, pode, inicialmente, causar estranhamento, por utilizar recursos não usuais para marcar a pontuação. Entretanto, à medida que nos aventuramos na leitura, e entramos no ritmo da língua, a ausência da pontuação que, à primeira vista, o leitor estranha, começa a se tornar parte integrante do texto que vamos percebendo como familiar. Assim é que se manifesta a plasticidade cerebral. A escolha desta atividade tem, também, o objetivo de ressaltar que não existe uma só maneira de pontuar, de ocupar o espaço escrito; há variabilidade nisso, 45 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry com efeitos no sentido. É o que podemos constatar no célebre exemplo abaixo: Um homem rico, à beira da morte, deixa o seguinte testamento: “Deixo meus bens a minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do alfaiate nada aos pobres”. Existem várias possibilidades de sentido a depender de quais e do lugar em que os sinais de pontuação serão utilizados: 1. Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho, jamais. Será paga a conta do alfaiate. Nada aos pobres. 2. Deixo meus bens a minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada aos pobres. 3. Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho, jamais; será paga a conta do alfaiate? Nada; aos pobres! 4. Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada aos pobres. Finalizando, professor, acrescentamos ainda aqui dois temas que costumeiramente aparecem quando se trata de fala e respiração, lembrando que a fala acontece na saída do ar, na expiração da respiração. O primeiro tem a ver com a gagueira ou disfluência que erroneamente pode ser vista como um problema da criança em coordenar sua respiração e produção da fala. A gagueira está relacionada com a dificuldade de o sujeito lidar com a produção da fala no seu próprio discurso. Ou seja, o gago ou disfluente não gagueja cantando ou representando uma fala de outra pessoa, no teatro, por exemplo. Para dar conta da produção de seu próprio discurso, o gago faz um esforço que altera fundamentalmente o ritmo da fala, descaracterizando seu ato continuo. Interrompe quando deveria seguir. A ocorrência da gagueira ou disfluência é complexa e pode envolver desde o descompasso entre o que o sujeito fala e o que escuta da própria fala (seu retorno acústico) até questões emocionais. O outro tema é a disfonia funcional, tão comum entre os profissionais que lidam com a voz. Nesse caso, sim, a coordenação pneumofônica tem papel fundamental. A disfonia funcional é o resultado do abuso vocal cometido a cada vez que uma pessoa fala mais do que o seu suporte aéreo é capaz de sustentar. Assim, a pessoa continua falando sem uma medida de ar adequada, desencadeando com esse ato compensações vocais e musculares: fala mais alto porque tornando a voz mais aguda pode ter a (falsa) impressão de conseguir falar melhor; tensiona os músculos do pescoço para ajudar as cordas vocais a trabalharem. A resolução deste tipo de problema está em aprender a coordenar o uso da voz e da respiração desarticulando os apoios vocais e musculares inadequados. 46 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 3: Oralidade e Escrita A fala na escrita e vice-versa A fala aconteceu antes da escrita na história da humanidade e, em geral, as crianças do mundo todo, até os 3 anos de idade, têm o domínio da língua materna. Diversas necessidades do homem ao longo de sua história de vida o levaram a falar com o outro que também fala com ele - para partilhar trabalho, medo, afeto, humor, alegria, organização social, cultura, entre outras coisas, o que modificou sua dinâmica cerebral, estruturas e funções. Exemplo disso é a assimetria entre os dois hemisférios cerebrais produzida pela predominância do hemisfério esquerdo para a linguagem (Para Saber Mais veja o quadro Especialização Hemisférica, no final desta atividade). A linguagem promoveu um salto qualitativo em nosso cérebro, caracterizado por Luria (1979) como o que diferenciou o homem dos animais. Foi, portanto, o homem que elaborou a linguagem tal como se conhece hoje, com tantas línguas faladas e escritas no mundo. A escrita, como vimos no Tema Pontuação, se aprende em geral na escola, no que diz respeito principalmente a aspectos formais. Esse é um dos principais papéis da escola. Quando iniciamos esse aprendizado, e fazendo parte de uma sociedade letrada, todos nos baseamos para escrever na nossa própria fala, depois vamos estabelecendo uma relação particular com as normas e recursos da escrita/leitura que se mostram em diferentes momentos e vivências. Por que iniciantes de escrita/leitura fazem erros de ortografia/pronúncia tão parecidos? Na escrita, usar u no lugar de o (no final de sílaba), usar dois ss no lugar de c ou ç, x no lugar de ch, dentre outros, é previsível porque - no sistema alfabético que usamos para escrever - a relação entre som e letra não é única. Pode-se ter um mesmo som representado por várias letras como é o caso do som da letra s que pode ser escrito com ss, sc, c, e ç. Dada a heterogeneidade entre som e letra, mediada pelas leis da ortografia que vigoram em uma determinada época, é que na escrita de Pedro, feita rapidamente, observamos construção com dois Esses, seta com Ce 47 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry e nem por isso se trata de patologia. É importante ressaltar que tanto a fala quanto a escrita e a leitura são guiadas pelo sentido. É o sentido que conhecemos pela fala e que exercemos na família, no bairro, na igreja, na escola, por exemplo, que reconhecemos nos textos que lemos e escrevemos. Quando lemos palavras que nunca escutamos, para saber o que significam temos que procurar no dicionário ou perguntar para alguém ou ainda tentar inferir seu sentido pelo contexto. Quando uma leitura é silabada ou apresenta problemas de reconhecimento das letras, fica difícil, às vezes, descobrir de qual palavra/sentido se trata. Há um estranhamento que se reflete no modo de ler a palavra. A palavra na fala tem um ritmo e um tempo diferente da escrita e da leitura. A leitura silabada da palavra janela, por exemplo, faz com que a criança altere sua sílaba tônica [ja-nê-la], a ponto de não reconhecer de imediato a palavra [janela]. A relação entre fala, leitura e escrita se mantém por toda a vida, sendo mais forte nos momentos em que o sentido não se realiza de pronto e em que falar em voz alta e/ou escrever ajuda no seu reconhecimento. Talvez a mais íntima relação entre letra e fala aconteça na soletração (Para Saber Mais veja o quadro Soletração ao final desta atividade): dizer o nome da letra selecionada, colocá-la sob as regras da escrita, combinando-a numa determinada sequência para formar uma palavra da língua, ao mesmo tempo em que é preciso apagar certos elementos que compõem o nome da letra para poder escrever a letra (não se escreve agá, mas H; nem eme, mas M). Para escrever bola o sujeito tem que manter o b, apagar o e do nome da letra b, combiná-lo com a letra o, apagar o e inicial e final do nome da letra ele, e, por fim, juntar a letra a, caso contrário ficaria /beoelea/. Isso aconteceria se escrevêssemos tudo o que falamos. Saber soletrar uma palavra e escrevê-la significa manter certas letras e apagar outras, o que acaba se tornando automatizado - isso porque cerebralmente tantas vezes os neurônios percorrem um mesmo caminho que ele é facilmente recuperado, sem precisar pensar; é como andar, chutar bola, nadar, falar. É importante destacar que soletrar é uma atividade metalinguística que incide sobre o escrever e não sobre a própria escrita; isso porque não se escreve diretamente o que se soletra, mas há uma correspondência entre o nome da letra e sua representação gráfica 48 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry que é aprendida na vida escolar. Mas queremos chamar sua atenção para uma reflexão que ao final do Ensino Médio é interessante de ser feita. Tem sido frequente na atualidade atribuir ao não domínio da ortografia um dos sintomas de patologia, especialmente a dislexia, mas também o transtorno do déficit de atenção, com e sem hiperatividade, sendo que isso será discutido nos Temas Dislexia? e Déficit de Atenção? (ver neste episódio, as Atividades 5 e 6). O modo como Pedro anota as informações que Carolina dita mostra a presença da fala na escrita (veja também o Programa Causos e falas daqui e dali, episódio 1, Tema Falar e Escrever: Oralidade e escrita; e o Programa Vozes da Cidade, episódio 2, Tema O funcionamento diverso da oralidade e da escrita). Pedro não escreve qualquer coisa, há uma lógica em suas decisões ao formular hipóteses para escrever que mostram seu cérebro ativo e despreocupado com questões formais porque se trata de anotações feitas só para si, escritas rapidamente para poderem ser recuperadas. Destacamos que habitamos a linguagem de forma diferente, em determinadas situações estamos mais na fala, em outras mais na escrita, mais na leitura e nunca as confundimos. A escrita utilizada em sites de bate-papo, o internetês, tem sua razão de ser: a rapidez, a economia, a relação entre o som da palavra, o nome da letra e sua forma gráfica, a inserção de símbolos para representar emoções. Na escrita de Pedro algumas dessas características estão presentes: destaque com Ka, ponto como pto, e é como eh. É interessante observar que quem sabe abreviar sabe também escrever a palavra por extenso, e, que cada um desses registros escritos tem seu lugar e hora para acontecer, da mesma forma que ocorre com a fala, cujo registro também pode variar em função da situação social, considerando quem fala e para quem se fala. Leitores e escreventes que têm bastante familiaridade com a leitura e com a escrita podem ter dúvida de como se escreve uma palavra, tendo em vista a relação entre som e letra que se tem na convivência do cotidiano da língua em que predomina a fala. Tudo isso mostra que a língua em funcionamento é aberta a múltiplos usos e sentidos, tratando-se de fala ou de escrita/leitura (COUDRY e FREIRE, 2005). 49 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Prática em sala de aula A língua portuguesa tem passado por reformas (1911, 1971) e acordos ortográficos (1945, 1975, 1990) que alteram certas formas de escrever. Leia os textos abaixo e observe como se escreve diferente das regras escritas atuais. Reescreva os textos nos moldes atuais, considerando a recente reforma de 2009. Compare as mudanças e veja que o que é considerado erro hoje – e até sintoma de patologia – já foi considerado correto. No Almanaque Eu sei ler - leitura e scenas infantis – encontram-se várias palavras escritas que se tomadas hoje seriam sintomas de patologia: scenas; creanças; creada; jornaes; cahiram; sahiram; theatro; cousa; phantasmas, fazel-o; vel-o; impoz; poz. Em espumas fluctuantes, de Castro Alves, edição de 1938, temos: céo; somnolento; abysmos; espheras; sympathico; elle; vivêra; sepulchraes. Num documento de 1725, transcrito em Tempos Lingüísticos (Ática, 1990), de Fernando Tarallo, podem-se encontrar grafias como apartir; seachar; nemseatreve; oobrigaraõ; etc. Vejam um trecho desse documento: Estes Frades Sr. Filhos do Reyno foraõ origem com aalternativa, assim da desordem em q. seacha asua relligiaõ como das parcialidades emque ardem os seculares desta terra interessados na ordem 3a. Resposta Esperada No Almanaque Eu sei ler - leitura e scenas infantis – encontram-se várias palavras escritas que se tomadas hoje seriam sintomas de patologia: scenas (cenas); creanças (crianças); creada (criada); jornaes (jornais); cahiram (caíram); sahiram (saíram); theatro (teatro); cousa (coisa); phantasmas (fantasmas), fazel-o (fazê-lo); vel-o (vê-lo); impoz (impôs); poz (pôs). Em espumas fluctuantes, de Castro Alves, edição de 1938, temos: céo (céu); somnolento (sonolento); abysmos (abismos); espheras (esferas); sympathico (simpático); elle (ele); vivêra (vivera); sepulchraes (sepulcrais). Num documento de 1725, transcrito em Tempos Lingüísticos (Ática, 1990), de Fernando Tarallo, podem-se encontrar grafias como apartir (a partir), seachar (se achar), nemseatreve (nem se atreve), oobrigaraõ (o obrigarão). Estes Frades Sr. Filhos do Reino foram origem com a alternativa, assim da desordem em que se acha a sua religião como das parcialidades em que ardem os seculares desta terra interessados na ordem 3ª (...). 50 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Para saber mais, consulte Possenti (2005), a propósito das grafias de 1725. Comentário para o professor Dado que as pessoas falam mais do que escrevem e aprendem a falar antes de escrever é natural que exista uma forte relação entre fala e escrita e um predomínio da fala sobre a escrita enquanto não houver uma autonomia da escrita, assim como há sobre a fala. A escola não precisa ensinar ninguém a falar, mas precisa ensinar todos a escrever. Entretanto, para ensinar a escrever não se deve apagar a variedade de fala dos alunos, mas ajustá-la aos registros formais de sala de aula, onde o aluno tem a chance de ter contato com a variedade padrão de fala. É evidente que se a variedade de fala do aluno for muito distante da variedade padrão, professor, ele poderá apresentar mais instabilidades ortográficas do que aquele cuja variedade de fala é mais próxima da padrão, mas nem por isso se trata de patologia. Escrever como Pedro o fez no Bloco de Anotações, a partir do que Carolina ditou, rapidamente e despreocupado com a forma, ou como vários jovens fazem porque escrevem e lêem pouco e por isso escrevem não ortograficamente, tem sido considerado erro, geralmente corrigido pelo professor. Entretanto, a correção do professor não assegura que o aluno irá escrever ortograficamente. Ortografia se aprende de tanto escrever e ler, e reler o que se escreve. Corrigir é complexo: é preciso saber o que o aluno tentou escrever para saber como corrigir, não bastando dar a palavra corrigida. Escrever garda para guarda; otem para ontem tem uma explicação que deve ser compreendida para que não se tomem erros assim como sintoma de patologia. Não é óbvio para a criança/jovem representar ortograficamente o som /ge/ pela escrita gue ou o som /je/ pela escrita ge. Isso se aprende com o uso. A representação escrita da nasalidade em português também não é óbvia para quem não tem autonomia de escrita. Do ponto de vista do aluno, a palavra muito tem uma nasalidade explícita na fala e isso não é marcado na escrita como poderia ser, por exemplo: muinto. Por isso um iniciante de escrita ou um jovem que ainda não tem domínio da forma ortográfica pode escrever otem por ontem e isso não é sintoma de doença. É importante, professor, considerar que escrever não é só ortografia (COUDRY e FREIRE, 2005; POSSENTI, 2005), há recursos próprios da escrita - explorados no Tema Relações Lógico-gramaticais (ver Episódio 3, Atividade 3) - desenvolvidos e refinados ao longo da história humana que precisam ser ensinados, tanto pela leitura quanto pela escrita. É raro que se utilize cujo na fala, mas ele é usado na escrita/leitura, o que significa que deve ser ensinado; da mesma forma há tempos verbais mais típicos da fala (futuro próximo; pretérito perfeito) e outros mais típicos da escrita (futuro do presente do Indicativo; pretérito mais-que-perfeito do Indicativo). Considere, ainda, professor, que o domínio do sistema ortográfico supõe um movimento de idas e vindas até que esse sistema esteja estabilizado; e mesmo assim podem ocorrer dúvidas em como se escreve, o que é absolutamente normal. 51 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Imagine uma lista, como a que segue, de nomes de medicamentos fictícios e dite a seus alunos. Compare os resultados do que foi escrito sob ditado com a lista e comente com os alunos as várias formas possíveis dessas palavras serem escritas, sem que isso indique erro ou patologia. E veja, professor, que as diferentes formas de escrever aparecem quando há sons que correspondem a várias letras e que todos os falantes nas circunstâncias em que não se tem como apelar para o sentido escrevem com muita variabilidade; indicamos entre parênteses algumas dessas possibilidades. Lista para ditado AUGECEM (algessem; algecem) CHILJIX (xiujix; xiugix; xiljix; chilgix) BOZISSUL (boziçul; bosissul) TONICXOL (toniquissol; tonikiçol; toniksol) VERRUSHAM (verrucham; verruxam) NAITLAIT (naitilaiti; naitelaite) TOCHAMEX (toxamex; toshamex) ZACTONE (zactoni; zaquitone) GASCITAL (gassital; gassitau; gacital) PEREXÇÃO (perecção; perequissão; perexão) É importante considerar que nem sempre o ditado tem sentido na vida escolar. Não se deve avaliar algo que o aluno ainda não domina pelo ditado, porque o aluno repete baixinho o que é dito pelo professor e essa fala sussurrada interfere em sua representação escrita. Sussurrar vaca significa dizer faca o que pode levar o aluno a escrever faca. O ditado poderia servir para refletir sobre como se escreve, como propusemos, e não para acusar simplesmente erros. PARA SABER MAIS Especialização Hemisférica O cérebro é um sistema que apresenta uma hierarquia de estruturas e funções e isso significa que há partes especializadas e partes mais gerais; Luria, em toda sua obra, se preocupa não somente em delimitar a estrutura e a função das áreas do cérebro, mas, sobretudo, em descobrir como se relacionam umas com as outras, o que constitui a natureza humana. A parte mais externa de cada hemisfério cerebral é formada pelo córtex que é uma fina camada composta de substância cinzenta que envolve os dois hemisférios cerebrais; o córtex apresenta sulcos e giros que aumentam significativamente a quantidade de córtex sem aumentar o volume craniano. Esse aumento, em particular das áreas de associação, implica em uma maior capacidade perceptiva para reconhecer formas e sons, possibilidade de armazenar informações 52 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry de diferentes tipos, utilizar sistemas complexos de comunicação como a linguagem articulada, a leitura e a escrita, além de sistemas numéricos, computacionais etc.; e para alcançar formas elaboradas de conceitos fundamentais para a solução de problemas utilizando-se de sistemas formais de pensamento. Tudo isso faz com que a conduta humana adquira uma dimensão particular, ou seja, a qualitativa, em relação às espécies mais próximas. Muitos neurologistas, a partir da década de 60 do século XX, estudando o cérebro humano observaram que na maioria dos sujeitos destros e canhotos o hemisfério esquerdo é especializado na linguagem, na realização de cálculos matemáticos, bem como no pensamento lógico-analítico. Diferentemente, o hemisfério direito é especializado no processamento da informação espacial, vísuo-perceptual, apreciação musical, imaginação e desenho. Veja como os hemisférios cerebrais se comportam quando em atividades como: Este é um exemplo das especificidades de cada hemisfério e do que as pessoas têm que fazer para manter o foco da atenção (ação do Bloco I); inibir a leitura da palavra (ação do Bloco III para planejar e executar) e selecionar o nome da cor (ação do Bloco II conjugado com o III). Outra importante descoberta dos neurologistas foi a correlação entre dominância hemisférica e preferência manual. Quanto ao canhoto, há os que apresentam a dominância do hemisfério direito e os que têm a dominância do hemisfério esquerdo para a linguagem. Quanto aos destros, 90% deles, que representam 90% da população, mostram uma dominância para linguagem no hemisfério esquerdo. Os canhotos e ambidestros, que correspondem a 10% da população, formam um grupo heterogêneo: tanto dominância esquerda, quanto dominância direita e, ainda, nos dois hemisférios. Disso se tira como conhecimento a importância do trabalho com as mãos para a dinâmica cerebral, e embora haja a preferência manual é importante usar a mão não preferencial. Observe que várias atividades laborais ou artísticas usam as duas mãos, o que deve fazer muito bem para o funcionamento do cérebro como um todo. O processo histórico por que passou o cérebro humano mostra que aprender o tornou uma estrutura complexa, hierarquizada. Por exemplo, a aprendizagem da escrita alfabética envolve mais o hemisfério esquerdo que se especializou, ao longo da história das línguas, em tarefas que demandam relações temporais: seqüências, combinações, escolhas. Por outro lado, a escrita ideográfica envolve mais o hemisfério direito por seu caráter espacial e de desenho. 53 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Hemisfério direito Hemisfério esquerdo Soletração Os dois hemisférios cerebrais trabalham integradamente na soletração. Quem escreve a palavra soletrada escreve cada letra na ordem em que foi dita por seu interlocutor, tendo seu hemisfério esquerdo ativado, além do direito, em função da espacialização da escrita. Soletrar uma palavra para alguém implica em vários conhecimentos que vão se automatizando com a vivência da escrita: − conhecer a escrita da palavra (ativação do Bloco I e Bloco II); − conhecer os nomes das letras que a compõe (ativação do Bloco I, Bloco II, sobretudo algumas partes dos lobos temporal, occipital e parietal); − ordenar os nomes das letras oralmente - o que significa selecionar a letra desejada segmentando e recompondo como unidade a palavra escrita, de forma a não perder a seqüência, sendo esse processo repetido até que todos os nomes de todas as letras tenham sido ditos comparando a todo tempo a memória auditiva ou visualescrita da palavra - (ativação do Bloco I, Bloco II e sobretudo Bloco III). Há, para realizar essa ação, um intenso trânsito entre os Blocos II e III Soletrar, apesar de parecer uma atividade mais oral do que escrita, implica necessariamente em uma representação da letra, ou mental ou escrita, no papel; implica, ainda, conhecer o traçado de cada letra que corresponde a cada nome da letra (Bloco I, Bloco II, sobretudo os lobos occipital e parietal) e o conjunto de gestos articulatórios que representam o nome das letras (Bloco I, Bloco II, Bloco III), cujas ações motoras são diferentes daquelas envolvidas na produção dos sons que formam a palavra. Falar ENE-A-VE-I-O é diferente de falar NAVIO. 54 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 4: Abreviatura, Abreviação e Sigla TV, cine e MP3 O Português do Brasil, como toda língua falada, muda ao longo da história. Do mesmo modo que algumas palavras acabam não sendo mais utilizadas, como os arcaísmos que você viu em algumas das situações que Pedro e Carolina viveram, outras vão surgindo. A língua é viva e se movimenta, mas como isso acontece? Novos acontecimentos sociais, políticos, esportivos, científicos (descobertas em diferentes áreas), culturais passam a fazer parte da sociedade e precisam ser referidos pelos falantes por meio de palavras e expressões. Expressões que pelo uso ingressam na língua. É o que se deu, por exemplo, com a palavra apagão que entrou para a língua para nomear a falta de energia frequente ocorrida no Brasil todo, em 2001 e 2002. Veremos, no Episódio III, Atividade 2, que há também diversos processos de formação de palavras, como a prefixação e a sufixação, em que se acrescenta um prefixo ou um sufixo a um radical, respectivamente. Por exemplo, no radical feliz podemos acrescentar o prefixo –in, formando infeliz ou o sufixo – mente, formando felizmente. Podemos também acrescentar um sufixo e um prefixo ao mesmo tempo em um único radical, nesse caso, teríamos a palavra infelizmente. Além desses processos bastante conhecidos, há outros que, apesar de usarmos com bastante frequência, às vezes nem conhecemos seus nomes: abreviação, abreviatura e siglonimização. A abreviação, bastante comum principalmente na fala, é um processo de redução pelo qual se forma uma nova palavra eliminando uma parte dela: a palavra cinema ou cine são, na verdade a palavra cinematógrafo reduzida. Algumas dessas palavras são tão comuns que acabamos nem sabendo que na verdade são reduções de outra palavra. É o caso de pneu, que poucas pessoas sabem que é uma palavra formada por meio da redução de pneumático. A abreviatura é a redução de uma palavra a uma letra ou mais que a representam: r. por rua; av. por avenida; p. por página; TV por televisão; apto. por apartamento; entre 55 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry outros. A siglonimização também é um processo de redução. Neste caso, ao invés de se eliminar uma parte da palavra, transforma-se uma sequência de palavras em uma sigla. Esse processo também é bastante comum em nossa língua. As siglas fazem parte de nosso vocabulário de forma tão natural que muitas vezes nem sabemos o que elas significam. Entre as siglas comuns temos: CPF (Cadastro de Pessoa Física), IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano); ONU (Organização das Nações Unidas), etc. É interessante notar que a partir dessas siglas se originam também outras palavras. Por exemplo, a palavra petista, da sigla PT (Partido dos Trabalhadores). Embora nos pareça quase automático, a formação da sigla não se dá de forma aleatória. Ela segue uma regra de composição que, em geral, determina que seja formada pela primeira letra de cada palavra do nome a ser siglonimizado, ou seja, reduzido a uma sigla. Trata-se de uma sintaxe abreviada em que prevalecem os nomes, ficando de fora de sua formação preposições, conjunções, artigos. Assim, a sigla cumpre sempre uma função econômica. Como nasce uma sigla e como ela se cristaliza? Vimos que é a necessidade de nos referirmos aos acontecimentos da vida pública e privada que regula o aparecimento da sigla. Só para continuar na esfera político-social e econômica, as siglas se tornam nomes, alguns jamais esquecidos pelo efeito causado e pelo tempo de sua permanência na sociedade: o decreto AI-5, em 1968 - Ato Institucional de número 5 (Para Saber Mais veja o quadro Ditadura, no Tema Relações de sentido, Episódio 3, onde também fazemos referência ao AI-5); a lei CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira que esteve em vigor de 1997 a 2007. Chamamos a atenção para o fato de que o falante sabe o gênero (feminino ou masculino) da sigla em questão; embora não estejam expressas nela, palavras como imposto, movimento, organização são tomadas como referência pelo falante. Fala-se: o RG porque se recupera a palavra registro/documento; fala-se a AIDS, porque se tem em mente a palavra doença; fala-se o MST (Movimento dos Sem Terra), prevalecendo o 56 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry gênero masculino da palavra movimento. Assim como ocorreram cristalizações nas palavras cine e pneu, citadas inicialmente nesse texto, a cada período de tempo outras siglas sofrem esse efeito e nos tempos atuais podemos citar: ONG (Organizações Não Governamentais - representativas de diferentes movimentos sociais da sociedade civil) e AIDS (Acquired Immunodeficiency Syndrome) sigla composta pelas palavras em inglês que entrou para o léxico da língua portuguesa, o mesmo se deu com DNA (Deoxyribonucleic Acid). Porém, o efeito da sigla virar nome não é uma regra geral, algumas permanecem como uma sequência de nomes de letras. Comumente são aquelas que apresentam sequências de letras incomuns ao padrão da língua, por exemplo, IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotores); IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana); INPS (Instituto Nacional da Previdência Social). Como o cérebro sabe que está lidando com uma sigla? Diante de uma sigla que apareça na leitura de um texto ou em placas na rua, o jovem ou adulto leitor faz o reconhecimento visual das letras maiúsculas considerando tanto a possibilidade da existência de um padrão diferente da língua (quando permanece como um conjunto de letras); como da formação de uma palavra (Detran, Embrapa). Isso é possível porque a região associativa das áreas posteriores do cérebro, a confluência Têmporo-Parieto-Occiptal (TPO) fica muito mais ativada que outras áreas cerebrais. A decisão de selecionar as palavras-chave da sigla é realizada na região anterior do cérebro, mais precisamente no córtex órbito-frontal (COF). Outras informações ajudam na decifração da sigla como o contexto, a observação do tema em questão, se existe imagem, o que vem depois, ou antes, da sigla. No caso do leitor reconhecer as palavras, faz a checagem e está resolvido. Mas em caso de texto escrito, se não conhecer a palavra, recorre à regra de uso da língua escrita que apresenta inicialmente a palavra estendida sendo depois substituída pela sigla. No caso de uma placa ou de uma edificação terá que pedir ajuda a alguém. Supondo nessa mesma situação tratar-se de alguém que não saiba ler, então, as áreas cerebrais mais incitadas serão a do hipocampo porque essa pessoa terá que evocar memória, lembranças de experiência própria ou partilhada em que esta sigla esteve presente; bem como o lobo occipital que sintetiza a representação da imagem visual e a recuperação pela memória da sigla, propriamente dita, será como a de um formato de um desenho apropriado a um contexto. 57 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Para saber mais sobre a confluência das regiões têmporo- parieto-occiptais (círculo em vermelho) veja o Tema Relações Lógico-Gramaticais Prática em sala de aula 1. O texto abaixo traz abreviações e siglas. Você já deve ter ouvido falar de várias delas, mas nem sempre sabemos o que significam. Por isso, faça uma pesquisa e descubra o que significa cada um dos termos abaixo destacados. O Brasil não tem o melhor IDH do mundo. Na verdade estamos muito distantes de uma boa qualidade de vida que atinja a maior parte da população. Mas a questão é: o que é qualidade de vida? Uma pesquisa do IBOPE demonstrou que o brasileiro se preocupa muito mais com seu carro ou com sua moto do que com outros gastos. O DETRAN afirma que o número de carros está se tornando um problema para o país. A PM que geralmente é acionada para ajudar em dias de congestionamento também concorda que o número de carros no Brasil está se tornando crítico. Mesmo com gastos fixos e de valor elevado com gasolina, IPVA e manutenção, os 58 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry brasileiros dão prioridade para a compra de carro, muito mais do que de casa própria, ou investimento em cultura ou em capacitação profissional, por exemplo. O MEC que o diga! A educação sempre foi apontada como uma solução para aumentarmos nosso IDH, mas é difícil competir com a obsessão dos brasileiros por carros. Hoje há até ONGs que propõem soluções alternativas como andar de bicicleta ou ser caronista. Em algumas das principais capitais do país essas ações são válidas, mas os adeptos ainda são muito poucos. O sonho do brasileiro ainda é ter um carro, mesmo que não haja garagem para guardá-lo. Resposta Esperada 1. O objetivo desta atividade é fazer com que o aluno pesquise o significado de siglas que provavelmente fazem parte do seu cotidiano, pois este conhecimento permite uma maior compreensão do texto apresentado, bem como de qualquer texto informativo. PM: Polícia Militar IBOPE: Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística IDH: Índice de Desenvolvimento Humano DETRAN: Departamento Estadual de Trânsito IPVA: Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores MOTO: Motocicleta MEC: Ministério da Educação ONG: Organização Não Governamental 2. Agora veja, abaixo, o anúncio de um imóvel publicado no caderno Classificados do jornal campineiro Correio Popular (14 de Junho de 2009), e tente substituir as abreviaturas pelas palavras que representam: Bq. das Palmeiras Térrea 3 dorms. (ste.), sala 2 ambs., coz. ampla, quintal gde para fazer churrasq. e piscina. 490m²a.t. Resposta Esperada 2. Bosque das Palmeiras Térrea 3 dormitórios (suíte), sala com 2 ambientes, cozinha ampla, quintal grande para fazer churrasqueira e piscina. 490m² de área total. 3. No vídeo (primeiro e terceiro episódios) também encontramos um exemplo de sigla. Qual é, o que significa e qual sua função na história? Resposta Esperada 3. A sigla é ARL, que significa Alexander Romanovich Luria. Sua função é de ser uma pista, colocada no mapa para indicar a localização da pessoa que ajudaria Pedro e Carolina a 59 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry descobrirem a saída do computador. Comentário para o professor Professor, nosso objetivo com esta atividade é o de refletir sobre alguns processos de formação de palavras que estão cada vez mais presentes na sociedade moderna. Com as novas tecnologias, como o computador, a televisão, termos relativos a eles foram introduzidos no cotidiano de nossas vidas. São verbos como deletar, configurar; são nomes como, Ipod (diz-se Aipod), Pager (diz-se peijer), e-mail (diz-se imeil); siglas como DVD, LCD, HTML, HDMI. Palavras derivadas do computador migram da língua inglesa para outras línguas porque a empresa que o lançou para o mundo é americana (Microsoft). Professor, observe com seus alunos que a sabedoria do povo atinge a língua que falamos chamando a atenção deles para o fato de que os verbos que se referem a coisas que fazemos com o computador entram para a nossa língua e se popularizam na conjugação mais regular, a 1ª, como ocorre também com xerocar. Reflita com seus alunos a propósito de uma possível origem da palavra cadáver. Quem imagina que essa palavra seja uma sigla formada das palavras latinas - Caro, Data, Vermíbus - traduzindo, carne dada aos vermes. Mostre a seus alunos que existem siglas que caem e outras que não caem no uso comum; por exemplo, CNH (Carteira Nacional de Habilitação) não se usa, é mais comum dizermos carteira ou carta. Existem profissões em que conhecer uma sigla é uma questão de vida ou morte. Na área da medicina o uso de siglas é diário e universal, em qualquer país do mundo ela precisa ser identificada corretamente pelo profissional. Existem dois manuais, um que traz a Classificação Internacional de Doenças - CID-10 (10ª revisão, 1984-2003), e outro, Diagnóstico de Saúde Mental - DSM – 4 (4ª revisão, 1994-2000), destinado a doenças mentais. É universal a existência de um espaço nas guias ou relatórios de qualquer especialidade médica destinado ao CID/DSM, em que o médico deverá registrar uma sigla composta de número e letras que, muitas vezes, não determina a doença em si, mas o grupo a que pertence. Além disso, na linguagem médica existe o uso de radicais gregos e latinos que permite expressar fenômenos, procedimentos, órgão a ser tratado, aumento ou diminuição. Por exemplo, Choque hipovolêmico quer dizer “queda acentuada da pressão arterial por diminuição do volume de sangue circulante”. A frase O mielograma acusou pancitopenia significa: “O exame da medula óssea mostrou diminuição de todos os tipos de células normalmente ali encontradas e que dão origens aos glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas do sangue”. Consideramos importante você, professor, e seus alunos compreenderem o(s) caminho(s) que o cérebro faz para identificar uma sigla e passar a tratá-la como tal, sem ter que recorrer à expressão de que é derivada. Siglas, abreviaturas, abreviações compõem nosso universo escrito e falado que por sua vez compõem a matriz semântica a que também nos referimos no Tema: Campo Semântico (ver Episódio III, Atividade 1); esta funciona como memória de conhecimento e se apresenta como um terreno fértil para associações, novos aprendizados e recuperação dos antigos. 60 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 5: Dislexia? De perto ninguém é normal Como diz a canção Vaca Profana, de Caetano Veloso, de perto ninguém é normal, não existe perfeição humana, embora o homem busque sempre por ela. Há, nos dias de hoje, uma incessante procura pelo padrão de beleza, saúde, inteligência, profissional – difícil de ser alcançado; se você tiver um pneuzinho a mais na cintura, já não é normal. Vivemos em um mundo muito exigente, por um lado, e cheio de rótulos para tudo, por outro. E ninguém escapa disso. NERD (antigo CDF), EMO, por exemplo, categorizam os jovens em grupos por sua aparência, forma de agir, preferências, etc. Se você fala pobrema, menas – que são marcas de uma variedade de fala de quem teve pouca escolaridade - em um ambiente mais formal, será rotulado de não saber falar a língua e motivo de risos. Nesse sentido, o que se diferencia do que é considerado padrão é anormal ou patológico. Nas instituições de ensino isso não é diferente; aquele que não se encaixa dentro dos padrões e modelos estabelecidos é logo rotulado com algum tipo de patologia. Se não aprendeu a ler/escrever até a primeira série é porque tem dislexia, se não entende quando lê os enunciados dos exercícios de matemática tem distúrbio de aprendizagem, se não entende o que o professor explica e levanta o tempo todo da carteira tem déficit de atenção e hiperatividade. Veja que a dislexia é tema de novela; é motivo de apreensão por parte dos pais, sendo que a mídia, na maioria das vezes, contribui para uma desinformação geral, com foco no exótico: Einstein tem dislexia, Tom Cruise tem dislexia, Bill Gates tem dislexia; além disso, a mídia passa informações erradas (a porcentagem, a lista de sintomas), o que contribui para aumentar o número de casos avaliados como patologia sem que se trate disso. Vamos olhar um pouco mais de perto os chamados sintomas das patologias que estão presentes na escola. De imediato, identificamos características que cabem em muitas crianças em idade escolar, como algumas descritas nos sites www.brasilescola.com e 61 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry www.andislexia.org.br: Dificuldade de escrever cometendo diversos erros ortográficos (disortografia); dificuldade de compreender linguagem matemática (discalculia); lentidão ao fazer os deveres escolares; letra feia; interrompe constantemente a conversa dos demais; só faz leitura silenciosa; tem grande imaginação e criatividade. É incrível que imaginação e criatividade constem como sintoma de patologia, ainda mais na infância. Notem que vários desses chamados sintomas são características de muitas crianças e jovens normais. Trata-se de categorias amplas e vagas que determinam a inclusão de qualquer criança nelas. Há casos reais de patologia de linguagem, que são raros e muito diferentes da banalização a que se chegou hoje em dia para avaliar a patologia, por um lado, e desconhecimento de como se dá o aprendizado da escrita/leitura, por outro. A maioria do que se apresenta oficialmente como sintoma é indício de como o sujeito está no processo de aquisição e uso da escrita/leitura e não patologia. Um dos equívocos a desmanchar é diferenciar erros naturais de aprendizes de escrita de sintomas de dislexia. Vejamos dados de escrita de ML, uma criança de 10 anos, diagnosticada com dislexia por um neuropediatra. Ela escreve: custurei por costurei; gardo por guardo; dinada por de nada; difercios por diversos; cranito por granito; compaquitas por compactas; preção por pressão; comesaram por começaram; grasinha por gracinha; simbulos por símbolos; auguma por alguma. O que esses dados revelam? Que se trata de uma escrita de quem está aprendendo a escrever conforme as regras do sistema ortográfico de sua língua, o Português Brasileiro (PB); são erros de quem está formulando hipóteses de como se escreve e está às voltas com a não correspondência um a um entre letra e som. Nos dados de ML encontramos um mesmo som - como /s/ - representado por letras diferentes - s, c, ç, ss, sc - como em: grasinha (gracinha), preção (pressão), comesaram (começaram); e sons que pronunciamos de um jeito - como /u/ - e escrevemos de outro modo - o ou l -, como em custurei (costurei), simbulos (símbolos) e auguma (alguma). Esses dados mostram que a 62 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry criança escreve com base em sua fala, o que é muito natural no início do aprendizado, até que a escrita se torne autônoma – e isso se dá por meio do envolvimento sistemático com a leitura e a escrita. Com base ainda em sua fala, e porque certamente sussurra a palavra antes de escrevê-la, usa as consoantes surdas (c, f) no lugar de sonoras (g, v); atente que a motivação para isso é falar baixinho enquanto escreve. É o que acontece quando escreve difercios (diversos) e cranito (granito). Em resumo, o que é considerado erro e muitas vezes sintoma de dislexia são instabilidades ortográficas que, se não forem devidamente mexidas, permanecem como se fossem tentativas de escrever de quem ainda não domina o sistema alfabético da língua. Nesse contexto o escrevente confunde formas parecidas e sons semelhantes. Prática em sala de aula Considerando o que foi discutido no texto acima, reveja o episódio 2 do vídeo Viagem ao Cérebro e identifique o trecho em que os personagens tematizam a dislexia. Você acredita que Pedro seja disléxico? Justifique sua resposta. Para realizar essa atividade sugerimos que (re)leia o tema Oralidade e Escrita (ver neste episódio, Atividade 3). Resposta Esperada No vídeo, episódio 2, ao demonstrar preocupação com a escrita de Pedro, Carolina levanta a questão da dislexia. E o que o ato de escrever envolve? Escrever requer uma concomitância entre o sonoro e o motor, imagens visuais das letras mais suas impressões dos movimentos das mãos (cinestesias); isso cria possibilidades de associar letras e sons de forma mais estável de acordo com o sistema escrito da língua. Muitas crianças e jovens estão a meio caminho desse processo quando escrevem ainda como falam, quando usam sons e letras próximos sonora e visualmente, o que não coincide com a forma ortográfica. É o que ocorre quando Pedro escreve construção com dois esses e seta com ce. Por que a escrita de Pedro não apresenta marcas de dislexia? O modo como Pedro anota as informações que Carolina dita mostra a presença da fala na escrita. Pedro não escreve qualquer coisa, há uma lógica em suas decisões ao formular hipóteses para escrever que mostram seu cérebro ativo e despreocupado com questões formais porque se trata de anotações feitas só para si, escritas rapidamente para poderem ser recuperadas; o que fez com que ocorressem formas abreviadas, sem todas as letras, em uma escrita muito próxima do internetês, como em destaque com Ka, ponto como pto, e é como eh. 63 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Agora, veja as placas abaixo: Fonte: http://3.bp.blogspot.com/cuhiPDVN0qc/SMe7DJpNZsI/AAAAAAAAAC8/y9MCu KRaM50/s320/2.gif Fonte: http://img387.imageshack.us/img387/7953/298053478qy.jpg Você consegue perceber alguma semelhança entre a escrita de ML e a das placas? Quais? O que é possível dizer sobre as pessoas que escreveram essas placas? Resposta Esperada No caso da escrita de ML e das placas, a semelhança advém do fato de que, como ML, as pessoas que escreveram as placas não dominam o sistema alfabético da língua, e escrevem como falam. O que é 64 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry possível observar sobre essas escritas? Que são hipóteses de como se escreve com base na fala, próximas da variedade lingüística do falante. Por isso vem escrito nas placas u por l e o (sausicha por salsicha; cauçada por calçada); z por s (cazeira por caseira); c por s (cegredo por segredo, cuas por suas, cem por sem); c por q (acui por aqui). A escrita de agrotoxio e alimentisimos nas placas revela que as pessoas que escreveram falam assim; o mesmo ocorre com ML ao escrever a palavra diversos como difercios (porque sussurra ao escrever). Comentário para o professor Destacamos, professor, que os dados apresentados no texto que compusemos sobre dislexia, dirigido aos alunos, têm o propósito de possibilitar uma reflexão que se volta sobre a nossa própria língua. E tal conhecimento, de ordem metalingüística, é adequado para o final do Ensino Médio quando os alunos já tiveram bastante contato com diferentes usos e registros da, língua (fala, escrita e leitura). Vimos no texto o que tem sido considerado dislexia e não é. A dislexia é rara e envolve características muito distintas de questões ortográficas. Trata-se de dificuldades espaciais e visuais implicadas, por exemplo, na ordenação de segmentos da escrita, que traz também o acústico representado. O disléxico escreve, por exemplo, jalane por janela; altera a ordem das palavras quando lê (Como a avenida disparou na moto ninguém a viu passar; por Como a moto disparou na avenida ninguém a viu passar), o que lhe dificulta a compreensão. Além disso, o estudo de Galaburda (1994) mostra que a dislexia adquirida tem base orgânica, tendo parte do lobo temporal, mais exatamente o Planum Temporale, envolvido. Planum Temporale (hemisfério direito) Assimetria do Planum Temporale Essa região do lobo temporal superior é normalmente maior no hemisfério esquerdo (GESCHWIND e LEVITSKY, 1968). Lobos Occipitais Planum Temporale (hemisfério esquerdo) Essa estrutura, Planum Temporale, participa da síntese do que a pessoa escuta, ou seja, da síntese acústica, por isso ocorrem dificuldades de compreensão do que ela lê porque a leitura pressupõe o 65 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry funcionamento acústico e vísuo-motor da palavra lida/escrita. Nos disléxicos, descobriu-se uma simetria do Planum Temporale nos dois hemisférios cerebrais. Em condições normais essa estrutura é maior no hemisfério esquerdo em quem é destro, ao passo que, nos canhotos, essa assimetria é mais acentuada no hemisfério direito (Para Saber Mais reveja o quadro Especialização Hemisférica no Tema Oralidade e Escrita; ver neste episódio, a Atividade 3). Como lembra A. R. Luria, no vídeo Viagem ao Cérebro, episódio 2, quando há lesão cerebral envolvendo as áreas acústica (lobo temporal), motora (lobo frontal), espacial (lobo parietal) e visual (lobo occipital) podem ocorrer dificuldades para ler (alexia) e escrever (agrafia), além das dificuldades de fala (afasia) e de gestos (apraxia). Professor, para seu entendimento do tema dislexia, também consideramos importante caracterizar os sintomas da dislexia específica de desenvolvimento - contra os quais argumentaremos abaixo, indicando os sintomas que consideramos relevantes para você saber e refletir. Em geral define-se a dislexia específica de desenvolvimento primeiro por problemas de leitura para, em seguida, apresentar problemas de ortografia, déficits afetando a linguagem escrita e o cálculo, por oposição à linguagem falada. Estudos (CONDEMARÍN e BLOMQUIST, 1986; PINHEIRO, 1994; NUNES, 1992) e sites (www.dislexiadeleitura.com.br; www.abd.org.br; www.andislexia.org.br) colocam que a dislexia ocorre descartados problemas intelectuais, psicológicos, emocionais, afetivos, sociais e de método de ensino inadequado. Vêm de onde então as dificuldades? Não se trata de causa e efeito, mas questões de ordem psico-afetiva, de desestruturação familiar, de falta de condições em casa para fazer as lições, o que afeta a relação da criança com a leitura e a escrita, cujo domínio põe a criança em outra condição cultural. Para compreender, professor, a diferença entre o que não é dislexia e o que se apresenta como tal, é preciso entender que fala, escrita e leitura envolvem uma concomitância entre o som/acústico (significante), o visual (significado) e o motor (execução do traçado e da fala) e isso se dá de forma hierárquica conforme se trate da fala (predomínio do acústico e do motor sobre o visual); da escrita (predomínio do motor e do visual sobre o acústico); ou da leitura (predomínio do visual e do acústico sobre o motor). Portanto, fala, escrita e leitura envolvem o funcionamento de todo o cérebro, mais precisamente, a parte anterior associada ao motor e as partes posteriores associadas ao acústico, ao espacial e ao visual. Quanto aos blocos cerebrais, para ler com compreensão é preciso estar atento, o Bloco I ativo, além de registrar as informações que chegam pelos órgãos do sentido (audição, visão, tato, olfato, paladar), promovidas pela leitura, e que ativam o Bloco II; o que nos leva a associar e realizar a leitura/escrita com compreensão, ativando o Bloco III – que também abre possibilidades de novas leituras e de relacionar com leituras anteriores. Que sintomas há nos alunos que apresentam, de fato, dislexia? Identificam-se problemas de percepção e de memória visual e por isso os alunos quando lêem e quando escrevem invertem a direção de traços das 66 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry letras (b/d) e das letras na palavra (satopa por sapato). Também podem apresentar dificuldades de associar estruturas visuais ordenadas no espaço (letras que se combinam para formar palavras que se combinam para formar frases) e estruturas auditivas ordenadas no tempo (as estruturas dos fonemas e das palavras faladas), associado a uma má discriminação auditiva para selecionar e combinar fonemas. Note, professor, que, nos casos de dislexia, há sempre envolvimento/dificuldade de ordem motora e/ou acústica e/ou espacial e/ou visual, o que demonstra a complexidade de fatores implicados na avaliação/diagnóstico dessa patologia e que, portanto, não pode ser banalizada como tem ocorrido. Aproveitamos o tema para refletir também sobre as atividades propostas em sala de aula. Como vimos, um dos sintomas apontados como característica da dislexia é a dificuldade de compreender enunciados de matemática (discalculia). Veja o enunciado abaixo, o que está em negrito é o modelo e o que está em itálico é a resposta de ML: Complete o quadro com as dezenas, centenas e milhares completos mais próximos do número. Observe com muita atenção o exemplo resolvido! Número Dezena mais Centena mais Unidade de milhar próxima próxima mais próxima 5638 5640 5600 6000 14431 1440 14400 (correto) 4000 324634 3240 32400 4000 26786 2670 26700 7000 Trata-se de um exercício de matemática proposto na avaliação da 4a série onde ML estuda. Destaca-se que ela não compreende o que se pede e erra. E por que isso acontece? O enunciado é mal formulado e de difícil compreensão; a expressão dêitica - mais próximo de - pede uma referência clara do que seja algo próximo, sem o que não dá para estabelecer a proximidade. O fato de ML errar não prova que não sabe ler, fazer exercícios de matemática, ou que é disléxica. ML tenta acertar e adivinha/interpreta como pode, a partir do modelo: na primeira coluna escreve números com um zero no final; na segunda coluna, onde se trata de centena, escreve números com dois zeros no final; e na terceira considera que milhar é um número redondo, com três zeros ao final. E assim elabora respostas consistentes que seguem uma lógica. Queremos mostrar com esse exemplo que não se trata de dislexia, mas de um enunciado mal formulado que confunde a criança em processo de aquisição e uso da escrita, com suas idas e vindas, que não são dificuldades, mas características do processo. Por isso, professor, é importante refletir a respeito das atividades que propomos e o efeito que isso pode ter no que o aluno entende do enunciado e escreve como resposta. 67 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 6: Déficit de Atenção? Motivar para não distrair Não se nega que haja o Transtorno do Déficit de Atenção, com e sem Hiperatividade (TDAH), mas queremos fazer a mesma observação que fizemos para a dislexia, ou seja, não existe na proporção que tem aparecido nas escolas, na mídia e nas instituições especializadas. Nos últimos 20 anos, a infância sofreu alterações, e não sem conseqüências, em sua dinâmica: as crianças não podem mais brincar na rua, se sujar, correr, estão confinadas em casas, apartamentos e cheias de atividades paralelas à escola (inglês, computação, entre outras). Além disso, o ritmo da sociedade exerce uma pressão sobre o indivíduo para ser bem sucedido: passar no vestibular, estar informado sobre tudo o que acontece no mundo, ter uma boa colocação na escola, na vida profissional, ganhar dinheiro, entre outras. Vivemos em uma era global. Você já pensou que todas as informações são compartilhadas pelo mundo todo? Pense: o que acontece na China, mesmo com um fuso horário de 12 horas e aproximadamente 20.000 Km de distância, chega aqui no Brasil em milésimos de segundos. Você se lembra das torres gêmeas em Nova York explodindo on line? Então, parece que ficamos sabendo até daquilo que não escolhemos saber. Existe um excesso de informação que não chega a ser aproveitada e registrada a ponto de poder ser recordada, funcionando como os spans do computador que saturam o espaço e não servem para nada, atrapalhando o aprendizado, distraindo do que realmente interessa. O cérebro pode acostumar com esse padrão ruim: sem foco de atenção em nada, o que pode ser facilmente confundido com patologia. Para refletir, veja o texto abaixo, sobre a desatenção de nossa época, em que selecionamos alguns trechos traduzidos da reportagem publicada on-line na revista americana Times em julho de 2008. 68 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Por que a geração Google não é tão esperta quanto parece A era digital está destruindo e arruinando nossa habilidade de concentração Autor: Bryan Appleyard David Meyer, professor de psicologia da Universidade de Michigan, é especialista em atenção: como damos foco a uma coisa ao invés da outra. A atenção vem naturalmente até nós; ter atenção em algo que seja importante ou que nos interessa determina como sobrevivemos e nos define. O oposto de atenção é distração, uma condição que não é natural e pode matar. Em 1995, o filho de Meyer foi morto por um motorista desatento que ultrapassou o sinal vermelho. O pesquisador está convencido de que distração crônica, de longo-termo, é tão perigosa quanto o cigarro. Atualmente, existe um grande mito sobre múltiplas tarefas. No entanto, segundo Meyer, nenhum ser humano é efetivamente capaz de escrever um e-mail e falar ao telefone. As duas atividades usam linguagem e o canal da linguagem no cérebro não pode ser disputado/dividido. As pessoas que realizam múltiplas tarefas se enganam mudando rapidamente seu foco de atenção e, como resultado, seu output deteriora. A mesma coisa acontece quando falamos ao celular enquanto dirigimos: você escuta o que está sendo falado pelo celular e perde a habilidade de ler os sinais de transito. Pior ainda é quando a pessoa que está falando com você pelo celular descreve algo visual (uma paisagem, por exemplo): enquanto você imagina essa imagem, seu canal visual fica obstruído/comprometido e você começa a perder a noção da estrada à sua frente. Desta forma, a distração pode matar você e outros. Em um artigo da revista The Atlantic intitulado “Is Google making us stupid?” (o equivalente em português a “Estaria o Google nos tornando estúpidos?”), Nicholas Carr, distraído crônico como o resto de nós, relata que estava achando muito difícil imergir em um livro ou em um artigo longo: “a leitura profunda que costumava fazer naturalmente tornou-se um esforço”. Agora ele Google seu caminho pela vida: scaneando, passando os olhos, não parando para pensar, para absorver. Uma coisa importante, pontua Carr, é que “agora vamos para fora de nós mesmos para fazermos todas as conexões que costumávamos fazer dentro de nós”. O self [o eu] atento fica enfraquecido quando suas funções são transferidas para o cyberspace. A televisão também é um veículo de distração. Testes já mostraram que televisão reduz a quantidade e a qualidade de interação entre crianças e seus pais. A internet multiplica esses efeitos. Paradoxalmente, o provedor supremo de informações tem o efeito de reduzir a informação transmitida. 69 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry A hiper-conectividade dos jovens é desorientadora. Um estudo que observou os e-mails de um jovem de 24 anos, durante 5 anos, revelou que ele teve 11 mil e 700 conexões com outras pessoas, a maioria superficial. Esse é o ponto: todas as conexões na internet são superficiais. Essas conexões são tão rápidas quanto o click do mouse. Nessas relações o que falta é a complexidade e profundidade das interações presentes no mundo real que só são possíveis pela linguagem. A ironia é que atrás do mito de que os jovens são bons nessas coisas (internet), estudos vêm mostrando que pessoas mais velhas são mais aptas com o computador do que os jovens. Isso porque os jovens estão nadando na superfície do cyberspace, da mesma forma que estão nadando na superfície da vida. É necessário imaginação para discriminar, para fazer julgamentos; e essas são as qualidades que realmente contam. No entanto, existem pesquisadores que acreditam que esse problema possa ser resolvido. Para Maggie Jackson, escritora do livro “Distracted: The Erosion of Attention and the Coming Dark Age” (equivalente em português a “Distração: a erosão da atenção e a futura idade negra”), “o cérebro é maleável; da mesma forma que pode ser treinado para ser desatento/distraído, também poder ser treinado para prestar atenção/ser atento. Educação e trabalho têm que ser reestruturados para ensinarem e propagarem as habilidades de concentração e foco. As pessoas podem ser ensinadas a desligar ou ignorar o bip ou qualquer outro ruído”. Fonte: http://technology.timesonline.co.uk/tol/news/tech_and_web/the_web/article4362950.ece Prática em sala de aula Em sala de aula, enquanto o professor fala, os alunos podem conversar, desenhar, mexer no celular, olhar pela janela, escutar os barulhos do mundo. Sabemos que algumas funções do cérebro precisam estar ativadas para que as informações do mundo exterior sejam compreendidas. Localize no 2º episódio o momento em que Pedro se distrai por estar envolvido em outra atividade. Você acredita que Pedro tenha Déficit de Atenção? Escreva o que você acha que está ocorrendo no cérebro de Pedro nessa situação. Resposta Esperada Pedro se distrai no momento em que Carolina, conversando com Luria, diz acreditar que o amigo tem dislexia. Pedro, desinteressado desse assunto, começa a escutar seu MP3, enquanto Carolina e Luria continuam conversando. Nessa situação, o foco da atenção de Pedro muda para a música, ou seja, o Bloco I do cérebro de Pedro continua em funcionamento, porém não na direção da expectativa de Carolina e Luria. Por que Pedro não tem Déficit de Atenção? Ele não se distrai à toa; há uma motivação para isso: não 70 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry quer ouvir que tem dislexia e encontra algo (ouvir seu MP3) mais interessante para fazer. Outra indicação de que seu sistema de atenção funciona bem é o fato de ele voltar a ficar atento na conversa, quando Carolina chama sua atenção e os três passam a falar sobre algo que interessa a Pedro. Comentário para o professor O texto acima trata de vários assuntos importantes para o conhecimento de como o cérebro funciona, especialmente em situações de atenção e desatenção, porque isso se articula com aprendizado. Vemos que atenção está relacionada com foco e com o tempo de manutenção desse foco, isso significa que algo fica em evidência por determinado tempo. O texto da revista Times fala do reconhecimento de que cada vez mais jovens estão com dificuldades em manter a atenção em atividades cruciais para que o aprendizado na escola e na vida ocorra. Isso se dá porque, para eles, dirigir a atenção para eventos ou atividades um pouco mais demorados pode causar fadiga mental. Por quê? Desde muito cedo tanto a escola, quanto a creche e a família os colocam em atividades que se alternam e duram pouco. Mesmo que os jovens fiquem muito tempo no computador, há uma falsa ideia de que se trate de uma atividade longa pois troca-se muito de página (site) e um assunto leva a outros. Na televisão, a cada 10 minutos, ou menos que isso, entra um intervalo e o telespectador se distrai com outra coisa ou muda de canal: é como se caísse o disjuntor do sistema de atenção. O papel da escola é mobilizar de tal forma esse sistema que ele se estenda para dar conta de tarefas complexas que exigem tempo para pesquisar, ler, escrever, pensar, criar. Há também referência ao mito do ideal da realização simultânea de múltiplas tarefas, não sendo possível ter dois focos ao mesmo tempo, nem uma mesma função cerebral se apresentar dividida como a atenção, a percepção, a memória. A ideia de múltiplas tarefas vai de acordo com o formato econômico dos veículos de informação, no sentido de que falam pouco sobre vários temas. Isso contribui para que o conhecimento seja superficial e que relações de sentidos deixem de ser feitas. É importante compreender o mecanismo de atenção porque ele é o que mais impede e/ou dificulta o aprendizado em sala de aula: o que é atenção? É a possibilidade de focar em algo selecionando uma coisa em detrimento de outra, estendendo o tempo de fixação nesse foco e criando um registro que torna possível sua recuperação em um tempo posterior, ou seja, criando memória. Se um aluno está escutando música enquanto você está dando aula, o aprendizado não se faz porque o Bloco I, responsável pela atenção e sua manutenção, está direcionado para a música. Se o aluno não escutar o que você está falando não há como ele atribuir um sentido, como acontecer o registro neurológico disso, então, não há nenhuma possibilidade de memória (ação do Bloco II) e nenhuma aprendizagem se dá. O que aconteceu? Houve um problema de atenção? 71 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Não. Houve um desvio de foco. O aluno e o professor estão focados em coisas diferentes. Essa situação muitas vezes é confundida como um problema de atenção do aluno que parece ter o que não tem. Entendemos que o desejo do professor é que o aluno direcione sua atenção para aquilo que o professor esteja focalizando. Isso pode não ocorrer por vários motivos, que precisam ser pensados tanto do ponto de vista de quem ensina, como de quem aprende. Muitas vezes, o aluno se distrai porque a aula é desinteressante ou não faz sentido para ele. Se o aluno tem uma lousa inteira para copiar, o que muitas vezes já consta do livro didático, é normal que pense em outras coisas e que não preste atenção nem ao que está escrito, nem à explicação do professor. Isso vale para qualquer atividade didática. Por isso, professor, insistimos que sejam propostas atividades, textos, exercícios que façam sentido para os alunos e que você faça uma ponte entre o que se aprende na escola e o que se aprende na vida. Da mesma forma que refletimos sobre o diagnóstico de dislexia, o fazemos para o déficit de atenção, com ou sem hiperatividade (TDAH). Ou seja, são raros os casos em que de fato se trate de TDAH e nesses casos a criança/jovem não fixa atenção em nada, e quando foca a atenção é por pouquíssimo tempo; por isso passa rapidamente de um assunto para outro, e não há o que lhe faça ativar seu sistema de atenção para manter o foco em algo que lhe interesse. Consideramos que tal como na dislexia haja muita confusão entre o que é de fato doença e o que não é. É preciso levar em conta o mundo em que vivemos, em que muita coisa mudou estruturalmente (família, escola, cidade, igreja, clube, etc.), e isso tem efeitos nos valores, atitudes e no comportamento das crianças e jovens que refletem no aprendizado, no ritmo de vida e nas relações que construímos ao logo dela. 72 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 7 – Projeto: Variedades Estilísticas Catou o carro da vítima ou o réu subtraiu para si Em uma sociedade onde existe a escrita é muito difícil imaginar uma profissão que não tenha nenhuma relação com as letras e os números. Mesmo as profissões mais simples, em algum momento, exigem do profissional que leia ou escreva alguma coisa. Sabemos que muitos profissionais atuam no mundo das letras é o caso do professor, do escritor, do jornalista, mas existem profissionais em que as letras determinam a possibilidade de liberdade ou de prisão de uma pessoa. Estamos falando do Direito no domínio privado (civil e penal: familiar, criminalista, ambiental, imobiliário, trabalhista, entre outros) ou público (judiciário, promotoria, diplomacia, entre outros). Os profissionais dessa área precisam aliar o conhecimento culto da língua, a terminologia judicial legal e a gramática vigente no direito brasileiro. Como descreve Suiama1: O que o juiz faz, portanto, é selecionar, no descontínuo dos autos judiciais, elementos já gramaticalizados (“o que não está nos autos, não está no mundo”!), atribuindo a eles um significado jurídico conforme discurso legislativo previamente enunciado. Na sentença criminal, um enunciado não-jurídico como “o mano tava na nóia e catou o carro do bacana” será traduzido em uma frase gramática e semanticamente adequada ao discurso jurídico, do tipo “restou provado nos autos que o réu subtraiu para si, mediante grave ameaça exercida com o emprego de arma de fogo, o automóvel da vítima”. Trata-se de duas versões estilísticas, de pessoas diferentes, em situações diferentes. Uma situação é informal, por isso há uso de gíria; a outra ocorre em uma situação formal, texto jurídico, por isso há um jargão composto de termos e expressões próprias da área (veja também o Programa Causos e falas daqui e dali, episódio 3, Tema Uma questão de estilo: Variação estilística – o uso da língua em diferentes situações). 1 SUIAMA, S G. As paixões do julgador nas sentenças condenatórias de roubo: apresentação da pesquisa. Estudos Semióticos, N. 2, São Paulo, 2006. Disponível em http://www.fflch.usp.br/dl/semiotica/es. Acesso em 30/05/09. 73 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry A habilidade de escrita de um advogado em narrar um acontecimento, descrever a cena, fazer a adequação aos termos jurídicos é o que vai permitir analisar as leis que podem denunciar ou defender uma causa ou pessoa. As chamadas peças processuais são um conjunto de textos jurídicos com o objetivo máximo de promover uma articulação entre a lógica e a coerência dos fatos e na argumentação. Entretanto, ressalta-se que saber a gramática da língua não assegura a veracidade do fato descrito e que não há uma gramática especial para isso, como também não há gramáticas especiais para concurso público, médicos, professores e quaisquer profissões. É importante saber que a gramática normativa é apenas uma das variedades existentes na língua, isto é, aquela que é escolhida para ser a padrão. Saber uma variedade não significa saber a língua como um todo, com todas as suas possibilidades e heterogeneidades (Ver ALKMIN, 2005). Para vocês se prepararem para escrever o projeto abaixo, revejam no vídeo Viagem ao Cérebro, episódio 2, as diferenças de estilo/registro quando Carolina e Pedro falam entre si e quando falam com Luria. Prática em sala de aula Pesquise uma notícia atual, de jornal ou revista, e reescreva-a de duas maneiras: uma em internetês, dirigida a um amigo, e outra em estilo formal, dirigida a um advogado que o intimou a depor sobre o fato noticiado. No segundo caso, imagine que você tenha presenciado a notícia lida no jornal. Em seguida analise e reflita sobre os ajustes que você necessariamente teve que fazer em cada um dos textos e escreva sobre isso. Comentário para o professor Professor, é muito importante que o aluno entre de fato no mundo da leitura e da escrita, e aí se sinta à vontade para conviver com diferentes tipos de textos que circulam em nossa sociedade. Diferentes textos dirigidos a pessoas com experiência de leitura e escrita também diversas. Quanto mais ele tiver contato com a diversidade do mundo das letras, ele terá mais chances de se sair bem em tarefas e exigências sociais que dependem de uma boa compreensão e produção da escrita. E isso se aprende lendo, lendo, lendo, escrevendo e reescrevendo. É por isso que pedimos aos alunos que redijam um projeto que envolve tanto a compreensão de um texto lido quanto sua produção em dois estilos/registros diversos. 74 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry O que acontece no cérebro, em termos de seu funcionamento em blocos, quando você tem que mudar o estilo em função de situações formais ou informais? Conforme você leu no Quadro Especialização Hemisférica (ver Episódio II, Atividade 3), todo o cérebro trabalha para dar conta disso em um vai-e-vem constante: o Bloco I localizado nas partes superiores e inferiores do tronco cerebral e particularmente na formação reticular, o Bloco II localizado nas regiões superiores do córtex, ou seja, nos lobos temporais, parietais e occipitais; e o Bloco III localizado na porção anterior do cérebro, isto é, nos lobos frontais. Em outras palavras, o sistema de atenção deve estar ativado, Bloco I, para fazer o que é solicitado. O hemisfério direito, junto com o Bloco I, faz uma leitura geral da situação/ambiente para se articular com o Bloco II que fará uma análise mais minuciosa dos vários elementos (acústico, visual etc.) que compõem a cena em questão. Assim será possível associar, planejar e executar - trabalho cerebral do Bloco III - como serão escritos os textos nos diferentes estilos. Mas há ainda um fato importantíssimo: repetir o ato de escrever e de ler ocasiona mudanças nas estruturas e nos tecidos cerebrais de quem está lendo e escrevendo, o que favorecerá cada vez mais os futuros atos em relação à própria leitura e escrita; ou seja, o escrevente e o leitor terão possibilidade de automatizar sua escrita e leitura tanto do ponto de vista ortográfico, quanto do uso das leis próprias da escrita e, ainda, das construções típicas dos vários registros da escrita. Vale ressaltar, entretanto, que se por um lado alguns aspectos desse processo se automatizam, por outro, há outros que não são para serem automatizados porque são singulares, fazem parte do estilo do autor, dependem do gênero textual ou discursivo, envolvem criatividade, imaginação e não são previamente determinados. O alimento para tudo isso é a leitura constante de diferentes tipos de texto, visando a uma leitura em que o aluno descubra o prazer de entrar no texto, na vida dos personagens, de se envolver com a história, de viajar por entre culturas, costumes e tempos que ele não conhece. Além disso, professor, é fundamental propor sempre atividades de escrita e reescrita (POSSENTI, 2005; COUDRY & FREIRE, 2005), de diferentes gêneros e sobre temas diversos, lembrando que no final do Ensino Médio é um bom momento - pensando na vida profissional e no vestibular - para os alunos acompanharem e discutirem temas da atualidade. 75 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Episódio III Sinopse Neste episódio, Luria convida Carolina e Pedro para uma viagem pelo cérebro explicando que o funcionamento do cérebro tem uma relação íntima com a linguagem e tudo que vivenciamos. Ao terminarem a viagem, Luria considera que os adolescentes estão prontos para encontrar a saída. Os meninos decifram, finalmente, o segredo: aprender a aprender e passar isso adiante. Pedro e Carolina voltam para a sala de computadores da escola, onde tudo começou e iniciam uma nova jornada em suas vidas reais. Atividades pós-exibição Atividade 1: Memória e Campo Semântico Dente do Cisne Você já passou por uma situação em que precisou se lembrar de algo, mas não conseguiu? Ou ainda precisava memorizar algo muito extenso e ficou na dúvida se conseguiria? Como nos lembra Luria (1979), a maior parte de nossos conhecimentos envolve situações em que somos colocados diante de uma tarefa de memorizar algo, gravá-lo na memória e posteriormente retomá-lo. Essa atividade, chamada pelo autor de atividade mnésica, tem caráter seletivo: para memorizar é preciso distinguir o que será registrado de todas as impressões secundárias, que devem ser descartadas; e ao retomar o que foi registrado focar nisso, mesmo que outras associações ocorram. Podemos memorizar algo de forma consciente ou não. Imagine a seguinte situação: você está caminhando pela rua, com pressa de chegar à escola; você passa ao lado de operários que estão construindo um novo shopping, ao lado de bancas de jornal, padarias, vitrines de lojas. E do que você se lembra quando chega à escola? Os estudos mostram que a maior parte das pessoas não consegue recordar nenhum dos detalhes descritos; mas se você estava atrasado para chegar à aula, porque haveria prova naquele dia, e para economizar tempo você resolveu fazer um caminho alternativo, e por engano entrou em uma rua sem saída, você certamente recordará bem desse detalhe. Luria nos explica porque isso acontece: 76 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry “(...) o homem memoriza antes de tudo aquilo que está relacionado com a finalidade de sua atividade, aquilo que contribui para atingir o objetivo ou serve de obstáculo. Aquilo que está relacionado com o objetivo ou com o objetivo da atividade motiva a reação orientada, torna-se dominante e é memorizado, não se observando nem se conservando na memória os detalhes secundários que não têm relação com o objetivo principal da atividade. É por isso que uma pessoa que participa de uma discussão recorda cada pronunciamento de seus participantes, a posição de cada um, o caráter das objeções; mas ela pode não se lembrar absolutamente se as janelas do auditório estavam abertas ou fechadas, em que lugar estava o armário, se havia jornais nas mesas, etc.” (1979, p. 78) O fato de memorizarmos algo mesmo quando não estamos concentrados para fazê-lo conscientemente é chamado de memorização imediata ou memorização involuntária. Mas, e quando queremos memorizar algo, por exemplo, o número do telefone de alguém; como fazemos isso? A memorização ocorre de diversas maneiras, porém, organizar os elementos que queremos memorizar em estruturas semânticas (lógicas) integrais amplia substancialmente as possibilidades da memória e torna incomparavelmente mais estáveis os vestígios da memória (LURIA, 1979, p. 75). Então, se quisermos guardar o número do telefone de um amigo, fica mais fácil memorizá-lo quando unificamos os números em pares ou trios. Assim, ao invés de termos 8 unidades para memorizar, ficamos com apenas 4 ou 3 unidades. Outra forma rápida de se lembrar de um número é associá-lo com datas que marcam nossas vidas (nascimentos, aniversários, casamento, namoro, uma viagem marcante etc.), mesmo que logo depois você as esqueça, porque deixam de ser necessárias. Da mesma forma, se quisermos memorizar de uma só vez 10 palavras isoladas, na seqüência dada, como cachorro-casa-maçã-irmã-música-vizinha-vassoura-passarinhobola-ouro, basta organizá-las em um sistema semântico para que a tarefa se torne mais fácil: Meu cachorro fugiu de casa. Quando fui pegar uma maçã na cozinha percebi o que havia acontecido. Chamei minha irmã que não me ouviu porque estava escutando música. Saí procurando meu cachorro e levei o maior susto quando o encontrei: minha vizinha tentava bater nele com uma vassoura porque ele havia pegado seu passarinho. Meu cachorro só soltou o passarinho depois que joguei uma bola para ele brincar. Agora, a vizinha não quer nos ver nem pintados de ouro! 77 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Por que isso ajuda? Porque colocamos os elementos que queremos memorizar em uma cadeia associativa, na qual a participação da linguagem é fundamental. Luria considera a palavra o elemento fundamental da linguagem, uma vez que é ela que designa as coisas, individualiza suas características, designa ações, relações, e que reúne objetos em determinados sistemas. A palavra evoca todo um complexo sistema de relações, transformando-se no centro de toda uma complexa rede semântica; uma rede potencial de enlaces multidimensionais que podem ter um caráter sonoro, visual, perceptivo, situacional ou conceitual (LURIA, 1986). Dito de outra maneira: a palavra ouvida ou lida involuntariamente evoca uma rede de imagens e palavras a ela relacionadas e que devem ser inibidas para que seja selecionado o sentido que tem a ver com a situação em questão. A palavra mesa pode evocar diferentes imagens (escola, casamento, aniversário, cirurgia etc.) e uma série de palavras que por alguma razão se associam a ela (cadeira, toalha, prato etc.). Além disso, a palavra não somente designa uma coisa como a inclui em uma categoria, o que torna possível a generalização e a abstração. É isso que possibilita construir o pensamento e transmiti-lo para outros através da experiência acumulada na história social, relacionada com as funções desse objeto. Sempre que uma pessoa fica fora da possibilidade de entrar na rede de conhecimentos social e histórico que se associam a uma palavra, maior será a dificuldade dessa pessoa em atribuir sentido e refletir sobre o que ouve, lê, escreve, vive. Prática em sala de aula Você já viveu situações em que ouviu de orelhada um ditado ou letra de música, alterando o sentido da frase? Por exemplo, a passagem da letra da música Noite do Prazer, de Claudio Zoli, Na madrugada, vitrola rolando um Blues, tocando B.B. King sem parar: É ouvida por algumas pessoas como: Na madrugada, vitrola rolando um Blues, trocando de biquíni sem parar. Isso acontece por várias razões: a pessoa nunca ouviu falar a palavra B.B. King e a pessoa tem mais familiaridade com a palavra biquíni. O que motiva essa substituição é a proximidade sonora entre as duas palavras. É interessante observar que a pessoa que canta biquíni no lugar de B. B. King não se dá conta do quanto é bizarro imaginar a cena 78 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry de uma pessoa trocando de biquíni a noite inteira, enquanto a vitrola toca blues. O mesmo acontece no episódio I do vídeo Viagem ao cérebro, quando Pedro, que não conhece a palavra Kremlin escuta Gremlins. Veja, no entanto, que Pedro não faz essa associação apenas porque não conhece a palavra Kremlin, mas porque é muito parecida sonoramente com uma palavra que conhece (Gremlins), e que está relacionada com outra cadeia associativa evocada pelo contexto do que dizia naquele momento: Pedro falava do futuro (naves, robôs, carro voando) o que trouxe palavras que se associam com essa ideia: gremlins, zords, alienígenas, cyborgs. Pensando nisso tudo, ou seja, que somos movidos pela busca de sentido, no caso, muito mais pelo aspecto sonoro do que semântico (significado), tente explicar o que acontece nas seguintes situações: 1. A mãe pede à filha que vá até a farmácia comprar o laxante lactopurga. A criança chega à farmácia e pede um lactopulga. O farmacêutico ironicamente diz a ela que remédio para pulga só se encontra em casa agropecuária. Resposta esperada 1. A criança, não querendo ser motivo de risos, faz uma hiper-correção de purga para pulga, palavra que ela conhece e acha que seria o correto dizer. Além disso, pulga faz sentido para ela, ao contrário de purga que vem da palavra purgante, que ela desconhece. Dessa forma, a criança associa purga com uma maneira incorreta de pronunciar a palavra pulga e por isso faz a hiper-correção. 2. Uma pessoa canta um trecho da música de Roberto e Erasmo Carlos “Mesmo que seja eu” da seguinte forma: “Um homem pra chamar Dirceu mesmo que seja eu”, no lugar de “Um homem pra chamar de seu mesmo que seja eu”. Resposta esperada 2. A semelhança sonora entre Dirceu e de seu é a motivação para o uso de um pelo outro. Não é descabido escutar Dirceu e, uma vez memorizado assim, não se questiona o sentido da frase. 3. Uma pessoa canta “Por você vou roubar os anéis e usar tudo”, em vez de “Por você vou roubar os anéis de Saturno”, música de Rita Lee. Resposta esperada 3. A semelhança sonora entre Saturno e usar tudo é a motivação para o uso de um pelo outro; 79 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry muito provavelmente, essa pessoa não sabe que Saturno tem anéis, o que faz com que escute usar tudo ao invés de Saturno, na busca de sentido. Comentário para o professor Professor, o objetivo desta atividade é destacar como se dá a busca pelo sentido que caracteriza a vida em sociedade e que é construído no exercício da linguagem para ser interpretado. Exemplo de uma atividade interpretativa é a leitura de uma carta em que a pessoa que lê não tem acesso a quem escreve, nem ao contexto em que foi escrita, nem tampouco aos gestos e à entonação. No entanto, como compreende o sentido da carta? Pelas relações de sentido estabelecidas entre as palavras, tanto para que combinem umas com as outras no eixo do tempo, quanto para escolher tais palavras de um conjunto virtual formado de possibilidades associativas. A isso Saussure (1916) chamou de série mnemônica virtual; vínculo que faz com a memória: as palavras que têm algo em comum [pelo som, pelo conceito, pelo visual, pelo sentido (sinonímia, antonímia), etc.] se associam na memória e formam campos semânticos dentro dos quais há vários tipos de relações. Essas relações, que são associativas, têm sua sede no cérebro e fazem parte do tesouro interior que constitui a língua de cada indivíduo (SAUSSURE, 1916, p. 143). Se as relações associativas têm sua sede no cérebro e se a memória tem participação nesse processo é importante entender, professor, como isso ocorre. A principal estrutura do cérebro envolvida no funcionamento da memória é o hipocampo - que está localizado no interior do lobo temporal, próximo da amígdala, estrutura cerebral considerada o berço das emoções. Se existisse um “porteiro” das informações sensoriais, o hipocampo seria ele: isso porque a informação tem que passar por ele para poder se mover para o córtex pré-frontal, onde será armazenada temporariamente, constituindo-se na memória de curta duração. Quando você olha um número de telefone, o disca e o esquece imediatamente, é o córtex pré-frontal que está trabalhando juntamente com o hipocampo. Mas, e quando você consegue se lembrar do número de um telefone, mesmo depois de alguns minutos que o viu ou até mesmo depois de muitos meses? Nesse caso, a informação passou por um processo químico chamado de potenciação de longo termo (long-term potentiation ou LTP) que faz com que as sinapses fiquem mais fortes, sobretudo pela repetição e uso contínuo dessa informação. Você precisa de LTP para formar memórias de longa duração. E LTP acontece no hipocampo. A memória, no entanto, não é de responsabilidade exclusiva de certa área cortical, mas prevê o funcionamento coordenado entre elas, com maior ou menor envolvimento de áreas circunscritas, a depender da natureza do conteúdo a ser lembrado (FREIRE, 2005, p.34). Determinadas emoções vinculadas aos acontecimentos que memorizamos, por exemplo, podem 80 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry desencadear a LTP. É mais provável que nos lembremos de um evento que despertou uma alegria ou tristeza muito grande do que um evento corriqueiro sem nenhuma carga emocional. Isso porque, como vimos, o hipocampo localiza-se muito próximo da amígdala e a ativação dessas estruturas conjuntamente ajuda a desencadear a LTP. O neurologista Oliver Sacks, ao escrever sobre Freud neurologista, destaca que o autor considerava que o recordar, além de exigir o trabalho do circuito fisiológico da LTP vai além dele, constituindo-se em um processo dinâmico, transformador e reorganizador durante todo o curso da vida (SACKS, 1998/2000, p. 206), o que torna possível as lembranças serem constantemente recontadas interna e publicamente. E no processo de recontar as lembranças, há conteúdos que esquecemos porque causam sofrimento, constrangimento, perturbação. Além disso, é insuportável se lembrar de tudo: já imaginou se nos lembrássemos de todos os rostos que vimos durante toda nossa vida? Lembrar e esquecer faz parte da constituição da memória. Leia o poema Louvor ao esquecimento de Bertold Brecht: Bom é o esquecimento. Senão como é que O filho deixaria a mãe que o amamentou? Que lhe deu a força dos membros e O retém para os experimentar. Ou como havia o discípulo de abandonar o mestre Que lhe deu o saber? Quando o saber está dado O discípulo tem de se pôr a caminho. Na velha casa Entram os novos moradores. Se os que a construíram ainda lá estivessem A casa seria pequena de mais. O fogão aquece. O oleiro que o fez Já ninguém o conhece. O lavrador Não reconhece a broa de pão. Como se levantaria, sem o esquecimento Da noite que apaga os rastos, o homem de manhã? Como é que o que foi espancado seis vezes Se ergueria do chão à sétima Pra lavrar o pedregal, pra voar Ao céu perigoso? A fraqueza da memória dá Fortaleza aos homens. Bertold Brecht, in 'Lendas, Parábolas, Crônicas, Sátiras e outros Poemas Tradução de Paulo Quintela 81 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry O que a linguagem tem a ver com a memória? É através da linguagem que as associações são construídas, a memória é formada e retomada. A recordação não é uma reexcitação de inúmeros traços fixos, fragmentados e sem vida. É uma reconstrução ou construção imaginativa, pautada na relação entre a nossa atitude perante toda uma massa ativa de reações ou experiências vivenciadas e um pequeno detalhe saliente que comumente aparece sob a forma de imagens ou de linguagem (COUDRY e FREIRE, 2005). Vygotsky (1934/84) diz que a verdadeira essência da memória humana está no fato de os seres humanos serem capazes de lembrar ativamente com a ajuda de signos (p. 58). Para o autor há uma base sígnica na construção e organização das atividades mnêmicas. Para a criança pequena pensar é lembrar; para o adolescente e adulto, lembrar é fundamentalmente pensar, dizia ele. Como nos lembra Luria (1976/86), a palavra é um instrumento de abstração e generalização: uma pessoa que diz “relógio” leva em conta que seu interlocutor, assim como ele, sabe que não se trata de um relógio específico, mas de um objeto com determinadas características que pode ter formatos e cores diferentes. A palavra, assim, tem um significado generalizado e essa é a condição que permite às pessoas se expressarem. Portanto, ao abstrair um traço característico e generalizar o objeto, a palavra se transforma em instrumento do pensamento e meio de comunicação (p. 37). Além disso, através da palavra somos capazes de transmitir toda a experiência acumulada pelas gerações anteriores em relação a esse objeto: ao nomear um objeto, o homem o analisa, e não o faz sobre a base da própria experiência concreta, mas sim transmite a experiência acumulada na história social, relacionada com as funções deste objeto e assim transmite o sistema de conhecimentos socialmente consolidados sobre as funções deste objeto (p. 38). E por que é importante saber isso, professor? Porque sempre que um aluno fica fora da possibilidade de entrar na rede de conhecimentos social e histórica que se associam a uma palavra, maior será a dificuldade desse aluno em atribuir sentido e refletir sobre o que ouve, lê, escreve, vive. Para Eco (2005) o fio condutor que promove o entrelaçamento de uma memória da humanidade e de uma memória individual é o exercício da escrita. Por isso, professor, é importante propor atividades de escrita que promovam a reflexão dos alunos sobre o que lêem, escrevem (fora e dentro da escola), vivem e pode ser recuperado e recontado. 82 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 2: Formação de Palavras Saudadeira Você já parou para pensar como as palavras são formadas? E como as palavras novas surgem? E as palavras de outras línguas, como entram para a nossa língua? Para responder essas questões é importante refletir sobre os processos de formação de palavras em nossa língua (veja também o Programa Vozes da Cidade, episódio 2, Tema Como as palavras de uma língua são formadas: composição, derivação e empréstimo). Vamos lá? Destacamos alguns dos processos de formação de palavras abordados por Abaurre e Pontara (2006): composição por justaposição e aglutinação, empréstimos lexicais, neologismos, prefixação, sufixação (nominal, verbal, adverbial). A composição é o processo no qual dois radicais se unem para formar uma palavra. A composição pode se dar por justaposição (processo em que os radicais não sofrem alterações) – como: cachorro-quente, girasssol – ou por aglutinação (processo em que os radicais sofrem alterações) – como: planalto (plano + alto), pernilongo (perna + longo). Outros exemplos de processos de formação de palavras são os empréstimos lexicais e os neologismos. Vejamos primeiramente um empréstimo lexical: a palavra abajur é de origem francesa (abajour) e foi incorporada em nossa língua em função da forte influência que essa cultura exerceu no mundo e, consequentemete, no Brasil, sobretudo no século XVII. Os neologismos, por outro lado, surgem devido à necessidade dos falantes de expressar algo quando não encontram uma palavra da língua que se ajusta ao que querem dizer. O fenômeno do apagão, decorrente da crise energética no país em 1999, é um exemplo. Para ser comentado e analisado o fenômeno tem que ter um nome. Outro exemplo é a palavra imexível criada, na década de 1990, por Antônio Rogério Magri, ministro do trabalho do governo Collor, quando se referiu ao plano econômico do governo (Plano Collor) como sendo imexível. 83 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Ressaltamos que tanto os empréstimos quanto os neologismos são incorporados na língua apenas quando passam a ser usados por grande parte da população e a constar nos dicionários, ou seja, quando são lexicalizados – o que mostra que a língua tem uma forte relação com a cultura, a história e o uso social. Chamamos a atenção para os neologismos: observem que eles seguem o padrão da língua; isto é, as palavras novas não são criadas ao acaso, mas seguem as regras do sistema da língua, seu ritmo, sua estrutura. As palavras também podem ser formadas por processos derivacionais, como a prefixação e a sufixação. A derivação prefixal se dá pela adição de um prefixo a um radical de modo a alterar seu sentido inicial; por exemplo: ao verbo disposto podemos acrescentar o prefixo in para formar a palavra indisposto, que tem sentido oposto à palavra (disposto) da qual derivou. Já a derivação sufixal se dá pelo acréscimo de um sufixo a um radical, o que também altera o sentido desse radical. A característica principal desse segundo processo na nossa língua é a mudança de classe gramatical que promove. Assim, temos três tipos de derivação sufixal: nominal (como papelada, boquinha, juventude que derivam substantivos ou adjetivos de radicais nominais ou verbais, capazes de promover mudanças de grau – aumentativo ou diminutivo); verbal (como florescer, resgatar – que derivam verbos de radicais nominais); e, adverbial (como simpaticamente, amigavelmente - que derivam advérbios de adjetivos). E o que acontece no cérebro quando criamos e registramos esses processos de formação de palavras? O cérebro reconhece o padrão de palavra seja para formar novas palavras ou para (re)conhecer que se trata de uma palavra da língua - conhecida por nós ou não. Por exemplo: sabemos que apagão pode ser uma palavra de nossa língua mesmo sem saber seu significado, diferente de apagon, apaghation, apagovski que certamente não reconheceríamos como sendo do Português do Brasil. E como o cérebro (re)conhece/cria uma palavra da língua? Os três blocos devem estar ativos para que isso ocorra: o Bloco I para focar a atenção na palavra nova e na sua relação com outras palavras da língua; o Bloco II para receber as informações dos órgãos do sentido e juntamente com o Bloco III analisar, comparar com palavras conhecidas e associar para identificá-la, ou registrar 84 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry como uma palavra nova (aceitando sua inclusão no léxico), ou ainda associar para formar uma palavra nova. No caso de ser uma palavra nova que, por sua vez, se relaciona pela memória com palavras conhecidas, o cérebro forma um outro caminho que é fortalecido com a repetição e o uso. E o que acontece com palavras que não utilizamos muito? Apesar de conseguir reconhecê-las como sendo da língua podemos esquecer seu significado, sua forma de grafar ou ainda pode ocorrer de lembrarmos somente de parte dessa palavra, seja escrita ou falada. É o que aconteceu com Carolina ao tentar se lembrar da palavra Kremilin. Carolina reconhece a figura do Kremilin no mapa e também que a palavra começa com “K”. Muito provavelmente isso se deu por ser uma palavra que Carolina não usa no seu dia-a-dia. A plasticidade cerebral, isto é, a característica do cérebro de conviver com mudanças, novos aprendizados, se ajustar a eles e a diferentes situações é que permite que novos caminhos se entrecruzem com caminhos conhecidos e sejam fortalecidos com o uso; assim novas palavras são incorporadas ao nosso léxico. Prática em sala de aula Você já ouviu falar em Etimologia? Etimologia é o estudo da origem das palavras. Seu papel é de grande importância para o conhecimento científico, pois conhecendo os radicais que deram origem a uma palavra fica mais fácil sua compreensão, ajuda em sua memorização e na dedução de seu significado. Por exemplo, você conhece o significado da palavra toponímia? Ela é derivada das palavras gregas τόπος (tópos), lugar, e νοµα (ónoma), nome, e siginifica literalmente, o nome de um lugar. A Etimologia é considerada uma parte da Linguística – com fortes ligações com a história, a arqueologia e a geografia – que estuda os topônimos, ou seja, nomes próprios de lugares, suas origens e relações com a cultura. O português do Brasil teve em sua formação uma influência muito grande da língua indígena Tupi-Guarani (veja também o Programa Causos e falas daqui e dali, episódio 3, Tema Paca, sabiá, arara e jacaré: Palavras de origem indígena). Vejamos alguns topônimos tupi-guaranis e seu significado em português: 85 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Anhangabaú - de anhangá+bá (malefício do diabo)+y (água, rio): "rio do diabo" Butantã - de mbu (lugar, terra)+ tã-tã (dura-dura, muito dura): "terra muito dura" Nos exemplos acima, apesar das diferenças entre a língua original (Tupi-Guarani) e o Português do Brasil, é possível reconhecer um processo de formação de palavra. Que processo é esse? Justifique sua resposta. Resposta esperada O processo é o de composição por justaposição. Apesar das diferenças entre as línguas, verifica-se que não houve mudanças no radical de forma a aglutinar letras ou sons. Agora, imagine que você está chegando pela primeira vez na cidade de São Paulo e se depara com as seguintes localidades: Ibirapuera, Cangaíba, Guaianazes, Jabaquara, Itaim, Mooca, Pacaembu, Sapopemba, Tucuruvi, Tremembé. Curioso(a) você decide descobrir o significado do nome de cada uma dessas localidades. Escreva o que descobriu, pesquisando em livros ou na internet. Resposta esperada Cangaíba - "cabeça ruim, dor de cabeça" Guaianazes - nome de antiga tribo indígena Ibirapuera - "madeira podre" Itaim - "pedra pequena" Jabaquara - "rocha"; "buraco"; "lugar dos refugiados" Mooca - "faz casa" Pacaembu - "arroio das pacas" Sapopemba - "raiz chata, muito enterrada" Tremembé - "brejo, lamaçal, pântano" Tucuruvi - "gafanhoto verde"; "taquara verde" Comentário para o professor Professor, nosso objetivo é refletir sobre os processos de formação e origem de palavras em nossa língua uma vez que isso ajuda na compreensão de seu significado, bem como em sua memorização. Para Luria (1979) a palavra é a unidade fundamental da língua; tem uma estrutura complexa e duas funções básicas: representar e significar. Vejamos, por exemplo, a palavra saleiro. Em um primeiro momento ela pode evocar a imagem de um saleiro sobre a mesa. Entretanto, como salienta Luria (1979), a evocação da imagem do objeto (função representativa) não esgota a função da palavra (p.19). Analisando mais atentamente, é possível observar que a palavra saleiro é formada por vários componentes: a primeira parte – sal – indica que tem alguma relação com sal (tempero de coloração branca); a segunda parte da palavra – eiro – designa uma qualidade de instrumento (como verifica-se em cinzeiro, tinteiro, pimenteiro), um substantivo. Dessa forma, uma palavra que em um primeiro momento parecia simples 86 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry mostra uma estrutura complexa: um objeto que tem relação com sal, tem qualidade de instrumento e é um substantivo – saleiro. Luria (1979) resume: Um exame minucioso da morfologia da palavra revela toda a complexidade de sua função. Mostra que temos diante de nós um complexo sistema de códigos que se formou na história da humanidade e transmite à pessoa que usa a palavra uma complexa informação acerca das propriedades essenciais para um dado objeto, das suas funções básicas e das relações que com outros objetos mantêm as categorias coexistentes que esse objeto possui objetivamente (p. 20). Portanto, dominar uma palavra significa dominar um sistema complexo de associações e relações no qual um determinado objeto se encontra e que foram construídas ao longo da história da humanidade. Por isso, professor, é importante refletir, junto com os alunos, sobre os processos de formação de palavras em nossa língua. Luria salienta que no período em que a criança começa a usar as formas morfológicas diferenciais das palavras, momento em que começa a usar os sufixos e prefixos, registra-se um enorme salto em seu vocabulário. Isso porque a criança passa de um momento em que algumas palavras designavam várias coisas – dependendo da situação, entonação, gesto – para um outro momento em que há uma necessidade de usar novas palavras que designem mais apropriadamente objetos, ações, qualidades, relações etc. É o que verificamos quando a criança em fase de aquisição, período em que ainda não domina totalmente o léxico da língua, faz hipóteses para formar palavras a partir do que já conhece e diz, por exemplo: descaber, desapagar, saudadeira, fazedor. E qual o ganho que temos ao dominar o léxico de uma língua? A representação do mundo se amplia enormemente. É possível falar e ser compreendido por seus pares sobre qualquer coisa. Com a ajuda da linguagem, que designa objetos, valores, atitudes, relações, o homem passa a se relacionar não só com o que observa diretamente e pode manipular, como também com o que não percebe diretamente: imagens, ações, relações, qualidades – designadas pelas palavras, expressões, enunciados, textos. Dito de outra forma, com a palavra e suas combinações torna-se possível experimentar mentalmente o que quer que seja. Além disso, ao designar o objeto, a palavra separa nele determinadas propriedades, colocando-o em relação com outros objetos, de modo a introduzi-lo em categorias específicas. E assim se compõem as matrizes de sentido que orientam o que dizemos, lemos, escrevemos. O ganho também se dá na relação entre os neurônios decorrentes de novas sinapses que se formam. Como já mencionamos no texto inicial dessa atividade, professor, para (re)conhecer, formar, criar, usar uma palavra da língua, os três blocos funcionam integradamente: o Bloco I para focar a atenção na palavra nova e na sua relação com outras palavras da língua; o Bloco II para receber as informações dos órgãos do sentido e juntamente com o Bloco III analisar, comparar com palavras conhecidas e associar para identificá-la, ou registrar como uma palavra nova (promovendo sua inclusão no léxico), ou ainda associar para formar uma palavra nova. No caso de ser uma palavra nova que, por sua vez, se relaciona pela memória com palavras conhecidas, o cérebro cria outros caminhos que são fortalecidos com as práticas sociais em que nos envolvemos repetidamente em nossas vidas. 87 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 3: Relações Lógico-Gramaticais Como o cérebro processa as relações lógico-gramaticais e como se apresentam na escrita Sem o funcionamento do sistema de atenção coordenado pelo Bloco I nenhum aprendizado é possível. Em que aspectos o sistema de atenção tem que focar para ler/escrever? Há princípios fundamentais espaciais que orientam a leitura e a escrita em uma sociedade ocidental como a nossa: da esquerda para a direita, de cima para baixo, o que pressupõe um controle visuomotor (que coordena o movimento do olho na linha, do caderno para a lousa e vice-versa). Isso tudo tem que ser feito com foco no sentido da palavra em questão que é processado rapidamente. O funcionamento do sistema cerebral de quem lê e escreve com independência não é o de considerar letra por letra da palavra a ser lida ou escrita, mas a palavra inteira. E justamente por isso, às vezes, não só lemos uma palavra no lugar de outra, como também conseguimos ler uma palavra que se apresenta incompleta ou misturando letras e números. Veja esse pequeno texto: “Otm etve na csa d7 mnha ea tnha sa7d6 com naorda e el1 n5o etva. A ma2 dl5 se7 naorado. Ajgue7 sta sobrdo me d3sse qu7 aq6i.”2 A compreensão do sentido da frase nessas condições nos faz perceber a existência de relações lógico-gramaticais na estrutura sintática da língua. Veja que as palavras mesmo distorcidas podem ser lidas; isso se deve ao fato da sintaxe permanecer preservada e o contexto contribuir para a atribuição de sentido ao que esta sendo lido. Se não houvesse essa estrutura lógica não haveria possibilidade de se descobrir o sentido da frase. Já quando pensamos utilizamos operações lógico-gramaticais abreviadas, econômicas. Um exemplo disso é quando estamos atrasados e olhamos para o relógio. Basta pensar: atrasados. Não há tempo de pensar a frase toda, nem é necessário, porque a palavra atrasados consegue sintetizar tudo que queremos dizer. O funcionamento cerebral em relação ao pensamento tem a particularidade de ser rápido por uma questão de 2 Tradução: “Ontem estive na casa de minha namorada e ela não estava. A mãe dela me disse que ela tinha saído com seu namorado. Alguém está sobrando aqui”. 88 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry preservação da vida, inclusive: percebemos em fração de segundos uma situação de perigo porque somos acometidos por um pensamento que reconhecemos como medo e o nosso corpo reage a ele disparando biologicamente um sistema de alerta (Para Saber Mais veja o quadro Mais vale confundir um galho com uma cobra, do que ficar sem reação). Por outro lado, como entendemos prontamente uma expressão do tipo irmão do pai/mãe como sendo tio, já que esta última palavra não refere diretamente nem a pai/mãe nem a irmão? Trata-se de uma construção complexa que exige uma relação lógico-gramatical que não expressa dois objetos isolados (pai/mãe; irmão), mas sim um terceiro objeto que não é mencionado (tio). Isso demanda a transformação de irmão do pai/mãe em tio, o que requer um trabalho cerebral importante, construído no exercício com a língua pela fala, leitura e escrita. No funcionamento do pensamento há uma economia sintática garantida pela escolha de palavras-chave que asseguram o sentido. Esse modelo é seguido nos serviços de telegramas prestados pelo Correio, embora, menos usados hoje devido às novas tecnologias de contato (telefone, fax, mensagens digitais). O alto custo de cada palavra nos telegramas gerou a necessidade de economia, por isso, escreve-se o mínimo de palavras possível: chego amanhã trem onze – para avisar um amigo sobre o horário da chegada e onde. Diferentemente, quando escrevemos para outros fins temos que explicitar as relações entre as palavras; é o que ocorre com o exemplo acima sobre o atraso. Vimos que quando pensamos basta olhar o relógio para flagrar o atraso, mas na situação de ser necessário escrever sobre o atraso teríamos uma possível expansão: tenho aula de francês às 9h00, são 9h10, estou atrasada. Isso porque quando pensamos o fazemos com os “nossos botões” (o que inclui indiretamente o outro) e quando falamos ou escrevemos nos dirigimos diretamente ao outro. Em caso de atraso na nossa cultura, é comum explicitar na fala ou na escrita uma justificativa mantendo sua coerência em relação às regras do jogo social. Nesse caso, podemos usar uma desculpa refutando o atraso ou explicando o porquê. No primeiro caso, poderíamos dizer: não perdi a hora, mas o ônibus quebrou. Isso é usado para contrapor a ideia de atraso e afirmar um acontecimento alheio a minha vontade. Estou atrasado, mas consigo acompanhar a aula. Nesse segundo caso, argumenta-se que o atraso não prejudicará o rendimento na aula. 89 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Veja que nas duas construções foram usadas a conjunção coordenada mas com funções diferentes: refutação e argumentação; outros tipos de construções sintáticas podem envolver operações subordinadas, igualmente complexas, que exigem um trabalho do cérebro para compreendê-las e usá-las. Acompanhe como o uso do mas fica ainda mais complexo quando se trata da fala. Falamos Mais para todos os Ma(I)S Na fala não distinguimos o modo como pronunciamos mais com o sentido de adição, de mas conjunção adversativa que usamos para argumentar ou contrapor/refutar. Como o cérebro diferencia os sentidos dessas palavras? No desafio da atividade abaixo, a frase “A moça que quer ser professora de História é um ano mais velha do que Marina que estudará na USP”: a palavra mais indica uma comparação – mais velha que. Ainda como comparativo podemos ter: menos (inferioridade), mais (superioridade), tão/tantoquanto (igualdade) Outros dois mas são possíveis. Trata-se do mas com função argumentativa, como na frase: Ronaldo gosta de literatura, mas escolheu o curso de engenharia. E do mas usado para refutar a primeira ideia da frase que geralmente é negativa: Ronaldo não passou na Universidade Mineira, mas na Universidade Paulista. Agora veja um exemplo em que na escrita um dos mais não teria o (i), qual deles seria, e que diferenças de sentido há entre eles? Demorou mais, mais foi legal. O cérebro faz a distinção entre um e outro pelo sentido: demorar só pode ser mais ou menos; foi legal, mas poderia não ter sido. Ainda que a sonoridade seja a mesma o sentido não é. Para fazer esse reconhecimento se ativam várias partes do cérebro na busca pelo sentido do ma(i)s: o bloco I, focando a atenção, o II informando sobre a entrada acústica única com dois sentidos envolvendo a área de confluência têmporo-parieto-occipital para que a pessoa perceba essa diferença (Para Saber Mais veja o quadro Associações, ao final desta atividade). 90 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Prática em sala de aula Quem é quem: um problema lógico-gramatical A compreensão das relações lógico-gramaticais é possível pelo registro escrito porque podem ser recuperadas e rememoradas em virtude da materialização da escrita. Por que é assim? Porque a fala, como dizem os indianos, se espalha com o vento, e sem o apoio da escrita seria muito difícil fazer um exercício que demanda repetidamente movimentos de idas e vindas nos enunciados que devem ser analisados. Luria, ao estudar as estruturas lógico-gramaticais propõe soluções de problemas (Solving Problems) que envolvem pensamento dedutivo. Atualmente, se encontra esse tipo de exercício em revistas de passa-tempo como a Coquetel com o nome Problemas de Lógica. É o desafio da descoberta por hipóteses que vão sendo afirmadas ou refutadas em um jogo que o torna divertido. Vamos jogar! Leia o enunciado abaixo. Cinco estudantes foram aprovados no vestibular, o desafio é descobrir a partir das informações abaixo: Quem entrou no curso de Letras? Quem entrou na Universidade Amazonense? Quem tem 21 anos? Informações Felipe que não se matriculou na Universidade Paulista, nem na Universidade Mineira, não gosta de Pedagogia. A moça que quer ser professora de História é um ano mais velha do que Marina que estudará na Universidade Baiana. Ronaldo escolheu o curso de Engenharia. Ele não tem 19 anos e não passou na Universidade Mineira. Marcelo, que é dois anos mais novo do que Ronaldo, escolheu a Universidade Gaúcha para cursar Medicina. 91 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry A pessoa que escolheu o curso de Letras não tem 17 anos. Passos para resolução de problemas lógico-gramaticais Se você seguir o raciocínio indicado você chegará à solução desejada (quem cursou o quê, onde e com que idade?) cruzando tanto as informações dadas, quanto as que você inferiu por abdução, dedução e indução. Para cruzar as informações e chegar à solução você precisa formular uma hipótese e verificá-la ao longo dos passos. Sugerimos que você aja como um detetive, ao estilo de Sherlock Holmes e Watson (Para Saber Mais veja o quadro Como descobrimos as coisas, ao final desta atividade). 1. Listar as informações explícitas no texto referentes a: curso, universidade e idade. 2. Listar as relações implícitas no texto raciocinando por meio de dedução e abdução. 3. Cruzar as informações verificando a consistência da conclusão, em relação ao conjunto de informações dadas e obtidas. Resposta esperada Seguindo os passos para resolução Quem faz que curso? Ronaldo quer fazer Engenharia (informação dada). Marcelo quer fazer Medicina (informação dada) Felipe não gosta de Pedagogia e não pode cursar História porque o aluno de História é uma moça. Então Felipe quer fazer o curso de ... (raciocine por dedução) Marina não quer fazer faculdade de História, então, ela quer fazer ... (raciocine por dedução). Em conseqüência desse conjunto de informações, por eliminação, Carolina vai cursar ... (raciocine por dedução). Qual Universidade? Marina estudará na Universidade Baiana. 92 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Marcelo escolheu a Universidade Gaucha. Se Felipe não se matriculou nem na Universidade Paulista, nem na Universidade Mineira (informação dada), então, Felipe se matriculou na (raciocine por dedução) A moça que quer ser professora de História estudará na Universidade Mineira, então, (raciocine por dedução) estudará na Universidade Mineira. Ronaldo que não passou na Universidade Mineira, entrou na Universidade ... (raciocine por dedução). Com que idade? Ronaldo não tem 19 anos. (raciocine por dedução) escolheu a faculdade de Letras e não tem 17 anos. Marina que estudará na Universidade Baiana é um ano mais nova do que a pessoa que estudará história. Marcelo é dois anos mais novo do que Ronaldo. Para resolver esse item é preciso se aventurar em formular uma hipótese para a idade de um dos personagens para desvendar a idade de todos e, assim, raciocinar por abdução. Resolução Felipe não se matriculou nem na Universidade Paulista nem na Universidade Mineira (dica 1), então, Felipe se matriculou na Universidade Amazonense – informação implícita Ronaldo não passou para a Universidade Mineira, conseqüentemente, Carolina se matriculou na Universidade Mineira. E Ronaldo passou na Universidade Paulista. Felipe não quer fazer faculdade de História (que é uma moça, dica 2) nem de Pedagogia, então Felipe quer fazer faculdade de Letras. Marina não quer fazer faculdade de Historia (dica 2), então, Marina quer fazer Pedagogia, conseqüentemente, Carolina quer fazer História. Felipe escolheu a faculdade de Letras e não tem 17 anos (dica 5); nem Marcelo (dica 4), nem Carolina (que quer estudar história, dica 2), nem Ronaldo ( dica 4), então, Marina tem 17 anos (dica 5). Pela dica 2, Carolina que estuda história, tem 18 anos. Ronaldo não tem 19 anos, nem 20, (porque Marcelo não tem 18; quem tem é Carolina, dica 4). Então, pela dica 4, Marcelo tem 19 anos e Ronaldo 21 anos, Felipe tem 20 anos. Comentário para o professor Baseado nos recursos da linguagem, o pensamento humano é uma forma especifica de atividade produtiva: permite não apenas ordenar, analisar, sintetizar informação, conhecimento, atitudes, como também relacionar os fatos percebidos a determinadas categorias, e assim ultrapassar os limites da informação imediatamente recebida. Permite, ainda, tirar conclusões a partir dos fatos percebidos e chegar a certas inferências mesmo sem dispor de fatos imediatos e partindo da informação recebida. 93 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Nesse sentido também disponibiliza um conhecimento por intuição em alguns casos, e do tipo insight em outros (Veja os exemplos de Arquimedes e do bombeiro citados no Tema Conexão Linguagem; ver neste episódio, a Atividade 6). As conjunções possibilitam formular relações lógicas das mais simples às mais elaboradas bem como relacionar informações por diferentes meios que surgiram na história da linguagem e da vida em sociedade, e que servem de base para o pensamento complexo: são exemplos construções como em conseqüência de, embora, apesar de. O que se indica com isso é que podemos falar e escrever usando apenas conjunções coordenadas do tipo: e, mas, então, pois, mas isso não reflete a complexidade que um pensamento humano pode chegar. Para isso será necessário usar outros recursos lingüísticos, além das coordenadas, como as conjunções subordinadas que relacionam sentenças por causa, efeito, conseqüência, tempo, condição, concessão, comparação, conformidade, proporção e finalidade. Faça você mesmo o exercício de transformar a frase que segue em orações subordinadas: Ele saiu para assistir a um filme e daí encontrou seu amigo e foram tomar um lanche e depois chegou a irmã de um deles e ficou conversando com eles até de madrugada. Observe que várias versões são possíveis, sendo uma delas a que sugerimos: Ele saiu para assistir a um filme quando encontrou seu amigo que o convidou para tomar um lanche. Antes que fossem para casa, a irmã de um deles chegou e, porque se dão muito bem, ficaram conversando até de madrugada. Nosso objetivo, professor, é destacar o raciocínio que está envolvido em construções complexas, como as que verificamos nas orações subordinadas. Destacamos que combinar subordinadas com coordenadas também é uma operação complexa. No vídeo, tanto Pedro quanto Carolina e Luria, embora se trate de fala, se utilizam de construções como essas, por exemplo: Pedro, no primeiro episódio, diz: Vamos rápido que o tempo tá acabando! Luria, no segundo episódio, diz: Bom, apesar de a dislexia ser um tema bastante controverso, até onde eu sei, ela está relacionada a uma lesão cerebral e para isso seu amigo precisa ter sofrido um acidente. Carolina, também no segundo episódio, diz: Ah... quer dizer que quando a gente estava observando todas as pistas do mapa que nos trouxe até aqui, era essa área do nosso cérebro que estava ativada? A complexidade presente nessas construções advém das relações lógico-gramaticais essenciais para expressá-las. Essas relações também se manifestam nos três raciocínios que expusemos (dedutivo, abdutivo e indutivo). Entretanto, esses raciocínios dependem da matriz semântica que cada um tem para serem elaborados. Lembramos o que já foi dito a propósito da importância da matriz semântica (Veja o Tema Memória e Campo Semântico): trata-se de um lugar de concentração de conhecimentos advindos de todo o tipo de experiência por nós já vivida ou imaginada. Veja, no quadro Como descobrimos as coisas?, como Holmes deduziu que Watson era um médico que serviu em uma base militar do Afeganistão a partir 94 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry de conhecimentos de Geografia, Clima, Anatomia, Política. Por isso, professor, é importante ampliar o conhecimento dos alunos para que consigam ver para além do que as coisas mostram. Nesse sentido o olhar de detetive ajuda a ver que o aprendizado metalingüístico que a escola apresenta ao ensinar análise sintática de orações subordinadas pode ter uma aplicação na vida: saber que interpretar o sentido de uma frase escrita ou lida implica um raciocínio lógico-gramatical que pode ser utilizado na solução de problemas das áreas de matemática, física, química (entre outras), para desvendar um mistério, para chegar a novas descobertas. Ressaltamos que a reflexão que se faz aqui para a resolução da atividade Quem é quem: um problema lógico gramatical é inspirada nos estudos de Luria sobre o que propõe como solução de problemas (Solving Problems), diferentemente do que é proposto como resolução em revistas de passa-tempo cujo foco são respostas sim e não muito fáceis de serem logo aprendidas. Consideramos importante, professor, saber que - na história da humanidade - linguagem e pensamento caminharam juntos no que diz respeito à complexidade de um e de outro. Exemplo disso são as operações lógico-gramaticais que tornam possível explicitar tal sofisticação em construções elaboradas: Apesar de Maria saber que o trem de João chegaria com atraso, saiu antes que Pedro voltasse do trabalho, quando ela estava segura que daria tempo de apanhar o amigo na estação. Sugerimos, professor, que você retome o Programa de áudio Quem ri seus males espanta, agora sabendo a complexidade que envolve fazer rir, considerando as operações com a linguagem envolvendo o som (lobo temporal), a relação entre as palavras do ponto de vista de sua organização sintática e lexical (confluência têmporo-parieto-occipital) e as regras de uso que fazemos da língua (lobo frontal). PARA SABER MAIS Mais vale confundir um galho com uma cobra, do que ficar sem reação. Mãos frias e suadas, olhos arregalados, respiração ofegante, coração saltando pela boca, palidez. Esse conjunto de sensações, que convencionamos chamar de MEDO, acontece quando estamos diante de situações de risco, colocando nosso organismo em alerta para uma eventual fuga ou luta, quando necessárias. E tudo isso ocorre em milionésimos de segundo. Alguns pesquisadores acreditam que o cérebro detecta determinados sinais de perigo e organiza os padrões de fuga/luta antes mesmo que tenhamos a consciência plena do estímulo que nos causou medo. Joseph LeDoux, neurocientista da Universidade de Nova Iorque, ilustra essas interações através de um célebre exemplo: uma pessoa que caminha em uma mata onde pode haver cobras, depara-se inesperadamente com um objeto fino e recurvo, como uma serpente. Imediatamente, todo o conjunto de reações fisiológicas, corporais e faciais, diante daquele sinal potencialmente perigoso é disparado. Tais 95 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry respostas são coordenadas pela Amígdala através de informações provenientes Tálamo. diretamente Porém, do alguns milésimos de segundo depois, o excursionista pode se dar conta de que não se tratava de uma serpente, mas sim de um tronco seco retorcido. Este tipo de análise mais refinada é feita pelas áreas sensoriais do córtex cerebral Fonte: http://fotolog.terra.com.br/neurocience135 através do seguinte trajeto: os impulsos nervosos que carregam as informações do sinal de perigo chegam ao Tálamo, passam pelo córtex cerebral e, de lá, são repassados novamente para a Amígdala. Por se tratar de um trajeto um pouco mais longo, essas informações mais refinadas das áreas sensoriais do córtex cerebral, informando não se tratar de uma serpente, levam mais tempo para atingir a Amígdala do que aquelas provenientes diretamente do Tálamo. De acordo com LeDoux, a comparação entre essas duas informações, uma tosca e extremamente rápida, e a outra um pouco mais refinada, porém mais lenta, apresenta claras vantagens adaptativas para os animais diante de estímulos ambientais que representam fontes de perigo para sua integridade física. É muito mais vantajoso reagirmos pronta e defensivamente a um galho de árvore que nos parece uma cobra do que tomarmos a decisão de fuga ou luta alguns milésimos de segundo mais tarde enquanto a Amígdala aguarda informações mais refinadas de áreas corticais. Fonte: http://br.geocities.com/materia_pensante/psi_medo2_landeira.html Associações É na confluência das regiões têmporo-parieto– occiptais (círculo em vermelho) que se formam as associações que fazemos enquanto falamos, lemos, escrevemos, observamos, escutamos, pensamos e isso se dá por meio das entradas do mundo exterior por via acústica (lobo temporal), espacial (lobo parietal) e visual (lobo occipital). Diante de um outdoor, por exemplo, com imagens, cores e palavras, lemos mesmo sem querer porque associamos também sem querer. Quando alguém fala conosco, isso também ocorre; a seleção das associações que fazemos são altamente favorecidas pela atenção focalizada no tema em questão, senão nos dispersamos o tempo todo. 96 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Como descobrimos as coisas Para Charles Sanders Peirce (lógico-matemático norte-americano que viveu de 1839 a 1914) existem três tipos de raciocínio: indução, dedução e abdução. Na indução há o estabelecimento de uma regra geral considerando para isso o conhecimento de dados singulares, particulares. Confirma uma teoria já existente através da experimentação dos sentidos, mas não fecha uma conclusão definitiva. Por exemplo: A rosa que conheço têm espinhos, então, todas as rosas têm espinhos. Na dedução partimos de uma premissa maior para uma menor, ou seja, aplicamos regras gerais a casos particulares: Todas as rosas daquele jardim são brancas; as rosas que você vai me dar são daquele jardim; logo, as rosas que receberei serão brancas. Na abdução trabalha-se com uma ideia possível a ser explicada. Tanto a indução quanto a dedução usam o método da abdução para a criação de novas hipóteses explicativas. Esse raciocínio é típico das descobertas - estudam-se os fatos por experimentação e monta-se uma hipótese para explicá-los: são pressuposições formuladas antes de se confirmar ou negar um acontecimento físico, geológico, corporal etc. Um exemplo disso é a invenção do para-raios por Benjamin Franklin, em 1752. Num dia de tempestade este cientista, também escritor e diplomata, saiu com o filho soltando uma pipa de papel presa por um fio de metal e observou que a eletricidade do raio percorria esse fio de metal. Mais tarde ele percebeu que hastes de ferro ligadas à terra conduzem a eletricidade para a terra. Repetindo essa experiência, ele chegou ao para-raio usado nas edificações. Para Peirce a questão da abdução se dá sob efeitos práticos do dia a dia que guiam nossas condutas. Não só os cientistas, mas todos nós fazemos uso desse raciocínio o tempo todo, basta ver um rastro de pó preto no chão da cozinha para irmos conferir se o pacote de pó de café esta furado. Sherlock Holmes, personagem criado em 1887 pelo médico e escritor britânico Sir Arthur Conan Doyle, usava profissionalmente o recurso da lógica dedutiva nas suas investigações. Através da observação do ambiente e do comportamento das pessoas, reunia pistas e formulava hipóteses que sempre resolviam o mistério. Aprecie, no trecho abaixo do Livro em Vermelho, o momento em que Sherlock Holmes conversa com Watson (um personagem médico, alter ego de Doyle), explicando como sem nunca tê-lo visto antes deduziu coisas verdadeiras sobre ele. Na cena inicial, Holmes fala para Watson que sabe que ele é médico militar, que lutou no Afeganistão, que passou por problemas de saúde e 97 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry foi ferido no braço esquerdo. “Aí está um cavalheiro do tipo médico, mas com ar de militar. Portanto, é obviamente um médico do exército. Acaba de chegar dos trópicos, porque seu rosto é escuro, mas esse não é o matiz de sua pele, pois seus pulsos são claros. Passou por dificuldades e doenças, como a sua face desfigurada revela claramente. Seu braço esquerdo foi ferido. Ele o mantém numa maneira rígida e pouco natural. Em que lugar dos trópicos um médico do exército inglês poderia ter sofrido muitas privações e ter sido ferido no braço? Claro que no Afeganistão” (Doyle, 1887, p. 27). Luria (1979) considera a dedução como um exemplo de sistema complexo pelo qual se organiza o pensamento humano, que evoluiu ao longo da história e do conhecimento para chegar a conclusões lógicas. As operações de conclusão que fazem parte da dedução se baseiam nas relações lógicas que se formam na linguagem, como o silogismo, e não necessitam da experiência prática pessoal, ou seja, trata-se de relações complexas. Como exemplo de silogismo, apresentamos um bastante conhecido: Todo homem é mortal (Premissa Maior) Sócrates é homem (Premissa Menor) Logo Sócrates é mortal (Conclusão) 98 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 4: Relações de Sentido Verdade ou mentira Todos nós aprendemos desde muito cedo que mentir é errado; entretanto, a mentira faz parte da humanidade há milênios, e há quem diga que é impossível viver sem contar ao menos uma mentirinha que seja. Mentimos por inúmeras razões: para agradar alguém, dar uma desculpa quando estamos atrasados, aumentar uma experiência vivida para bem impressionar alguém. Há inclusive profissões que vivem da mentira/criação: como os atores e escritores, por exemplo. O ato de mentir, todavia, é menos ou mais tolerado conforme os valores de cada povo e cada época; e até numa mesma sociedade podem coexistir graus diferentes de aceitação (ou repúdio) da mentira, de acordo com as expectativas que cada grupo social pode ter em relação aos demais. A mentira é objeto de estudo e reflexão há muitos anos. Confúcio (551-479 a.C.), filósofo chinês, recomendava que se apelasse para esse recurso apenas quando a verdade prejudicasse uma família ou nação. Aristóteles (384-322 a.C), filósofo grego, só aceita duas maneiras de mentir: diminuindo ou aumentando uma verdade. O teólogo Santo Agostinho, no século IV, descreveu seis tipos diferentes de mentira: a que prejudica alguém, mas é útil a outro; a que prejudica sem beneficiar ninguém; a que se comete pelo prazer de mentir; a que se conta para divertir alguém; a que leva ao erro religioso; e, finalmente, a que ele considerava a "boa" mentira, que salva a vida de uma pessoa. Nesse contexto, lembremos do momento em que Carolina e Pedro, no episódio 2 do vídeo Viagem ao Cérebro, encontram-se com um garoto vestindo a camisa da seleção brasileira, em Moscou. Ele fala sobre a ditadura no Brasil e comenta a respeito das prisões de estudantes, professores, artistas e pessoas que eram perseguidas, torturadas e assassinadas pelos militares. Demonstra preocupação em relação à situação do pai que vive clandestinamente no Brasil. Quando pergunta para Carolina e Pedro se estão vivendo a mesma situação, percebe que os meninos ficam constrangidos e interpreta como se os jovens não quisessem falar sobre o assunto: às vezes a gente precisa inventar uma realidade que não é a nossa, não é? Ao pensar na situação vivida pelo menino, Carolina comenta que não deve ser fácil fingir ser outra pessoa, não saber se vai sair 99 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry vivo da situação. A mentira também tem um papel de fantasiar uma realidade dura e difícil de ser encarada. No longo período da ditadura no Brasil (Para saber mais veja o quadro Ditadura, ao final desta atividade) muitos foram obrigados a mentir para sobreviver a torturas e a perseguições políticas. Em uma reportagem publicada em 8 de Maio de 2008, no jornal Diário Catarinense, a então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff afirmou que mentiu muito durante a ditadura militar para escapar de torturas; para salvar companheiros e ela própria da morte. Os brasileiros que fizeram parte de organizações revolucionárias de combate à ditadura tinham que inventar uma nova identidade (Nome, filiação, data e local de nascimento, profissão etc.) para lutar contra e sobreviver no regime militar. Há mentiras e mentiras. Essa é uma mentira do bem, como é a do poeta e do escritor que inventam e fingem sentimentos, vidas diferentes das que têm, em textos de ficção. Vejam o poeta fingidor de Fernando Pessoa: AUTOPSICOGRAFIA O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração. A relação do homem frente à mentira assume diferentes sentidos, de acordo com quem fala, para quem e em que situação (veja também o Programa Sinistro, episódio 1, Tema Efeitos de Sentido). Alguém acredita em promessas de políticos, que são mentiras? “Povo da minha terra, no meu governo construirei 90 escolas e 100 creches, além de 10 100 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry hospitais e 20 postos de saúde.” Por outro lado, as histórias de pescador, embora possam ser questionadas, são causos interessantes de serem contados, porque têm humor. Vejam essa: O marido chega em casa sem aliança. Quando a mulher pergunta a razão ele explica que estava à beira do rio Felicidade pescando quando um peixe enorme fisgou o anzol. Na tentativa de tirá-lo da água, a aliança escorregou de seu dedo e caiu no rio. Por azar o peixe escapuliu. Ele colocou isca no anzol novamente e acabou pescando um dourado maior do que o primeiro. Foi para casa contente. A mulher, mesmo desconfiada de que o marido tinha mentido sobre a aliança e passado no mercado para comprar o tal peixe, foi limpá-lo para o jantar. E não é que para sua surpresa ao abrir a barrigada do peixe lá estava a aliança brilhando e tinindo? E o que podemos concluir de tudo isso? Que a mentira pode assumir diferentes sentidos de acordo com cada contexto exemplificado. O contexto (social, cultural, estético, político, religioso, ideológico) é formado pelas relações estabelecidas entre o conjunto de circunstâncias associadas à ocorrência de determinado fato ou situação (ABAURRE e ABAURRE, 2006, p. 46). Dizer uma mentira na ditadura para se proteger é diferente de dizer uma mentira em uma campanha eleitoral para se eleger. Prática em sala de aula O contexto, assim como o conhecimento de mundo são elementos importantes na compreensão do sentido. Veja a seguinte charge de Amarildo, publicada em 2009, no jornal A Gazeta (on-line): Qual o sentido dessa charge? Que conhecimentos é preciso ter para entendê-la? 101 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Resposta esperada A charge ironiza a forma como o governo brasileiro vem conduzindo o problema das epidemias no país, nas últimas décadas. Para entender a charge é preciso saber sobre a campanha contra a dengue, doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti (ilustrado na charge), e como o governo brasileiro enfrentou essa epidemia, quais providências foram tomadas e se foram ou não eficazes. Da mesma forma, é preciso saber sobre a pandemia da gripe A (H1N1 - gripe suína) em 2009, o fato de as pessoas terem usado máscaras para prevenir novos contágios e como o governo conduziu para solucionar o problema. Comentário para o professor Professor, a construção do sentido não depende somente do contexto e conhecimento de mundo; depende também das relações com o texto (conotação ou sentido figurado, denotação ou sentido literal) e das relações entre as palavras (polissemia, sinonímia, antonímia, heteronímia, hiponímia). Podemos observar isso nas piadas (Para saber mais sobre o funcionamento das piadas consulte o Programa de áudio Quem ri seus males espanta). Veja: Maria: - O menino precisa de uma enciclopédia para ir à escola Manuel: - Que nada! Ele que vá a pé como eu sempre fui. (POSSENTI, 1998) Na piada acima observamos que o efeito de humor recai sobre o fato de a palavra enciclopédia ser entendida pelo interlocutor (Manuel) como um meio de transporte (ciclo é um radical encontrado em palavras como bicicleta, motocicleta, ciclovia que remetem a transporte) e isso só é possível porque o sentido atribuído foi construído a partir das relações entre as palavras: precisar de algo para ir à escola. Esse algo é preenchido pelo interlocutor com um meio de transporte, mas poderia ser preenchido por um material escolar ou uniforme, por exemplo. Como explica Possenti (1998), os sentidos, digamos, literais de “para ir à escola” são compatíveis tanto com “bicicleta” quanto com “enciclopédia” (p. 81). Como ressalta Luria (1979), interpretar uma frase não é apenas assimilar o significado de cada palavra que a compõe. O processo de decodificação ou interpretação da comunicação é sempre um meio de decifrar o sentido geral, implícito na comunicação recebida ou, em outras palavras, um complexo processo de discriminação dos elementos mais importantes do enunciado, a transformação de um sistema desenvolvido de comunicação no pensamento nela latente (p. 76). Além disso, interpretar um enunciado falado é diferente de interpretar um enunciado escrito. Na fala existem fatores – que não aparecem na escrita – que auxiliam no entendimento daquilo que se quer dizer: gestos, entonação, posição e expressão corporal etc. Isso também ocorre na língua de sinais (utilizada por pessoas surdas) em que um gesto pode ser traduzido por uma série de palavras orais ou escritas. Na decodificação/interpretação do texto escrito há necessidade de uma análise mais minuciosa das estruturas lógico-gramaticais que o compõem. Sem deixar de considerar que é necessário antes de tudo 102 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry que seja selecionado um dos significados possíveis da palavra, dentre os muitos que podem ser empregados, naquele determinado contexto. Por isso, professor, é tão relevante discutir e refletir junto com seus alunos as relações de sentido, uma vez que são relações complexas nas quais estamos imersos o tempo todo. Mais particularmente, os alunos do terceiro ano do Ensino Médio estão em um momento em que é exigido deles que saibam interpretar os enunciados dos vestibulares e também elaborar uma boa redação. Para realizar tais tarefas o cérebro todo é convocado. A decodificação/interpretação do significado de uma palavra, por exemplo, depende do estado de vigília (Bloco I): quando há fadiga intensa, nos estados pré-sonolentos, as funções do córtex são inibidas o que compromete o processo de compreensão da palavra. Em estado de vigília, quando estamos com a atenção focada, o significado da palavra suscita um feixe de nexos semanticamente aproximados (LURIA, 1979, p. 81) - que constituem campos semânticos - que fazem com que a palavra piano, por exemplo, suscite palavras como violino, orquestra, órgão, teclado. Essa mesma seletividade não é verificada nos processos inibitórios do córtex: nessa situação, a palavra piano poderia suscitar palavras próximas pelo som como piando. É o que ocorre quando estamos certos de que falamos uma coisa e falamos outra. Nisso reside o que Freud (1901) pontua como ato falho: um nome (substantivo, adjetivo) entra no lugar de outro. Quando o Bloco I está ativo, em estado normal de vigília, com a atenção focada, o Bloco II juntamente com o Bloco III, também ativos, serão responsáveis pela (re)codificação das construções lógico-gramaticais (para saber mais sobre essas construções ver o Tema Relações Lógico-gramaticais, neste Programa). Para tanto, participam ativamente as áreas temporo-parieto-occipitais do cérebro, bem como a memória. Segundo Luria (1979), para decodificar o significado de uma complexa construção lógico-gramatical, é necessário memorizar os elementos que a compõem e compará-los mentalmente aos outros, retendo na memória quer todas as partes componentes dessa construção, quer suas formas modificadas (p. 86). Portanto, professor, propusemos essa atividade para que junto com seus alunos reflita sobre as relações de sentido e quais aspectos estão nelas envolvidos. Mencionamos nessa atividade a questão da ditadura em nosso país. Seria historicamente relevante para a formação de seus alunos que você os motivasse para saber mais sobre a ditadura no Brasil e na América Latina. PARA SABER MAIS Ditadura Em 13 de dezembro de 1968 foi instituído o Ato nº 5 pelo regime militar brasileiro, que lhe deu 103 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry poderes absolutos, suspendendo todas as liberdades democráticas, fechando o congresso nacional e as câmaras no Brasil inteiro. Suspendeu também a possibilidade de qualquer reunião de cunho político, determinando a censura para música, teatro, literatura, cinema e toda manifestação cultural. A partir desse ato, cometeu-se todo tipo de atrocidade, tortura e perseguição política, seguida de muitas mortes e desaparecimentos, sobretudo de estudantes envolvidos com a luta armada. A questão da ditadura no Brasil (1964-1985) é abordada no vídeo (segundo episódio) pelo personagem do menino brasileiro, vestindo a camisa 10 da seleção, que Carolina e Pedro encontram, e com quem conversam rapidamente, em Moscou (Rússia), na Praça Vermelha: Menino Brasileiro: Mas de que adianta tanta alegria no futebol, se ao mesmo tempo tem tanta tristeza acontecendo no Brasil, com a ditadura, prisão de estudantes, professores, artistas, jornalistas, qualquer pessoa com quem os militares e a turma deles resolvam encrencar? (...) Eu mesmo estou nessa situação. Enquanto vivo aqui, protegido por amigos, meu pai corre sérios riscos no Brasil. Vive clandestinamente, luta contra a ditadura. Fico muito preocupado com o que pode acontecer. Pedro e Carolina, que só têm conhecimento sobre este fato histórico naquele momento, se sensibilizam com a situação do menino: Carol: A situação dele não deve ser fácil. Já pensou? Não poder viver no Brasil, fingir ser outra pessoa, não saber se vai sair vivo da situação. Quando os animais mentem A mentira, na natureza, é uma arma de sobrevivência. Muitas vezes, na luta contra o predador, a presa só tem chance de escapar se souber mentir bem. E o caso dos camaleões, que, graças à pigmentação especial da pele, se confundem com o ambiente. Ou de certos caranguejos, que vivem com a carapaça coberta por algas ou esponjas. Os insetos são especialistas em se fingir de cortiça ou de gravetos no tronco de árvores. Essas e muitas outras formas de mentira atendem por um único e verdadeiro nome científico - mimetismo. O fenômeno foi estudado pela primeira vez pelo naturalista inglês Henry Walter Bates (18251892), que observou o comportamento das borboletas no vale do rio Amazonas. Ele descobriu uma família de borboletas que conseguia escapar dos pássaros tornando-se parecida na forma e na cor com outra família, cujo sabor não agradava às aves. As borboletas apetitosas tratavam de voar misturadas às outras. Hoje se sabe que os animais memorizam certos padrões de 104 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry aparência quando associam determinada presa a um gosto nauseante ou à dor. Portanto, mentiroso competente é aquele que consegue assumir uma aparência pouco atrativa para o predador. Existem, porém, casos de automimetismo: animais que imitam outros da própria espécie. Os zangões, por exemplo, quando estão prestes a ser atacados, voam e zumbem como abelhas, que, como bem sabem os atacantes, têm ferrões para se defender; se a mentira pega, os zangões se salvam. Nem sempre, contudo, é a presa o mentiroso. Isso acontece no caso clássico do lobo em pele de cordeiro, ou seja, o animal que, fingindo ser manso, se aproxima calmamente de outro com ar de quem não quer nada e sai ganhando uma refeição. (Superinteressante, Edição 7, on-line, 1988). Mentirosos de mentira De tanto inventar histórias para distrair seus amigos, o alemão Karl Friedrich Hieronymus, barão de Munchhausen (1720-1797), que serviu como mercenário no exército russo na guerra contra os turcos em 1740, acabou entrando para a História como um grande mentiroso, graças ao livro, por sinal publicado anonimamente em 1785, do escritor alemão Rudolph Erich Raspe (17371794). De volta dos campos de batalha, o barão contou, por exemplo, como se safara de um pântano onde caíra: puxando a si mesmo pelos cabelos. Em outra peripécia, salvou-se da morte cavalgando balas de canhão disparadas pelo inimigo. Entre uma aventura e outra, ainda achou tempo para ir à Lua duas vezes. Mas não há literatura que não tenha seus campeões da mentira real ou imaginária. O escritor francês Alphonse Daudet (1840-1897) celebrizou-se graças às aventuras mentirosas de seu personagem Tartarin de Tarascon, um burguês baixinho, com certa tendência à obesidade, que se imaginava um valente herói e saía contando peripécias nunca vividas. No Brasil, o mentiroso Macunaíma, de Mário de Andrade, nem fez questão de se fingir de herói: covarde como só ele e sem nenhum caráter, Macunaíma mentia o tempo inteiro para se safar de qualquer problema; dizer a verdade, aliás, lhe dava preguiça. O mentiroso mais conhecido do mundo da ficção foi, sem dúvida, Pinocchio, o boneco de madeira criado em 1878 pelo escritor italiano Carlo Collodi. Numa tentativa de educá-lo, a fada madrinha de Pinocchio fez com que cada vez que ele mentisse o nariz crescesse. Antes que virasse um Cirano, o boneco acabou desistindo de sua vida de mentiras. Foi, talvez, o único mentiroso da literatura a optar pela verdade pela boa e simples razão de que a verdade lhe trazia mais vantagens do que a mentira. (Superinteressante, Edição 7, on-line, 1988). 105 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 5: Compreensão e Atenção Atenção não combina com... Existem diferentes tipos de cansaço: há o cansaço mental e também o emocional decorrente quase sempre de situações de medo, tristeza, desânimo, dificuldade de buscar soluções diante de desemprego, de provas escolares, de vestibular, de concurso, de afeto não correspondido, de problemas familiares, de perdas. Há também a sensação de esforço e de fadiga após trabalho físico e/ou mental excessivo. Situações assim repercutem no nosso corpo. Qualquer coisa que se faça depois de comer muito, sobretudo comida pesada, interfere em nosso sistema de atenção a ponto de ele ir se desligando, porque o sangue se concentra no trabalho digestivo, diminuindo a irrigação cerebral, o que provoca sono. Assim como a digestão, a fome e a desnutrição também se relacionam com o nível de atenção. Em todas essas situações, as informações que vêm do mundo externo são armazenadas e percebidas de forma alterada do que em uma situação favorável e, por consequência, as atitudes tomadas diante disso tudo também podem levar a equívocos. Isso nos faz pensar que a recomendação: Olha, faz o seguinte dá um tempo descansa, dá uma relaxada e depois, com calma, você toma uma decisão, pode fazer alguma diferença. Prática em sala de aula Leia parte da reportagem, abaixo, publicada, em Maio de 2007, na Folha de São Paulo. "Tem de ter braço, se não morre de fome" Joel Silva "Para ser cortador de cana, tem de ter braço, porque, se não tiver, morre ou de fome ou no canavial, de tanto trabalhar". A afirmação é de José Lúcio Oliveira, 33, que veio de Barra do Santo Antônio (Alagoas) neste ano para estrear no corte de cana na região de Ribeirão Preto. Oliveira e os amigos Carlos João de Lima e Oziel Batista Silva acordam às 4h. Os três ocupam uma casa de dois cômodos em Pontal, com um banheiro sem iluminação e mobiliada apenas com um beliche, duas camas de solteiro, uma geladeira, um fogão, um aparelho de DVD e uma TV de 14 polegadas. Pagam R$ 120 de aluguel. 106 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry A primeira atividade do grupo é preparar a marmita que será levada para o canavial. Geralmente, o cardápio do grupo é arroz, feijão, macarrão e um cozido de carne. Às 5h, a turma já está no ponto de ônibus, onde se junta a 45 homens e mulheres e embarca em direção ao canavial. Vestidos com calça comprida, jaleco de manga comprida, com camisa comprida por baixo, gorro para proteger o pescoço, chapéu ou boné, caneleiras para evitar picadas de cobras e cortes das escapadas do facão, botas, luvas e óculos, eles passam mais de seis horas sob o sol. Como ganha mais quem corta mais, os mais fortes e mais experientes no uso do facão saem ganhando. Os homens chegam a cortar de 100 m a 120 m de cana por dia e ganham, em média, R$ 800 por mês. Na última quinta, Oliveira disse que sentiu dores nas costas e só conseguiu cortar 60 metros. O grupo faz três paradas para comer o que levou na marmita: uma por volta das 7h15, outra às 10h e a última às 13h - a denominação bóia-fria vem do fato de que nas duas últimas refeições, o alimento está frio, apesar de algumas usinas fornecerem marmitas térmicas. Às 16h, voltam para a casa, cansados, sujos e famintos, mas ainda não é hora de descansar. Enquanto Lima coloca as botas e luvas em um canto da casa e se prepara para lavar as roupas usadas no dia de trabalho, Oliveira, ainda usando o boné que o protegeu do sol no canavial, começa a preparar o jantar da turma e Silva entra no pequeno banheiro sem iluminação para o banho frio. Entre os afazeres, discutem o dia de trabalho, reclamam do cansaço e das dores no punho devido aos golpes seguidos do facão. Lima, do tanque de lavar roupa, conta que uma cobra quase o picou no canavial. O cozinheiro Oliveira prepara arroz, salsicha cozida, feijão e bifes. Antes, guarda um pouco para o almoço do dia seguinte. Antes de comer, os trabalhadores saem em busca de diversão: se reúnem com outros cortadores para uma partida de futebol em campinho improvisado, a passadinha pelo bar para tomar uma cachaça, rotina para muitos bóias-frias, não é adotada pela turma de Oliveira. Depois do futebol, o trio volta para a casa, janta e vai dormir lá pelas 21h. Fonte: http://movido-a-alcool.blogspot.com/2007/05/tem-de-ter-brao-se-no-morre-de-fome.html Se não for o seu caso, imagine-se na situação de quem tem esse tipo de rotina e ainda por cima, à noite, estuda no programa de educação para jovens e adultos (o EJA) na esperança de mudar de vida. Ninguém consegue aprender se está cansado, com sono, com fome porque o sistema de atenção, como um disjuntor, está desligado, ou se desligando. Sem atenção a qualidade do aprendizado fica comprometida sendo difícil 107 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry compreender a explicação do professor, a leitura que se faz, comprometendo também a qualidade das associações do que estamos aprendendo com o que já sabemos, as conclusões, inferências possíveis de serem feitas quando o sistema de atenção está ativo. Sabendo disso, pesquise as características marcantes dos três blocos do cérebro conforme vistos no vídeo Viagem ao cérebro e analise que bloco(s) está(ão) ativo(s) ou não nas seguintes situações: a. Um professor entra na classe para dar as duas últimas aulas do dia. A aula é expositiva e exige que preste muita atenção na sequência do que fala para que os alunos entendam o conteúdo transmitido. Em determinado momento os alunos começam a conversar interrompendo a explicação dada pelo professor. Frequentemente ele pergunta à classe: Onde eu estava mesmo? Qual foi mesmo a última coisa que eu disse? Um fenômeno linguístico começa a acontecer. O professor passa a falar em espanhol, sua língua materna, e não se dá conta disso. Dar aula na língua materna é mais fácil e confortável. Só quando os alunos chamam a sua atenção para o fato é que percebe o que se passou. Resposta Esperada Ao final do dia, o professor - já cansado - corre mais risco de sua atenção ficar dividida, sobretudo pelo ruído dos alunos falando ao mesmo tempo e alto, o que atrapalha sua concentração. A divisão de foco indica que o Bloco I não está funcionando bem e nessas condições fazemos o que normalmente não faríamos. Nesse caso, voltar a falar a língua materna que os alunos não dominam, e sem se dar conta disso, seria conseqüência da divisão de foco e do mau funcionamento do Bloco I. A ficha do professor cai quando os alunos estranham que ele esteja falando uma língua que não entendem. Neste momento o Bloco I volta a funcionar a contento fazendo com que o foco da atenção do professor seja retomado e ele passe a falar em português novamente. Nessa situação a ação do Bloco I desencadeia condições para o funcionamento do Bloco II perceber e monitorar que estava falando a língua materna (espanhol) e que precisa falar em outra língua (português); e do Bloco III que planeja e executa o que deve ser dito. b. Mariana não acompanhou a explicação do professor de português sobre a diferença entre mas e mais porque perdeu o sono pensando em Alexandre, na compra de um novo celular, na viagem de fim de ano com a turma da escola. No final da aula o professor lhe pediu para explicar com as suas palavras a diferença entre mas e mais e dar um exemplo com cada tipo. Mariana se enrolou, ficou com a face avermelhada e teve que trazer a solução para a aula seguinte. 108 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Resposta Esperada O fato de Mariana não ter tido uma boa noite de sono prejudicou o bom funcionamento do sistema de atenção que precisa da vigília para manter o foco. Na maior parte do Brasil, se diz mais tanto para o mas conjunção coordenada adversativa quanto para o mais advérbio que integra uma estrutura comparativa nas orações subordinadas adverbiais, o que se torna um complicador para diferenciá-los. Pensar sobre essa diferença envolve uma reflexão sobre a língua para falar da própria língua, ou seja, trata-se de um trabalho metalingüístico que se ajusta com o domínio da escrita porque é quando pensamos para escrever, para selecionar palavras e construções; o que não ocorre quando falamos – não refletimos sobre as palavras que escolhemos para falar, senão demoramos muito e ninguém nos ouve mais. Como o Bloco I estava inativo pelo cansaço devido à noite mal dormida Mariana não conseguiu retomar a explicação do professor sobre essa diferença e, portanto, não conseguiu nem mesmo dar os exemplos pedidos, ainda que intuitivamente saiba que não se trata do mesmo sentido. Em contrapartida, ao preparar a resposta para a aula seguinte pode refletir, comparar, diferenciar os sentidos de cada um dos ma(i)s e construir os exemplos. Para isso Mariana tem que usar integradamente os Blocos II e III. Assim é que ela aprendeu a descrever metalingüisticamente quando se usa um ou outro (Reveja o quadro Falamos Mais para todos os Ma(i)s no Tema Relações Lógico-Gramaticais, episódio 3) o que significa vivenciar na língua essa diferença. Comentário para o professor Nosso objetivo é marcar que o cansaço físico ou mental de um aluno ou de um professor prejudica o funcionamento cerebral impedindo que a seleção de palavras e/ou associações que mais se ajustam à situação sejam feitas. Nestas circunstâncias ficamos em alguns momentos mais, em outros menos, à deriva. Conseqüentemente, perdemos o fio da meada, perdemos a percepção do que estamos fazendo. Com falantes bilíngües que falam bem duas línguas, sua língua materna pode se impor, mesmo à sua revelia, como no exemplo acima. Isso acontece porque a língua materna, na maioria das vezes, representa um lugar mais confortável, mais familiar, mais afetivo. Nessas condições podem ocorrer também os chamados atos falhos que, segundo Freud, nos põe a dizer algo que em sã consciência e controle não diríamos jamais. Situações, como a descrita na proposta b da atividade, ocorrem com freqüência em sala de aula onde os alunos têm se distraído por várias razões que competem entre si: celular, barulho de falas simultâneas, noites mal dormidas, preocupações. Tudo isso interfere no aprendizado, na disposição de aprender e na curiosidade em saber mais. Nosso objetivo é fazer com que os alunos percebam a importância de manter o foco da atenção em um determinado conteúdo que está sendo explicado, lido, discutido, ampliado durante um determinado período de tempo, por exemplo, os 50 minutos que duram uma aula. Manter atenção em alerta, ou seja, o Bloco I funcionando, é crucial para que a informação chegue ao cérebro e seja, pela ação dos Blocos II e III, registrada, comparada, associada para ser colocada em ação, se for o caso. 109 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 6: Conexão Linguagem Oh, azar, oh vida! Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_VThsccbY8u0/RsOkG8AIwsI/AAAAAAAAAPk/0gfvZZnWCHw/s400/cartazcpmf.gif Você se lembra de um desenho animado que passava na televisão quando você era pequeno em que havia um leão chamado Lippy e uma hiena chamada Hardy? (Para relembrar acesse o vídeo: http://videolog.uol.com.br/video.php?id=393793). Distraidamente sempre se metiam em confusão e enquanto o leão tentava achar uma solução, a hiena desanimada repetia “oh, azar, oh vida!”, “ oh vida, oh mar!”. Parece que esse é o refrão de muitos estudantes quando se trata de aprendizagem do conteúdo escolar do ano letivo. Oh, vida, oh mar, tenho que ler tudo isso? Oh, vida, oh mar, tenho que escrever tudo isso? O mundo só se torna conhecido se existir em nós a vontade de conhecê-lo. Ou seja, eu preciso ter contato com alguma coisa - objeto, pessoa, fato, enfim, o que existe no mundo – imaginar, vivenciar através das minhas percepções; ingressar no saber acumulado na cultura. Sem esse movimento não há como aprender. Na base disso está uma decisão e uma reflexão sobre o que eu quero aprender. Oh, céu, oh mar, essa explicação vai ter fim? Vai sim, veja como é simples. Focar a atenção, estar alerta é a segunda coisa que o cérebro exige para que se aprenda. E a primeira, qual seria? Que você tenha um motivo/motivação para aprender. 110 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Qual seria esse motivo? Preciso passar de ano, ter uma profissão, arrumar um emprego melhor etc. Esses seriam bons motivos, mas existe um motivo superior que reúne todas essas vantagens e se resume no desejo de contribuir com a própria formação. Nesse sentido a aprendizagem formal (conteúdos transmitidos pela escola) e a aprendizagem informal (o saber que vem da sua vida cotidiana; da família; da conversa com amigos; de noticiário da televisão; de assistir a filmes; da leitura de jornal, manual de aparelhos eletrônicos, regras de jogos, placas na rua, letras de músicas, bula de remédio etc) juntam-se ao conhecimento que o aluno desenvolve sobre si mesmo, por exemplo: como faço para aprender (resumo por escrito, falo em voz alta, relaciono com coisas que já sei); o que penso sobre o que está sendo discutido no mundo neste momento. Essa é a solução para passar de ano, para partilhar suas experiências culturais, para interferir de fato na sua própria vida, e até para salvá-la. Leia a história do bombeiro que correndo perigo de vida descobre uma solução para escapar do incêndio: EUREKA! POR QUE BOAS IDEIAS VÊM ATÉ NÓS? A HISTÓRIA DE UM BOMBEIRO O verão de 1979 foi longo e seco em Montana, EUA. Na tarde do dia 5 de Agosto – o dia mais quente registrado no Estado – um pequeno incêndio foi identificado em uma área remota de uma floresta de pinheiros. Uma brigada de pára-quedistas, com 15 bombeiros, foi enviada para o local. O comandante da operação era Wag Dodge. Quando os bombeiros deixaram suas instalações foram avisados de que o incêndio era de pequena proporção, tomava apenas alguns acres. Porém, quando os bombeiros chegaram ao local o incêndio já estava fora de controle. O comandante ordenou para que seus homens descessem e se posicionassem do vale em direção ao pico da montanha, pois naquele momento o vento estava naquela direção. No entanto, repentinamente, o vento mudou de direção, formando uma parede de 5 metros de fogo ao redor do comandante e de seus homens. Dodge gritou para que seus homens recuassem e eles começaram a correr rumo ao pico da montanha. Após alguns minutos, Dodge percebeu que o fogo estava a menos de 10 metros de distância e avançava em grande velocidade, não daria tempo de chegar ao pico em segurança. Então, o comandante parou de correr e teve um insight: acendeu um fósforo e queimou o chão em sua frente. À medida que o chão se queimava, Dodge pisava no local, criando um espaço de terra queimada. Então, molhou um pedaço de pano com a água de seu cantil, colocou o pano molhado em sua boca e deitou na terra que havia queimado. Depois ficou esperando que o incêndio passasse ao seu redor. Treze homens morreram naquele incêndio, mas Dodge emergiu das cinzas sem nenhum ferimento. Quando questionado como teve aquela ideia que o salvou, Dodge disse que não sabia de onde havia tirado aquela ideia, apenas achava o mais lógico a fazer naquela situação. Afirmou que quando viu o fogo vindo em sua direção, já sabia o que tinha que fazer. Fonte: Lehner, J. The Eureka Hunt. Em: The New Yorker, Annals of Science, Julho 28, 2008 111 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Nessa história, o bombeiro queimou primeiro que o fogo o lugar onde estava, e, assim, o incêndio passou por ele sem atingi-lo. Saber que o fogo não queima onde já está queimado e se proteger da fumaça com um pano molhado é um aprendizado que vem da experiência de seu ofício; e foi o que salvou a sua vida. Também o aprendizado formal, que acontece na escola, na universidade, em centros de pesquisa etc, pode ser utilizado para solucionar problemas e questões aparentemente sem resposta - que sem o conhecimento não seria possível. E aí a observação é fundamental. Veja a descoberta de Arquimedes. A DESCOBERTA DA LEI DE ARQUIMEDES O rei de Siracusa havia encomendado a um ourives uma coroa de ouro maciço. Receando que o ourives o tivesse enganado, o rei resolveu pedir ao sábio Arquimedes para descobrir se a coroa era mesmo só de ouro. Arquimedes arranjou um pedaço de ouro e um pedaço de prata, ambos com o mesmo peso da coroa, e com uma balança de pratos, verificou que todas as três peças tinham o mesmo peso. Depois mergulhou uma a uma num recipiente cheio de água até a borda, tendo medido a quantidade de água que se entornava de cada vez. A peça de ouro entornava menos água. A peça de prata entornava mais água. A coroa real correspondia a uma situação intermédia entre um caso e outro. Logo, concluiu Arquimedes, o volume da coroa é maior do que o pedaço de ouro maciço e menor do que o pedaço de prata maciça. A coroa não era, pois, de ouro maciço. O rei tinha sido enganado e, quando o soube, ficou naturalmente furioso. A história dessa descoberta, porém, começa com o famoso grito de «Eureka!». Conta a lenda que estava o sábio grego, um belo dia, a tomar banho numa banheira, porventura entretido com o problema da coroa do rei. De repente, deu-lhe um lampejo súbito e largou a correr, nu, pelas ruas da cidade a gritar «Eureka, Eureka!», o que significa: «Descobri, descobri!». O que impulsionou Arquimedes? O que é que Arquimedes tinha acabado de descobrir? Nada mais nada menos do que a celebrada lei de Arquimedes. E o que diz a lei de Arquimedes? «Todo o corpo mergulhado num líquido está sujeito a uma força de direção vertical, de sentido de baixo para cima, e cuja grandeza é igual ao peso do volume de líquido deslocado». O que significa isto trocado por miúdos? Arquimedes teria saltado do banho quando descobriu que o seu corpo, pesado, parecia mais leve dentro de água. O peso era contrariado por uma força que aparecia no ato da imersão. Essa força chama-se hoje «impulsão». Foi a impulsão que impulsionou Arquimedes a correr pelas ruas de Siracusa. Quando o corpo de Arquimedes flutua, a impulsão é igual ao peso. Com qualquer outro corpo que flutua acontece o mesmo. Arquimedes explicou isto tintim-por-tintim numa obra em dois volumes intitulada Sobre os corpos flutuantes. Fonte: http://nautilus.fis.uc.pt/softc/Read_c/gradiva1/eureka.htm Nas duas situações, tanto na história do bombeiro quanto na descoberta de Arquimedes, 112 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry o que impulsionou as soluções foi a motivação: seja para salvar a vida no primeiro caso, seja para solucionar um desafio feito pelo rei, no segundo caso. Portanto, o que queremos destacar é que sem motivação não há aprendizado que se mantenha, que possa ser utilizado para diversos fins, direta ou indiretamente. Esses dois fatos históricos mostram que é possível aprender pela experiência e pela ciência. Durante todo o Programa Viagem ao Cérebro procuramos mostrar que a aprendizagem está relacionada com diversos fatores e que a linguagem assim como o cérebro participam ativamente desse processo. A aventura de Pedro e Carolina é exemplo disso: os jovens passam por uma série de acontecimentos, vivenciam fatos históricos, encontram e falam com pessoas célebres entrando em seu tempo e aprendem com essa experiência. Ao encontrarem Luria percebem que sua jornada está próxima do fim, mas ela só acaba quando descobrem o segredo da saída: aprendem como se aprende, e devem passar isso adiante, como um lema em suas vidas. Assim vivenciam na pele o valor do aprendizado e como podem motivar outros a aprender. Essa é a chave – CONEXÃO LINGUAGEM – para a sair do computador e viver a vida! Prática em sala de aula Pensando nisso, veja abaixo a letra da música Estudo Errado de Gabriel O Pensador e reflita: por que os alunos estão cada vez mais desmotivados a aprender na escola? O que o motiva a aprender? Escreva um texto argumentativo, uma dissertação, expondo como você analisa a educação brasileira atualmente e pontue o que é preciso mudar para que os alunos tenham motivação e vontade de aprender. Estudo Errado Gabriel Pensador Composição: Gabriel, O Pensador Eu tô aqui Pra quê? Será que é pra aprender? Ou será que é pra sentar, me acomodar e obedecer? Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever A professora já tá de marcação porque sempre me pega Disfarçando, espiando, colando toda prova dos colegas 113 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo E quando chega o boletim lá em casa eu me escondo Eu quero jogar botão, vídeo-game, bola de gude Mas meus pais só querem que eu "vá pra aula!" e "estude!" Então dessa vez eu vou estudar até decorar cumpádi Pra me dar bem e minha mãe deixar ficar acordado até mais tarde Ou quem sabe aumentar minha mesada Pra eu comprar mais revistinha (do Cascão?) Não. De mulher pelada A diversão é limitada e o meu pai não tem tempo pra nada E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa pirralhada!) A rua é perigosa então eu vejo televisão (Tá lá mais um corpo estendido no chão) Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei nem o que é inflação - Ué não te ensinaram? - Não. A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil Em vão, pouco interessantes, eu fico pu.. Tô cansado de estudar, de madrugar, que sacrilégio (Vai pro colégio!!) Então eu fui relendo tudo até a prova começar Voltei louco pra contar: Manhê! Tirei um dez na prova Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova Decorei toda lição Não errei nenhuma questão Não aprendi nada de bom Mas tirei dez (boa filhão!) Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Decoreba: esse é o método de ensino Eles me tratam como ameba e assim eu não raciocino Não aprendo as causas e conseqüências só decoro os fatos Desse jeito até história fica chato Mas os velhos me disseram que o "porque" é o segredo Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente E sei que o estudo é uma coisa boa O problema é que sem motivação a gente enjoa O sistema bota um monte de abobrinha no programa Mas pra aprender a ser um ingonorante (...) Ah, um ignorante, por mim eu nem saía da minha cama (Ah, deixa eu dormir) Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste 114 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry - O que é corrupção? Pra que serve um deputado? Não me diga que o Brasil foi descoberto por acaso! Ou que a minhoca é hermafrodita Ou sobre a tênia solitária. Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! (...) Vamos fugir dessa jaula! "Hoje eu tô feliz" (matou o presidente?) Não. A aula Matei a aula porque num dava Eu não agüentava mais E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais Mas se eles fossem da minha idade eles entenderiam (Esse num é o valor que um aluno merecia!) Íííh... Sujô (Hein?) O inspetor! (Acabou a farra, já pra sala do coordenador!) Achei que ia ser suspenso mas era só pra conversar E me disseram que a escola era meu segundo lar E é verdade, eu aprendo muita coisa realmente Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre! Então eu vou passar de ano Não tenho outra saída Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida Discutindo e ensinando os problemas atuais E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais Com matérias das quais eles não lembram mais nada E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada Refrão Encarem as crianças com mais seriedade Pois na escola é onde formamos nossa personalidade Vocês tratam a educação como um negócio onde a ganância, a exploração, e a indiferença são sócios Quem devia lucrar só é prejudicado Assim vocês vão criar uma geração de revoltados Tá tudo errado e eu já tou de saco cheio Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio... Juquinha você tá falando demais assim eu vou ter que lhe deixar sem recreio! Mas é só a verdade professora! Eu sei, mas colabora se não eu perco o meu emprego. Comentários para o professor Neste último Programa Viagem ao cérebro que fecha o projeto CONEXÃO LINGUAGEM queremos chamar sua atenção, professor, para o seu papel no processo de aprender dos alunos. Conhecer e dominar o conteúdo que você ensina, motivar e despertar o interesse dos alunos, através do sentido daquilo que aprende, de sua relação com a história e com a vida dos alunos, enfim, instigar sua curiosidade para 115 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry aprender sempre mais. Acreditamos com Vygostsky (1926/2001) que, no processo educacional, a experiência pessoal do aluno é tudo. A educação deve ser organizada de tal forma que não se eduque o aluno, mas o próprio aluno se eduque (...) No processo de educação, o mestre deve ser os trilhos por onde se movimentam com liberdade e independência os vagões, que recebem dele apenas a orientação do próprio movimento. (p. 64). Nesse sentido, professor, relembrando a aventura de Pedro e Carolina, eles perceberam uma mudança dentro deles possibilitada pela experiência que tiveram na aventura fantástica que experimentaram – através da vivência de fatos históricos, passagem por diferentes lugares em diferentes épocas, culturas, valores, hábitos – o que fez com que os jovens tivessem condições de compreender a importância de projetar a vida, terem esperança no futuro, encontrarem uma saída. A motivação, neste caso, para saírem do computador fez com que Pedro e Carolina aprendessem a aprender. E o papel do professor é instigá-los a levar isso adiante, considerando que a juventude é um momento propício para novas conquistas, aprendizados e, por que não, aventuras. Com isso queremos dizer que a chave para educar/aprender é estabelecer um equilíbrio entre o conteúdo/conhecimento e o como aprender através de formas de pensar, argumentar, deduzir, inferir, concluir, enfim, dar sentido a esse conteúdo/conhecimento e experimentá-lo. A chave para aprender não é mágica, mas requer esforço, empenho, interesse, dedicação e muito trabalho com a linguagem e o cérebro. A espécie humana se especializou de maneira tal que seu cérebro se tornou plástico capaz de incorporar novos dados, fatos, conhecimentos e se modificar em termos estruturais e funcionais diante do inesperado, inusitado, de desafios que se apresentam na vida humana. É pela linguagem que isso é possível, sendo seu parceiro psíquico, o cérebro/mente, tão complexo quanto seus produtos históricos: a própria linguagem, a cultura, as instituições, o conhecimento científico, a experiência. Por fim, a motivação mobiliza um sujeito, humano, muitas vezes a ser (re)descoberto por você, pela família, pela escola, pela sociedade; e quando isso acontece várias possibilidades se abrem em sua vida e nas relações/interações com seus pares, mediadas pela fala, leitura, escrita. E nessas atividades, como vimos durante essa Viagem o cérebro está todo envolvido, seus três blocos funcionando como uma orquestra, cujo maestro é você. Então, professor, pronto para uma próxima viagem com seus alunos? 116 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Atividade 7: Projeto: Escrever e argumentar Enfrentando o bullying? Como vimos nos Temas Dislexia? e Déficit de Atenção? é de se duvidar que alguém, seja homem ou mulher, em algum momento da vida, não tenha falado algo como “Nunca imaginei que ele fosse assim!; Pensei que isso só acontecia lá em casa, eles pareciam tão certinhos!, Foi só começar a encontrar com ela todos os dias para perceber que ela é muito esquisita. Expressões como essas são constatações de que alguma coisa em relação ao comportamento de alguma pessoa saiu diferente do esperado. O que esperamos dos outros está ligado a muitos discursos: daquilo que nossa família, nossa cultura, nosso modo de viver considera como normal. A mídia atravessa todos esses discursos oferecendo produtos ou uma expressão cuja aquisição e uso tornaria alguém mais normal, então, hoje em dia o que é esperado de um jovem? Que goste de natureza, cuide do meio ambiente; fale corretamente; não seja gordo; seja inteligente e lide bem com computador; goste de estudar, mas não muito; tenha vida social, frequente balada; tenha vida afetiva; saiba dos efeitos da bebida, cigarro, drogas. Estamos falando da exigência cotidiana de se pertencer a um padrão, que está relacionada ao lugar e ao tempo em que vivemos, e também do que comumente se vê diante de jovens que não pertencem a esse padrão: se for gordo ou muito magro ganha logo um apelido que ofende; se gosta muito de ler e não joga futebol terá sua sexualidade posta em dúvida; se correr de briga porque não acredita nesse tipo de argumento, vira covarde. Há situações em que a prática da discriminação é extrema. Quem faz isso com esses jovens? Na maioria das vezes, outros jovens, colegas de classe, de escola, de bairro, de trabalho. 117 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry A intolerância a uma pessoa ou grupo motivada quase sempre pela observação de um comportamento ou traço físico considerado fora do normal por alguém – é o que sustenta o bullying. Essa palavra da língua inglesa caracteriza o frequente comportamento agressivo e danoso do ponto de vista moral, social e afetivo, praticado por uma pessoa ou grupo mais forte, contra pessoa ou grupo mais frágil. Está em questão um poder imaginário que o(s) agressor(es) patologicamente exerce(m) sobre a vítima em atitude de sub- julgamento. Trata-se de uma agressão física e/ou verbal que pode ser extrema e cruel. Lembram quando jovens de Brasília atearam fogo no índio Pataxó? Existem diferentes tipos de bullying que acontecem cotidianamente: espalhar comentários mentirosos sobre alguém (pessoalmente ou pela internet); fazer uso da força física com objetivo de coação; recusar em aceitar a pessoa em qualquer grupo; intimidar pessoas que se solidarizam com a vítima; isolar, ridicularizar ou expor uma pessoa ou grupo pelo modo de vestir, pela religião que pratica, pela opção sexual, pela maneira de falar; pela etnia a que pertence, por apresentar uma deficiência. Uma variedade enorme de pretextos poderia ser listada aqui, inclusive, a falta propriamente de um motivo: o que está em questão é a patologia de quem agride, seja uma pessoa ou um grupo. Uma regra é certa: não há dúvida nenhuma de quando se trata de uma brincadeira entre amigos ou de bullying. No início pode parecer coincidência que o comportamento hostil, agressivo, irônico de alguém seja sempre o mesmo diante de outros, mas pouco tempo depois devido à frequência e repetição da atitude dos agressores, da falta de lugar social, da impossibilidade de se esquivar da situação, do medo pelo lado da vítima, não restará mais dúvida: trata-se de bullying. O que a vítima pode fazer? Procurar a direção da escola (ou de onde estiver acontecendo isso), conversar com a família; e se for o caso, procurar o poder judiciário porque há leis 118 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry que regulam esses comportamentos abusivos. O efeito psicológico do bullying na vítima pode ser devastador, mas esse efeito é ainda maior em quem prática o ato do bullying (bullies). A vítima em determinado momento vai se livrar da situação real e/ou psicológica de perseguição, mas para os bullies, que construirão sua vida e suas relações sob esse prisma patológico, pode não haver saída. Atualmente há muita indisciplina em sala de aula, muito barulho, uso de celular, Ipod, o que é incompatível com um ambiente de ensino e aprendizado. Muitos professores reclamam disso, adoecem, perdem a voz, sofrem agressões por enfrentarem alunos indisciplinados. Essa situação, a longo prazo, pode levar à perda de motivação tanto para o professor quanto para o aluno. Nesse sentido o bullying não ocorre só entre os jovens, mas pode atingir também os professores e diretores, que por sua vez também podem ocupar o lugar dos bullies. Prática em sala de aula Cada vez mais a mídia tem trazido notícias de atrocidades cometidas em função da intolerância, seja pelo modo de vestir, pela religião praticada, pela opção sexual, pela maneira de falar, pela etnia ou grupo a que pertence, por apresentar uma deficiência. Diante dessa realidade, escreva um texto argumentativo, de natureza dissertativa, dirigido à direção da escola propondo que ela assuma uma posição diante do bullying e possa criar um espaço para os alunos discutirem junto com os professores e pais as queixas desse comportamento agressivo. Dê exemplos de bullying para que a escola compreenda a necessidade de defender pessoas que são perseguidas por serem diferentes de um padrão estabelecido. Utilize em seu texto (retomando o Tema Relações Lógico-gramaticais) construções típicas da escrita, como orações subordinadas, certas conjunções, certos pronomes e expressões essenciais para que você convença seu interlocutor de seu propósito. É interessante destacar que procedendo assim você usará seu cérebro como um todo articulado, tanto a parte posterior, associativa, quanto a anterior, que possibilita a 119 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry execução do plano que você traçou para escrever. Comentário para o professor Professor, o objetivo da atividade proposta é apresentar um tema atual, que envolva os alunos, considerando que qualquer um de nós pode passar pelo constrangimento do bullying. Você pode lembrar a seus alunos que na novela das 20h, da Rede Globo, televisionada em 2009, Caminho das Índias, da autora Glória Perez, há um personagem que junto com sua turma aplica uma série de maldades às pessoas da escola (alunos e professores), do bairro, especialmente negros, imigrantes indianos. Observe que seus pais aprovam e incentivam esses comportamentos o que torna o bullying aceitável na dinâmica familiar: a mãe compra ovos especialmente para o filho atirar nas pessoas, o pai apóia o filho em nome de um machismo e os colegas são subjugados por ele nas ações que o grupo realiza. Queremos com esse tema que você, professor, junto com a escola, possam tomar uma posição frente ao bullying, discutindo abertamente com colegas e alunos seus efeitos no lugar de ficar, por exemplo, assistindo passivamente aos atos constrangedores de quem pratica o bullying. Essa atitude da escola e do professor contribui para a formação de jovens cidadãos e por isso propomos como atividade a escrita de um texto dissertativo que argumente para convencer e mobilizar pessoas. Produzir textos dessa natureza é fundamental para preparar futuros profissionais que tenham a ética como valor universal. Como essa atividade mobiliza o cérebro? Como uma orquestra, entram em ação vários instrumentos, em tempos diferentes, em alguns momentos mais uns do que outros. Primeiro entra a atenção, mobilizada pelo Bloco I para manter o foco no tema e também para manter a vigília. Ao mesmo tempo algumas associações são selecionadas, outras inibidas, a partir de informações que chegam do mundo exterior pelos órgãos do sentido (audição, visão, tato, olfato, paladar), e que são analisadas e registradas - ações que envolvem o Bloco II. Para tanto, esse bloco conta com o que já está registrado pela repetição e uso e pode ser recuperado/lembrado. O planejamento do que será escrito e sua execução para escrever um texto articulado envolvendo conceitos, citações, exemplos, outros textos, imagens, tabelas, depoimentos etc, bem como relações lógico-gramaticais que estruturarão a argumentação são realizadas pelo Bloco III. Este bloco também está envolvido quando fazemos julgamento moral, quando utilizamos regras de convivência social (vestir-se de acordo com a ocasião, por exemplo, não ir à escola de biquíni) e através da linguagem (regras pragmáticas e discursivas, por exemplo, não mentir; não tratar um desconhecido com intimidade). Portanto, retomando a ideia da orquestra, os blocos são como instrumentos individuais, cada um desempenhando seu papel, e para produzir uma sinfonia, como a 5a de Beethoven, é preciso haver integração entre eles. Redigir textos significa também reger uma orquestra de palavras e suas 120 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry combinações em estruturas, redes de sentidos onde circulam outros textos. Destaca-se a importância de aprender, no caso a redigir textos, para o trabalho integrado dos processos cerebrais que, por sua vez, formam novas relações e conexões entre os neurônios que interagem com outros, via sinapses. Como uma via de mão dupla, destaca-se, da mesma forma, a importância desses processos cerebrais para a aprendizagem, conforme A. R. Luria nos ensina no terceiro episódio do vídeo Viagem ao cérebro. Consideramos fundamental salientar, professor, que é a linguagem que possibilita esse caminho associativo para aprender na escola e/ou na vida. A linguagem é a chave-mestra para o ensino/aprendizado: abre todas as portas, constrói e reconstrói caminhos, possibilita que sinfonias tão diversas sejam orquestradas – e isso é o que chamamos de conexão linguagem. 121 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry PARA SABER MAIS ESQUEMA: visão simplificada do cérebro em ação na produção de texto escrito. PRÁTICAS SOCIAIS BLOCO I SUJEITO-ESCREVENTE ATENÇÃO META/PLANO ACOMPANHAMENTO DA AÇÃO COORDENAÇÃO DE INFORMAÇÕES: BLOCO III BLOCO II VISUAIS AUDITIVAS ESPACIAIS TÁTEIS ETC. O ato de escrever começa com um estado de alerta por parte do sujeito (Bloco I). Em seguida, tem-se a obtenção, elaboração e registro das informações obtidas do mundo exterior (Bloco II) e, finalmente, o estabelecimento de intenções, a programação da ação e sua realização continuamente monitorada e ajustada (Bloco III). Fonte: Coudry, MIH e Freire, FMP. O trabalho do cérebro e da linguagem: a vida e a sala de aula. Linguagem e letramento em foco – Língua Portuguesa, fascículo para o curso de formação de professores (Cefiel/IEL), Ministério da Educação, 2005. 122 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Textos introdutórios: Jogos interativos Software educacional – Viagem ao Cérebro No Projeto Conexão Linguagem, os programas de vídeo e de áudio são o ponto de partida para a exploração de conteúdos de Língua Portuguesa e de Literatura em Língua Portuguesa, que são trabalhados por meio de textos e atividades relacionados a cada programa. O software educacional, em formato de jogo interativo, avalia os conhecimentos desenvolvidos pelos alunos, ao mesmo tempo em que permite que eles continuem aprendendo. (Para saber mais sobre o projeto, acesse o guia - Conexão Linguagem, disponível no Portal do Professor.) Os jogos trazem perguntas relativas aos temas tratados no vídeo e desenvolvidos nos textos e atividades. Por isso, antes de jogar, é importante que os alunos tenham assistido ao vídeo Viagem ao Cérebro; tenham lido os textos e realizado as atividades pós-exibição propostas. Entretanto, é possível jogar sem ter passado por essas etapas, testando conhecimentos adquiridos por outros meios e aprendendo com os comentários fornecidos a cada acerto e erro. Episódio1: A luz no fim... da lixeira? O jogo do episódio1 do vídeo Viagem ao Cérebro traz questões relacionadas aos conteúdos dos textos (hipérbole; comparação e metáfora; interjeições; duplo sentido e ironia; pleonasmo; onomatopéia) apresentados no site, muitos dos quais já foram estudados em anos anteriores, sendo o foco, no programa, o funcionamento do cérebro e sua relação com a linguagem, a atenção, a memória, a percepção, os gestos. Apesar de não haver nenhuma questão específica sobre o tema "relações espaciais", presente no texto “Como vai seu GPS”, ele não deixa de ser contemplado em nosso jogo. Isso se explica porque, assim como Pedro e Carolina, no primeiro episódio, encontram um mapa na lixeira do computador, o aluno também viverá essa situação. 123 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry O jogo busca aproximar o aluno daquilo que aconteceu com os personagens no vídeo, pensando na importância da vivência de uma situação para o aprendizado. Para isso, eles precisarão procurar as questões no mapa, buscando completar o jogo e encontrar a saída. As questões presentes nesse episódio também trabalham diferentes tipos de texto, pois é de extrema importância fazer com que os alunos sejam capazes de relacionar conteúdos aprendidos em diferentes tipos de contextos de fala, leitura e escrita. As questões, portanto, relacionam o conteúdo teórico com imagens, poemas, charges, propagandas, etc levando-se em conta o funcionamento do cérebro. Com isso esperamos que esse jogo possa ser proveitoso para que o aluno aprenda de uma forma divertida tanto os conteúdos quanto o que se passa, grosso modo, em seu cérebro, o que dá mais sentido ao aprendizado em relação à vida. Episódio2: Disléxico? Eu não! O jogo do episódio2 do vídeo Viagem ao Cérebro traz questões relacionadas aos conteúdos dos textos apresentados no site (eufemismo; pontuação; oralidade e escrita; abreviatura, abreviação e siglonimização; variedades estilísticas; além de retomar o tema relações especiais), muitos dos quais já foram estudados em anos anteriores, sendo o foco, no programa, o funcionamento do cérebro e sua relação com a linguagem, a atenção, a memória, a percepção, os gestos. Diferente do episódio1, esse jogo não apresenta o mesmo cenário em que se passaram as aventuras de Pedro e Carolina. Nesse episódio, buscamos trabalhar questões teóricas de Língua Portuguesa, relacionando-as à história dos Romanov, a mais famosa família real da Rússia. Seria interessante, portanto, se houvesse uma parceria nesse momento com o professor de História, que poderia discutir com os alunos sobre o que aconteceu com essa família no período da Revolução Russa de 1917. O objetivo desse jogo, além de trazer questões sobre os temas abordados, é fazer com que o aluno pense e aja como um detetive, seguindo pistas, fazendo inferências, 124 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry planejando e realizando ações, o que demanda um trabalho integrado entre o cérebro, a linguagem e os demais processos cognitivos (atenção, memória, percepção, gestos, raciocínio intelectual), conforme aprendemos com A. R. Luria. O aluno encontra perguntas que devem ser respondidas, o que o faz descobrir novos detalhes sobre o caso dos Romanov. Buscamos, por meio desse recurso, incentivar os alunos a explorarem os conteúdos de uma forma divertida e instigante, dando abertura para uma abordagem multidisciplinar. Episódio3: Viagem ao Cérebro O jogo do episódio3 do vídeo Viagem ao Cérebro, o último do software, retoma questões relacionadas aos conteúdos dos textos apresentados no site (campo semântico; formação de palavras; relações lógico-gramaticais; relações de sentido; compreensão e atenção; conexão-linguagem), muitos dos quais já foram estudados em anos anteriores, sendo o foco, no programa, o funcionamento do cérebro e sua relação com a linguagem, a atenção, a memória, a percepção, os gestos. A estrutura desse jogo, no entanto, diferencia-se bastante dos dois anteriores. Pensando na ideia de que os três blocos do cérebro funcionam juntos na aprendizagem, buscamos trazer questões em que o aluno tenha que fazer associações relacionadas a práticas sociais. Trata-se de um jogo-da-velha, semelhante a outros que já apareceram em jogos relacionados a outros vídeos. No entanto, há questões que retomam os conteúdos abordados de forma dinâmica, sendo a teoria nesse jogo abordada de forma prática. Nas atividades o aluno deve perceber que é necessário manter a atenção para conseguir compreender e responder algumas perguntas. Além disso, as possibilidades de fazer relações, de associar e de utilizar a linguagem para traduzir/interpretar textos do nosso cotidiano também serão contempladas nesse jogo. Por meio de um suporte conhecido que é o jogo-da-velha, os alunos terão perguntas e desafios divididos em três níveis de dificuldade. A nossa "viagem ao cérebro" aqui se 125 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry coloca de uma forma bastante divertida e desafiadora, fazendo com que o aluno precise usar todo seu cérebro para completar o jogo. Sempre que desejar, o aluno pode abrir um relatório, que retoma seu percurso no jogo. O relatório apresenta as perguntas feitas e as respostas dadas, bem como a avaliação recebida a cada resposta, indicando se ela era correta ou errada. Ao final do jogo, esse relatório deve ser impresso e entregue ao professor. Ele pode funcionar como avaliação do desempenho do aluno nos temas abordados, complementando ou substituindo uma prova tradicional. Esperamos que os alunos se divirtam – e aprendam muito! Requisitos técnicos para jogar: computador com acesso à Internet; navegador instalado (por exemplo, Internet Explorer, Mozilla, Chrome); plugin do Flash Player 9 ou superior (para baixar, acesse http://www.adobe.com/support/flashplayer/downloads.html) Requisitos técnicos para imprimir o relatório do aluno: conexão física com uma impressora ou “impressora pdf” instalada para salvar o relatório (para baixar o programa Primopdf, acesse http://www.baixaki.com.br/download/primopdf.htm 126 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Para ver mais: Filmes comentados ESTAMIRA Nome original: Estamira Ano produção: 2004 Ano de Lançamento: 2006 Gênero: Documentário Duração: 127 min Direção: Marcos Prado Site oficial: http://www.estamira.com.br Comentário: Estamira é uma senhora de 63 anos, tem 3 filhos, sofre de distúrbios mentais em decorrência de toda espécie de privação e violência que passou na luta pela sobrevivência. O filme mistura o seu delírio, loucura e visão da realidade e é nesse contexto que ela começa a freqüentar o lixão da cidade em que vive, onde encontra também a possibilidade de reconhecer sentimentos de dignidade, de conseguir ganhar seu sustento, de amizade, de companheirismo e acolhimento. A indicação desse filme tem o objetivo de levar o aluno a desenvolver um olhar mais amplo de julgamento da realidade social e poder refletir sobre isso. O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON Título Original: The Curious Case of Benjamin Button Ano de produção: 2008 (EUA) Lançamento no Brasil: Janeiro de 2009 Gênero: Drama Duração: 166 minutos Direção: David Fincher Site Oficial: www.benjaminbutton.com.br Comentário: Adaptação do romance de 1920 de F. Scott Fitzgerald. O filme se passa entre 1918 e início do século XXI. Benjamin Button (Brad Pitt) nasce com uma doença genética que lhe traz um envelhecimento precoce. Em um determinado momento de vida, seu tempo cronológico e o de Daisy (Cate Blanchett) coincidem. Eles se apaixonam e tem uma filha, a partir daí ela envelhece e ele rejuvenesce. Além da questão estética do filme, dos efeitos especiais, do elenco maravilhoso, esse filme traz uma questão de ordem temporal. O objetivo da indicação desse filme é levar o aluno a perceber que a memória é uma construção social e guarda uma dependência íntima com a linguagem. 127 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry O ENIGMA DA PIRÂMIDE: SHERLOCK HOLMES Título original: Young Sherlock Holmes Ano de lançamento: 1985 (EUA) Gênero: Aventura Duração: 01h 49 min Direção: Barry Levinson Comentário: Em 1870, na cidade de Londres, pessoas que são atingidas por um dardo desenvolvem alucinações e acabam morrendo em conseqüência disso. Este é o filme em que Sherlock Holmes (Nicholas Rowe) e John Watson (Alan Cox) se conhecem. Eles são bem jovens, Sherlock conhece também seu grande amor e desvenda seu primeiro caso. A indicação desse filme é para que os alunos conheçam os diferentes raciocínios (indutivos, dedutivos, abdutivos) feitos por Sherlock Holmes a respeito de fatos cotidianos que envolvem um mistério que decifra. A MULHER DE VERDE Título original: The woman in green Ano de produção: 1945 (EUA/Inglaterra) Gênero: Policial Tempo de Duração: 67 min Cor: preto e branco Diretor: Roy William Neill Comentário: Este filme também traz Sherlock Holmes (Basil Rathbone) na busca de desvendar o assassinato de quatro mulheres, e, de novo, usando raciocínios que envolvem a observação, comparação, deduções, este investigador consegue resolver o mistério. A indicação desse filme não se dá só por causa do desempenho de Holmes, mas também por ser um filme em branco e preto de 1945. A linguagem do cinema dessa época é muito diferente da atual, assim como, o comportamento do homem e da mulher em sociedade, as roupas e o cenário. 128 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry ASSASSINATO NO EXPRESSO ORIENTE Título original: Murder on the Orient Express Ano: 1974 (Inglaterra) Roteiro: Agatha Christie(livro) Paul Dehn (roteiro adaptado) Gênero: Policial Duração: 128 minutos Direção: Sidney Lumet Comentário: Seguindo a perspectiva de Holmes, Poirot é outro investigador famoso que saiu dos livros de Agatha Christie. Ele também faz uso de raciocínios lógicos (indutivos, dedutivos, abdutivos), mas desta vez o crime acontece a bordo de um trem freqüentado especialmente por pessoas ricas e elegantes. Ele tem que descobrir quem seqüestrou e matou um bebê. O interessante é notar como o investigador observa e considera relevante o que ninguém considera, saindo, obstinadamente, atrás de detalhes e depois consegue tirar conclusões. A indicação desse filme tem o propósito de levar o aluno a perceber que o que Poirot faz é compatível com o que Galileu, por exemplo, fez na ciência e com o que podemos fazer em nossas vidas. O COLECIONADOR DE OSSOS Título Original: The Bone Collector Ano de Lançamento (EUA): 1999 Gênero: Suspense Tempo de Duração: 118 minutos Direção: Phillip Noyce Site Oficial: www.thebonecollector.com Comentário: Este filme mantém o tema investigação, mas tem uma roupagem moderna, estamos agora em 1999. O filme se passa em Nova York e conta a história de um policial detetive, altamente qualificado, Lincoln Rhyme (Denzel Washington). Este policial sofre um acidente quando tenta resgatar um amigo, também policial. Como conseqüência fica tetraplégico (sem movimento nos membros superiores e inferiores). De uma vida agitada e interessante, ele passa a viver em uma cama sofrendo convulsões freqüentes. Ele pensa em suicídio, mas não tem movimentos que permitam qualquer ação nesse sentido, então, depende de outra pessoa. Enquanto busca essa pessoa, um serial Killer que ele já havia combatido uma vez, volta a atacar e a fazer vítimas. A indicação desse filme tem como objetivo levar o aluno a perceber a divisão que há no sujeito quando sofre um acidente neurológico grave. Há comprometimento motor, mas toda a rede de sentido que esse homem formou pela vida toda continua intacta. Assistir a esse belo filme nos chama a atenção para a pessoa dividida que Lincoln se tornou. 129 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry DR. JIVAGO Título Original: Dr. Zhivago Ano de Lançamento: 1965 (EUA) Gênero: Épico Duração: 201 minutos Direção: David Lean Comentário: Este filme fez um estrondoso sucesso quando foi lançado em 1965, baseado no romance escrito com o mesmo nome por Pasternak em 1958 e que foi considerado um desafio à censura russa. A Rússia era um país em transformação e tinha passado por muitas guerras. O Estado se fortaleceu com isso e passou a controlar mais fortemente a vida pessoal dos russos. Dr Jivago (Omar Sharif) é um médico, humanista, um admirador das artes. Ele divide a sua vida entre o amor de duas mulheres: Tonya (Geraldine Chaplin) com quem se casa, e Lara (Julie Christie) a quem de fato ama. Por todo o filme várias vezes Jivago e Lara se unem e se separam e em cada um desses acontecimentos pode se observar, em paralelo, a ação do Estado nas suas vidas. O objetivo da indicação do filme é que o aluno observe como a política, a história de um país, interfere na vida das pessoas; e, a partir disso, refletir sobre sua percepção quanto à interferência da política e da história do Brasil na sua vida. Não perder de vista que esse filme foi feito pelos Estados Unidos sobre a União Soviética no período da chamada guerra fria entre os dois países. ANA KARENINA Título Original: Anna Karenina Ano de Lançamento (EUA): 1948 Gênero: Drama Tempo de Duração: 93 minutos Direção: Julien Duvivier Comentário: Baseado na obra de Leon Tolstoi o filme mantém a característica desse autor quanto à crítica que faz à aristocracia russa. Esta produção, portanto, é um retrato da época em que o livro foi escrito (1875 e 1877). Trata-se de apresentar ao mundo as relações nocivas que existia entre as diferentes classes sociais russas. Nesse espaço a mulher tinha muito pouco direito. No filme Anna (Vivien Leigh) é casada com um militar que prima pela aparência. Mas, ela, uma mulher da alta classe se apaixona por Vonskri (Kieron Moore) que, como não poderia deixar de ser, não é da mesma classe social. Valores morais, religiosos e políticos envolvem todos esses acontecimentos que tem um final inesperado. A apresentação desse filme ao aluno se deve à possibilidade de observar que o papel da mulher mudou desde 1875; como o aluno percebe as relações entre as classes sociais brasileiras e como a religião interfere nas atitudes femininas e masculinas. 130 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry AGENTE 86 Título Original: Get Smart Ano de Lançamento (EUA): 2008 Gênero: Comédia Tempo de Duração: 110 minutos Direção: Peter Segal Site Oficial: www.agente86.com.br Comentário: Este filme tem como tema central uma investigação realizada por um detetive trapalhão e uma bonita agente. Ambos trabalham para uma organização chamada “Controle”. Depois de muita confusão e muito riso da platéia eles conseguem resolver o problema. A indicação desse filme deve-se à constatação de diferentes gêneros de filme de investigação, por exemplo. Este faz uso da sátira como movimento das cenas. Vejam que o nome da agência é “Controle” e tudo o que não há é controle de qualquer coisa. Ao assistir o filme observe que outros elementos aparecem contradizendo o que se espera de um filme de investigação, provocando um efeito cômico. Destacamos que um dos ambientes do filme é a Praça Vermelha de Moscou. PRO DIA NASCER FELIZ Título Original: Get Smart Ano de Lançamento (EUA): 2008 Gênero: Comédia Tempo de Duração: 110 minutos Direção: Peter Segal Site Oficial: www.agente86.com.br Comentário: Este filme do gênero documentário apresenta a relação escola/sociedade na realidade educacional brasileira que vive uma crise. Essa produção merece ser visto por todos porque os aspectos sociais e escolares retratados são profundos. Assistir a esse documentário gera o incomodo de ver que não dá para fechar uma opinião sem considerar um conjunto de fatores. Professores, alunos, gente pobre, gente rica, aparecem todos com os seus próprios dramas. Mas, esses dramas nas classes sociais mais baixas se misturam a questões de saúde, moradia, saneamento básico, preconceito, precariedade, banalização da violência e esperança. O objetivo de trazer esse filme é ajudar o aluno a ampliar seus horizontes quanto aos aspectos observados na relação da sua escola com a sociedade, e de que maneira isso repercute na sua vida. 131 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry SER E TER Título Original: Être ET avoir Ano de Lançamento: 2002 (França) Gênero: Documentário Tempo de Duração: 104 minutos Direção: Nicholas Philibert Comentário: Este documentário retrata o dia a dia dos estudantes de uma escola rural na cidade de Auvergne na França. O sistema de ensino é a didática multidisciplinar que reúne em uma mesma classe crianças com idades entre 4 e 11 anos. A filmagem é lenta, detalhada e flagram mais do que as crianças fazem, ou seja, valores morais e sociais que carregam. Nesse sistema em que não há a homogeneidade da idade, da série matriculada, mas apenas um mesmo professor, a singularidade de cada um aparece. A família também tem espaço nesse documentário, assegurando ao professor a informação de como a leitura e escrita da criança é representada em casa. Esse filme mostra o preparo que o professor tem para enfrentar a diversidade da classe, com delicadeza, firmeza e esclarecimento quanto à formação do aluno. A LÍNGUA DAS MARIPOSAS Título original: La Lengua de lãs Mariposas Ano de lançamento: 1999 (Espanha) Gênero: Drama Tempo de Duração: 96 minutos Diretor: José Luis Cuerda Comentário: Baseado nos contos de Manuel Rivas: La Lengua de las Mariposas, Carmiña e Um Saxo en la Niebla - este filme se passa na Espanha de 1935. Uma criança de 7 anos, Moncho (Manuel Lozano) vai para escola pela primeira vez e sente muito medo dessa nova fase de sua vida. O seu professor Don Gregorio (Fernando Fernán-Gomes) fica particularmente encantado com a curiosidade que esse menino demonstra ter. A relação entre o velho mestre e o aluno vai ficando cada vez mais rica de afeto e conhecimento. Em paralelo a vida dos dois, acontece a guerra civil no país e o professor, para surpresa do menino e da comunidade, é preso. A cena final impressiona pela forma como o menino consegue demonstrar seu afeto pelo professor. O objetivo desse filme é mostrar que o aluno e o professor têm papéis definidos na construção de diferentes tipos de conhecimento e levar tanto o professor quanto o aluno a refletir em como estão estabelecendo essa parceria e com quem. 132 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry ESCRITORES DA LIBERDADE Título original: Freedom Writers Ano de produção: 2007 ( EUA) Duração: 123 min Gênero: Drama Direção: Richard LaGravenese Comentário: O filme é baseado no best-seller "The Freedom Writer's Diaries: How a Teacher and 150 Teens Used Writing to Change Themselves and the World Around Them" (traduzido como O Diário dos Escritores da Liberdade) e escrito pela professora do ensino médio Erin Gruwell e seus alunos. Essa produção nos fala de transformação. O que parecia impossível – os alunos aprenderem, mesmo com todas as forças negativas que os cercavam: ignorância, guerra interracial americana, falta de interesse político nesses alunos, dinâmica familiar desestruturada – acaba acontecendo. A postura da professora muda e ajuda esses alunos a olharem para si próprios e para a classe. Começam buscando isso nas leituras e saem em busca dos heróis do mundo, contando suas próprias estórias e ouvindo a dos outros. A indicação desse livro tem relação com a escola que precisa buscar o que há de melhor no aluno e do aluno que precisa participar desse movimento. ENTRE OS MUROS DA ESCOLA Título Original: Entre les Murs. Ano: 2008 (França) Tempo de Duração: 128 min Gênero: Drama Direção: Laurent Cantet Site oficial: http://www.entrelesmurs.ca/ Comentário: François Bégaudeau faz o mesmo papel no filme que tem na vida real, ou seja, é professor. Dá aula de língua francesa em uma escola de ensino médio, localizada na periferia de Paris. Essa escola é constituída na sua maioria por alunos originários da emigração clandestina do leste europeu. Nesse espaço os professores, na sua maioria franceses, e os alunos, na maioria filhos de imigrantes, travam sua guerra particular em que a xenofobia (de ambos os lados), a perseguição do serviço de Migração, as diferenças culturais, as questões das línguas, ao lado dos imigrantes legalizados, estão presentes. Essa é a imagem da França contemporânea e a questão que a escola representa é o que a sociedade enfrenta e não sabe o que fazer. Essa situação fica à mostra no filme, quando os próprios professores lamentam o futuro de crianças cujas famílias surpreendidas pelo serviço de Migração têm que sair do país sem saber para onde ir. O objetivo da indicação do filme é levar o aluno a ter acesso ao que acontece em outras escolas no mundo e poder refletir sobre isso.e do aluno que precisa participar desse movimento. 133 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry 1900 Título original: Novecento Ano: 1976 (Itália) Gênero: Drama Tempo: 248 min Direção: Bernardo Bertolucci Comentário: O filme acompanha as vidas e a relação de dois homens: Olmo (Gérard Depardieu), o filho bastardo de um camponês, e Alfredo (Robert De Niro), herdeiro de uma rica família de latifundiários. A história se passa na Itália, desde o início do século XX (1900) até o término da Segunda Guerra (1945). A narrativa percorre as lutas trabalhistas no país, a ascensão e queda do fascismo, retratando como esses acontecimentos afetam a vida dos personagens centrais. O objetivo da indicação desse filme é levar o aluno a acompanhar historicamente o movimento trabalhista e a relação disso com o que vivemos hoje no mercado de trabalho. MATRIX Título Original: The Matrix Ano de Lançamento: 1999 ( EUA) Gênero: Ficção Tempo de Duração: 136 minutos Direção: Andy Wachowski e Larry Wachowski Site Oficial: http://www.whatisthematrix.com Comentário: Thomas Anderson (Keanu Reeves), um jovem programador de computador, começa a ter pesadelo em que se encontra contra sua vontade conectado por cabos ao computador. É uma mistura de pesadelo e possibilidade de realidade. Quando se encontra com Morpheus (Laurence Fishburne) e Trinity (CarrieAnne Moss), Thomas descobre que é vítima do plano da Matrix: sistema inteligente e artificial que manipula a mente das pessoas, criando a ilusão de um mundo real e captando a partir desses corpos uma determinada energia. Só Thomas poderá devolver a liberdade às pessoas. A indicação dessa trilogia é para que o aluno observe como uma supervalorização do cérebro, enquanto uma máquina de super poderes, sempre é retratada no cinema. Em seguida mostra uma luta em que a sensibilidade, a inteligência construída socialmente sempre sai vencedora. 134 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry MATRIX RELOADED Título Original: The Matrix Reloaded Ano de Lançamento (EUA): 2003 Gênero: Ficção Científica Tempo de Duração: 138 minutos Direção: Andy Wachowski e Larry Wachowski Site Oficial: http://whatisthematrix.warnerbros.com Comentário: Após vencer as máquinas, Neo (Keanu Reeves) ainda vive na Nabuconodosor. Em um contra-ataque, as máquinas realizam uma grande ofensiva contra Zion. A Nabucodonosor é convocada para retornar a Zion, para definir o contraataque humano às máquinas. Mas, o recado do Oráculo (Gloria Foster) muda a rota da nave e leva Neo de volta à Matrix. Chegando lá, ele descobre que precisa encontrar o Chaveiro (Randall Duk Kim), um ser que tem a chave para todos os caminhos da Matrix e que é mantido como prisioneiro. MATRIX REVOLUTIONS Título Original: The Matrix Revolutions Gênero: Ficção Científica Ano de Lançamento (EUA): 2003 Tempo de Duração: 129 minutos Direção: Andy Wachowski e Larry Wachowski Site Oficial: http://whatisthematrix.warnerbros.com Comentário: Depois de enfrentar os sentinelas no mundo real, Neo (Keanu Reeves) tem sua mente presa entre o real e não real e precisa de ajuda. As ondas cerebrais de Neo são idênticas às de uma pessoa conectada à Matrix. Trinity (Carrie-Anne Moss) e Morpheus (Laurence Fishburne) buscam a ajuda do Oráculo (Mary Alice) e Seraph (Sing Ngai). Trinity, Morpheus e Seraph vão em busca da libertação de Neo. Obtendo sucesso no resgate, o trio se divide para ajudar no combate contra as máquinas. 135 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry GATTACA – A EXPERIÊNCIA GENÉTICA Título Original: Gattaca Ano de Lançamento: 1997(EUA) Gênero: Ficção Científica Tempo de Duração: 112 minutos Direção: Andrew Niccol Site Oficial: http://www.spe.sony.com/Pictures/SonyMovies/Gattaca Comentário: Esse filme de ficção científica conta a história de um tempo futuro em que a criança quando nasce recebe um código genético em um cartão magnético, indicando o que vai desenvolver ou não como doença e qual sua probabilidade. Esse cartão indica Válido ou Não-Válido para o que ele vai ser profissionalmente, que esporte pode praticar, enfim, tudo na vida da criança gira em torno desse cartão. O filme retrata a vida de Vincent Freeman (Ethan Hawke) que nasce do amor dos pais, portanto, não planejado geneticamente, e por não aceitar ter seus sonhos de vida controlados dribla o sistema. Para isso assume a personalidade de Jerome Morrow, um Válido que por causa de um acidente, ficou paralítico. O objetivo de Vincent é o de superar com informações falsas todas as restrições de classe para conseguir seu maior sonho: ir para o planeta Titã. A indicação desse filme, além de ser excelente, traz também uma intertextualidade entre suspense e investigação policial. Outro aspecto importante é a questão de identidade e memória social que de tempos em tempos elege nova forma de controle: brancos e negros, senhores e escravos, patrões e empregados, Válidos e Não-Válidos. BLADE RUNNER Título Original: Blade Runner Ano de Lançamento (EUA): 1982 Gênero: Ficção Científica Tempo de Duração: 118 minutos Direção: Ridley Scott Comentário: Este filme é inspirado na novela “Do Androids Dream of Electric Sheep?”, de Philip K. Dick em que a Humanidade visualizando uma colonização espacial, cria seres geneticamente alterados. A função destes seres é realizar tarefas pesadas, perigosas ou degradantes nas novas colônias e exploração de outros planetas. Para isso fabricam-se modelos idênticos aos humanos, porém mais fortes e ágeis. A partir do momento em que um grupo de robô mais evoluído provoca uma reação à colonização, os policiais do esquadrão de elite, Blade Runner, têm ordem de matar os replicantes. Estamos agora em 2019 na cidade de Los Angeles e cinco replicantes chegam à Terra e um ex-Blade Runner (Harrison Ford) é encarregado de caçá-los. A indicação segue o mesmo propósito do filme anterior: identidade, memória social, controle. 136 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry HIROSHIMA MEU AMOR Título original: Hiroshima Mon Amour Ano de Lançamento: 1959 (França/Japão) Gênero: Drama Tempo de Duração: 90 min Direção: Alain Resnais Comentário: Esse filme conta a história de uma atriz francesa (Emmanuelle Riva) que está em Hiroshima para participar de um filme sobre a paz. Durante as filmagens ela conhece o arquiteto japonês (Eiji Okada) e se apaixona. Ele sobreviveu ao bombardeio de Hiroshima pelas forças amigas da segunda guerra mundial. A atriz em paralelo à história do arquiteto relembra a história de amor que viveu com um soldado alemão (Bernard Fresson) que conheceu em Nevers, na França, no final da Segunda Guerra. Porque se relacionou com um soldado alemão, inimigo de guerra da França, foi perseguida. Hiroshima Meu Amor é um filme entrecortado por estas lembranças. A indicação desse filme tem por objetivo levar o aluno a refletir sobre a construção da memória que carrega sempre particularidades impossíveis de serem verificadas, além disso, a filmagem em branco e preto ajuda a manter a procura do sentido na fala dos personagens em um filme cujo movimento se dá pelos recortes das lembranças de cada um. MUITO ALÉM DO JARDIM Título Original: Being There Ano de Lançamento:1979 (EUA): Gênero: Drama Tempo de Duração: 130 minutos Direção: Hal Ashby Comentário: Um jardineiro, Chance (Peter Sellers), ocupa a sua vida apenas com o seu trabalho no jardim, sendo que o seu contato com o mundo externo se resume àquilo que a televisão mostra. Ele também não sabe ler e escrever. Não tem documentos e, por isso, não existe oficialmente. Seu patrão morre e ele fica completamente só. Um dia um magnata (Melvyn Douglas) o atropela, fica seu amigo, e o apresenta ao presidente dos Estados Unidos. Nesse novo ambiente tudo o que o jardineiro fala ou cala é considerado genial. Por fim, seu amigo magnata fica doente e a esposa deste se apaixona pelo jardineiro. A indicação desse filme se respalda antes de tudo na proposta de se pensar a questão da identidade: a identidade oficial (documento); a identidade profissional, social, a que os outros nos conferem (o presidente, o magnata, identificam o jardineiro a partir de si próprios, sem olhar de fato para ele), e a que construímos pela memória de nossa história. 137 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry AMNÉSIA Título Original: Memento Ano de Lançamento (EUA): 2001 Gênero: Drama Tempo de Duração: 120 minutos Direção: Christopher Nolan Site Oficial: http:// www.otnemem.com Comentário: O assassinato de sua mulher e a sua luta com o ladrão assassino deixou Leonard (Guy Pearce) gravemente enfermo e com danos cerebrais, mas ele sobrevive e fica em conseqüência disso com um problema de memória que o permite registrar apenas os fatos recentes, e por pouco tempo. Ele decide procurar o assassino de sua mulher e para isso ele recorre a diferentes tipos de registros. Ele precisa registrar para depois poder recuperar o que sua memória não atualiza. Esse filme é muito interessante, embora, em alguns momentos se torne nebuloso porque com ele conhecemos mais sobre a fluidez da memória e sua importância na nossa identidade pessoal, social, profissional, enfim, sem memória não dá para ser independente. Mas, pode-se pensar em uma falha do filme: escrever e ler não exigem memória? Vamos conferir esse filme que vale a pena. ADEUS LÊNIN Título Original: Good Bye, Lenin! Ano: 2003 (Alemanha) Gênero: Drama Tempo de Duração: 118 min. Direção: Wolfganger Becker Site Oficial: http://www.good-bye-lenin.de Comentário: A Senhora Kerner (Katrin Sab) tem um mal súbito e permanece desacordada entre 1989 e meados de 1990. Nesse período há a queda do regime comunista, a vitória do regime capitalista e a queda do muro de Berlim. Quando a Sra. Kerner acorda, seu filho Alexander (Daniel Brühl), temendo que a mãe, por saber dos novos acontecimentos, tenha a saúde prejudicada, decide esconder-lhe o que se passou. A cada iniciativa da Sra Kerner para assistir a televisão, o filho a engana colocando um vídeo anterior aos acontecimentos para que assista. Novamente a indicação do filme para o aluno tem a ver com a construção e desconstrução da memória e de como a ideologia estrutura nossa identidade. 138 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇA Título Original: Eternal Sunshine of the Spotless Mind Gênero: Comédia Romântica Tempo de Duração: 108 minutos Ano de Lançamento: 2004 (EUA) Direção: Michel Gondry Site Oficial: http:// www.eternalsunshine.com Comentário: Um casal, Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet), por anos, tenta conviver, sem sucesso. Clementine, cansada dessa situação, aceita se submeter a um tratamento experimental, cuja proposta é eliminar de sua mente todas as lembranças partilhadas com ele. Joel, sabendo disso, também decide fazer o mesmo. Mas, no começo do procedimento ele se arrepende e não quer mais esquecer Clementine. Começa, então, a luta para recuperar suas lembranças que ele recupera por seu envolvimento com a emoção. Essa indicação aos alunos remete a questões ligadas ao fato de que o movimento da sociedade atual é o de evitar o sofrimento a todo custo, recorrendo aos procedimentos mais estapafúrdios. Essa atitude do não enfrentamento da situação vai gerando cada vez menos resistências psíquicas e um ambiente favorável à depressão. VIOLAÇÃO DE PRIVACIDADE Título Original: The Final Cut Ano de Lançamento (EUA): 2004 Gênero: Ficção Científica Tempo de Duração: 104 minutos Direção: Omar Naim Site Oficial: http:// www.finalcutfilm.com Comentário: Nesse filme de ficção a memória das pessoas é implantada por um chip para gravar ali informações escolhidas sobre suas vidas. Alan Hakman (Robin Williams) trabalha como editor de filmes para rememória. Ele tem talento para dar um acabamento final nas histórias, para apagar todos os pecados. Mas, em um desses trabalhos, Alan encontra na memória de outra pessoa uma lembrança da sua infância. Quando ele toma conhecimento disso, uma série de acontecimentos vai sendo lembrada e ele passa a correr risco de vida. O aluno pode observar nesse filme o efeito associativo da memória, uma lembrança desencadeando a outra; a necessidade das pessoas em se lembrar só de coisas boas; a busca de uma farsa para não ter que conviver com o que há de desagradável em nós; o risco de se perder, de se estilhaçar diante de tantos recursos artificiais: a mentira, a invenção, manter um mal entendido propositalmente etc. 139 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Á PRIMEIRA VISTA Título Original: At First Sight Ano de Lançamento: 1999 (EUA) Gênero: Romance Tempo de Duração: 129 minutos Direção: Irwin Winkler Site Oficial: http://www.mgm.com/atfirstsight/ind ex.good.html Comentário: Filme baseado em fatos reais descritos por Oliver Sacks no livro “Um antropólogo em Marte“ (1995). Virgil (Val Kilme) ficou cego, acidentalmente, na infância e como cego construiu sua independência: lê, escreve, anda sozinho pelas ruas, trabalha. Mas, Amy (Mira Sorvino) sua recente namorada, começa a investigar porque Virgil ficou cego e descobre que existe uma cirurgia que pode devolver-lhe a visão. Ele é operado com sucesso, mas nem tudo dá certo. Essa indicação, alem do fato de ser um bom filme, tem como objetivo levar o aluno a pensar que a visão é uma aprendizagem e que não basta poder ver para enxergar alguma coisa. A visão é uma função cerebral que se aprende socialmente. ILHA DAS FLORES Título Original: Ilha das Flores Ano: 1989 (Brasil) Gênero: Documentário (Curta metragem) Direção: Jorge Furtado Tempo de Duração: 12 min. Comentário: Esse curta metragem busca retratar a geração de riquezas e as desigualdades sociais que fazem parte de uma sociedade de consumo. É interessante assistir tanto pela reflexão proposta, quanto pela linguagem usada pelo diretor nesse gênero de texto por imagem. 140 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry Bibliografia, Sites e Livros ABAURRE, M. L. M. & PONTARA, M. Gramática. Texto: Análise e construção de sentido. São Paulo: Moderna, 2006 Nesse livro as discussões gramaticais acontecem a partir de um quadro teórico que concebe a linguagem como uma atividade que modifica e constitui o interlocutor, e por influência dele é modificada. Sob essa ótica, as autoras apresentam um trabalho inovador e moderno integrando teoria gramatical e produção textual. ALKMIM, T. M. Língua portuguesa: Objeto de reflexão e de ensino. Campinas: CEFIEL Unicamp; MEC, 2005 Na abordagem da sociolingüística, a autora estuda a relação oralidade/escrita, mais especificamente, as implicações da variedade lingüística da fala do aluno na sua escrita. Faz parte dessa concepção desmistificar a noção de certo/errado tanto na fala quanto na escrita, considerando a responsabilidade da escola no ensino da variedade padrão. ANJOS, A. Eu e outros poemas. Porto Alegre: L&PM, 2001 Este único livro do importante poeta brasileiro, Augusto dos Anjos (1884-1914), vem sendo reeditado desde sua publicação, em 1912. Sua expressão poética vem do “eu” como centro do pensamento, caracterizando a vida como resultado de misturas dos elementos químicos, físicos e biológicos. Tal consideração o torna, por vezes, amargo e pessimista. BRECHT, B (1938/40) Teatro Dialético Tradução de Ilse Losa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967 O alemão Bertolt Brecht (1898-1956) é considerado uma expressão mundial na área de teatro e literatura, além, de ser grande referência para o teatro moderno. Este livro traz a incorporação pelo autor dos pensamentos de Karl Marx, especialmente, do conceito de Dialética (o homem modifica a natureza e é modificado por ela). Esse movimento explica o interesse de Brecht na relação indivíduos/história e na conciliação entre arte e política. CAMINHA, P. V. Carta a El Rei D. Manuel. São Paulo: Dominus, 1963 Este livro pode ser acessado através do site http://superdownloads.uol.com.br/download/185/livro-carta-de-pero-vaz-de-caminha/ Trata-se da carta escrita em Porto Seguro (BA) no dia 1º de Maio de 1500 pelo escrivão Pero Vaz de Caminha que servia na frota de Pedro Álvares Cabral. Enviada a D. Manoel, rei de Portugal, levava informações sobre os habitantes e a terra descoberta. Esse é o primeiro documento da historia oficial do Brasil e está inscrita no Programa Memória do Mundo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). COUDRY, M. I.H, FREIRE, M. F. O Trabalho do cérebro e da linguagem: a vida e a sala de 141 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry aula. Campinas: CEFIEL - Unicamp; MEC, 2005 As autoras trabalham neste fascículo com uma concepção histórico-cultural de cérebro e linguagem concebidos em relação. Levam essa abordagem para sala de aula de forma a transformá-la em um espaço interativo em que se dá o aprendizado. Abordam questões de fala, leitura e escrita tanto em relação a como se apresenta na vida quanto na escola. Destacam o funcionamento do cérebro em atividades de escrita e reescrita de textos, diferenciando o normal do patológico. DOYLE, A. C.(1887) Um Estudo em Vermelho Rio de Janeiro: Record, 1993 _____(1890) O Signo dos Quatro. São Paulo: Melhoramentos, 1998 _____ (1902) O Cão dos Baskervilles. Tradução Ligia Junqueira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006 _____ (1892) As Aventuras de Sherlock Holmes São Paulo: Melhoramento, 2002 Arthur Conan Doyle, escritor e médico, levou para a literatura criminal uma nova maneira de escrever casos policiais a partir do método do exame clínico da medicina. Trata-se de um procedimento meticuloso de observar pistas, sinais, sintomas presentes nos pacientes que levam o médico a decidir sobre a patologia apresentada e seu tratamento. Esse mesmo método é utilizado pelos personagens investigadores de toda a sua obra que para isso fazem uso de raciocínios abdutivos, dedutivos e indutivos, ou seja, olham para fatos comuns do cotidiano como acontecimentos reveladores de comportamentos e condutas humanas, inclusive de um assassino. Acessos livres a livros do autor na Internet: O Cão dos Baskervilles: http://groupsbeta.google.com/group/digitalsource Outros títulos do autor podem ser acessados em: ttp://www.baixaki.com.br/download/sherlock-holmes-a-library.htm ECO, U. Obra Aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2005. Umberto Eco, filósofo, nascido em 1932 na Itália, tem seus primeiros estudos centralizados na estética medieval presentes nos textos de São Tomás de Aquino. O livro aqui considerado teve sua primeira edição em 1962 e reúne ensaios sobre literatura, artes plásticas e música. FRANCHI, C. (1977) Linguagem – Atividade Constitutiva In: Cadernos de Estudos Lingüísticos , 22, p. 9-39. Campinas: UNICAMP, 1992. Esse autor concebe a linguagem como trabalho e atividade, inscrita no simbólico, que faz retificar o vivido, tanto no plano social quanto nas opções solitárias. FREUD, S. (1891) La afasia. Buenos Aires: Nueva Visión, 1973 Tese de doutorado de Sigmund Freud datada de 1891, sobre o estudo crítico das afasias. A afasia é definida como alteração de linguagem (fala, escrita e leitura) decorrente de uma lesão 142 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry cerebral. Nesse livro Freud analisa estudos de caso feitos por seus colegas médicos propondo uma teoria para as afasias, sem deixar de criticar os modelos vigentes à época. HOUAISS, A., VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. KLEIMAN, A. Preciso ensinar o letramento? Campinas: CEFIEL - Unicamp; MEC, 2005 Este livro traz a reflexão do que é e do que não é letramento. Além disso, a autora busca junto ao professor a oportunidade de refletir sobre o ensino da leitura, colocando em evidência a necessidade dele em desenvolver conhecimentos técnicos necessários sobre o método que usa. Na medida em que isso ocorre, o professor deixará de reproduzir práticas de ensino em sala de aula, mas, ao contrário, passará a criar alternativas metodológicas na busca de resultados que façam sentido à sua realidade. GALABURDA, A. et al. Evidence for Aberrant Auditory Anatomy in Developmental Dyslexia. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America v. 91, p. 8010-8013, 1994. Importante estudioso da Dislexia sob a perspectiva médica, o neurologista Albert Galaburda, juntamente com outros pesquisadores, observaram a falta da esperada assimetria (região do hemisfério esquerdo maior do que do direito) no Planum Temporale do cérebro de crianças que se apresentam com: dislexia, distúrbios de linguagem e aprendizagem. Esses autores entendem que a origem dessa anomalia seja intra-uterina. Luria, A. R. Curso de Psicologia Geral - vols I, II, III e IV. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. Esta coleção focaliza as funções corticais superiores (memória, atenção, percepção, linguagem e pensamento) relacionando condições normais com patologias que afetam o cérebro, sobretudo as que modificam a linguagem, o pensamento produtivo e a solução de tarefas. LURIA, A.R. Pensamento e Linguagem: as últimas conferências de Luria. Porto Alegre, Artes Médicas, 1986. Este livro retoma vários temas de sua obra que focalizam a relação entre o cérebro e a linguagem, destacando o papel da palavra como unidade de sentido. Analisa a língua em funcionamento e a função das relações lógico-gramaticais, sobretudo na escrita, bem como analisa o pensamento concreto, baseado na experiência, diferenciando-o do pensamento abstrato e semântico, socialmente construído. NETO, J. C. M. Morte e vida Severina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Ed. 58ª, 1994. Vida e morte Severina: versa sobre a relação entre a morte e a vida, que ronda a expectativa que o retirante Severino tem de trabalho no sertão, onde a morte está sempre presente, invadindo a vida, pois só se tem trabalho com profissões que lidam com ela. Ao fim nasce uma 143 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry criança, esperança de vida. Este livro pode ser baixado gratuitamente através do seguinte endereço: http://www.culturabrasil.pro.br/download.htm PESSOA, F. A. N. MENSAGEM. Edições Ática, 1959 _____Obra Poética. Vol. II, Org. por João Gaspar Simões, Círculo de Leitores, Lisboa, 1986. Fernando Antonio Nogueira Pessoa (Lisboa, 1888-1935), poeta e escritor. Grande relevância da literatura de língua portuguesa. Sua obra é marcada pela fascinante criação dos heterônimos e pela reflexão sobre a verdade, existência e identidade, como vimos, em episódios anteriores. POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. São Paulo: Mercado das Letras, 2002. _____ Escrever escrevendo. Campinas: CEFIEL/IEL/Unicamp. Ministério da Educação, 2005 No primeiro livro o autor traz uma explanação sobre os motivos que o levam a considerar que (não) se deve ensinar gramática na escola. Para isso chega a formular princípios para o professor de português brasileiro ensinar gramática, levando-se em conta, mais do que o saber técnico, a reflexão sobre saberes acumulados pelos alunos enquanto falantes de uma língua; assim como a consideração de sua variedade lingüística. Para este autor é função da escola ensinar a língua padrão. O segundo livro trata basicamente do fato de que a correção feita pelo professor do texto do aluno não leva a uma reflexão sobre a língua. Assinalar o que está errado, necessariamente, não explicita o correto. Sua proposta é a de que o texto seja corrigido de uma forma que o aluno perceba como escreveu. O próximo passo seria, então, o aluno reescrever o mesmo texto que repetirá o ciclo do movimento do professor na releitura e do aluno na reescrita. Para o autor escrever se aprende escrevendo. RANGEL, F. & FERNANDES, M. Liberdade, liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. A obra trava uma luta contra o arbítrio e a repressão do regime militar brasileiro, fazendo falar vários autores clássicos contra arbitrariedades, destacando a liberdade, e inaugurando um estilo de espetáculo reconhecido historicamente como teatro de resistência que teve efeitos interessantes na dramaturgia brasileira. ROSA, J. G. Tutaméia, Terceiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 8ª Ed, 2001 Tutaméia: Terceiras Estórias - contém quarenta estórias de linguagem próxima à anedota versando sobre a astúcia do sertanejo mineiro que exigiram do autor síntese e concisão. Nelas o autor valoriza a cultura popular e a linguagem falada em franco uso de vocabulário e da sintaxe do português brasileiro. Em Tutaméia, o sertão mineiro não é apenas um cenário de carências que só pode ser expresso por discursos míticos, pois também possui a sua história, que é contada 144 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry nestes textos literários sustentadas na temática da memória e da invenção. SACKS, O. W. Vendo Vozes: uma Viagem ao Mundo dos Surdos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Oliver Wolf Sacks, neurologista britânico, nasceu em 1933, relata seus estudos neurológicos em narrativas de forma bem interessante, mantendo a curiosidade do leitor, apagando a ideia de que se trata de um estudo e diferentes patologias. No livro referido, Sacks adentra ao mundo dos surdos conhecendo a história da surdez, a singularidade de cada caso, as diferentes causas e o percurso de diferentes protagonistas. Esse livro pode ser consultado em forma de resenha no endereço: resehttp://books.google.com.br/books. Outros títulos do autor podem ser lidos em: http://sindromedeestocolmo.com/archives/2009/01/livros_feministas_para_download.html/: Os títulos disponíveis são: O homem que confundiu sua esposa com um chapéu e o Um antropólogo em marte. SARAMAGO, J.S. A caverna. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Jose de Souza Saramago, português, nascido em 1922, recebeu o prêmio Nobel de Literatura de 1998. É escritor, jornalista, roteirista, poeta. No livro A Caverna mistura realidade e fantasia quando conta a história de um oleiro que precisa manter socialmente a necessidade do produto do seu trabalho. Diante dessa busca o personagem principal, o oleiro, sua filha e seu genro travam as mais diferentes discussões mantendo por base uma reflexão sobre a natureza humana. O livro tem um final surpreendente, revelando mais uma vez a grandeza de seu autor. VYGOTSKY, L. S (1934) Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987 _____ (1930) A Formação Social da Mente. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1987 ______(1926) Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003. Edição Comentada ______LURIA, A R. e LEONTIEV, A Linguagem, desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988. O russo Lev Semenovitch Vygostsky viveu apenas 37 anos (1896-1934) e fez formação em diferentes áreas como a psicologia, medicina, direito, filosofia. Seus estudos na área da psicologia histórico-cultural ecoam na área da educação, dentre outras, marcando cada vez mais o aspecto atual de suas propostas. O objeto de estudo deste autor são as funções psíquicas superiores do homem, utilizando como método a proposição teórica do materialismo histórico de Karl Marx (1818-1883) e Friedich Engels (1820-1895). Dessa teoria, o conceito de Dialética (o homem atua sobre a natureza e vice-versa) perpassa por toda a teoria de Vygotsky, especialmente, em relação às funcões psíquicas superiores (linguagem, memória, atenção, raciocinio lógico, percepção, práxis) valorizadas pelo autor como construções histórico– culturais sempre mediadas pela linguagem. Nesse sentido a noção de funcionamento cerebral de Vygotsky filo e ontogeneticamente guarda um caráter a principio biológico, e a partir da presença da linguagem, histórico-cultural. 145 Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry TAYLOR, J. B. A cientista que curou o próprio cérebro. Tradução de Débora da Silva Guimarães Isidoro. São Paulo: Ediouro, 2008 O livro A cientista que curou seu próprio cérebro, da neurologista americana Jill Taylor, relata sua própria experiência de lidar e superar um estado patológico transitório, decorrente de um derrame (por hemorragia cerebral). Viu acontecer com ela dificuldades muito semelhantes que ocorrem com seus pacientes e percebeu como teve de reaprender o que antes para ela eram atividades automáticas e corriqueiras, tanto do ponto de vista da linguagem como de outros processos cognitivos. 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