Apresentação do Programa Viagem ao Cérebro

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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Apresentação do Programa Viagem ao Cérebro
O Programa Viagem ao cérebro relaciona a linguagem ao trabalho conjugado do cérebro
humano para dar conta da complexidade da vida, o que certamente inclui a escola.
Concebendo linguagem e cérebro como produtos histórico-culturais que se constituem
mutuamente, propomos conhecer um pouco de seu funcionamento voltado para
conteúdos disciplinares que você, professor, abordará em suas aulas, de forma a
possibilitar uma reflexão conjunta entre você e seus alunos sobre as atividades e os
conteúdos teórico-práticos próprios do 3º Ano do Ensino Médio. Destacamos que, por ser
o último do Projeto, o Programa Viagem ao Cérebro retoma alguns conteúdos estudados
em anos anteriores, não para apresentar novamente tais conteúdos, mas para destacar
deles questões relativas ao funcionamento do cérebro e sua relação com a linguagem e
os demais processos cognitivos (atenção, memória, percepção, gestos, raciocínio
intelectual). É nossa preocupação também, ao retomar certos conteúdos, separar o que
é da ordem do normal do que se apresenta de fato como patologia.
Por que juntar cérebro e linguagem? Partimos de uma determinada concepção de
cérebro e de linguagem cuja compreensão possa produzir efeitos na sua prática em sala
de aula. Apresentamos, abaixo, de forma bastante resumida, essas concepções.
Concebemos, com Franchi (1977), a linguagem como trabalho, relacionado às múltiplas
experiências vivenciadas entre os interlocutores envolvidos em práticas sociais em que
se destacam o papel da fala, leitura e escrita que, por sua vez, se articulam com a
memória, a atenção, a percepção, os gestos, o raciocínio intelectual, as coordenadas
espaciais e temporais. Linguagem como mediadora das relações humanas e culturais que
transforma a realidade e é transformada por ela, sendo crucial para isso uma reflexão
metalingüística praticada no tempo adequado, ao final da formação escolar em que se
encontram os alunos, quando já vivenciaram, em muitos contextos, o aprendizado da
língua, um dos eixos norteadores das atividades propostas nesta Viagem.
Cérebro como trabalho conjugado de suas partes (com ênfase nos dois hemisférios e nos
três blocos cerebrais – esquematizados abaixo), estruturas e funções, que funcionam
como uma orquestra cujo maestro é você, professor, e seus alunos, em tempos
diferentes, que acontecem a partir da experiência vivida, bem como imaginada e
retratada por outros. Os conhecimentos sobre o cérebro são tomados do neuropsicólogo
e neurologista A. R. Luria não para serem abordados como conhecimentos específicos da
medicina, mas como conhecimentos que as autoras desta Viagem, de diferentes
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formações profissionais (lingüistas, fonoaudióloga, professoras de português e de inglês e todas com formação em neurolingüística), advindos de vários autores que estudaram.
Neste programa nós, as autoras, queremos partilhar com vocês (professores e alunos)
esse patrimônio, para contribuir para a prática docente e o aprendizado. Por isso,
apresentamos o cérebro de um modo tal que você conheça um pouco de seu
funcionamento, de forma a entender como se dá o aprendizado, o papel da linguagem
nesse processo, de outras pessoas (professores, colegas, familiares) que participam dele,
criando condições para que se estabeleça uma atitude ativa frente à atenção, que seja
mantida e ampliada a motivação e que possamos reconhecer o desejo de aprender.
Entender, também, um pouco da percepção, da seleção e associação realizadas pela
memória; tocar na questão da emoção e de como ela participa do planejamento do que
dizer, escrever, fazer, bem como na realização de ações. Luria, sendo discípulo de
Vygotsky, compartilha da concepção histórico-cultural das funções psíquicas superiores
(linguagem, memória, atenção, percepção, gestos) que fazem parte das atividades que
realizamos na vida e na sala de aula.
Lobo Parietal
Lobo Occipital
Bloco I
Lobo Frontal
Lobo Temporal
Bloco III
Bloco II
Bloco I (figura superior direita) – é formado pelas áreas superiores do tronco cerebral
composto, particularmente, pelo hipotálamo, tálamo ótico e sistema de fibras
reticulares, sendo responsável pelo estado de alerta do cérebro e pela seleção
contínua de estímulos.
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Bloco II (figura inferior direita) – que se localiza na porção posterior do cérebro,
formada pelos lobos parietal, temporal e occipital - desempenha um papel-chave no
recebimento, elaboração e registro das informações que chegam ao cérebro.
Bloco III (figura inferior esquerda) – localizado na porção anterior do cérebro,
composta pelo lobo frontal – é responsável pela formação de intenções e programas
de ação.
Fonte: Coudry, M.I.H. e Freire, F.M.P. O trabalho do cérebro e da linguagem: a vida e a sala de aula.
Linguagem e letramento em foco – Língua Portuguesa, fascículo para o curso de formação de professores
(Cefiel/IEL), Ministério da Educação, 2005.
Linguagem e cérebro, portanto, participam ativamente do processo de aprendizado, que
deve aproximar os conhecimentos que os alunos trazem de sua vida - abrindo espaço
para que eles os articulem com outros conhecimentos e práticas - com aqueles
abordados pela escola, ampliando-os e considerando as diferenças entre alunos e
professores, que se modificam ao longo de sua convivência. Professor, motivar seus
alunos para aprender, para ler com compreensão e escrever com sentido é exercer um
trabalho (coletivo e individual) que integra cérebro e linguagem.
Destacamos, nesse Programa, que a motivação possibilita que o aprendizado efetivo
aconteça e se mantenha. Para que isso ocorra é fundamental que o assunto proposto em
sala de aula faça sentido para você e seus alunos, entendendo que o conhecimento é
construído em conjunto, de forma não linear, em espiral, como aprendemos com
Vygotsky (1926) – e isso se dá na interação (no caso, em sala de aula), o que redunda no
desenvolvimento humano.
Assim apresentamos a possibilidade de aprender a lidar com preconceitos em relação a
como se fala e como se escreve, que tanto prejudicam a vida humana e suas relações.
Do contrário, cai-se na banalização de interpretar a escrita e leitura que os alunos fazem
como sendo da ordem do patológico, sobretudo se esses produtos vierem associados a
uma variedade de fala não padrão e estigmatizada socialmente. Erros – que são
tentativas de ler e de escrever possíveis no momento, por várias razões - são
interpretados/tomados como sintomas de doenças. Em outras palavras, se a variedade
de fala dos alunos for transposta para sua produção escrita sem a intervenção do
professor, que deve mexer em seus textos, ela permanecerá assim ao longo da vida. Se
isto acontecer, os alunos não têm chance de dominar a escrita como uma prática social
estabilizada.
Foi pensando em todas essas questões que elaboramos os textos, as atividades pósexibição e os jogos interativos articulando conteúdos disciplinares do Ensino Médio,
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sobretudo do 3º ano, com o funcionamento integrado do cérebro, da linguagem e dos
demais
processos
cognitivos
(atenção,
memória,
percepção,
gestos,
raciocínio
intelectual), imersos na vida em sociedade. Enfatizamos em nosso Programa a
importância de aprender a aprender, e de passar isso adiante, chave para buscar
soluções e tornar o aluno autônomo para construir sua vida daqui para frente,
participando e interferindo na realidade político-social brasileira.
Este guia é organizado a partir de um conjunto de materiais multimodais como imagens,
textos, recursos digitais reunindo escritos infográficos (do cérebro), fotos, ilustrações,
mapas, quadros Para Saber Mais, Para ver mais (filmes) exercícios, resoluções, músicas,
além de indicação de livros, sites, buscando oferecer a você e ao seu aluno a melhor
compreensão dos temas abordados. De cada episódio constarão 7 atividades, sendo a
última um projeto de escrita de textos, em vários gêneros discursivos, seguidas de
sugestões de respostas e comentários preparados para dar suporte a você, professor.
Considere que se trata apenas de sugestões e que outras respostas, de sua parte e de
seus alunos, são bem-vindas. Em algumas atividades também haverá quadros Para Saber
Mais, cuja função é tanto ampliar e ilustrar os conteúdos tratados quanto despertar para
novos conhecimentos e formas de olhar o mundo.
Depois de todas as atividades, apresentamos textos que introduzem os jogos interativos
de cada episódio, de forma que você, professor, possa conhecer sua função no conjunto
do Programa e como são abordados os conteúdos disciplinares.
Em seguida, apresentamos Para ver mais, um conjunto de filmes que propõem dirigir o
olhar do aluno para os conteúdos tratados. E, finalmente, vem a bibliografia utilizada no
Programa Viagem ao Cérebro com uma indicação de seu tema central, sites acessados e
livros, sendo que alguns deles podem ser acessados livremente em diferentes endereços
eletrônicos.
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Sinopse do Programa de vídeo Viagem ao Cérebro
Viagem ao Cérebro é uma história cheia de fantasia, na qual um casal de adolescentes,
Pedro e Carolina, está literalmente dentro da tela de um computador, procurando uma
saída. Nessa aventura fantástica, eles vão se encontrar com Alexander Romanovich
Luria, o famoso neuropsicólogo russo, e aprender como funciona o cérebro humano e
descobrir a chave para voltar ao real, conseguindo escapar de dentro do computador.
Autores
Maria Irma Hadler Coudry
Sonia Maria Sellin Bordin
Michelli Alessandra Silva
Giovana Dragone Rosseto Antonio
Ana Laura Gonçalves Nakazoni
Coordenação
Maria Irma Hadler Coudry
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Episódio I
Sinopse
Neste episódio, os adolescentes, cansados de procurar uma saída do computador,
resolvem explorar, como último recurso, um ícone do computador que ainda não haviam
tentado: a lixeira. Dentro dela encontram um mapa com pistas que os levam à Rússia,
onde, nos próximos episódios, acontecerá uma série de ações que os fazem descobrir,
finalmente, a saída.
Atividades pós-exibição
Atividade 1: Relações espaciais e linguagem
Como vai o seu GPS?
GPS - Global Positioning System - é uma sigla composta de palavras escritas em inglês
que traduzidas para o português equivalem a Sistema de Posicionamento Global. Tratase de um sistema gerenciado por satélite americano usado para determinação local,
espacial, de um objeto (caracterizado como receptor) na superfície da terra (carro,
navio, trem); ou no espaço (avião, satélite, foguete). Além dos Estados Unidos, a Rússia
também tem um sistema desse tipo chamado Glonass. A China e a Europa estão em fase
de implantação dos seus.
Grosso modo, pode-se dizer que a ideia de um sistema de localização no espaço é
derivada da capacidade biológica e culturalmente desenvolvida pelo homem de
relativizar o posicionamento do seu próprio corpo no espaço e de dimensionar sua
distância de diferentes corpos e objetos. Na evolução da espécie, a necessidade do
homem em lidar com informações que favorecessem a agricultura e a divisão do tempo
fez com que os planetas e seus alinhamentos passassem a ser definitivamente
considerados. Quais estações favorecem o plantio, ou a colheita? Que horas o sol nasce?
O que acontece no oriente quando tudo isso se passa no ocidente? Como reflete na bolsa
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de valores a relação venda/compra no preço do café ou da soja na época da colheita ou
na entressafra? Essas são questões de gerenciamento global interferindo todos os dias na
vida de todos.
Temos também no nosso corpo um GPS biológico e culturalmente desenvolvido, que tem
como objetivo a proteção da vida; por exemplo, quando encostamos sem perceber em
algo muito quente, por meio de uma reação reflexa retiramos a mão rapidamente e
passamos a evitar esse lugar e a garantir a distância do nosso corpo em relação a ele; ou
quando calculamos o tempo que levaremos para atravessar uma rua com determinada
largura; ou ainda quando um motorista senta no carro para dirigir no Brasil (a direção se
situa à esquerda), ou na Inglaterra (a direção se situa à direita).
Outras tarefas, cotidianamente repetidas, são realizadas automaticamente quando
incorporadas a esse sistema: preencher e assinar um cheque sem olhar; teclar um
número de telefone sem olhar para o teclado, pela posição dos dígitos acompanhados
pelos movimentos dos dedos; ou também digitar sem olhar para o teclado do
computador. Ou seja, a orientação espacial que construímos sócio-culturalmente se fixa
pela repetição e uso, tornando-se memória.
Nosso GPS entra em funcionamento consciente quando temos que encontrar um lugar,
um endereço que não conhecemos. Para dar conta disso, neurologistas indicam que
podemos trabalhar com algumas estratégias e suas combinações, são elas: orientação quando usamos uma referência conhecida ou visível como ponto de destino, ou seja,
“Olhe lá em cima, essa loja fica à esquerda daquele prédio alto pintado de azul e
vermelho”; integração do trajeto - com a ajuda de alguém você refaz o trajeto pela
memória dos próprios movimentos e de tudo o que percebeu naquele momento, e em um
determinado ponto desse trajeto memorizado você é orientado quanto à direção a
seguir; acompanhamento de rota - alguém lhe indica um caminho “você segue três
quadras e depois vira à direita, passa em frente a uma loja toda pintada de vermelho,
vira à esquerda e pega a Avenida Brasil e na altura do número 1419 estará no seu
destino”. Cabe a você seguir essa indicação sem nunca ter ido anteriormente a esse
lugar. Nesse último caso, se esquecer uma indicação estará totalmente perdido, mas
essa é, em geral, a forma mais comum de informar a direção a ser seguida para quem
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pergunta por um endereço. Parece que as pessoas memorizam apenas o que é necessário
para se locomover, sem criar para isso um mapa exatamente.
Quando você caminha em uma direção, durante o percurso vai armazenando informações
visuais e cria um trajeto mental; tempos depois já consegue encurtar esse caminho ou
seguir outras rotas próximas à primeira, sem se perder. Em nossa sociedade, a relação
com o espaço não é a mesma entre homens e mulheres. Historicamente os homens foram
responsáveis por várias tarefas que envolviam o domínio do espaço fora da casa: nas
guerras, caçadas, trabalho, plantio etc. Por outro lado, as mulheres desenvolveram
outros tipos de competência para viver em sociedade: fazer várias coisas ao mesmo
tempo para conseguir cuidar dos filhos e simultaneamente dos vários afazeres da casa,
além de cuidar de seus suprimentos.
E o que tudo isso tem a ver com a linguagem? A questão espacial está implicada
diretamente na organização da fala, leitura e escrita. As referências espaciais pela
linguagem (aqui, ali, lá, onde, próximo, distante, ao lado, paralelo, em cima, embaixo,
na frente, atrás, à esquerda, à direita, norte, sul, leste, oeste, entre outras) mostram
isso.
As relações espaciais são construídas pela experiência de vida em sociedade no processo
de evolução da espécie, as práticas sociais possibilitam pela linguagem formular relações
espaciais precisas. Para descrevermos a figura de um carro em frente a uma árvore,
recorre-se ao uso de preposições ou locuções prepositivas: “o carro está estacionado na
frente da árvore”, outra possibilidade é descrever como “a árvore esta atrás do carro”.
A preposição permite expressar relações de várias naturezas, no caso, envolvendo lugar
ou tempo, que dão conta de como as coisas/pessoas estão dispostas no mundo.
Outro instrumento que envolve espaço, o mapa, criado por volta de 6200 AC, é uma
representação bidimensional de um espaço tridimensional, como o planeta terra, cuja
superfície é curva e possível de ser representada por uma superfície plana. Veja, no
episódio 1 e início do episódio 2 do vídeo Viagem ao Cérebro, que Pedro e Carolina
também se deparam com um mapa que se torna uma peça crucial para chegarem até a
Rússia e lá, com a ajuda de Luria, desvendarem o segredo CONEXÃO-LINGUAGEM para
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saírem do computador. Pedro e Carolina parecem não ter familiaridade com mapa,
talvez porque se trate de uma questão cultural. No Brasil, utilizamos pouco os mapas e
perguntamos muito para obter informações sobre locais onde queremos chegar.
Estrangeiros, quando vêm para cá, estranham isso. Eles usam muito mapa, talvez porque
viajem com frequência de um país para outro e perguntar seria mais difícil em função da
diferença de língua e de cultura.
Prática em sala de aula
Sabendo que a linguagem é povoada de palavras e expressões que remetem a espaço
(como pontos cardeais, preposições, etc.), veja o trajeto abaixo no mapa da Cidade
Fantasia:
Escreva por extenso as orientações necessárias para:
1. Pedro chegar à casa de Carolina.
2. Carolina levar sua irmã ao Centro de Surdos.
3. O Zé ir de sua casa ao Clube e de lá ao Estádio Ponte Branca.
4. Os três jovens, saindo de suas casas, se encontrarem no Shopping.
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5. O pai de Carolina ir de sua casa ao Banco.
Resposta Esperada
Nas respostas esperadas é possível haver vários modos de se chegar ao local indicado. Abaixo
apresentamos um caminho possível para cada um deles, e, você, professor, e seus alunos, poderão
descobrir outros.
1. Pedro pega a rua da Sinapse, vira a primeira à direita onde há uma Delegacia na esquina e, no
final do quarteirão, na esquina com a Avenida A. R. Luria, fica a casa da Carolina.
2. Carolina pega a Avenida A. R. Luria, anda duas quadras e vira à esquerda na Rua dos Gestos; o
Centro de Surdos fica na esquina com a Rua da Sinapse.
3. Zé pega a Rua dos Gestos, segue em frente até a Avenida da Universidade, vira à esquerda, anda
uma quadra e na próxima esquina fica o Clube; depois sai do Clube pela Rua da Memória, anda três
quadras, vira à direita na Avenida A. R. Luria, onde fica o Estádio Ponte Branca.
4. Carolina e Zé pegam a Avenida A. R. Luria; Carolina em direção ao Sul e Zé em direção ao Oeste.
Pedro pega a Rua da Sinapse e vira a primeira à direita.
5. Pega a Avenida A. R. Luria, em direção ao Sul, até o final, vira à esquerda na Avenida Vygotsky,
segue em direção ao Leste até o Centro Recreativo, vira à esquerda na Rua da Atenção e anda uma
quadra e meia.
Agora localize:
1. o lugar que fica ao leste da casa de Pedro e atrás do Conjunto Residencial.
2. o lugar que fica duas quadras ao Norte da casa da Carolina e ao lado da Padaria.
3. Conjunto Comercial em relação ao Estádio Ponte Branca e à Prefeitura.
4. a Avenida Vygotsky em relação à Rua da Palavra.
5. a Rua da Atenção em relação ao Correio.
Resposta Esperada
1. Centro Recreativo.
2. Universidade.
3. O Conjunto Comercial fica ao Leste do Estádio Ponte Branca, em frente à Prefeitura.
4. A Avenida Vygotsky é a terceira via paralela à Rua da Palavra, no sentido sudeste.
5. A Rua da Atenção fica uma quadra e meia do Correio, no sentido nordeste.
Comentário para o Professor
Como vimos, professor, no texto incial dessa atividade a questão espacial está implicada diretamente na
organização da fala, leitura e escrita. De que maneira? A fala se desenvolve em um continuum em relação
ao tempo: as sequências de sons que formam as palavras e as pausas entre as unidades de sentido
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mostram isso. Ao falar, as pausas funcionam também como marcadores de um espaço que estrutura não só
nossa própria fala como também assegura a entrada do outro no discurso. Além das pausas, usamos
marcadores discursivos (prolongamentos vocálicos, aí, então, daí) para mostrar ao nosso interlocutor que
ainda não acabamos de falar.
Na escrita o espaço contém o que é escrito, e segue um padrão culturalmente instituído para poder ser
lido. Por exemplo: as palavras estão dispostas de maneira diferente na escrita ideográfica (sentido
vertical) e alfabética (sentido horizontal). Na leitura, como na escrita, o espaço delimita a ordem do que
deve ser escrito/lido e isso interfere na questão do sentido.
Nas cidades, o escrito (outdoors, placas, letreiros, propagandas, muros, vitrines) pode vir delimitado em
diferentes dimensões e todos nós somos capazes de reconhecer e ler.
Professor, o objetivo de propormos uma atividade que utilize mapa é de refletir junto com o aluno como
as informações nele contidas podem ser representadas pela linguagem e como esta pode ser convertida em
informações espaciais representadas no mapa. O mapa é feito para ser lido e interpretado; é composto de
imagens e indicações visuais, o que faz dele um texto multimodal cujos diferentes elementos se articulam
para formar uma unidade de sentido (KLEIMAN, 2005).
Grosso modo, para compreender o que está representado no mapa usamos a linguagem: traduzimos
imagens e ícones em palavras de modo a fazer a leitura de um mapa qualquer. É, sem dúvida, uma tarefa
complexa, em um constante vai-e-vem entre o que está representado no mapa, sua tradução para a
linguagem verbal (fala, escrita) e o que isso corresponde no mundo.
Todo o cérebro se mobiliza para realizar uma atividade que envolve relações espaciais e linguagem, como
a leitura de um mapa. O Bloco I para manter a pessoa em estado de vigília e atenta ao que interessa (por
exemplo, chegar a um determinado destino); o Bloco II para analisar, codificar e registrar as informações
que chegam pelos órgãos do sentido (neste caso, especialmente as informações visuais que se articulam
com as informações acústicas e motoras para falar e para escrever o que consta no mapa), comparando-as
ao que já se conhece; e o Bloco III para planejar e executar o melhor trajeto a seguir.
Ler mapas no final do ensino médio é um ótimo exercício lingüístico e cognitivo que conjuga uma série de
conhecimentos de diversas disciplinas (geografia, história, português, matemática, ciências, artes)
justamente num momento em que os alunos fecham um ciclo em sua formação. Muitos deles prestam
vestibular, etapa em que é exigido esse tipo de conhecimento, outros entram para o mercado de trabalho,
que também requer profissionais capazes lidar com essas informações multimodais. Ressaltamos,
professor, a importância do papel da linguagem na formação dos alunos uma vez que é ela que possibilita
que essas informações sejam articuladas e destinadas ao outro: é o que chamamos de CONEXÃO
LINGUAGEM.
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Atividade 2: Hipérbole
Quem conta um conto aumenta um ponto
Certamente você conhece alguém que sempre exagera aquilo que fala, como fez
Carolina ao dizer a Pedro, no primeiro episódio: “Parece que estamos aqui há um milhão
de anos...”. Nesse caso, e em tantos outros semelhantes que usamos em nosso dia-a-dia,
em que diminuímos ou aumentamos de forma exagerada uma determinada verdade ou
mentira, usa-se a figura de linguagem chamada Hipérbole (sobre Hipérbole consulte o
Programa Vozes da Cidade, episódio 1, Tema Litotes e Hipérbole). Essa palavra, usada
também na linguagem matemática, vem do grego hyperbolé e significa o ato de lançar
por cima de, além de; bem como ultrapassar uma medida; excesso – sendo essas últimas
as que nos interessam destacar.
Não é preciso dizer que Pedro e Carolina, ainda que estivessem naquela situação há
muito tempo, não permaneceram um milhão de anos dentro do computador, afinal,
ninguém vive todo esse tempo. A hipérbole é, portanto, um recurso utilizado para dar
ênfase a algum acontecimento ou sentimento e, por isso, está relacionado a impressões
subjetivas. Carolina na verdade estava expressando a sensação de que estava há muito
tempo naquela aventura. Trata-se, então, de um exagero óbvio e intencional, que tem
como objetivo tornar uma idéia mais expressiva.
É importante ressaltar que a hipérbole é exatamente o oposto de uma outra figura de
linguagem que você verá mais adiante, o eufemismo. Enquanto no eufemismo
suavizamos a forma como dizemos algo, na hipérbole expressamos uma ideia de forma
exagerada, enfatizando-a.
A hipérbole pode ser usada não apenas em expressões de grandeza como em “um milhão
de anos”, mas também no uso de superlativos, como no poema de Augusto dos Anjos:
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que escapa da boca de um cardíaco.
(Psicologia de um vencido. In: Eu e Outros Poemas)
Nesse caso, a hipérbole está na criação de um advérbio a partir do superlativo do
adjetivo “profundo”. Dessa forma, o autor deixa claro o tom de exagero no poema em
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que expressa sua angústia existencial.
O mesmo recurso de se criar uma palavra para expressar exagero, por meio da
hipérbole, é utilizado por João Guimarães Rosa:
Cercavam-nos anjos-da-guarda, aos infinilhões.
(Estória no. 3. In: Tutaméia.)
O autor, nesse trecho, cria um neologismo unindo a palavra infinito à terminação -lhão,
que está associada a grandes quantidades (milhão, bilhão, trilhão). Ou seja, tem-se uma
palavra que representa muito, muito mesmo.
No entanto, como vimos, a hipérbole não é usada apenas por grandes escritores e
aparece de forma bastante recorrente nas conversas cotidianas.
Veja alguns exemplos de hipérboles que usamos no dia-a-dia:
“Preciso de água. Estou morrendo de sede”
“Eu já disse um milhão de vezes pra você não fazer isso”
“Eu não te vejo há séculos”
“Aquele menino é lindo de morrer”
O uso frequente dessa figura de linguagem faz com que ela não seja vista
exclusivamente como um recurso estilístico.
Agora que você já recebeu um mar de informações sobre hipérbole, vá correndo fazer a
atividade proposta, sem que sua professora tenha que pedir um milhão de vezes. Você
certamente terminará em um piscar de olhos e sua professora vai morrer de orgulho!
Prática em sala de aula
Para saber um pouco mais sobre as hipérboles, assista ao vídeo do programa Pé na Rua,
da TV Cultura, no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=Z6oHJm-kBT0.
Nesse vídeo, as pessoas entrevistadas dizem que os adolescentes são os que mais usam
hipérboles, principalmente no diálogo com os pais. Pensando nisso, é a sua vez de criar
hipérboles. Sua tarefa será criar um diálogo entre pai/mãe e filho/filha, que represente
uma situação na qual para convencer os pais, o filho(a) adolescente utilize várias
hipérboles.
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Antes de escrever seu texto, é importante que você o planeje, definindo previamente
alguns detalhes: quem são os personagens presentes no diálogo? Qual a situação que
esses personagens estão vivendo? Que hipérboles poderiam ser usadas nessa situação? Os
diálogos podem ser escritos em linguagem coloquial, de modo que se aproximem de uma
conversa real entre pais e seus filhos adolescentes. Bom trabalho!
Resposta Esperada
Não há uma resposta única para essa atividade. O que se espera é que o aluno seja capaz de narrar uma
situação por meio de um diálogo entre pais e filhos adolescentes. É importante que o professor verifique
se a linguagem escolhida pelo aluno é adequada à situação de conversa informal. Deve-se analisar também
o uso das hipérboles, que devem estar relacionadas à situação vivida pelos personagens.
Comentário para o professor
Reiteramos a necessidade de aproximar a vida do aprendizado em questão e vice-versa. Exagerar é uma
forma de expressar a emoção, do ponto de vista de quem conta algo com todos os detalhes que tiveram
efeito sobre ele e/ou para impressionar/convencer seu interlocutor.
O exagero também está relacionado a questões culturais. Há povos mais exagerados, outros mais discretos
nas formas de vestir, falar, gesticular, expressar seus ritos. Compare por exemplo um fato contado por um
italiano, um brasileiro, um belga e por um japonês. E, em um mesmo país, um fato contado por um
cidadão urbano e outro por um cidadão da área rural, sem que essas diferenças sigam qualquer juízo de
valor ou preconceito. Ou ainda, considerando o tema Relações de sentido do episódio III, pense nas
histórias contadas por pescador. Observe, professor, que por ser o cérebro sócio-culturalmente construído
ao longo da história e por isso vinculado a culturas particulares, por um lado, e à universalização e
globalização que caracterizam os dias em que vivemos, por outro, não se estranha que um italiano
exagere, mas se estranha que um belga exagere, mesmo que isso possa de fato acontecer. Para tanto, o
cérebro realiza uma espécie de cálculo para interpretar/associar o que se diz, como se diz e quem diz a
quem, o que requer um trabalho articulado das áreas anteriores (planejar, executar, verificar) e
posteriores (associar) do cérebro.
Chame atenção de seus alunos de como todos usamos hipérboles em nosso dia-a-dia e proponha que
componham uma cena na vida cotidiana contada sem nenhum exagero e a mesma cena com hipérboles.
Comparem os efeitos produzidos em seus interlocutores. Aliada à atividade proposta, buscamos com esse
exercício fazer com que o aluno sinta na pele a presença de hipérboles que dão vida a um texto,
considerando que nem todo gênero discursivo as suporta. A hipérbole também é uma forma de marcar a
subjetividade de quem a utiliza, um modo próprio de se apresentar e se expressar.
Como figura complexa de linguagem a hipérbole também exige um trabalho coordenado dos três blocos
cerebrais contando que os interlocutores calculem que se trata de exagero demais e compreendam o que
se quer como efeito de sentido desse exagero.
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Atividade 3: Comparação e Metáfora
Lábios de mel
A metáfora e a comparação são duas figuras de linguagem bastante parecidas e, por isso,
aparecem juntas nesse texto. Podemos até dizer que a metáfora é uma espécie de
comparação, ou que a comparação constitui uma metáfora (sobre Metáfora veja também
o Programa Vozes da Cidade, episódio 1, Tema Metáfora e Catacrese).
A comparação é o recurso utilizado para aproximar termos, entre os quais existe alguma
semelhança. A principal diferença entre comparação e metáfora é que na primeira
sempre há o uso de um conectivo comparativo (como, tal qual, assim como, bem como,
tanto quanto etc.), que representa essa aproximação entre os termos.
COMPARAÇÃO
Na comparação temos sempre
dois
elementos
(em
nosso
caso, o super-herói e o leão) e
uma característica comum a
eles (no exemplo, a força).
Unindo
essas
informações,
temos um conectivo (como)
completando a ideia de que a
característica
Ele é forte
como um leão.
de
um
é
aplicada ao outro.
A metáfora, por sua vez, também aproxima termos levando em consideração alguma
característica que tenham em comum. No entanto, a metáfora realiza essa aproximação
de maneira mais sutil, sem o uso dos conectivos de comparação e sem expressar a
semelhança entre os termos. Essa associação em relação à característica comum dos
termos deve ser feita por quem recebe uma mensagem transmitida que apresenta
metáforas.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
A palavra metáfora vem do grego metaphorá que significa transporte, ou seja,
transportam-se características de um termo a outro.
METÁFORA
Poderíamos ter afirmado que o
super-herói é muito forte, sem
precisarmos fazer a metáfora
com o touro. Mas, ao fazermos
isso,
ressaltamos
características
do
algumas
touro
e
transportamo-las para o superherói, dando uma ideia mais
completa do que queremos
Ele é
dizer.
um touro.
Observe o quadro abaixo que resume o que discutimos nesse texto.
COMPARAÇÃO
METÁFORA
Uso de um conectivo
Não há uso de conectivo
Característica em comum explicitada
Menos
abrangente,
mais
restrito
(apenas uma característica é usada)
X
Característica em comum implícita
Mais abrangente, menos restrito
(compara-se sem dizer exatamente
qual característica)
É importante lembrarmos que, em se tratando de figuras de linguagem, tanto a metáfora
quanto a comparação não devem ser entendidas ao pé da letra. É tarefa do interlocutor
decifrar o que se quis dizer a partir de seu repertório linguístico e cultural. Por isso,
entender metáforas e piadas requer que se conheça além da língua, um pouco de sua
cultura, para que tais construções façam sentido. Na tarefa de decifrar e construir
sentidos, o cérebro aprende a diferenciar, pela experiência do sujeito com a linguagem
no mundo, a comparação da metáfora, bem como os sentidos nelas veiculados.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Prática em sala de aula
As propagandas se utilizam de metáforas e comparações com bastante frequência.
Abaixo temos dois exemplos disso. Na primeira imagem temos uma campanha de uma
rede de televisão chinesa anunciando grandes nomes da NBA (National Basketball
Association) americana. Na segunda, temos uma ONG que ajuda mulheres, que sofrem
abuso verbal em casa, através de uma campanha com o tema: “As palavras também
podem machucar”. Qual delas é uma comparação e qual é uma metáfora? Justifique sua
resposta.
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Fonte das imagens: (acessado em 20 de julho de 2009)
http://www.edukbr.com.br/celeirodeprojetos/atividades_bau/mitologia/minotauro.jpg
http://www.gardenal.org/grilocaverna/musculoso01.jpg
http://www2.uol.com.br/jornalgazetadolitoral/horoscopo/touro.gif
http://filipacm.com/media/upld/imgs/Gatinho.jpg
http://adsoftheworld.com/media/print/lining_shaq?size=_original
http://adsoftheworld.com
Resposta Esperada
A primeira imagem é uma comparação porque temos os dois elementos comparados presentes na imagem,
o jogador de basquete e o tubarão. Eles são independentes um do outro, embora a ideia que a propaganda
queira passar seja de que a agressividade do jogador ao enterrar a bola no cesto pode ser comparada à de
um tubarão. Observe que também existe um jogo de palavras com o nome do jogador (Shaq) que se
assemelha à palavra tubarão em inglês (Shark).
A segunda imagem é uma metáfora, porque temos uma transformação em que há a substituição das
palavras agressivas pelo pulso, como se esse pulso (no lugar das palavras) estivesse agredindo a mulher.
Ora, se a ONG em questão cuida de mulheres que sofrem abusos que não são físicos, mas verbais ou
morais, então a ideia de transformar as palavras do homem em um pulso só vem reforçar a ideia que a
ONG quer passar.
Comentário para o professor
Metáfora e comparação são figuras de linguagem muito utilizadas na fala, leitura e escrita. Com elas
conduzimos nosso ouvinte/leitor para determinadas especificações do sentido. E você, professor, deve
apreciar seu uso por parte dos alunos. Muitas vezes, um sentido difícil de ser construído/interpretado
torna-se mais próximo do aluno, e mais claro para ele, se utilizarmos elementos que lhe são familiares. E a
comparação e a metáfora possibilitam isso. Na atividade proposta, muitas pessoas podem nem sequer ter
ouvido falar do jogador de basquete, mas ao compararem com o tubarão fazem uma ideia de sua força
dentro da quadra. Atente para o fato de que seus alunos podem ter dificuldade de interpretar metáforas
porque lhes faltam conhecimentos e vivências culturais e, dessa forma, o cérebro não tem elementos para
compreender, interpretar, associar.
Compreender uma metáfora, como dissemos, requer um domínio da língua (veja a propaganda da
associação de basquete) que funciona em diferentes práticas sociais. Para ajudar os alunos a
compreenderem o trabalho que se faz com a língua para produzir e interpretar metáforas é que charge,
tirinha, história em quadrinho, enunciados de propaganda, manchetes de jornal, títulos em geral, etc. têm
sido incluídos nos livros didáticos desde os Anos Iniciais até o final do Ensino Médio, o que amplia a
experiência da criança/jovem com a linguagem (fala, leitura, escrita).
Em termos do funcionamento do cérebro, todo ele (Blocos I, II e III) participa de construções comparativas
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e metafóricas, com destaque para as áreas associativas (envolvendo os lobos temporal, parietal e
occipital) e para o circuito fisiológico da memória (sobretudo o sistema límbico); os quais possibilitam
relacionar palavras com palavras, imagens, atitudes, qualidades, considerando que a emoção está
envolvida nesse processo. Reflita com seus alunos como a expressão da emoção pode variar de cultura
para cultura e muitas vezes dentro do próprio país. Exemplo disso é a cor azul (blue) representar tristeza
para os americanos e para nós brasileiros ter um sentido alegre, como a cor do céu de puríssimo azul.
O Sistema Límbico é um grupo de estruturas que inclui hipotálamo, tálamo, amígdala,
hipocampo, os corpos mamilares e o giro do cíngulo. Todas estas áreas estão envolvidas na
produção e interpretação das emoções, assim como nos processos de memória e aprendizado.
Por isso, professor, refletir junto com seus alunos sobre construções que envolvem metáforas e
comparações é importante para que eles possam compreender seus usos e explorá-los; o que
possibilita um refinamento de como falam, em certas situações, de como escrevem, em certos
gêneros discursivos, e, de como interpretam diferentes tipos de textos que se beneficiam dessas
figuras de linguagem.
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Atividade 4: Interjeições
Puxa vida!
Hey! Psiu... É, você mesmo! Você sabe o que são interjeições? Ah, não? Bom, na verdade
acho que você apenas não liga o nome ao fato, pois certamente usa interjeições muitas
vezes em seu dia-a-dia. Nesse texto mesmo já apareceram várias interjeições: Hey, psiu,
ah.
As interjeições são palavras invariáveis, ou seja, não sofrem flexões como os nomes
(gênero, número e grau) ou os verbos (número, pessoa, tempo, modo). Elas são usadas
para exprimir sensações e emoções, ou ainda para agir sobre um interlocutor, dando-lhe
alguma informação ou ordem de forma rápida, sem que para isso seja necessária uma
sentença completa.
Por exemplo, em um show de música, quando as pessoas gritam “Bis”, o cantor já sabe
que aquilo significa que a platéia gostou da apresentação e está pedindo para que
toquem mais uma música. Não é preciso que as pessoas gritem tudo isso “A apresentação
foi muito boa, toquem mais uma vez, por favor”, pois ao dizer “Bis” o que se quer dizer
já é dito.
Como a interjeição é usada para exprimir uma sensação ou emoção, ela está bastante
relacionada à entonação que lhe é dada quando é usada na fala. No texto escrito, às
vezes pode ser mais difícil reconhecer o sentido de determinada interjeição e, para isso,
é preciso recorrer ao contexto em que ela aparece.
Se alguém simplesmente escreve “Puxa” em um texto, ou em uma conversa na internet,
não sabemos se está querendo expressar euforia ou decepção. Mas é possível reconhecer
esse sentido se ele vier acompanhado de uma outra frase. Veja as duas situações abaixo:
Puxa! Esse filme é muito bom!
Puxa! Achei que meu time ia ganhar, mas não foi dessa vez!
No contexto fica claro que, apesar de ser a mesma interjeição, na primeira frase ela
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expressa alegria, euforia, enquanto na segunda o sentimento é de decepção com o fato
de o time ter perdido o jogo.
Algumas palavras acabam se tornando interjeições com o passar do tempo. É o exemplo
de “Nossa Senhora”, que muitas vezes usamos como uma expressão de espanto, por
exemplo, sem nos dar conta de que se refere à mãe de Jesus. Outras expressões que se
tornaram interjeições são os palavrões, que são usados mais para expressar um
sentimento do que em seu sentido literal. Por exemplo, se você bater o dedo mindinho
do pé na quina da mesa, é pouco provável que você diga “Como fui lerdo, bati meu dedo
na quina da mesa e está doendo muito”, preferindo dizer um palavrão que expresse ao
mesmo tempo dor e indignação com a situação e que sai quase que inconscientemente,
como um reflexo à dor.
As interjeições, portanto, podem ser formadas apenas por sons (oh, ah, hmmm), por
uma única palavra (oba, ufa) ou por mais de uma palavra (meu Deus, puxa vida), em que
temos uma interlocução interjetiva. Para saber mais, veja a tabela de interjeições.
Sentimento
Alegria
Advertência
Afugentamento
Alívio
Animação
Aplauso e comemoração
Chamamento
Desejo
Dor ou Sofrimento
Espanto ou surpresa
Impaciência
Silêncio
Agradecimento
Desculpa
Despedida
Dúvida
Suspensão
Medo ou terror
Interjeições
Ah!, Oh!, Oba!, Viva!, Eba!, Ora!, etc.
Cuidado!, Atenção!, Alerta!, Alto lá!,
Calma!, Olha!, Fogo!, etc.
Fora!, Rua!, Passa!, Xô!, Arreda!, Roda!,
Toca!, Xô pra lá!, etc.
Ufa!
Avante!, Vamos!,Coragem!, Eia!, Upa!,
Firme!, etc.
Bravo!, Bis!, Mais um!,Viva!, Muito bem!,
Parabéns!, etc.
Alô!, Olá!, Pst!, Oi!, Ó!, Psiu!, Hey!,
Socorro!, Olha!, etc.
Tomara!, Quem dera!, Queira Deus!,
Pudera!, Oxalá!, etc.
Ai!, Ui!, Ai de mim, etc.
Puxa!, Oh!, Xi!, Ué!, Ah!, Ih!, Uau!, Opa!,
Caramba!, Gente!, Céus!, Uai!, Hein!, Hã!,
etc.
Hum!, Aff!, Ai, ai!, etc.
Silêncio!, Psiu!, Quieto!, Xiu!, etc.
Graças a Deus!, Obrigado!, Obrigada!,
Agradecido!, Valeu!, etc.
Perdão!, Desculpa!, etc.
Adeus!, Até logo!, Bye Bye!, Tchau!, etc.
Hum?, Hein?, Ãh?, etc.
Alto!, Basta!, Chega!, etc.
Credo!, Cruzes!, Uh!, Ai!, Jesus!, Ui!, etc.
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Prática em sala de aula
Em conversas na internet, seja em chats ou em programas de mensagem instantânea, é
bastante comum o uso de emoticons, junção das palavras em inglês emotion (emoção) e
icons (ícones). Os emoticons, portanto, servem para exprimir uma emoção por meio de
imagens (desenhos) ou por meio de símbolos. Por exemplo, se alguém fica triste ao ler
uma mensagem, ele não precisa escrever “fiquei triste”, pois pode mandar um emoticon
que represente esse sentimento:
Levando isso em consideração, podemos dizer que os emoticons cumprem na linguagem
escrita um papel semelhante às interjeições, uma vez que expressam sentimentos, sem
que para isso seja preciso escrever uma sentença inteira.
Nessa atividade, primeiramente, você deve relacionar as interjeições aos emoticons que
expressem o mesmo sentimento ou emoção; em seguida, escreva um diálogo utilizando
pelo menos quatro dos emoticons abaixo. Vamos lá?
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
Resposta esperada
1. e; 2. d; 3. h; 4. b; 5. c; 6. a; 7. f; 8. i; 9. j; 10. g.
a.
f.
Ai de mim!
(sofrimento)
Oh!
(espanto)
b.
g.
Valeu!
(Agradecimento)
Xiu!
(Silêncio)
c.
h.
Alô!
(Chamamento)
Ãhm?!
(Dúvida)
d.
i.
Ufa!
(Alívio)
Basta!
(Suspensão)
e.
j.
Eba!
(Alegria)
Viva!
(Comemoração)
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Como se trata de frases elaboradas pelo aluno não há uma única resposta possível. Damos um exemplo do
que queremos com essa atividade:
Diálogo entre Pedro e Carolina:
Trim, trim, trim... (telefone tocando)
Pedro: - Alô!
Carolina: - Eu vi o que aconteceu com você hoje quando atravessava a avenida em frente à escola...
Pedro: - Ai de mim! Eu quase fui atropelado...
Carolina: - Ufa! Ainda bem... Só te liguei para saber como você está.
Pedro: - Valeu!
Comentário para o Professor
É interessante, professor, que você chame a atenção de seus alunos para como usam e ouvem interjeições
em seu dia-a-dia, expressando diferentes tipos de emoção e atitudes. Na fala, seu uso é mais natural, mas
também depende de situações informais ou formais em que cabem certas interjeições e não outras. Na
escrita muitas vezes temos que transformar uma interjeição em muitas palavras que descrevam e/ou
insinuem certos estados de ânimo que não podem ser diretamente mencionados. E isso depende do gênero
de texto em questão. Uma carta de amor é povoada de interjeições; já um ofício, não. Um texto científico
também não. Uma história em quadrinho sim, cujo discurso direto pede sua presença.
Traga para a sala de aula, professor, o fato de que a internet, por ser essencialmente visual e interativa,
inventou um modo de expressar a emoção com os emoticons, recurso criado e muito utilizado pelos
jovens. Por isso, propusemos na atividade relacionar interjeições - que os alunos já usam na fala e
interpretam na escrita - com os emoticons – que os alunos já usam na internet. É muito interessante, no
final do Ensino Médio, os alunos refletirem sobre o uso que fazem das interjeições, na fala e na escrita, e
sobre o que recentemente criaram na internet para expressar as emoções - os emoticons. Seu papel é
fazer essa ponte entre o que vivenciam fora da escola, pela linguagem (fala, leitura, escrita) e o
encaminhamento formal, em termos de conteúdo, que a escola dá a isso.
As interjeições, sendo palavras que expressam emoções, demandam um trabalho conjunto dos três blocos
cerebrais, articulando especialmente os Blocos II e III com estruturas do sistema límbico, que regulam e
orientam nossas emoções. Destacamos, professor, que as emoções têm forte ligação com o aprendizado e
a memória. Quando um aluno está triste, seu sistema de atenção sofre com isso e fica difícil focar para
aprender. Quando os alunos gostam do professor e/ou da matéria têm mais motivação para estudar,
compreender, reter.
Gostaríamos que você, professor, ficasse atento, pensando na sua própria experiência, para o fato de que
nos lembramos mais de coisas, fatos, pessoas, lugares etc. que nos marcaram pela emoção; emoção essa
que pode ser revivida através dos órgãos dos sentidos (visão, audição, paladar, tato, olfato), o que nos faz
relacionar com o mundo e, especialmente, através da linguagem.
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Atividade 5: Duplo Sentido e Ironia
"As pessoas mais felizes do mundo!"
Fonte: http://happiestpeopleever.tumblr.com. Acessado em 20 de julho de 2009.
Você acha que a afirmação feita sobre a foto acima condiz com a realidade nela
apresentada? Se sua resposta é não, você deve saber que na língua portuguesa há um
recurso chamado ironia que torna essa afirmação possível, mesmo no contexto dessa
foto.
A ironia é uma figura de linguagem que consiste na inversão de sentidos daquilo que
queremos dizer. Na foto acima vemos – pelo olhar e pela expressão facial - que as
pessoas não estão felizes e o mais lógico, então, seria afirmarmos isso. Mas no nosso
caso afirmamos o oposto e para isso usamos, como figura de linguagem, a ironia que
entra em ação quando uma palavra ou expressão é usada em um sentido oposto daquele
que é normalmente utilizado. Isso pode parecer confuso, mas usamos esse recurso com
mais frequência do que pensamos.
Imagine que você marca um encontro com um amigo e ele se atrasa. Quando esse amigo
chega, você diz a ele: "Bonito, hein? Atrasado de novo!". Na verdade o que queremos
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dizer é que chegar atrasado não é algo que aprovamos. Não há nada de bonito em se
chegar atrasado. A ironia aqui serve para amenizarmos um pouco aquilo que falamos,
uma maneira de se queixar de forma mais branda. A ironia também pode criar situações
cômicas e é um recurso muito empregado em textos humorísticos.
Um outro recurso que pode ajudar bastante na criação de uma ironia ou de situações
cômicas é o duplo sentido (ouça também o Programa Quem ri seus males espanta).
Sabemos que há palavras e expressões no português que não apresentam um sentido
único. Observe a propaganda abaixo:
Fonte: http://www.filologia.org.br/vcnlf/anais%20v/civ8_08.htm. Acesso em 20 de julho de 2009.
A palavra coroa é usada aqui em dois sentidos: coroa, uma mulher de mais idade (ligada
à presença de um homem idoso na propaganda) e coroa de flores, que se envia à família
de um ente falecido (em associação à palavra funeral âncora da propaganda, que é de
assistência a funeral). Para entendermos o sentido da propaganda precisamos flagrar a
duplicidade de sentidos da palavra coroa. Há um nome para esse tipo de fenômeno:
polissemia (veja também o Programa Vozes da Cidade, episódio 1, Tema Poesia e frases
de pára-choque de caminhão: homonímia e polissemia). Quando há mais de um
significado para uma palavra e a situação deixa margem para que ela seja interpretada
de duas formas, construímos o duplo sentido. Assim, a polissemia auxilia na construção
do duplo sentido.
É importante notarmos que nem todas as palavras polissêmicas caracterizam o duplo
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
sentido. Por exemplo, nas frases: “A coroa cozinha muito bem”, ou “Mandei uma coroa
de flores para os familiares do falecido”, ou ainda, “A coroa da rainha foi roubada”, não
há duplo sentido, porque os contextos de enunciação não dão margem a isso,
diferentemente do que ocorre com a propaganda aqui analisada. Portanto, para que se
trate de duplo sentido, é preciso levar em conta o contexto de enunciação (quem diz o
que, com que propósito, como diz e para quem), bem como o próprio enunciado.
Compreender construções com duplo sentido e ironia requer uma vivência na cultura, no
trabalho do cérebro e da língua - onde se articulam suas dimensões (fonológica, léxicosemântica, sintática, pragmática) – de que participam diversos falantes, que falam, lêem
e escrevem sobre diversos assuntos, vinculados a uma certa realidade, certos valores e
atitudes, se utilizando de diversos gêneros etc. Exemplo disso é a letra da música Panela
Velha na qual se destaca a frase: “não me interessa se ela é coroa, panela velha é que
faz comida boa”, que retrata um homem jovem que valoriza o relacionamento amoroso
com uma mulher mais velha, quebrando um preconceito social contra esse tipo de
relacionamento.
Panela Velha - Sérgio Reis
A nossa vida começa aos quarenta anos,
Nascem os planos do futuro da pessoa,
Composição: Moraezinho e Auri Silvestre
Quem casa cedo logo fica separado,
Tô de namoro com uma moça solteirona,
Porque a vida de casado às vezes enjoa,
A bonitona quer ser a minha patroa,
Dona de casa tem que ser mulher madura,
Os meus parentes já estão me criticando
Porque ao contrário o problema se amontoa,
Estão falando que ela é muito coroa,
Não interessa se ela é coroa
Ela é madura, já tem mais de trinta anos
Panela velha é que faz comida boa
Mas para mim o que importa é a pessoa,
Vou me casar pra ganhar o seu carinho,
Não interessa se ela é coroa
Viver sozinho a gente desacossoa
Panela velha é que faz comida boa
E o gaúcho sem mulher não vale nada
Menina nova é muito bom mas mete medo
É que nem peixe viver fora da lagoa,
Não tem segredo e vive falando à toa
Tô resolvido, vou contrariar meus parentes
Eu só confio em mulher com mais de trinta
Aquela gente que vive falando à toa,
Sendo distinta a gente erra ela perdoa,
Não interessa se ela é coroa
Para o capricho pode ser de qualquer raça
Panela velha é que faz comida boa
Ser africana, italiana ou alemoa,
Não interessa se ela é coroa
Panela velha é que faz comida boa
Fonte: http://letras.terra.com.br/sergio-reis/103195/
acessado em 14 de setembro de 2009
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Prática em sala de aula
Acesse o link http://www.youtube.com/watch?v=_MvywfEPeWQ&feature=related e
assista a um trecho de um episódio do seriado Friends.
a. Transcreva uma frase de algum dos personagens que faz o uso de ironia.
b. Friends é um seriado de humor. A ironia e o duplo sentido são recursos bastante
empregados nesse tipo de produção. A partir do que você aprendeu e com a ajuda
do vídeo assistido, por que você acha que isso acontece?
Resposta Esperada
a. Há muitos momentos que podem ser considerados ironia:
−
“Aquela que olhou para você uma vez porque você tropeçou nela”
−
“Ela tem um vestido de noiva?”
−
“Acho que é perigoso olhar diretamente para eles”.
−
“Ótimo! Só preciso arrumar uma pele nova! Obrigado!”
b. Isso acontece porque o humor trabalha com o que não é dito, mas subentendido. E a ironia e o
duplo sentido são figuras de linguagem que podem ajudar a criar situações em que o que não é
dito tende a revelar algo engraçado. O humor também é uma forma mais branda de revelar
situações problemáticas, assim como o fazem a ironia e o duplo sentido.
Comentário para o professor
Veja, professor, na atividade pleonasmo, na sequência, o que expusemos sobre o funcionamento do
cérebro em situações de humor. A ironia também tem um lado bem e/ou mal humorado. Fala-se uma coisa
querendo dizer outra bem diferente, e sempre com a vantagem de poder desdizer o que se disse. Isso
corresponde a um processo complexo de produção e compreensão do sentido, o que se aprende ao longo
da vida, nas diferentes interações que estabelecemos com diferentes interlocutores, bem como os
diferentes textos que escrevemos e lemos. E todo esse aprendizado está projetado em nosso cérebro em
um constante vai-e-vem em relação às demandas da vida, de forma que possamos dar conta de sua
complexidade.
O cérebro todo participa quando se trata de produzir e interpretar uma ironia. Os dois hemisférios
cerebrais (direito e esquerdo), tanto seu córtex, quanto estruturas mais internas (amígdala), também
trabalham para produzir emoções, como tratamos nos temas Interjeições e Pleonasmo (ver, neste
episódio, as Atividades 4 e 6).
Com a atividade proposta, queremos que o aluno reflita sobre a complexidade de uma construção com
ironia, que não cabe em qualquer texto/gênero, mas deve ser apropriada ao que se pretende. Essa figura
de linguagem, como tantas outras, mostra um refinamento de como se pode usar a linguagem para
determinados fins. Por outro lado, isso abre possibilidades de compreender a ironia, o que dá ao aluno
prazer ao ler e flagrá-la.
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Atividade 6: Pleonasmo
Subir para cima ou descer para baixo
Certamente você já ouviu alguém sendo corrigido por dizer “subir pra cima”, “entrar pra
dentro”, “descer pra baixo”, não é? Geralmente essas expressões, apesar de muito
comuns na linguagem oral, soam estranhas aos nossos ouvidos, pois são redundantes,
repetitivas. O verbo subir, por exemplo, já significa “ir ou levar para cima” (Houaiss) e
não é possível “subir para baixo”. Dessa forma, o “para cima” já está implícito no verbo
subir e não precisaria ser repetido. Nestes casos, dizemos que se trata de um vício de
linguagem, um pleonasmo vicioso. São expressões que, apesar de apresentarem
informações desnecessárias, já estão cristalizadas na nossa língua falada.
Pleonasmo é uma palavra de origem grega que significa superabundância, ou seja,
muito, muito mesmo! E é justamente essa a ideia que ele passa quando empregado em
uma expressão do nosso dia-a-dia: sair para fora; sussurre baixo; voltar atrás; há anos
atrás; escolha opcional; repetir de novo; beco sem saída; ganhar grátis; criação nova;
sorriso nos lábios; coqueiro que dá côco etc. Esses exemplos mostram que a língua
acolhe certas formas e outras não, e que isso depende de fatores de natureza social que
determinam o como dizer, considerando quem diz e para quem se diz. Por isso, nem
sempre o pleonasmo é um vício, algo ruim que deve ser evitado na norma culta de nossa
língua. Veja a expressão certeza absoluta – que todos nós falamos, e não identificamos
como erro ou como um vício de linguagem.
O pleonasmo também pode ser uma figura de linguagem, assim como a metáfora, a
onomatopéia, o eufemismo, e tantas outras. O pleonasmo é literário quando uma
expressão ou ideia é repetida por uma questão de estilo, resultando em um efeito de
ênfase. Esse recurso é bastante usado por grandes escritores. Veja o exemplo abaixo.
"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal"
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
O poeta português Fernando Pessoa, autor desse verso, poderia por certo ter ocultado a
palavra salgado dessa construção, afinal, todo mar já é salgado por natureza. Mas,
observe a consequência da omissão dessa palavra para o sentido do verso.
"Ó mar, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal"
As palavras mar, salgado, sal e lágrimas são relacionadas, de forma brilhante, pelo autor
e acabam criando uma imagem mais forte para o verso, à altura daquilo que Pessoa quer
representar: um tributo aos viajantes e exploradores portugueses que arriscavam suas
vidas em nome da pátria em terras desconhecidas, como o Brasil. Esse efeito de
destaque, portanto, é um toque engenhoso do autor para passar uma ideia que vai muito
além dos significados próprios das palavras que ele escolheu para construir seu verso.
Prática em sala de aula
Não são apenas os grandes poetas que podem se valer dos pleonasmos. Eles também são
utilizados com efeito de humor. Assista ao vídeo, na Internet, no endereço:
http://br.youtube.com/watch?v=Qbm2w_T4laY e identifique cinco construções com
pleonasmo. Transcreva e depois reescreva as construções, identificadas por você como
pleonasmo, de forma a eliminar a redundância desse tipo de construção.
Resposta Esperada
Como exemplo, apresentamos algumas das construções com pleonasmo que constam do vídeo indicado,
eliminando a redundância:
Divida o melão em duas metades iguais – Divida o melão em duas metades
Falta só o acabamento final – Falta só o acabamento
Eu tenho certeza absoluta – Eu tenho certeza
Temos uma vaga, mas o senhor tem que comparecer pessoalmente – Temos uma vaga, mas o senhor tem
que comparecer
Está muito difícil conviver junto com você – Está muito difícil conviver com você
Eu já falei com os seus amigos e todos foram unânimes – Eu já falei com os seus amigos e eles foram
unânimes
Seja qual for o seu problema, você tem que pegá-lo e encará-lo de frente – Seja qual for o seu problema,
você tem que pegá-lo e encará-lo
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Eu já curei aqui uma multidão de pessoas – Eu já curei aqui uma multidão
Você já está no quarto e pode ir embora assim que amanhecer o dia – Você já está no quarto e pode ir
embora assim que amanhecer
Você grita alto – Você grita
Comentário para o professor
Professor, como vimos, o uso do pleonasmo, sobretudo na fala cotidiana, muitas vezes é tomado como
erro e o falante que o utiliza torna-se alvo de preconceito. Veja o diálogo abaixo:
Ouve-se uma gritaria e a mãe fala para o filho: Desce lá embaixo e vê o que está acontecendo!
Pai: Do jeito que você fala esse menino nunca vai aprender a falar direito.
Mãe: Você entendeu, não entendeu? Então, não sacrifica.
O menino desce e a confusão continua.
Mãe: Como você quer que eu fale?
Pai: Direito, senão ele vai falar como sua família. E diplomata, como é o sonho dele, não pode falar
assim!
Mãe: Nem em casa, com a mulher e os filhos? Acho que você está exagerando... assim fica difícil conviver
junto com você.
Pai: Conviver junto? Não tem jeito...
Na fala informal – entre amigos, parentes – é natural usar expressões como descer lá embaixo, conviver
junto, além de usar o presente do indicativo (desce, vê) no lugar do subjuntivo (desça, veja) para formar o
imperativo; o que não deve ser entendido de forma depreciativa. Existem formas diferentes de dizer a
mesma coisa em situações específicas; por exemplo: em uma conversa informal entre amigos diríamos
vamos sair lá fora para ver o que está acontecendo; porém se fossemos dizer a mesma coisa para o diretor
da escola diríamos senhor, vamos sair para ver o que está acontecendo? Na primeira situação o pleonasmo
ocorre em contexto informal; se ocorresse, porém, na segunda situação, que exige um estilo formal, seria
inadequado. Sobretudo no caso de pessoas com pouca escolaridade e que não têm muito contato com
leitura e escrita há predominância de construções típicas de fala.
Veja, professor, que existem também situações formais de fala e escrita em que o pleonasmo ocorre e
nem nos damos conta, porque já foi incorporado pelo uso na língua. Exemplo disso é a expressão superávit
positivo que aparece em textos jornalísticos sobre economia ou em telejornais.
Por outro lado, o uso do pleonasmo pode ser deliberado pelo autor que se serve da repetição, da
redundância como efeito de sentido, o que se pode apreciar na poesia citada de Fernando Pessoa. Esse uso
deliberado é planejado e requer um trabalho específico do cérebro na seleção e combinação de palavras a
31
Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
serviço da sonoridade e do ritmo, o que envolve os dois hemisférios cerebrais e especialmente: o Bloco I
pela atenção, Bloco II pela sonoridade, e o Bloco III no planejamento e execução dessas escolhas e
combinações de palavras.
No vídeo indicado, o pleonasmo é um exemplo de humor, faz-se rir com ele. Vários pleonasmos na fala do
dia-a-dia são proferidos em estilo sarcástico tornando-os ridiculamente óbvios. É obvio ululante que a
língua muda com o passar das gerações, diz Nelson Rodrigues, para afirmar uma verdade evidente que está
mais do que na cara, tão clara que chega a ulular (uivo emitido pelos cães). A apreciação do humor requer
um trabalho do cérebro, mais particularmente do hemisfério direito e do giro para-hipocampal; este
último está envolvido no entendimento do humor nos possibilitando reconhecer o que é ou não é familiar.
Lobo temporal
Fonte: http://static.hsw.com.br/gif/deja-vu-5.jpg
O hemisfério esquerdo também participa do entendimento do humor, mas de forma diferente do
hemisfério direito; aquele dispõe de várias possibilidades associativas feitas com base na análise do
som/acústica, do sentido, da relação entre as palavras, do uso social da linguagem, como também da
entrada visual e espacial.
Portanto, professor, é importante explicar para seus alunos que construções como as que vimos,
envolvendo o uso de pleonasmos, colocam o cérebro em ação; e saber disso abre caminhos para que a
aprendizagem efetivamente ocorra.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Atividade 7: Onomatopeia
TIC-TAC
Você já reparou que algumas vezes imitamos os sons de objetos ou animais quando
queremos nos referir a eles? Por exemplo, no episódio ao qual você acabou de assistir,
Pedro diz “a gente só tem 90 segundos e depois BUM!”. Neste caso, ele usou a palavra
BUM para se referir à explosão que aconteceria caso ele e Carolina não fossem rápidos o
bastante ao ler o mapa. Percebemos isso, pois sabemos que quando algo explode,
escuta-se um barulho semelhante a BUM.
Esse recurso utilizado por Pedro também é uma figura de linguagem e se chama
onomatopéia, que vem da palavra grega onomatopoiía e significa ação de inventar
nomes. Ou seja, cria-se uma nova palavra por meio da imitação do som daquilo a que se
quer referir.
Apesar de onomatopéia ser um nome diferente, é bastante fácil entender o que
significa; geralmente reproduz os sons dos animais, barulhos de elementos da natureza e
também algumas ações dos homens.
Essa figura de linguagem aparece com bastante frequência nas histórias em quadrinhos.
Você já deve ter notado que é comum usar “zzzz” quando alguém está dormindo; “cof
cof cof” para representar tosse; “toc toc toc” quando alguém bate à porta ou “soc, paf,
tóim” quando se bate em alguém. Desse modo, o leitor é capaz de reconhecer
facilmente aquilo que está na cena sem ter que falar. Veja o quadrinho abaixo:
33
Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Além disso, há diversas palavras da nossa língua que acabaram derivando de uma
onomatopéia. Entre elas podemos citar “roncar”, que vem de “ronc”, “piar”, que vem
do som produzido pelos pássaros “piu-piu”, assim como “miar” vem de “miau”.
É interessante ressaltar que, apesar de os animais emitirem os mesmos sons em qualquer
parte do mundo, as onomatopéias criadas podem ser bastante diferentes em cada lugar,
pois cada língua a reconhece e a representa de uma forma. Ou seja, um galo emite
exatamente o mesmo som, esteja ele no Brasil ou nos Estados Unidos, mas aqui no Brasil
dizemos que o galo faz “cocoricó” enquanto a língua inglesa representa esse som como
“cockledoodledoo”. A diferença é ainda maior na representação do som produzido pelos
porcos, que para nós é “oinc oinc”, para os alemães “grunz” e para os japoneses “buu”.
Como exemplo, veja como fica a tirinha acima quando publicada nos Estados Unidos, em
que o que aqui representamos como "tóim", lá se torna "bonk":
Prática em sala de aula
Agora que você já sabe o que é uma onomatopéia, pense em como essa figura de
linguagem está presente em nosso dia-a-dia. Elabore então um texto em que uma
sequência de eventos seja narrada apenas com onomatopéias. Depois que você terminar
de escrever seu texto, troque-o com o de um colega. O desafio de vocês é tentar
descobrir o que as onomatopéias estão descrevendo e ampliar esse texto, escrevendo
uma narrativa.
Resposta Esperada
Não há uma resposta única para esta atividade, mas espera-se que o aluno coloque em prática o
conhecimento adquirido com a leitura realizada anteriormente, e, também, possa refletir sobre a
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
quantidade de onomatopéias presente em nosso dia-a-dia. O fato de os textos serem trocados entre os
alunos faz com que se tenha uma maior preocupação com a compreensão daquilo que se vai escrever, uma
vez que há um interlocutor determinado. Além disso, abre a possibilidade de interferência de um aluno no
texto do outro, o que permite uma análise daquilo que foi escrito e até mesmo uma reescrita do texto
elaborado.
Comentário para o Professor
Queremos destacar, professor, do tema Onomatopéia, que, de modo todo particular, palavras representam
sons de objetos caindo, socos, tapas e beijos, som de animais e barulhos da natureza, ou seja, é um lugar
na língua onde há a relação mais próxima entre som e sentido. O som de um soco - Tóim - motiva sua
representação gráfica; há uma espécie de coincidência entre som e sentido, o que não ocorre com as
outras palavras da língua. A ideia de mesa, por exemplo, não está contida na seqüência de sons M-E-S-A.
Levando isso em conta, no caso da Onomatopéia, figura de linguagem baseada na sonoridade, o que se
escuta é o que é possível pelo sistema sonoro (fonológico) de cada língua, com sua respectiva
representação ortográfica. Uma vez introduzida na língua, ela se engrena na evolução fonética,
morfológica etc., que sofrem as outras palavras (SAUSSURE, 1916/1971); como é o caso do verbo miar
derivado da onomatopéia miau.
Há um trabalho integrado entre os dois hemisférios do cérebro para estabelecer a relação entre o som
derivado da onomatopéia (Hemisfério Direito) a ser representado por uma palavra da língua (Hemisfério
Esquerdo), considerando que há uma relação direta entre som, sentido e representação sonora e gráfica
na língua em questão. O cérebro traduz em palavra (falada e escrita) o que o ouvido escuta. Para isso o
Bloco I tem que estar ativado para que o Bloco II escute o som e o Bloco III o associe com uma
representação sonora e gráfica compatível com aquela língua.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Episódio II
Sinopse
Neste episódio, Pedro e Carolina estão na Praça Vermelha, em Moscou (Rússia). Na
tentativa de acharem a saída, conversam com um menino que vestia a camisa da seleção
brasileira e descobrem que estão em 1970. O menino comenta sobre a ditadura no Brasil
e sai apressadamente. Carolina e Pedro decidem procurar outra pessoa para ajudá-los e
encontram um senhor carregando um livro com uma imagem do cérebro igual a que
tinham visto no mapa que os levou até a Rússia. Intrigados, conversam com o senhor e
descobrem que é Alexander Romanovich Luria, um famoso neuropsicólogo. Ele é quem os
ajudará a encontrar a saída.
Atividades pós-exibição
Atividade 1: Eufemismo
Furou o pneu do ônibus
Você já passou por alguma situação em que tem que tomar muito cuidado com o que
fala para não passar uma impressão errada ou para não ofender alguém? Certamente
podemos nos lembrar de episódios em que precisamos escolher muito bem as palavras
para não sermos mal interpretados. Isso acontece geralmente quando queremos
amenizar uma notícia ruim, ou quando queremos fazer uma crítica sem parecermos
muito severos, ou quando queremos dar um destaque a algo que não tem nada de
extraordinário.
Quando damos esse tratamento à linguagem, usamos um eufemismo. A etimologia dessa
palavra é bastante elucidativa em relação ao seu uso. Ela é originária do grego
euphemismós, que significa, literalmente, falar bem de algo ou alguém.
Na tirinha abaixo, por exemplo, o pai não consegue dar à sua família a notícia de que
perdeu o emprego. Para não chocar as crianças, a esposa sugere que ele se utilize de um
eufemismo, afinal, a implicação de se estar de férias coletivas é uma quase certa
demissão. Essa situação é perfeita para a utilização de um eufemismo, pois há uma
notícia muito delicada para ser passada adiante e há uma amenização do teor do que se
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
quer falar para que o interlocutor não se choque.
Um outro exemplo de eufemismo muito
frequente é a forma como nos referimos
às pessoas de mais idade. Há algum
tempo o termo usado era idoso. Essa
palavra
foi
adquirindo
um
caráter
pejorativo entre os falantes de nossa
língua e surgiu naturalmente um termo
mais oportuno: terceira idade. Mas a
mudança não parou por aí. Hoje em dia
vemos um novíssimo termo circulando: a
melhor idade. O eufemismo funcionou
Fonte: www.adalbertopiotto.wordpress.com
Acessado em 8 de julho de 2009.
aqui como uma forma de amenizar um
termo considerado pejorativo.
O que observamos, então, é que o eufemismo é uma figura de linguagem muito comum
em nosso dia-a-dia e também é usada por grandes autores, basta que a situação peça um
certo cuidado especial da nossa parte.
Prática em sala de aula
Sabemos que na história do descobrimento do Brasil tudo é contado do ponto de vista
dos portugueses. Há outras versões da chegada/invasão desses colonizadores no Brasil.
Com a comemoração dos 500 Anos (da descoberta) do Brasil vieram à tona outros olhares
para o descobrimento. Um deles é o de Fabio de Oliveira Ribeiro, desenvolvido no artigo
“Brasil: 500 anos de guerra aos índios”, publicado em 18 de Abril de 2007, no Jornal de
Debates, vinculado ao Observatório da Imprensa. Leia trechos deste texto para realizar o
que se pede abaixo (versão completa: http://www.jornaldedebates.com.br).
BRASIL: 500 ANOS DE GUERRA AOS ÍNDIOS
Fábio de Oliveira Ribeiro
A história do Brasil começa oficialmente em 22 de abril de 1500, quando a esquadra de Pedro
Álvares Cabral ancorou na baía de Cabrália tomando posse destas terras em nome da Coroa
Portuguesa. Oficiosamente, entretanto, o primeiro a descobrir o Brasil foi o navegador Vicente
Yanes Pizon no ano de 1499.
Como a história depende de documentos escritos, é também em 1500 que começa oficialmente
a história dos índios que viviam no Brasil. História esta que já começa sendo contada pelos
portugueses, pois os índios eram ágrafos.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
O primeiro documento escrito relatando a existência dos nativos é a Carta de Pero Vaz Caminha
a El Rey D. Manuel. A primeira referência de Caminha ao gentio da terra é a seguinte "E dali
houvemos vista de homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo os navios
pequenos disseram, por chegarem primeiro.". O documento revela que antes mesmo de
desembarcarem os navegantes tomaram conhecimento de que a terra era habitada. Em
seguida, a Carta relata detalhadamente o desembarque e o primeiro contato entre o europeu e
o ameríndio.
O primeiro ato português constituiu-se, portanto, na primeira violência contra os povos que
habitavam a terra. É claro que as nações indígenas não conheciam o conceito de posse legado
aos portugueses pelos romanos, mas estavam há séculos ligados à terra de seus ancestrais.
Niéde Guidon informa que a ocupação humana do Brasil data de 12.000 anos, a população
densa no nordeste de 8.000 anos. Depois de tanto tempo de ocupação do solo, pode-se concluir
que os índios tinham direito natural à posse da terra que habitavam.
Mas se os nativos desconheciam semelhantes sutilezas teóricas, os portugueses conheciam-nas
muito bem. Logo, ao avistá-los poderiam concluir que aqueles homens tinham a posse da terra.
Na guerra vale tudo, principalmente a mentira. E os portugueses souberam empregá-la desde o
início. Na sua Carta, Caminha informa El Rey que os índios "... não lavram, nem criam...".
Niéde Guidon relata que a agricultura é praticada no Brasil há 4.000 anos, em todo território
nacional há pelo menos 2.000 anos. Portanto, ao contrário do que escreveu Caminha os índios
lavravam sim e há muito tempo. Através de inverdades como a registrada pela pena de
Caminha os portugueses criaram a imagem do índio preguiçoso, indolente, desleixado, que
ainda hoje combatemos. Foi assim que o europeu conferiu à sua guerra de conquista um caráter
diferente, civilizatório. E agora que completamos 500 anos de história desta guerra movida aos
índios chegou a hora de desmascararmos sua versão ideológica mostrando o que realmente
ocorreu.
Além da mentira, os portugueses recorreram sistematicamente ao uso da força. Já em
24/02/1587 foi promulgada uma Lei tornando obrigatória a presença de missionários junto às
"tropas" de descimentos. "Tropas", como? Se não estavam em guerra com os índios, porque os
portugueses precisavam de "tropas"?
Os descimentos constituem um episódio importante da história desta guerra de conquista.
Consistiam no deslocamento dos povos indígenas do sertão para aldeamentos junto aos
portugueses. Aqueles que resistissem ao convencimento pacífico acabavam sendo conduzidos
(descidos) a força.
Diversos autores assinalam que os índios morriam como insetos nestes aldeamentos, que os
descimentos eram contínuos e foram praticados até o final do período colonial. Assim, os
portugueses foram sem dúvida alguma responsáveis diretos pela hecatombe dos índios através
do contágio por doenças para as quais eles não tinham defesas naturais.
Neste texto o autor confronta a chegada dos portugueses ao Brasil sob dois pontos de
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
vista: o dos colonizadores portugueses (descobrimento) e dos índios (invasão).
Para realizar a atividade, escreva um texto relatando o momento da chegada dos
portugueses ao Brasil sob a perspectiva dos colonizadores, por um lado, e dos índios, por
outro. Em relação ao relato dos portugueses, inclua eufemismos que minimizem o
impacto das ações cometidas por eles para tomar posse da terra então descoberta. Em
relação ao relato dos índios, desfaça esses eufemismos deixando à mostra o que está
acobertado. Veja que a palavra descobrimento está encobrindo, do ponto de vista do
índio, a palavra invasão. Há também o confronto de culturas, sendo a européia mais
prestigiada, do ponto de vista do colonizador. Você pode também usar outras expressões
e figuras de linguagem já estudadas e praticadas em outras atividades para compor seu
texto.
Resposta Esperada
O aluno deve perceber ao construir seu texto que os eufemismos podem ser usados para mascarar uma
situação. Como eles têm a função de amenizar o acontecido, a verdade, muitas vezes o enunciador se vale
de eufemismos para acobertar algo que não quer que fique evidente. Destaca-se que, por isso, a
explicitação do que não se quer revelar fica por conta do interlocutor – e isso pode ser utilizado como um
recurso argumentativo para determinada conclusão.
A composição do texto é livre e o objetivo dessa atividade é fazer com que o aluno saiba
reconhecer/compreender e utilizar eufemismos em nossa língua.
Para exemplificar o relato dos índios em oposição aos eufemismos utilizados no relato dos portugueses
tem-se:
−
invasão no lugar de descobrimento
−
catequizar no lugar de conduzir para o bom caminho
−
ter segundas intenções no lugar de presentear os índios
−
profanação da terra no lugar de boa terra para plantar e colher.
Comentário para o professor
Professor, o objetivo desta atividade é levar o aluno a compreender/reconhecer e usar eufemismos como
já feito com outras figuras de linguagem (metáfora, comparação, hipérbole, ironia, pleonasmo,
onomatopéia). O texto torna-se argumentativamente mais refinado, mais claro, mais consistente quando o
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
aluno utiliza construções frasais com certas figuras de linguagem que dão vida ao que se quer amenizar,
ressaltar, comparar, parodiar etc. Tais construções demandam um trabalho lingüístico-cognitivo (que
envolve o cérebro, a linguagem e os demais processos cognitivos) tanto com a língua enquanto sistema de
relações, quanto com a memória (na escolha das palavras, expressões, relações lógico-gramaticais que
articulam frases em unidades maiores), com o foco da atenção e com o raciocínio para elaborar um bom
texto, que requer, também, por parte do leitor, uma tarefa interpretativa tão complexa quanto. Para
escrever e interpretar os fatos é interessante que se tenha conhecimento de várias disciplinas - como
português, história, geografia, matemática, filosofia, biologia, química, física, dentre outras, bem como
de várias versões sobre os acontecimentos e fatos históricos – e os articule tanto para escrever quanto
para falar e ler com sentido.
Esta atividade, professor, remete ao Tema Escrever e Argumentar deste Programa (ver Episódio III,
Atividade 7) cujo objetivo é levar o aluno do terceiro ano do Ensino Médio a construir textos bem
argumentados, articulados, interessantes, que despertem no leitor a vontade de ler e no autor a vontade
de escrever. Observe que o domínio do uso do eufemismo requer que se compreenda o que não é possível
dizer por alguma razão, o que está implícito. Por exemplo, quando uma pessoa muito gorda nos pergunta
se engordou depois das férias, para não magoá-la, podemos dizer que ela não emagreceu; por outro lado,
para uma pessoa que não é simpática com ninguém poderíamos responder você deu uma engordadinha...
Outro exemplo: a ditadura militar é chamada de governo militar pela direita brasileira justamente para
minimizar as atrocidades cometidas a mando dos militares, durante esse regime de exceção que
perseguiu, torturou, censurou, assassinou.
A intenção de apresentar aos alunos duas visões de um mesmo fato histórico – a chegada dos portugueses
no Brasil – é propor duas visões de um mesmo acontecimento histórico: o ponto de vista do vencedor e do
vencido. Saber compreender e usar o eufemismo (assim como outras construções), articulando-o ao
conhecimento aprendido na escola e na vida, traz ao texto um refinamento e uma complexidade que é o
que se espera do aluno nesse nível de formação. Aprender a função de uma figura de linguagem é saber
utilizá-la, para que isso não se torne mais um saber que não se sabe para que serve, ou seja, para que não
se torne mais um conteúdo escolar sem sentido.
O vestibular, o mercado de trabalho, a própria vida - todos demandam um domínio sobre a escrita de
diferentes gêneros e dirigida a diferentes interlocutores, o que, por sua vez, como já insistimos no Tema
Escrever e argumentar, tem efeitos importantes na fala, na leitura e na vida do próprio aluno.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Atividade 2: Pontuação
O que se fala e o que se escreve
Quando precisamos deixar em casa um recado para nossos pais, ou avisar alguém que
vamos chegar tarde, ou que fomos à casa de um amigo, costumamos escrever essa
mensagem em um papel e deixar em lugar visível. Já tivemos, com certeza, a
experiência de que não adianta escrever e deixar em um lugar que ninguém vê. As
mensagens digitais ou telefônicas também facilitam nossa vida quando são
lidas/ouvidas a tempo.
O homem diante da necessidade de estabelecer contato com alguém ausente
fisicamente e de registrar os conhecimentos adquiridos se preocupou em criar um meio
durável para fazer isso. Um meio que permaneça resistindo à distância e ao tempo: a
escrita. Por exemplo, a carta de Pero Vaz Caminha (escrivão da armada de Pedro
Álvares Cabral), enviada do Brasil para Portugal, em 1500, viajou meses por além mar.
Já a permanência da escrita no tempo permite a ampliação, a revisão dos
conhecimentos que se tem em determinada época: para os antigos egípcios o coração
era o órgão mais importante do corpo humano porque ele administrava tanto o
organismo, a moralidade quanto a espiritualidade. O registro disso em hieróglifo,
muitos anos antes de Cristo, contribuiu para que a medicina avançasse nos estudos do
coração e descobrisse que não é bem assim: o cérebro está no comando orgânico,
gerenciando, inclusive, o coração.
Não se pode deixar de considerar que algo que é escrito no presente se torna passado
para as gerações futuras. A escrita tem, então, uma função de memória permitindo que
o presente se concretize, o passado seja revisitado e o futuro projetado. Nas áreas da
saúde e educação, na política, na esfera judicial e econômica, a escrita é
importantíssima porque só vale o que está escrito. Isso tudo, como estamos vendo
nesses episódios, caracteriza o cérebro como histórico, marcado por modificações
estruturais e funcionais que se ajustam aos desafios do conhecimento e das práticas
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
vivenciadas em sociedade. Para dar conta da complexidade da vida como a nossa é
preciso que o cérebro seja um sistema também complexo e equipado para se ajustar,
se modificar, se estabilizar, se regenerar, aprender, associar, criar, descobrir novos
caminhos. Isso é o que se chama de plasticidade, ou seja, a possibilidade de se adaptar
constantemente a mudanças (TAYLOR, 2006/2008). Assim é que - com a linguagem,
sofisticada pela escrita - o cérebro humano modificou suas estruturas internas para
lidar cada vez mais e melhor com ela; mobilizando as chamadas funções psíquicas
superiores (linguagem, memória, percepção, atenção, gestos, raciocínio intelectual,
cálculo), sendo a principal delas a linguagem verbal, a fala, naturalmente presente na
convivência humana, bem como a leitura e a escrita, em um aprendizado formal
posterior.
Como registrar na escrita o que eu pretendo que o interlocutor entenda do que eu falo?
Se é pergunta, solicitação, ordem, bronca, elogio, afirmação, negação, ironia, o que se
revela muitas vezes para além das palavras. Buscando soluções para enfrentar a
distância e refinar o registro escrito em prol de uma compreensão possível, a escrita foi
sendo marcada para representar a relação direta mantida na fala e representada pela
entonação. Foi assim que sinais gráficos (...;:!?@&) foram introduzidos na escrita;
pontuar significa, para o cérebro, representar, na escrita, o como se fala, separando e
articulando
partes
do
texto
que
formam
um
todo
consistente
a
ser
interpretado/compreendido por outros.
Como ponderam Abaurre e Pontara (2006), os sinais de pontuação podem indicar tanto
pausas, como delimitar, na escrita, unidades que, na fala, costumam vir associadas a
entonações específicas. Isso para nós constitui a dança da fala em seus vários matizes.
Isso exige do nosso aparato fonoarticulatório (nariz, boca, língua, dentes, laringe,
pulmão, músculos, etc.) o controle das musculaturas que participam da respiração e da
fonação responsáveis pelo ritmo das pausas breves e longas da língua falada; fôlego
para emitir unidades de sentido mais extensas; marcação de curvas ascendentes
(pergunta) e descendentes (afirmação, ordem) e ainda intensidades variadas (para
marcar alegria e braveza, por exemplo) que participam do sentido a ser veiculado. O
corpo está envolvido na dança da fala também pelas expressões faciais, pelos gestos
com as mãos e pela posição do corpo no espaço. Os vários contornos entonacionais que
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
damos a nossos enunciados verbais (tom de pergunta, de exclamação, de ordem, de
irritação, de alegria etc.), que são específicos de cada língua, são representados pelas
várias marcas de pontuação que, na leitura, por sua vez, são materializados e
responsáveis por uma leitura com sentido, com cadência, diferente daquela leitura
monótona, sem contorno, pela qual fica difícil a compreensão. Essa leitura com ritmo é
a dança da escrita que abriga também vários tons representados por um conjunto de
sinais gráficos e ocupações do espaço escrito.
Prática em sala de aula
A par disso, lembre-se de que a escrita de Pedro no momento que registrou a fala de
Carolina guarda marcas de uma escrita rápida, descuidada de seu aspecto formal, no
caso, sem atentar para as normas ortográficas e a pontuação. Por vezes, a falta de
pontuação na escrita, ou sua presença entre unidades que não se separam, pode levar a
mal-entendidos ou à incompreensão do que foi escrito.
Em algumas situações, pontuar de forma diferente, mas atribuindo sentido e
respeitando princípios gerais da pontuação como não separar termos que se relacionam
sintaticamente (os chamados termos essenciais da oração: sujeito e verbo) é um
recurso do escritor que sofistica a forma de o leitor compreender a relação entre os
personagens e seu narrador. Considere que às vezes é preciso escrever com palavras
para indicar, por exemplo, um estado emocional. “Saia daqui! - disse ele irritado”, diz
mais do que “Saia daqui!”. Nesse caso, o ponto de exclamação pode indicar vários
sentimentos e estados de espírito, cabendo ao texto explicitar a função desse sinal.
Textos destinados ao teatro e ao cinema, como uma espécie de roteiro, apresentam
entre parênteses o tom que o personagem deve imprimir à sua fala. Exemplos disso são
os textos: Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto; Ópera do malandro, de
Chico Buarque e Liberdade, liberdade, de Flávio Rangel e Millôr Fernandes.
Leia o trecho abaixo de A caverna, do escritor português contemporâneo José
Saramago, e perceba a forma singular de como a fala vem representada na escrita.
(...) Como lhe correu a manhã, perguntou Marta, Bem, o costume, respondeu o pai baixando a
cabeça para o prato, Marçal telefonou, Ah sim, e que queria ele, Que tinha estado a falar
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
consigo sobre irmos viver para o Centro quando for promovido a guarda residente, Sim,
falávamos nesse assunto, Estava aborrecido porque o pai tornou a dizer que não concorda,
Entretanto pensei melhor, acho que vai ser uma boa solução para ambos, O que é que o fez, de
repente, mudar de ideias, Não quererás continuar a trabalhar de oleira para o resto da tua
vida, Não, embora goste do que faço, Deves acompanhar o teu marido, amanhã terás filhos,
três gerações a comer barro é mais do que o suficiente, E o pai está de acordo em ir conosco
para o Centro, deixar a olaria, perguntou Marta, Deixar isto, nunca, está fora de questão,
Quer dizer que vai passar a fazer tudo sozinho, cavar o barro, amassá-lo, trabalhar à bancada
e ao torno, acender o forno, carregá-lo, desenforná-lo, limpá-lo, depois meter tudo na
furgoneta e ir vender, recordo-lhe que as coisas já vão sendo bastante difíceis apesar da ajuda
que nos dá Marçal no pouco tempo que cá está, Hei-de encontrar quem me auxilie, não faltam
rapazes na povoação, Sabe perfeitamente que já ninguém quer ser oleiro, aqueles que se
fartam no campo vão para as fábricas da Cintura, não deixam a terra para vir para o barro,
Mais uma razão para que largues isto, Não está a pensar que o vou deixar aqui sozinho, Vens
ver-me de vez em quando, Pai, por favor, estou a falar a sério, Eu também, minha filha.
Agora, reescreva esse trecho colocando as pontuações de acordo com o que se faz
tradicionalmente na escrita e identifique quem diz o que, se é Marta ou seu pai,
quando não especificado. Considere que assim como podemos falar de várias formas
sobre uma determinada coisa também podem existir várias versões escritas de um
mesmo texto. Mas não é qualquer coisa que se pode falar sobre determinado assunto,
nem tampouco escrever. Há um limite para a construção do sentido.
Resposta esperada
(...) Como lhe correu a manhã? – perguntou Marta. Bem, o costume - respondeu o pai baixando a cabeça
para o prato. Marçal telefonou (Marta). Ah sim, e que queria ele? (pai) Que tinha estado a falar consigo
sobre irmos viver para o Centro quando for promovido a guarda residente (Marta). Sim, falávamos nesse
assunto (pai). Estava aborrecido porque o pai tornou a dizer que não concorda (Marta). Entretanto
pensei melhor, acho que vai ser uma boa solução para ambos (pai). O que é que o fez, de repente,
mudar de ideias? (Marta). Não quererás continuar a trabalhar de oleira para o resto da tua vida (pai).
Não, embora goste do que faço (Marta). Deves acompanhar o teu marido, amanhã terás filhos, três
gerações a comer barro é mais do que o suficiente (pai). E o pai está de acordo em ir conosco para o
Centro, deixar a olaria? - perguntou Marta. Deixar isto, nunca, está fora de questão! (pai) Quer dizer
que vai passar a fazer tudo sozinho, cavar o barro, amassá-lo, trabalhar à bancada e ao torno, acender o
forno, carregá-lo, desenforná-lo, limpá-lo, depois meter tudo na furgoneta e ir vender? Recordo-lhe que
as coisas já vão sendo bastante difíceis apesar da ajuda que nos dá Marçal no pouco tempo que cá está
(Marta). Hei-de encontrar quem me auxilie, não faltam rapazes na povoação (pai). Sabe perfeitamente
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
que já ninguém quer ser oleiro, aqueles que se fartam no campo vão para as fábricas da Cintura, não
deixam a terra para vir para o barro (Marta). Mais uma razão para que largues isto (pai). Não está a
pensar que o vou deixar aqui sozinho?! (Marta). Vens ver-me de vez em quando (pai). Pai, por favor,
estou a falar a sério! (Marta) Eu também, minha filha! (pai)
Comentário para o professor
Professor: nosso objetivo com essa atividade é refletir sobre a relação entre fala e escrita mediada pela
entonação e pontuação. Os diferentes aspectos envolvidos na construção do sentido e de sua
compreensão na fala são representados pela entonação, o que nos leva a reconhecer como próprio o
ritmo de cada língua; e na escrita isso se dá pela pontuação. Os diferentes sinais de pontuação habitam
os diferentes textos de modos também diferentes. Em uma fábula o travessão é mais utilizado para
marcar o diálogo dos personagens do que em um romance ou em um texto de ficção nos quais isso vem
anunciado de outra forma, sem o travessão, por exemplo. Iniciantes de escrita ou pessoas que escrevem
e lêem pouco frequentemente separam sujeito de verbo com vírgula e isso talvez se dê porque
justamente respiram e fazem uma pausa depois do sujeito, momento em que se dá a colocação da
vírgula. De nada adianta rezar a regra (não se separam termos essenciais da oração), ter o saber
metalingüístico, mas não o aplicar na vida real, ou seja: repetir a regra e separar sujeito de verbo. É
importante destacar que nem sempre a respiração indica que deve ser colocado um sinal de pontuação;
na verdade é o sentido a melhor estrela guia da pontuação que mantém juntos termos que se relacionam
diretamente, que se encaixam em outros, o que corresponde a vir entre vírgulas, intercalado. Por isso,
professor, é importante ler para os alunos, fazendo uma leitura semântica, isto é, interpondo pausas
entre unidades de sentido, articulando unidades de sentido com ritmo específico, destacando com picos
de intensidade um contorno entonacional que representa um determinado sentido implícito, uma ironia,
por exemplo.
Gostaríamos, ainda, professor, de correlacionar entonação/pontuação/respiração com funcionamento
cerebral. Respirar bem, oxigenar o cérebro, ajuda a se manter em alerta, com o Bloco I ativo, o que por
sua vez é importante para a busca do sentido e para o aprendizado. O Bloco II ativo faz com que você
reconheça o que lê e busque associar e relacionar para compreender o escrito. O Bloco III faz com que
você se torne um melhor leitor porque lê e porque busca pelo sentido enquanto lê.
Leitura de texto literário, como o de Saramago utilizado na atividade, pode, inicialmente, causar
estranhamento, por utilizar recursos não usuais para marcar a pontuação. Entretanto, à medida que nos
aventuramos na leitura, e entramos no ritmo da língua, a ausência da pontuação que, à primeira vista, o
leitor estranha, começa a se tornar parte integrante do texto que vamos percebendo como familiar.
Assim é que se manifesta a plasticidade cerebral. A escolha desta atividade tem, também, o objetivo de
ressaltar que não existe uma só maneira de pontuar, de ocupar o espaço escrito; há variabilidade nisso,
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com efeitos no sentido. É o que podemos constatar no célebre exemplo abaixo:
Um homem rico, à beira da morte, deixa o seguinte testamento: “Deixo meus bens a minha
irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do alfaiate nada aos pobres”.
Existem várias possibilidades de sentido a depender de quais e do lugar em que os sinais de pontuação
serão utilizados:
1. Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho, jamais. Será paga a conta do alfaiate.
Nada aos pobres.
2. Deixo meus bens a minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada
aos pobres.
3. Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho, jamais; será paga a conta do alfaiate?
Nada; aos pobres!
4. Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada
aos pobres.
Finalizando, professor, acrescentamos ainda aqui dois temas que costumeiramente aparecem quando se
trata de fala e respiração, lembrando que a fala acontece na saída do ar, na expiração da respiração. O
primeiro tem a ver com a gagueira ou disfluência que erroneamente pode ser vista como um problema
da criança em coordenar sua respiração e produção da fala. A gagueira está relacionada com a
dificuldade de o sujeito lidar com a produção da fala no seu próprio discurso. Ou seja, o gago ou
disfluente não gagueja cantando ou representando uma fala de outra pessoa, no teatro, por exemplo.
Para dar conta da produção de seu próprio discurso, o gago faz um esforço que altera fundamentalmente
o ritmo da fala, descaracterizando seu ato continuo. Interrompe quando deveria seguir. A ocorrência da
gagueira ou disfluência é complexa e pode envolver desde o descompasso entre o que o sujeito fala e o
que escuta da própria fala (seu retorno acústico) até questões emocionais.
O outro tema é a disfonia funcional, tão comum entre os profissionais que lidam com a voz. Nesse caso,
sim, a coordenação pneumofônica tem papel fundamental. A disfonia funcional é o resultado do abuso
vocal cometido a cada vez que uma pessoa fala mais do que o seu suporte aéreo é capaz de sustentar.
Assim, a pessoa continua falando sem uma medida de ar adequada, desencadeando com esse ato
compensações vocais e musculares: fala mais alto porque tornando a voz mais aguda pode ter a (falsa)
impressão de conseguir falar melhor; tensiona os músculos do pescoço para ajudar as cordas vocais a
trabalharem. A resolução deste tipo de problema está em aprender a coordenar o uso da voz e da
respiração desarticulando os apoios vocais e musculares inadequados.
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Atividade 3: Oralidade e Escrita
A fala na escrita e vice-versa
A fala aconteceu antes da escrita na história da humanidade e, em geral, as crianças do
mundo todo, até os 3 anos de idade, têm o domínio da língua materna. Diversas
necessidades do homem ao longo de sua história de vida o levaram a falar com o outro que também fala com ele - para partilhar trabalho, medo, afeto, humor, alegria,
organização social, cultura, entre outras coisas, o que modificou sua dinâmica cerebral,
estruturas e funções. Exemplo disso é a assimetria entre os dois hemisférios cerebrais
produzida pela predominância do hemisfério esquerdo para a linguagem (Para Saber Mais
veja o quadro Especialização Hemisférica, no final desta atividade).
A linguagem promoveu um salto qualitativo em nosso cérebro, caracterizado por Luria
(1979) como o que diferenciou o homem dos animais. Foi, portanto, o homem que
elaborou a linguagem tal como se conhece hoje, com tantas línguas faladas e escritas no
mundo. A escrita, como vimos no Tema Pontuação, se aprende em geral na escola, no
que diz respeito principalmente a aspectos formais. Esse é um dos principais papéis da
escola.
Quando iniciamos esse aprendizado, e fazendo parte de uma sociedade letrada, todos
nos baseamos para escrever na nossa própria fala, depois vamos estabelecendo uma
relação particular com as normas e recursos da escrita/leitura que se mostram em
diferentes momentos e vivências. Por que iniciantes de escrita/leitura fazem erros de
ortografia/pronúncia tão parecidos? Na escrita, usar u no lugar de o (no final de sílaba),
usar dois ss no lugar de c ou ç, x no lugar de ch, dentre outros, é previsível porque - no
sistema alfabético que usamos para escrever - a relação entre som e letra não é única.
Pode-se ter um mesmo som representado por várias letras como é o caso do som da letra
s que pode ser escrito com ss, sc, c, e ç. Dada a heterogeneidade entre som e letra,
mediada pelas leis da ortografia que vigoram em uma determinada época, é que na
escrita de Pedro, feita rapidamente, observamos construção com dois Esses, seta com Ce
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e nem por isso se trata de patologia.
É importante ressaltar que tanto a fala quanto a escrita e a leitura são guiadas pelo
sentido. É o sentido que conhecemos pela fala e que exercemos na família, no bairro, na
igreja, na escola, por exemplo, que reconhecemos nos textos que lemos e escrevemos.
Quando lemos palavras que nunca escutamos, para saber o que significam temos que
procurar no dicionário ou perguntar para alguém ou ainda tentar inferir seu sentido pelo
contexto. Quando uma leitura é silabada ou apresenta problemas de reconhecimento das
letras, fica difícil, às vezes, descobrir de qual palavra/sentido se trata. Há um
estranhamento que se reflete no modo de ler a palavra.
A palavra na fala tem um ritmo e um tempo diferente da escrita e da leitura. A leitura
silabada da palavra janela, por exemplo, faz com que a criança altere sua sílaba tônica
[ja-nê-la], a ponto de não reconhecer de imediato a palavra [janela]. A relação entre
fala, leitura e escrita se mantém por toda a vida, sendo mais forte nos momentos em
que o sentido não se realiza de pronto e em que falar em voz alta e/ou escrever ajuda
no seu reconhecimento. Talvez a mais íntima relação entre letra e fala aconteça na
soletração (Para Saber Mais veja o quadro Soletração ao final desta atividade): dizer o
nome da letra selecionada, colocá-la sob as regras da escrita, combinando-a numa
determinada sequência para formar uma palavra da língua, ao mesmo tempo em que é
preciso apagar certos elementos que compõem o nome da letra para poder escrever a
letra (não se escreve agá, mas H; nem eme, mas M).
Para escrever bola o sujeito tem que manter o b, apagar o e do nome da letra b,
combiná-lo com a letra o, apagar o e inicial e final do nome da letra ele, e, por fim,
juntar a letra a, caso contrário ficaria /beoelea/. Isso aconteceria se escrevêssemos
tudo o que falamos. Saber soletrar uma palavra e escrevê-la significa manter certas
letras e apagar outras, o que acaba se tornando automatizado - isso porque
cerebralmente tantas vezes os neurônios percorrem um mesmo caminho que ele é
facilmente recuperado, sem precisar pensar; é como andar, chutar bola, nadar, falar. É
importante destacar que soletrar é uma atividade metalinguística que incide sobre o
escrever e não sobre a própria escrita; isso porque não se escreve diretamente o que se
soletra, mas há uma correspondência entre o nome da letra e sua representação gráfica
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que é aprendida na vida escolar.
Mas queremos chamar sua atenção para uma reflexão que ao final do Ensino Médio é
interessante de ser feita. Tem sido frequente na atualidade atribuir ao não domínio da
ortografia um dos sintomas de patologia, especialmente a dislexia, mas também o
transtorno do déficit de atenção, com e sem hiperatividade, sendo que isso será
discutido nos Temas Dislexia? e Déficit de Atenção? (ver neste episódio, as Atividades 5 e
6).
O modo como Pedro anota as informações que Carolina dita mostra a presença da fala na
escrita (veja também o Programa Causos e falas daqui e dali, episódio 1, Tema Falar e
Escrever: Oralidade e escrita; e o Programa Vozes da Cidade, episódio 2, Tema O
funcionamento diverso da oralidade e da escrita). Pedro não escreve qualquer coisa, há
uma lógica em suas decisões ao formular hipóteses para escrever que mostram seu
cérebro ativo e despreocupado com questões formais porque se trata de anotações feitas
só para si, escritas rapidamente para poderem ser recuperadas. Destacamos que
habitamos a linguagem de forma diferente, em determinadas situações estamos mais na
fala, em outras mais na escrita, mais na leitura e nunca as confundimos.
A escrita utilizada em sites de bate-papo, o internetês, tem sua razão de ser: a rapidez,
a economia, a relação entre o som da palavra, o nome da letra e sua forma gráfica, a
inserção de símbolos para representar emoções. Na escrita de Pedro algumas dessas
características estão presentes: destaque com Ka, ponto como pto, e é como eh. É
interessante observar que quem sabe abreviar sabe também escrever a palavra por
extenso, e, que cada um desses registros escritos tem seu lugar e hora para acontecer,
da mesma forma que ocorre com a fala, cujo registro também pode variar em função da
situação social, considerando quem fala e para quem se fala.
Leitores e escreventes que têm bastante familiaridade com a leitura e com a escrita
podem ter dúvida de como se escreve uma palavra, tendo em vista a relação entre som e
letra que se tem na convivência do cotidiano da língua em que predomina a fala. Tudo
isso mostra que a língua em funcionamento é aberta a múltiplos usos e sentidos,
tratando-se de fala ou de escrita/leitura (COUDRY e FREIRE, 2005).
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Prática em sala de aula
A língua portuguesa tem passado por reformas (1911, 1971) e acordos ortográficos (1945,
1975, 1990) que alteram certas formas de escrever. Leia os textos abaixo e observe
como se escreve diferente das regras escritas atuais. Reescreva os textos nos moldes
atuais, considerando a recente reforma de 2009. Compare as mudanças e veja que o que
é considerado erro hoje – e até sintoma de patologia – já foi considerado correto.
No Almanaque Eu sei ler - leitura e scenas infantis – encontram-se várias palavras
escritas que se tomadas hoje seriam sintomas de patologia: scenas; creanças; creada;
jornaes; cahiram; sahiram; theatro; cousa; phantasmas, fazel-o; vel-o; impoz; poz.
Em espumas fluctuantes, de Castro Alves, edição de 1938, temos: céo; somnolento;
abysmos; espheras; sympathico; elle; vivêra; sepulchraes.
Num documento de 1725, transcrito em Tempos Lingüísticos (Ática, 1990), de Fernando
Tarallo, podem-se encontrar grafias como apartir; seachar; nemseatreve; oobrigaraõ;
etc. Vejam um trecho desse documento: Estes Frades Sr. Filhos do Reyno foraõ origem
com aalternativa, assim da desordem em q. seacha asua relligiaõ como das parcialidades
emque ardem os seculares desta terra interessados na ordem 3a.
Resposta Esperada
No Almanaque Eu sei ler - leitura e scenas infantis – encontram-se várias palavras escritas que se tomadas
hoje seriam sintomas de patologia: scenas (cenas); creanças (crianças); creada (criada); jornaes (jornais);
cahiram (caíram); sahiram (saíram); theatro (teatro); cousa (coisa); phantasmas (fantasmas), fazel-o
(fazê-lo); vel-o (vê-lo); impoz (impôs); poz (pôs).
Em espumas fluctuantes, de Castro Alves, edição de 1938, temos: céo (céu); somnolento (sonolento);
abysmos (abismos); espheras (esferas); sympathico (simpático); elle (ele); vivêra (vivera); sepulchraes
(sepulcrais).
Num documento de 1725, transcrito em Tempos Lingüísticos (Ática, 1990), de Fernando Tarallo, podem-se
encontrar grafias como apartir (a partir), seachar (se achar), nemseatreve (nem se atreve), oobrigaraõ (o
obrigarão). Estes Frades Sr. Filhos do Reino foram origem com a alternativa, assim da desordem em que
se acha a sua religião como das parcialidades em que ardem os seculares desta terra interessados na
ordem 3ª (...).
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Para saber mais, consulte Possenti (2005), a propósito das grafias de 1725.
Comentário para o professor
Dado que as pessoas falam mais do que escrevem e aprendem a falar antes de escrever é natural que
exista uma forte relação entre fala e escrita e um predomínio da fala sobre a escrita enquanto não houver
uma autonomia da escrita, assim como há sobre a fala. A escola não precisa ensinar ninguém a falar, mas
precisa ensinar todos a escrever. Entretanto, para ensinar a escrever não se deve apagar a variedade de
fala dos alunos, mas ajustá-la aos registros formais de sala de aula, onde o aluno tem a chance de ter
contato com a variedade padrão de fala.
É evidente que se a variedade de fala do aluno for muito distante da variedade padrão, professor, ele
poderá apresentar mais instabilidades ortográficas do que aquele cuja variedade de fala é mais próxima da
padrão, mas nem por isso se trata de patologia. Escrever como Pedro o fez no Bloco de Anotações, a partir
do que Carolina ditou, rapidamente e despreocupado com a forma, ou como vários jovens fazem porque
escrevem e lêem pouco e por isso escrevem não ortograficamente, tem sido considerado erro, geralmente
corrigido pelo professor. Entretanto, a correção do professor não assegura que o aluno irá escrever
ortograficamente. Ortografia se aprende de tanto escrever e ler, e reler o que se escreve. Corrigir é
complexo: é preciso saber o que o aluno tentou escrever para saber como corrigir, não bastando dar a
palavra corrigida. Escrever garda para guarda; otem para ontem tem uma explicação que deve ser
compreendida para que não se tomem erros assim como sintoma de patologia. Não é óbvio para a
criança/jovem representar ortograficamente o som /ge/ pela escrita gue ou o som /je/ pela escrita ge.
Isso se aprende com o uso. A representação escrita da nasalidade em português também não é óbvia para
quem não tem autonomia de escrita. Do ponto de vista do aluno, a palavra muito tem uma nasalidade
explícita na fala e isso não é marcado na escrita como poderia ser, por exemplo: muinto. Por isso um
iniciante de escrita ou um jovem que ainda não tem domínio da forma ortográfica pode escrever otem por
ontem e isso não é sintoma de doença.
É importante, professor, considerar que escrever não é só ortografia (COUDRY e FREIRE, 2005; POSSENTI,
2005), há recursos próprios da escrita - explorados no Tema Relações Lógico-gramaticais (ver Episódio 3,
Atividade 3) - desenvolvidos e refinados ao longo da história humana que precisam ser ensinados, tanto
pela leitura quanto pela escrita. É raro que se utilize cujo na fala, mas ele é usado na escrita/leitura, o
que significa que deve ser ensinado; da mesma forma há tempos verbais mais típicos da fala (futuro
próximo; pretérito perfeito) e outros mais típicos da escrita (futuro do presente do Indicativo; pretérito
mais-que-perfeito do Indicativo).
Considere, ainda, professor, que o domínio do sistema ortográfico supõe um movimento de idas e vindas
até que esse sistema esteja estabilizado; e mesmo assim podem ocorrer dúvidas em como se escreve, o
que é absolutamente normal.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Imagine uma lista, como a que segue, de nomes de medicamentos fictícios e dite a seus alunos. Compare
os resultados do que foi escrito sob ditado com a lista e comente com os alunos as várias formas possíveis
dessas palavras serem escritas, sem que isso indique erro ou patologia. E veja, professor, que as
diferentes formas de escrever aparecem quando há sons que correspondem a várias letras e que todos os
falantes nas circunstâncias em que não se tem como apelar para o sentido escrevem com muita
variabilidade; indicamos entre parênteses algumas dessas possibilidades.
Lista para ditado
AUGECEM (algessem; algecem)
CHILJIX (xiujix; xiugix; xiljix; chilgix)
BOZISSUL (boziçul; bosissul)
TONICXOL (toniquissol; tonikiçol; toniksol)
VERRUSHAM (verrucham; verruxam)
NAITLAIT (naitilaiti; naitelaite)
TOCHAMEX (toxamex; toshamex)
ZACTONE (zactoni; zaquitone)
GASCITAL (gassital; gassitau; gacital)
PEREXÇÃO (perecção; perequissão; perexão)
É importante considerar que nem sempre o ditado tem sentido na vida escolar. Não se deve avaliar algo
que o aluno ainda não domina pelo ditado, porque o aluno repete baixinho o que é dito pelo professor e
essa fala sussurrada interfere em sua representação escrita. Sussurrar vaca significa dizer faca o que pode
levar o aluno a escrever faca. O ditado poderia servir para refletir sobre como se escreve, como
propusemos, e não para acusar simplesmente erros.
PARA SABER MAIS
Especialização Hemisférica
O cérebro é um sistema que apresenta uma hierarquia de estruturas e funções e isso significa
que há partes especializadas e partes mais gerais; Luria, em toda sua obra, se preocupa não
somente em delimitar a estrutura e a função das áreas do cérebro, mas, sobretudo, em
descobrir como se relacionam umas com as outras, o que constitui a natureza humana. A parte
mais externa de cada hemisfério cerebral é formada pelo córtex que é uma fina camada
composta de substância cinzenta que envolve os dois hemisférios cerebrais; o córtex apresenta
sulcos e giros que aumentam significativamente a quantidade de córtex sem aumentar o volume
craniano. Esse aumento, em particular das áreas de associação, implica em uma maior
capacidade perceptiva para reconhecer formas e sons, possibilidade de armazenar informações
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de diferentes tipos, utilizar sistemas complexos de comunicação como a linguagem articulada,
a leitura e a escrita, além de sistemas numéricos, computacionais etc.; e para alcançar formas
elaboradas de conceitos fundamentais para a solução de problemas utilizando-se de sistemas
formais de pensamento. Tudo isso faz com que a conduta humana adquira uma dimensão
particular, ou seja, a qualitativa, em relação às espécies mais próximas.
Muitos neurologistas, a partir da década de 60 do século XX, estudando o cérebro humano
observaram que na maioria dos sujeitos destros e canhotos o hemisfério esquerdo é
especializado na linguagem, na realização de cálculos matemáticos, bem como no pensamento
lógico-analítico. Diferentemente, o hemisfério direito é especializado no processamento da
informação espacial, vísuo-perceptual, apreciação musical, imaginação e desenho. Veja como
os hemisférios cerebrais se comportam quando em atividades como:
Este
é
um
exemplo
das
especificidades de cada hemisfério
e do que as pessoas têm que fazer
para manter o foco da atenção
(ação do Bloco I); inibir a leitura da
palavra (ação do Bloco III para
planejar e executar) e selecionar o
nome da cor (ação do Bloco II
conjugado com o III).
Outra importante descoberta dos
neurologistas foi a correlação entre
dominância hemisférica e preferência manual. Quanto ao canhoto, há os que apresentam a
dominância do hemisfério direito e os que têm a dominância do hemisfério esquerdo para a
linguagem. Quanto aos destros, 90% deles, que representam 90% da população, mostram uma
dominância para linguagem no hemisfério esquerdo. Os canhotos e ambidestros, que
correspondem a 10% da população, formam um grupo heterogêneo: tanto dominância esquerda,
quanto dominância direita e, ainda, nos dois hemisférios. Disso se tira como conhecimento a
importância do trabalho com as mãos para a dinâmica cerebral, e embora haja a preferência
manual é importante usar a mão não preferencial. Observe que várias atividades laborais ou
artísticas usam as duas mãos, o que deve fazer muito bem para o funcionamento do cérebro
como um todo.
O processo histórico por que passou o cérebro humano mostra que aprender o tornou uma
estrutura complexa, hierarquizada. Por exemplo, a aprendizagem da escrita alfabética envolve
mais o hemisfério esquerdo que se especializou, ao longo da história das línguas, em tarefas
que demandam relações temporais: seqüências, combinações, escolhas. Por outro lado, a
escrita ideográfica envolve mais o hemisfério direito por seu caráter espacial e de desenho.
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Hemisfério direito
Hemisfério esquerdo
Soletração
Os dois hemisférios cerebrais trabalham integradamente na soletração. Quem escreve a palavra
soletrada escreve cada letra na ordem em que foi dita por seu interlocutor, tendo seu
hemisfério esquerdo ativado, além do direito, em função da espacialização da escrita.
Soletrar uma palavra para alguém implica em vários conhecimentos que vão se automatizando
com a vivência da escrita:
−
conhecer a escrita da palavra (ativação do Bloco I e Bloco II);
−
conhecer os nomes das letras que a compõe (ativação do Bloco I, Bloco II,
sobretudo algumas partes dos lobos temporal, occipital e parietal);
−
ordenar os nomes das letras oralmente - o que significa selecionar a letra desejada
segmentando e recompondo como unidade a palavra escrita, de forma a não perder
a seqüência, sendo esse processo repetido até que todos os nomes de todas as
letras tenham sido ditos comparando a todo tempo a memória auditiva ou visualescrita da palavra - (ativação do Bloco I, Bloco II e sobretudo Bloco III).
Há, para realizar essa ação, um intenso trânsito entre os Blocos II e III
Soletrar, apesar de parecer uma atividade mais oral do que escrita, implica necessariamente
em uma representação da letra, ou mental ou escrita, no papel; implica, ainda, conhecer o
traçado de cada letra que corresponde a cada nome da letra (Bloco I, Bloco II, sobretudo os
lobos occipital e parietal) e o conjunto de gestos articulatórios que representam o nome das
letras (Bloco I, Bloco II, Bloco III), cujas ações motoras são diferentes daquelas envolvidas na
produção dos sons que formam a palavra. Falar ENE-A-VE-I-O é diferente de falar NAVIO.
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Atividade 4: Abreviatura, Abreviação e Sigla
TV, cine e MP3
O Português do Brasil, como toda língua falada, muda ao longo da história. Do mesmo
modo que algumas palavras acabam não sendo mais utilizadas, como os arcaísmos que
você viu em algumas das situações que Pedro e Carolina viveram, outras vão surgindo. A
língua é viva e se movimenta, mas como isso acontece?
Novos acontecimentos sociais, políticos, esportivos, científicos (descobertas em
diferentes áreas), culturais passam a fazer parte da sociedade e precisam ser referidos
pelos falantes por meio de palavras e expressões. Expressões que pelo uso ingressam na
língua. É o que se deu, por exemplo, com a palavra apagão que entrou para a língua para
nomear a falta de energia frequente ocorrida no Brasil todo, em 2001 e 2002.
Veremos, no Episódio III, Atividade 2, que há também diversos processos de formação de
palavras, como a prefixação e a sufixação, em que se acrescenta um prefixo ou um
sufixo a um radical, respectivamente. Por exemplo, no radical feliz podemos
acrescentar o prefixo –in, formando infeliz ou o sufixo – mente, formando felizmente.
Podemos também acrescentar um sufixo e um prefixo ao mesmo tempo em um único
radical, nesse caso, teríamos a palavra infelizmente. Além desses processos bastante
conhecidos, há outros que, apesar de usarmos com bastante frequência, às vezes nem
conhecemos seus nomes: abreviação, abreviatura e siglonimização.
A abreviação, bastante comum principalmente na fala, é um processo de redução pelo
qual se forma uma nova palavra eliminando uma parte dela: a palavra cinema ou cine
são, na verdade a palavra cinematógrafo reduzida. Algumas dessas palavras são tão
comuns que acabamos nem sabendo que na verdade são reduções de outra palavra. É o
caso de pneu, que poucas pessoas sabem que é uma palavra formada por meio da
redução de pneumático.
A abreviatura é a redução de uma palavra a uma letra ou mais que a representam: r.
por rua; av. por avenida; p. por página; TV por televisão; apto. por apartamento; entre
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
outros.
A siglonimização também é um processo de redução. Neste caso, ao invés de se eliminar
uma parte da palavra, transforma-se uma sequência de palavras em uma sigla. Esse
processo também é bastante comum em nossa língua. As siglas fazem parte de nosso
vocabulário de forma tão natural que muitas vezes nem sabemos o que elas significam.
Entre as siglas comuns temos: CPF (Cadastro de Pessoa Física), IPTU (Imposto Predial e
Territorial Urbano); ONU (Organização das Nações Unidas), etc.
É interessante notar que a partir dessas siglas se originam também outras palavras. Por
exemplo, a palavra petista, da sigla PT (Partido dos Trabalhadores).
Embora nos pareça quase automático, a formação da sigla não se dá de forma aleatória.
Ela segue uma regra de composição que, em geral, determina que seja formada pela
primeira letra de cada palavra do nome a ser siglonimizado, ou seja, reduzido a uma
sigla. Trata-se de uma sintaxe abreviada em que prevalecem os nomes, ficando de fora
de sua formação preposições, conjunções, artigos. Assim, a sigla cumpre sempre uma
função econômica.
Como nasce uma sigla e como ela se cristaliza?
Vimos que é a necessidade de nos referirmos aos acontecimentos da vida pública e
privada que regula o aparecimento da sigla. Só para continuar na esfera político-social e
econômica, as siglas se tornam nomes, alguns jamais esquecidos pelo efeito causado e
pelo tempo de sua permanência na sociedade: o decreto AI-5, em 1968 - Ato
Institucional de número 5 (Para Saber Mais veja o quadro Ditadura, no Tema Relações de
sentido, Episódio 3, onde também fazemos referência ao AI-5); a lei CPMF - Contribuição
Provisória sobre Movimentação Financeira que esteve em vigor de 1997 a 2007.
Chamamos a atenção para o fato de que o falante sabe o gênero (feminino ou masculino)
da sigla em questão; embora não estejam expressas nela, palavras como imposto,
movimento, organização são tomadas como referência pelo falante. Fala-se: o RG
porque se recupera a palavra registro/documento; fala-se a AIDS, porque se tem em
mente a palavra doença; fala-se o MST (Movimento dos Sem Terra), prevalecendo o
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
gênero masculino da palavra movimento.
Assim como ocorreram cristalizações nas palavras cine e pneu, citadas inicialmente
nesse texto, a cada período de tempo outras siglas sofrem esse efeito e nos tempos
atuais podemos citar: ONG (Organizações Não Governamentais - representativas de
diferentes movimentos sociais da sociedade civil) e AIDS (Acquired Immunodeficiency
Syndrome) sigla composta pelas palavras em inglês que entrou para o léxico da língua
portuguesa, o mesmo se deu com DNA (Deoxyribonucleic Acid).
Porém, o efeito da sigla virar nome não é uma regra geral, algumas permanecem como
uma sequência de nomes de letras. Comumente são aquelas que apresentam sequências
de letras incomuns ao padrão da língua, por exemplo, IPVA (Imposto sobre a Propriedade
de Veículo Automotores); IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial
Urbana); INPS (Instituto Nacional da Previdência Social).
Como o cérebro sabe que está lidando com uma sigla?
Diante de uma sigla que apareça na leitura de um texto ou em placas na rua, o jovem ou adulto
leitor faz o reconhecimento visual das letras maiúsculas considerando tanto a possibilidade da
existência de um padrão diferente da língua (quando permanece como um conjunto de letras);
como da formação de uma palavra (Detran, Embrapa). Isso é possível porque a região
associativa das áreas posteriores do cérebro, a confluência Têmporo-Parieto-Occiptal (TPO) fica
muito mais ativada que outras áreas cerebrais. A decisão de selecionar as palavras-chave da
sigla é realizada na região anterior do cérebro, mais precisamente no córtex órbito-frontal
(COF). Outras informações ajudam na decifração da sigla como o contexto, a observação do
tema em questão, se existe imagem, o que vem depois, ou antes, da sigla. No caso do leitor
reconhecer as palavras, faz a checagem e está resolvido. Mas em caso de texto escrito, se não
conhecer a palavra, recorre à regra de uso da língua escrita que apresenta inicialmente a
palavra estendida sendo depois substituída pela sigla. No caso de uma placa ou de uma
edificação terá que pedir ajuda a alguém. Supondo nessa mesma situação tratar-se de alguém
que não saiba ler, então, as áreas cerebrais mais incitadas serão a do hipocampo porque essa
pessoa terá que evocar memória, lembranças de experiência própria ou partilhada em que esta
sigla esteve presente; bem como o lobo occipital que sintetiza a representação da imagem
visual e a recuperação pela memória da sigla, propriamente dita, será como a de um formato
de um desenho apropriado a um contexto.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Para saber mais sobre a confluência das regiões têmporo- parieto-occiptais (círculo em vermelho) veja o Tema Relações
Lógico-Gramaticais
Prática em sala de aula
1. O texto abaixo traz abreviações e siglas. Você já deve ter ouvido falar de várias
delas, mas nem sempre sabemos o que significam. Por isso, faça uma pesquisa e
descubra o que significa cada um dos termos abaixo destacados.
O Brasil não tem o melhor IDH do mundo. Na verdade estamos muito distantes de uma boa
qualidade de vida que atinja a maior parte da população. Mas a questão é: o que é qualidade
de vida? Uma pesquisa do IBOPE demonstrou que o brasileiro se preocupa muito mais com seu
carro ou com sua moto do que com outros gastos. O DETRAN afirma que o número de carros
está se tornando um problema para o país. A PM que geralmente é acionada para ajudar em
dias de congestionamento também concorda que o número de carros no Brasil está se tornando
crítico. Mesmo com gastos fixos e de valor elevado com gasolina, IPVA e manutenção, os
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
brasileiros dão prioridade para a compra de carro, muito mais do que de casa própria, ou
investimento em cultura ou em capacitação profissional, por exemplo. O MEC que o diga! A
educação sempre foi apontada como uma solução para aumentarmos nosso IDH, mas é difícil
competir com a obsessão dos brasileiros por carros. Hoje há até ONGs que propõem soluções
alternativas como andar de bicicleta ou ser caronista. Em algumas das principais capitais do
país essas ações são válidas, mas os adeptos ainda são muito poucos. O sonho do brasileiro
ainda é ter um carro, mesmo que não haja garagem para guardá-lo.
Resposta Esperada
1. O objetivo desta atividade é fazer com que o aluno pesquise o significado de siglas que
provavelmente fazem parte do seu cotidiano, pois este conhecimento permite uma maior
compreensão do texto apresentado, bem como de qualquer texto informativo.
PM: Polícia Militar
IBOPE: Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
IDH: Índice de Desenvolvimento Humano
DETRAN: Departamento Estadual de Trânsito
IPVA: Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
MOTO: Motocicleta
MEC: Ministério da Educação
ONG: Organização Não Governamental
2. Agora veja, abaixo, o anúncio de um imóvel publicado no caderno Classificados
do jornal campineiro Correio Popular (14 de Junho de 2009), e tente substituir
as abreviaturas pelas palavras que representam:
Bq. das Palmeiras
Térrea
3 dorms. (ste.), sala 2 ambs., coz. ampla, quintal gde para fazer churrasq. e piscina. 490m²a.t.
Resposta Esperada
2. Bosque das Palmeiras
Térrea
3 dormitórios (suíte), sala com 2 ambientes, cozinha ampla, quintal grande para fazer
churrasqueira e piscina. 490m² de área total.
3. No vídeo (primeiro e terceiro episódios) também encontramos um exemplo de
sigla. Qual é, o que significa e qual sua função na história?
Resposta Esperada
3. A sigla é ARL, que significa Alexander Romanovich Luria. Sua função é de ser uma pista,
colocada no mapa para indicar a localização da pessoa que ajudaria Pedro e Carolina a
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
descobrirem a saída do computador.
Comentário para o professor
Professor, nosso objetivo com esta atividade é o de refletir sobre alguns processos de formação de
palavras que estão cada vez mais presentes na sociedade moderna. Com as novas tecnologias, como o
computador, a televisão, termos relativos a eles foram introduzidos no cotidiano de nossas vidas. São
verbos como deletar, configurar; são nomes como, Ipod (diz-se Aipod), Pager (diz-se peijer), e-mail (diz-se
imeil); siglas como DVD, LCD, HTML, HDMI.
Palavras derivadas do computador migram da língua inglesa para outras línguas porque a empresa que o
lançou para o mundo é americana (Microsoft). Professor, observe com seus alunos que a sabedoria do povo
atinge a língua que falamos chamando a atenção deles para o fato de que os verbos que se referem a
coisas que fazemos com o computador entram para a nossa língua e se popularizam na conjugação mais
regular, a 1ª, como ocorre também com xerocar.
Reflita com seus alunos a propósito de uma possível origem da palavra cadáver. Quem imagina que essa
palavra seja uma sigla formada das palavras latinas - Caro, Data, Vermíbus - traduzindo, carne dada aos
vermes.
Mostre a seus alunos que existem siglas que caem e outras que não caem no uso comum; por exemplo,
CNH (Carteira Nacional de Habilitação) não se usa, é mais comum dizermos carteira ou carta.
Existem profissões em que conhecer uma sigla é uma questão de vida ou morte. Na área da medicina o uso
de siglas é diário e universal, em qualquer país do mundo ela precisa ser identificada corretamente pelo
profissional. Existem dois manuais, um que traz a Classificação Internacional de Doenças - CID-10 (10ª
revisão, 1984-2003), e outro, Diagnóstico de Saúde Mental - DSM – 4 (4ª revisão, 1994-2000), destinado a
doenças mentais. É universal a existência de um espaço nas guias ou relatórios de qualquer especialidade
médica destinado ao CID/DSM, em que o médico deverá registrar uma sigla composta de número e letras
que, muitas vezes, não determina a doença em si, mas o grupo a que pertence. Além disso, na linguagem
médica existe o uso de radicais gregos e latinos que permite expressar fenômenos, procedimentos, órgão a
ser tratado, aumento ou diminuição. Por exemplo, Choque hipovolêmico quer dizer “queda acentuada da
pressão arterial por diminuição do volume de sangue circulante”. A frase O mielograma acusou
pancitopenia significa: “O exame da medula óssea mostrou diminuição de todos os tipos de células
normalmente ali encontradas e que dão origens aos glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas do
sangue”.
Consideramos importante você, professor, e seus alunos compreenderem o(s) caminho(s) que o cérebro faz
para identificar uma sigla e passar a tratá-la como tal, sem ter que recorrer à expressão de que é
derivada. Siglas, abreviaturas, abreviações compõem nosso universo escrito e falado que por sua vez
compõem a matriz semântica a que também nos referimos no Tema: Campo Semântico (ver Episódio III,
Atividade 1); esta funciona como memória de conhecimento e se apresenta como um terreno fértil para
associações, novos aprendizados e recuperação dos antigos.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Atividade 5: Dislexia?
De perto ninguém é normal
Como diz a canção Vaca Profana, de Caetano Veloso, de perto ninguém é normal, não
existe perfeição humana, embora o homem busque sempre por ela. Há, nos dias de hoje,
uma incessante procura pelo padrão de beleza, saúde, inteligência, profissional – difícil
de ser alcançado; se você tiver um pneuzinho a mais na cintura, já não é normal.
Vivemos em um mundo muito exigente, por um lado, e cheio de rótulos para tudo, por
outro. E ninguém escapa disso. NERD (antigo CDF), EMO, por exemplo, categorizam os
jovens em grupos por sua aparência, forma de agir, preferências, etc. Se você fala
pobrema, menas – que são marcas de uma variedade de fala de quem teve pouca
escolaridade - em um ambiente mais formal, será rotulado de não saber falar a língua e
motivo de risos. Nesse sentido, o que se diferencia do que é considerado padrão é
anormal ou patológico.
Nas instituições de ensino isso não é diferente; aquele que não se encaixa dentro dos
padrões e modelos estabelecidos é logo rotulado com algum tipo de patologia. Se não
aprendeu a ler/escrever até a primeira série é porque tem dislexia, se não entende
quando lê os enunciados dos exercícios de matemática tem distúrbio de aprendizagem,
se não entende o que o professor explica e levanta o tempo todo da carteira tem déficit
de atenção e hiperatividade. Veja que a dislexia é tema de novela; é motivo de
apreensão por parte dos pais, sendo que a mídia, na maioria das vezes, contribui para
uma desinformação geral, com foco no exótico: Einstein tem dislexia, Tom Cruise tem
dislexia, Bill Gates tem dislexia; além disso, a mídia passa informações erradas (a
porcentagem, a lista de sintomas), o que contribui para aumentar o número de casos
avaliados como patologia sem que se trate disso.
Vamos olhar um pouco mais de perto os chamados sintomas das patologias que estão
presentes na escola. De imediato, identificamos características que cabem em muitas
crianças em idade escolar, como algumas descritas nos sites www.brasilescola.com e
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
www.andislexia.org.br:
Dificuldade de escrever cometendo diversos erros ortográficos (disortografia);
dificuldade de compreender linguagem matemática (discalculia); lentidão ao fazer os
deveres escolares; letra feia; interrompe constantemente a conversa dos demais; só faz
leitura silenciosa; tem grande imaginação e criatividade. É incrível que imaginação e
criatividade constem como sintoma de patologia, ainda mais na infância. Notem que
vários desses chamados sintomas são características de muitas crianças e jovens
normais. Trata-se de categorias amplas e vagas que determinam a inclusão de qualquer
criança nelas.
Há casos reais de patologia de linguagem, que são raros e muito diferentes da
banalização a que se chegou hoje em dia para avaliar a patologia, por um lado, e
desconhecimento de como se dá o aprendizado da escrita/leitura, por outro. A maioria
do que se apresenta oficialmente como sintoma é indício de como o sujeito está no
processo de aquisição e uso da escrita/leitura e não patologia.
Um dos equívocos a desmanchar é diferenciar erros naturais de aprendizes de escrita de
sintomas de dislexia. Vejamos dados de escrita de ML, uma criança de 10 anos,
diagnosticada com dislexia por um neuropediatra. Ela escreve: custurei por costurei;
gardo por guardo; dinada por de nada; difercios por diversos; cranito por granito;
compaquitas por compactas; preção por pressão; comesaram por começaram; grasinha
por gracinha; simbulos por símbolos; auguma por alguma.
O que esses dados revelam? Que se trata de uma escrita de quem está aprendendo a
escrever conforme as regras do sistema ortográfico de sua língua, o Português Brasileiro
(PB); são erros de quem está formulando hipóteses de como se escreve e está às voltas
com a não correspondência um a um entre letra e som. Nos dados de ML encontramos
um mesmo som - como /s/ - representado por letras diferentes - s, c, ç, ss, sc - como
em: grasinha (gracinha), preção (pressão), comesaram (começaram); e sons que
pronunciamos de um jeito - como /u/ - e escrevemos de outro modo - o ou l -, como em
custurei (costurei), simbulos (símbolos) e auguma (alguma). Esses dados mostram que a
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
criança escreve com base em sua fala, o que é muito natural no início do aprendizado,
até que a escrita se torne autônoma – e isso se dá por meio do envolvimento sistemático
com a leitura e a escrita. Com base ainda em sua fala, e porque certamente sussurra a
palavra antes de escrevê-la, usa as consoantes surdas (c, f) no lugar de sonoras (g, v);
atente que a motivação para isso é falar baixinho enquanto escreve. É o que acontece
quando escreve difercios (diversos) e cranito (granito).
Em resumo, o que é considerado erro e muitas vezes sintoma de dislexia são
instabilidades ortográficas que, se não forem devidamente mexidas, permanecem como
se fossem tentativas de escrever de quem ainda não domina o sistema alfabético da
língua. Nesse contexto o escrevente confunde formas parecidas e sons semelhantes.
Prática em sala de aula
Considerando o que foi discutido no texto acima, reveja o episódio 2 do vídeo Viagem ao
Cérebro e identifique o trecho em que os personagens tematizam a dislexia. Você
acredita que Pedro seja disléxico? Justifique sua resposta. Para realizar essa atividade
sugerimos que (re)leia o tema Oralidade e Escrita (ver neste episódio, Atividade 3).
Resposta Esperada
No vídeo, episódio 2, ao demonstrar preocupação com a escrita de Pedro, Carolina levanta a questão da
dislexia. E o que o ato de escrever envolve? Escrever requer uma concomitância entre o sonoro e o motor,
imagens visuais das letras mais suas impressões dos movimentos das mãos (cinestesias); isso cria
possibilidades de associar letras e sons de forma mais estável de acordo com o sistema escrito da língua.
Muitas crianças e jovens estão a meio caminho desse processo quando escrevem ainda como falam, quando
usam sons e letras próximos sonora e visualmente, o que não coincide com a forma ortográfica. É o que
ocorre quando Pedro escreve construção com dois esses e seta com ce.
Por que a escrita de Pedro não apresenta marcas de dislexia?
O modo como Pedro anota as informações que Carolina dita mostra a presença da fala na escrita. Pedro
não escreve qualquer coisa, há uma lógica em suas decisões ao formular hipóteses para escrever que
mostram seu cérebro ativo e despreocupado com questões formais porque se trata de anotações feitas só
para si, escritas rapidamente para poderem ser recuperadas; o que fez com que ocorressem formas
abreviadas, sem todas as letras, em uma escrita muito próxima do internetês, como em destaque com Ka,
ponto como pto, e é como eh.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Agora, veja as placas abaixo:
Fonte:
http://3.bp.blogspot.com/cuhiPDVN0qc/SMe7DJpNZsI/AAAAAAAAAC8/y9MCu
KRaM50/s320/2.gif
Fonte:
http://img387.imageshack.us/img387/7953/298053478qy.jpg
Você consegue perceber alguma semelhança entre a escrita de ML e a das placas? Quais?
O que é possível dizer sobre as pessoas que escreveram essas placas?
Resposta Esperada
No caso da escrita de ML e das placas, a semelhança advém do fato de que, como ML, as pessoas que
escreveram as placas não dominam o sistema alfabético da língua, e escrevem como falam. O que é
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possível observar sobre essas escritas? Que são hipóteses de como se escreve com base na fala, próximas
da variedade lingüística do falante. Por isso vem escrito nas placas u por l e o (sausicha por salsicha;
cauçada por calçada); z por s (cazeira por caseira); c por s (cegredo por segredo, cuas por suas, cem por
sem); c por q (acui por aqui). A escrita de agrotoxio e alimentisimos nas placas revela que as pessoas que
escreveram falam assim; o mesmo ocorre com ML ao escrever a palavra diversos como difercios (porque
sussurra ao escrever).
Comentário para o professor
Destacamos, professor, que os dados apresentados no texto que compusemos sobre dislexia, dirigido aos
alunos, têm o propósito de possibilitar uma reflexão que se volta sobre a nossa própria língua. E tal
conhecimento, de ordem metalingüística, é adequado para o final do Ensino Médio quando os alunos já
tiveram bastante contato com diferentes usos e registros da, língua (fala, escrita e leitura).
Vimos no texto o que tem sido considerado dislexia e não é. A dislexia é rara e envolve características
muito distintas de questões ortográficas. Trata-se de dificuldades espaciais e visuais implicadas, por
exemplo, na ordenação de segmentos da escrita, que traz também o acústico representado. O disléxico
escreve, por exemplo, jalane por janela; altera a ordem das palavras quando lê (Como a avenida disparou
na moto ninguém a viu passar; por Como a moto disparou na avenida ninguém a viu passar), o que lhe
dificulta a compreensão. Além disso, o estudo de Galaburda (1994) mostra que a dislexia adquirida tem
base orgânica, tendo parte do lobo temporal, mais exatamente o Planum Temporale, envolvido.
Planum Temporale
(hemisfério direito)
Assimetria do Planum
Temporale
Essa região do lobo
temporal superior é
normalmente maior no
hemisfério esquerdo
(GESCHWIND e LEVITSKY,
1968).
Lobos Occipitais
Planum Temporale
(hemisfério esquerdo)
Essa estrutura, Planum Temporale, participa da síntese do que a pessoa escuta, ou seja, da síntese
acústica, por isso ocorrem dificuldades de compreensão do que ela lê porque a leitura pressupõe o
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
funcionamento acústico e vísuo-motor da palavra lida/escrita. Nos disléxicos, descobriu-se uma simetria
do Planum Temporale nos dois hemisférios cerebrais.
Em condições normais essa estrutura é maior no hemisfério esquerdo em quem é destro, ao passo que, nos
canhotos, essa assimetria é mais acentuada no hemisfério direito (Para Saber Mais reveja o quadro
Especialização Hemisférica no Tema Oralidade e Escrita; ver neste episódio, a Atividade 3). Como lembra
A. R. Luria, no vídeo Viagem ao Cérebro, episódio 2, quando há lesão cerebral envolvendo as áreas
acústica (lobo temporal), motora (lobo frontal), espacial (lobo parietal) e visual (lobo occipital) podem
ocorrer dificuldades para ler (alexia) e escrever (agrafia), além das dificuldades de fala (afasia) e de
gestos (apraxia).
Professor, para seu entendimento do tema dislexia, também consideramos importante caracterizar os
sintomas da dislexia específica de desenvolvimento - contra os quais argumentaremos abaixo, indicando
os sintomas que consideramos relevantes para você saber e refletir. Em geral define-se a dislexia
específica de desenvolvimento primeiro por problemas de leitura para, em seguida, apresentar problemas
de ortografia, déficits afetando a linguagem escrita e o cálculo, por oposição à linguagem falada. Estudos
(CONDEMARÍN e BLOMQUIST, 1986; PINHEIRO, 1994; NUNES, 1992) e sites (www.dislexiadeleitura.com.br;
www.abd.org.br; www.andislexia.org.br) colocam
que a dislexia ocorre descartados problemas
intelectuais, psicológicos, emocionais, afetivos, sociais e de método de ensino inadequado. Vêm de onde
então as dificuldades? Não se trata de causa e efeito, mas questões de ordem psico-afetiva, de
desestruturação familiar, de falta de condições em casa para fazer as lições, o que afeta a relação da
criança com a leitura e a escrita, cujo domínio põe a criança em outra condição cultural.
Para compreender, professor, a diferença entre o que não é dislexia e o que se apresenta como tal, é
preciso entender que fala, escrita e leitura envolvem uma concomitância entre o som/acústico
(significante), o visual (significado) e o motor (execução do traçado e da fala) e isso se dá de forma
hierárquica conforme se trate da fala (predomínio do acústico e do motor sobre o visual); da escrita
(predomínio do motor e do visual sobre o acústico); ou da leitura (predomínio do visual e do acústico sobre
o motor). Portanto, fala, escrita e leitura envolvem o funcionamento de todo o cérebro, mais
precisamente, a parte anterior associada ao motor e as partes posteriores associadas ao acústico, ao
espacial e ao visual.
Quanto aos blocos cerebrais, para ler com compreensão é preciso estar atento, o Bloco I ativo, além de
registrar as informações que chegam pelos órgãos do sentido (audição, visão, tato, olfato, paladar),
promovidas pela leitura, e que ativam o Bloco II; o que nos leva a associar e realizar a leitura/escrita com
compreensão, ativando o Bloco III – que também abre possibilidades de novas leituras e de relacionar com
leituras anteriores.
Que sintomas há nos alunos que apresentam, de fato, dislexia? Identificam-se problemas de percepção e
de memória visual e por isso os alunos quando lêem e quando escrevem invertem a direção de traços das
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
letras (b/d) e das letras na palavra (satopa por sapato). Também podem apresentar dificuldades de
associar estruturas visuais ordenadas no espaço (letras que se combinam para formar palavras que se
combinam para formar frases) e estruturas auditivas ordenadas no tempo (as estruturas dos fonemas e das
palavras faladas), associado a uma má discriminação auditiva para selecionar e combinar fonemas.
Note, professor, que, nos casos de dislexia, há sempre envolvimento/dificuldade de ordem motora e/ou
acústica e/ou espacial e/ou visual, o que demonstra a complexidade de fatores implicados na
avaliação/diagnóstico dessa patologia e que, portanto, não pode ser banalizada como tem ocorrido.
Aproveitamos o tema para refletir também sobre as atividades propostas em sala de aula. Como vimos, um
dos sintomas apontados como característica da dislexia é a dificuldade de compreender enunciados de
matemática (discalculia). Veja o enunciado abaixo, o que está em negrito é o modelo e o que está em
itálico é a resposta de ML:
Complete o quadro com as dezenas, centenas e milhares completos mais próximos do número. Observe
com muita atenção o exemplo resolvido!
Número
Dezena mais
Centena mais
Unidade de milhar
próxima
próxima
mais próxima
5638
5640
5600
6000
14431
1440
14400 (correto)
4000
324634
3240
32400
4000
26786
2670
26700
7000
Trata-se de um exercício de matemática proposto na avaliação da 4a série onde ML estuda. Destaca-se que
ela não compreende o que se pede e erra. E por que isso acontece? O enunciado é mal formulado e de
difícil compreensão; a expressão dêitica - mais próximo de - pede uma referência clara do que seja algo
próximo, sem o que não dá para estabelecer a proximidade. O fato de ML errar não prova que não sabe
ler, fazer exercícios de matemática, ou que é disléxica. ML tenta acertar e adivinha/interpreta como
pode, a partir do modelo: na primeira coluna escreve números com um zero no final; na segunda coluna,
onde se trata de centena, escreve números com dois zeros no final; e na terceira considera que milhar é
um número redondo, com três zeros ao final. E assim elabora respostas consistentes que seguem uma
lógica.
Queremos mostrar com esse exemplo que não se trata de dislexia, mas de um enunciado mal formulado
que confunde a criança em processo de aquisição e uso da escrita, com suas idas e vindas, que não são
dificuldades, mas características do processo. Por isso, professor, é importante refletir a respeito das
atividades que propomos e o efeito que isso pode ter no que o aluno entende do enunciado e escreve
como resposta.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Atividade 6: Déficit de Atenção?
Motivar para não distrair
Não se nega que haja o Transtorno do Déficit de Atenção, com e sem Hiperatividade
(TDAH), mas queremos fazer a mesma observação que fizemos para a dislexia, ou seja,
não existe na proporção que tem aparecido nas escolas, na mídia e nas instituições
especializadas. Nos últimos 20 anos, a infância sofreu alterações, e não sem
conseqüências, em sua dinâmica: as crianças não podem mais brincar na rua, se sujar,
correr, estão confinadas em casas, apartamentos e cheias de atividades paralelas à
escola (inglês, computação, entre outras). Além disso, o ritmo da sociedade exerce uma
pressão sobre o indivíduo para ser bem sucedido: passar no vestibular, estar informado
sobre tudo o que acontece no mundo, ter uma boa colocação na escola, na vida
profissional, ganhar dinheiro, entre outras.
Vivemos em uma era global. Você já pensou que todas as informações são
compartilhadas pelo mundo todo? Pense: o que acontece na China, mesmo com um fuso
horário de 12 horas e aproximadamente 20.000 Km de distância, chega aqui no Brasil em
milésimos de segundos. Você se lembra das torres gêmeas em Nova York explodindo on
line? Então, parece que ficamos sabendo até daquilo que não escolhemos saber. Existe
um excesso de informação que não chega a ser aproveitada e registrada a ponto de
poder ser recordada, funcionando como os spans do computador que saturam o espaço e
não servem para nada, atrapalhando o aprendizado, distraindo do que realmente
interessa. O cérebro pode acostumar com esse padrão ruim: sem foco de atenção em
nada, o que pode ser facilmente confundido com patologia.
Para refletir, veja o texto abaixo, sobre a desatenção de nossa época, em que
selecionamos alguns trechos traduzidos da reportagem publicada on-line na revista
americana Times em julho de 2008.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Por que a geração Google não é tão esperta quanto parece
A era digital está destruindo e arruinando nossa habilidade de concentração
Autor: Bryan Appleyard
David Meyer, professor de psicologia da Universidade de Michigan, é especialista em atenção:
como damos foco a uma coisa ao invés da outra. A atenção vem naturalmente até nós; ter
atenção em algo que seja importante ou que nos interessa determina como sobrevivemos e nos
define. O oposto de atenção é distração, uma condição que não é natural e pode matar. Em
1995, o filho de Meyer foi morto por um motorista desatento que ultrapassou o sinal vermelho.
O pesquisador está convencido de que distração crônica, de longo-termo, é tão perigosa quanto
o cigarro. Atualmente, existe um grande mito sobre múltiplas tarefas. No entanto, segundo
Meyer, nenhum ser humano é efetivamente capaz de escrever um e-mail e falar ao telefone. As
duas atividades usam linguagem e o canal da linguagem no cérebro não pode ser
disputado/dividido. As pessoas que realizam múltiplas tarefas se enganam mudando
rapidamente seu foco de atenção e, como resultado, seu output deteriora.
A mesma coisa acontece quando falamos ao celular enquanto dirigimos: você escuta o que está
sendo falado pelo celular e perde a habilidade de ler os sinais de transito. Pior ainda é quando
a pessoa que está falando com você pelo celular descreve algo visual (uma paisagem, por
exemplo): enquanto você imagina essa imagem, seu canal visual fica obstruído/comprometido e
você começa a perder a noção da estrada à sua frente. Desta forma, a distração pode matar
você e outros.
Em um artigo da revista The Atlantic intitulado “Is Google making us stupid?” (o equivalente em
português a “Estaria o Google nos tornando estúpidos?”), Nicholas Carr, distraído crônico como
o resto de nós, relata que estava achando muito difícil imergir em um livro ou em um artigo
longo: “a leitura profunda que costumava fazer naturalmente tornou-se um esforço”. Agora ele
Google seu caminho pela vida: scaneando, passando os olhos, não parando para pensar, para
absorver. Uma coisa importante, pontua Carr, é que “agora vamos para fora de nós mesmos
para fazermos todas as conexões que costumávamos fazer dentro de nós”. O self [o eu] atento
fica enfraquecido quando suas funções são transferidas para o cyberspace.
A televisão também é um veículo de distração. Testes já mostraram que televisão reduz a
quantidade e a qualidade de interação entre crianças e seus pais. A internet multiplica esses
efeitos. Paradoxalmente, o provedor supremo de informações tem o efeito de reduzir a
informação transmitida.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
A hiper-conectividade dos jovens é desorientadora. Um estudo que observou os e-mails de um
jovem de 24 anos, durante 5 anos, revelou que ele teve 11 mil e 700 conexões com outras
pessoas, a maioria superficial. Esse é o ponto: todas as conexões na internet são superficiais.
Essas conexões são tão rápidas quanto o click do mouse. Nessas relações o que falta é a
complexidade e profundidade das interações presentes no mundo real que só são possíveis pela
linguagem.
A ironia é que atrás do mito de que os jovens são bons nessas coisas (internet), estudos vêm
mostrando que pessoas mais velhas são mais aptas com o computador do que os jovens. Isso
porque os jovens estão nadando na superfície do cyberspace, da mesma forma que estão
nadando na superfície da vida. É necessário imaginação para discriminar, para fazer
julgamentos; e essas são as qualidades que realmente contam.
No entanto, existem pesquisadores que acreditam que esse problema possa ser resolvido. Para
Maggie Jackson, escritora do livro “Distracted: The Erosion of Attention and the Coming Dark
Age” (equivalente em português a “Distração: a erosão da atenção e a futura idade negra”), “o
cérebro é maleável; da mesma forma que pode ser treinado para ser desatento/distraído,
também poder ser treinado para prestar atenção/ser atento. Educação e trabalho têm que ser
reestruturados para ensinarem e propagarem as habilidades de concentração e foco. As pessoas
podem ser ensinadas a desligar ou ignorar o bip ou qualquer outro ruído”.
Fonte: http://technology.timesonline.co.uk/tol/news/tech_and_web/the_web/article4362950.ece
Prática em sala de aula
Em sala de aula, enquanto o professor fala, os alunos podem conversar, desenhar, mexer
no celular, olhar pela janela, escutar os barulhos do mundo. Sabemos que algumas
funções do cérebro precisam estar ativadas para que as informações do mundo exterior
sejam compreendidas. Localize no 2º episódio o momento em que Pedro se distrai por
estar envolvido em outra atividade. Você acredita que Pedro tenha Déficit de Atenção?
Escreva o que você acha que está ocorrendo no cérebro de Pedro nessa situação.
Resposta Esperada
Pedro se distrai no momento em que Carolina, conversando com Luria, diz acreditar que o amigo tem
dislexia. Pedro, desinteressado desse assunto, começa a escutar seu MP3, enquanto Carolina e Luria
continuam conversando. Nessa situação, o foco da atenção de Pedro muda para a música, ou seja, o Bloco
I do cérebro de Pedro continua em funcionamento, porém não na direção da expectativa de Carolina e
Luria. Por que Pedro não tem Déficit de Atenção? Ele não se distrai à toa; há uma motivação para isso: não
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
quer ouvir que tem dislexia e encontra algo (ouvir seu MP3) mais interessante para fazer. Outra indicação
de que seu sistema de atenção funciona bem é o fato de ele voltar a ficar atento na conversa, quando
Carolina chama sua atenção e os três passam a falar sobre algo que interessa a Pedro.
Comentário para o professor
O texto acima trata de vários assuntos importantes para o conhecimento de como o cérebro funciona,
especialmente em situações de atenção e desatenção, porque isso se articula com aprendizado. Vemos
que atenção está relacionada com foco e com o tempo de manutenção desse foco, isso significa que algo
fica em evidência por determinado tempo. O texto da revista Times fala do reconhecimento de que cada
vez mais jovens estão com dificuldades em manter a atenção em atividades cruciais para que o
aprendizado na escola e na vida ocorra. Isso se dá porque, para eles, dirigir a atenção para eventos ou
atividades um pouco mais demorados pode causar fadiga mental. Por quê? Desde muito cedo tanto a
escola, quanto a creche e a família os colocam em atividades que se alternam e duram pouco. Mesmo que
os jovens fiquem muito tempo no computador, há uma falsa ideia de que se trate de uma atividade longa
pois troca-se muito de página (site) e um assunto leva a outros. Na televisão, a cada 10 minutos, ou menos
que isso, entra um intervalo e o telespectador se distrai com outra coisa ou muda de canal: é como se
caísse o disjuntor do sistema de atenção. O papel da escola é mobilizar de tal forma esse sistema que ele
se estenda para dar conta de tarefas complexas que exigem tempo para pesquisar, ler, escrever, pensar,
criar.
Há também referência ao mito do ideal da realização simultânea de múltiplas tarefas, não sendo possível
ter dois focos ao mesmo tempo, nem uma mesma função cerebral se apresentar dividida como a atenção,
a percepção, a memória.
A ideia de múltiplas tarefas vai de acordo com o formato econômico dos veículos de informação, no
sentido de que falam pouco sobre vários temas. Isso contribui para que o conhecimento seja superficial e
que relações de sentidos deixem de ser feitas.
É importante compreender o mecanismo de atenção porque ele é o que mais impede e/ou dificulta o
aprendizado em sala de aula: o que é atenção?
É a possibilidade de focar em algo selecionando uma coisa em detrimento de outra, estendendo o tempo
de fixação nesse foco e criando um registro que torna possível sua recuperação em um tempo posterior, ou
seja, criando memória. Se um aluno está escutando música enquanto você está dando aula, o aprendizado
não se faz porque o Bloco I, responsável pela atenção e sua manutenção, está direcionado para a música.
Se o aluno não escutar o que você está falando não há como ele atribuir um sentido, como acontecer o
registro neurológico disso, então, não há nenhuma possibilidade de memória (ação do Bloco II) e nenhuma
aprendizagem se dá. O que aconteceu? Houve um problema de atenção?
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Não. Houve um desvio de foco. O aluno e o professor estão focados em coisas diferentes. Essa situação
muitas vezes é confundida como um problema de atenção do aluno que parece ter o que não tem.
Entendemos que o desejo do professor é que o aluno direcione sua atenção para aquilo que o professor
esteja focalizando. Isso pode não ocorrer por vários motivos, que precisam ser pensados tanto do ponto de
vista de quem ensina, como de quem aprende. Muitas vezes, o aluno se distrai porque a aula é
desinteressante ou não faz sentido para ele. Se o aluno tem uma lousa inteira para copiar, o que muitas
vezes já consta do livro didático, é normal que pense em outras coisas e que não preste atenção nem ao
que está escrito, nem à explicação do professor. Isso vale para qualquer atividade didática. Por isso,
professor, insistimos que sejam propostas atividades, textos, exercícios que façam sentido para os alunos
e que você faça uma ponte entre o que se aprende na escola e o que se aprende na vida.
Da mesma forma que refletimos sobre o diagnóstico de dislexia, o fazemos para o déficit de atenção, com
ou sem hiperatividade (TDAH). Ou seja, são raros os casos em que de fato se trate de TDAH e nesses casos
a criança/jovem não fixa atenção em nada, e quando foca a atenção é por pouquíssimo tempo; por isso
passa rapidamente de um assunto para outro, e não há o que lhe faça ativar seu sistema de atenção para
manter o foco em algo que lhe interesse. Consideramos que tal como na dislexia haja muita confusão
entre o que é de fato doença e o que não é.
É preciso levar em conta o mundo em que vivemos, em que muita coisa mudou estruturalmente (família,
escola, cidade, igreja, clube, etc.), e isso tem efeitos nos valores, atitudes e no comportamento das
crianças e jovens que refletem no aprendizado, no ritmo de vida e nas relações que construímos ao logo
dela.
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Atividade 7 – Projeto: Variedades Estilísticas
Catou o carro da vítima ou o réu subtraiu para si
Em uma sociedade onde existe a escrita é muito difícil imaginar uma profissão que não
tenha nenhuma relação com as letras e os números. Mesmo as profissões mais simples,
em algum momento, exigem do profissional que leia ou escreva alguma coisa.
Sabemos que muitos profissionais atuam no mundo das letras é o caso do professor, do
escritor, do jornalista, mas existem profissionais em que as letras determinam a
possibilidade de liberdade ou de prisão de uma pessoa. Estamos falando do Direito no
domínio privado (civil e penal: familiar, criminalista, ambiental, imobiliário, trabalhista,
entre outros) ou público (judiciário, promotoria, diplomacia, entre outros).
Os profissionais dessa área precisam aliar o conhecimento culto da língua, a terminologia
judicial legal e a gramática vigente no direito brasileiro. Como descreve Suiama1: O que
o juiz faz, portanto, é selecionar, no descontínuo dos autos judiciais, elementos já
gramaticalizados (“o que não está nos autos, não está no mundo”!), atribuindo a eles
um significado jurídico conforme discurso legislativo previamente enunciado. Na
sentença criminal, um enunciado não-jurídico como “o mano tava na nóia e catou o
carro do bacana” será traduzido em uma frase gramática e semanticamente adequada
ao discurso jurídico, do tipo “restou provado nos autos que o réu subtraiu para si,
mediante grave ameaça exercida com o emprego de arma de fogo, o automóvel da
vítima”. Trata-se de duas versões estilísticas, de pessoas diferentes, em situações
diferentes. Uma situação é informal, por isso há uso de gíria; a outra ocorre em uma
situação formal, texto jurídico, por isso há um jargão composto de termos e expressões
próprias da área (veja também o Programa Causos e falas daqui e dali, episódio 3, Tema
Uma questão de estilo: Variação estilística – o uso da língua em diferentes situações).
1
SUIAMA, S G. As paixões do julgador nas sentenças condenatórias de roubo: apresentação da pesquisa. Estudos
Semióticos, N. 2, São Paulo, 2006. Disponível em http://www.fflch.usp.br/dl/semiotica/es. Acesso em 30/05/09.
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A habilidade de escrita de um advogado em narrar um acontecimento, descrever a cena,
fazer a adequação aos termos jurídicos é o que vai permitir analisar as leis que podem
denunciar ou defender uma causa ou pessoa. As chamadas peças processuais são um
conjunto de textos jurídicos com o objetivo máximo de promover uma articulação entre
a lógica e a coerência dos fatos e na argumentação.
Entretanto, ressalta-se que saber a gramática da língua não assegura a veracidade do
fato descrito e que não há uma gramática especial para isso, como também não há
gramáticas especiais para concurso público, médicos, professores e quaisquer profissões.
É importante saber que a gramática normativa é apenas uma das variedades existentes
na língua, isto é, aquela que é escolhida para ser a padrão. Saber uma variedade não
significa saber a língua como um todo, com todas as suas possibilidades e
heterogeneidades (Ver ALKMIN, 2005).
Para vocês se prepararem para escrever o projeto abaixo, revejam no vídeo Viagem ao
Cérebro, episódio 2, as diferenças de estilo/registro quando Carolina e Pedro falam
entre si e quando falam com Luria.
Prática em sala de aula
Pesquise uma notícia atual, de jornal ou revista, e reescreva-a de duas maneiras: uma
em internetês, dirigida a um amigo, e outra em estilo formal, dirigida a um advogado
que o intimou a depor sobre o fato noticiado. No segundo caso, imagine que você tenha
presenciado a notícia lida no jornal. Em seguida analise e reflita sobre os ajustes que
você necessariamente teve que fazer em cada um dos textos e escreva sobre isso.
Comentário para o professor
Professor, é muito importante que o aluno entre de fato no mundo da leitura e da escrita, e aí se sinta à
vontade para conviver com diferentes tipos de textos que circulam em nossa sociedade. Diferentes textos
dirigidos a pessoas com experiência de leitura e escrita também diversas. Quanto mais ele tiver contato
com a diversidade do mundo das letras, ele terá mais chances de se sair bem em tarefas e exigências
sociais que dependem de uma boa compreensão e produção da escrita. E isso se aprende lendo, lendo,
lendo, escrevendo e reescrevendo. É por isso que pedimos aos alunos que redijam um projeto que envolve
tanto a compreensão de um texto lido quanto sua produção em dois estilos/registros diversos.
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O que acontece no cérebro, em termos de seu funcionamento em blocos, quando você tem que mudar o
estilo em função de situações formais ou informais? Conforme você leu no Quadro Especialização
Hemisférica (ver Episódio II, Atividade 3), todo o cérebro trabalha para dar conta disso em um vai-e-vem
constante: o Bloco I localizado nas partes superiores e inferiores do tronco cerebral e particularmente na
formação reticular, o Bloco II localizado nas regiões superiores do córtex, ou seja, nos lobos temporais,
parietais e occipitais; e o Bloco III localizado na porção anterior do cérebro, isto é, nos lobos frontais. Em
outras palavras, o sistema de atenção deve estar ativado, Bloco I, para fazer o que é solicitado. O
hemisfério direito, junto com o Bloco I, faz uma leitura geral da situação/ambiente para se articular com
o Bloco II que fará uma análise mais minuciosa dos vários elementos (acústico, visual etc.) que compõem a
cena em questão. Assim será possível associar, planejar e executar - trabalho cerebral do Bloco III - como
serão escritos os textos nos diferentes estilos.
Mas há ainda um fato importantíssimo: repetir o ato de escrever e de ler ocasiona mudanças nas estruturas
e nos tecidos cerebrais de quem está lendo e escrevendo, o que favorecerá cada vez mais os futuros atos
em relação à própria leitura e escrita; ou seja, o escrevente e o leitor terão possibilidade de automatizar
sua escrita e leitura tanto do ponto de vista ortográfico, quanto do uso das leis próprias da escrita e,
ainda, das construções típicas dos vários registros da escrita. Vale ressaltar, entretanto, que se por um
lado alguns aspectos desse processo se automatizam, por outro, há outros que não são para serem
automatizados porque são singulares, fazem parte do estilo do autor, dependem do gênero textual ou
discursivo, envolvem criatividade, imaginação e não são previamente determinados. O alimento para tudo
isso é a leitura constante de diferentes tipos de texto, visando a uma leitura em que o aluno descubra o
prazer de entrar no texto, na vida dos personagens, de se envolver com a história, de viajar por entre
culturas, costumes e tempos que ele não conhece.
Além disso, professor, é fundamental propor sempre atividades de escrita e reescrita (POSSENTI, 2005;
COUDRY & FREIRE, 2005), de diferentes gêneros e sobre temas diversos, lembrando que no final do Ensino
Médio é um bom momento - pensando na vida profissional e no vestibular - para os alunos acompanharem
e discutirem temas da atualidade.
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Episódio III
Sinopse
Neste episódio, Luria convida Carolina e Pedro para uma viagem pelo cérebro explicando
que o funcionamento do cérebro tem uma relação íntima com a linguagem e tudo que
vivenciamos. Ao terminarem a viagem, Luria considera que os adolescentes estão
prontos para encontrar a saída. Os meninos decifram, finalmente, o segredo: aprender a
aprender e passar isso adiante. Pedro e Carolina voltam para a sala de computadores da
escola, onde tudo começou e iniciam uma nova jornada em suas vidas reais.
Atividades pós-exibição
Atividade 1: Memória e Campo Semântico
Dente do Cisne
Você já passou por uma situação em que precisou se lembrar de algo, mas não
conseguiu? Ou ainda precisava memorizar algo muito extenso e ficou na dúvida se
conseguiria? Como nos lembra Luria (1979), a maior parte de nossos conhecimentos
envolve situações em que somos colocados diante de uma tarefa de memorizar algo,
gravá-lo na memória e posteriormente retomá-lo. Essa atividade, chamada pelo autor de
atividade mnésica, tem caráter seletivo: para memorizar é preciso distinguir o que será
registrado de todas as impressões secundárias, que devem ser descartadas; e ao retomar
o que foi registrado focar nisso, mesmo que outras associações ocorram.
Podemos memorizar algo de forma consciente ou não. Imagine a seguinte situação: você
está caminhando pela rua, com pressa de chegar à escola; você passa ao lado de
operários que estão construindo um novo shopping, ao lado de bancas de jornal,
padarias, vitrines de lojas. E do que você se lembra quando chega à escola? Os estudos
mostram que a maior parte das pessoas não consegue recordar nenhum dos detalhes
descritos; mas se você estava atrasado para chegar à aula, porque haveria prova naquele
dia, e para economizar tempo você resolveu fazer um caminho alternativo, e por engano
entrou em uma rua sem saída, você certamente recordará bem desse detalhe. Luria nos
explica porque isso acontece:
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“(...) o homem memoriza antes de tudo aquilo que está relacionado com a finalidade de sua
atividade, aquilo que contribui para atingir o objetivo ou serve de obstáculo. Aquilo que está
relacionado com o objetivo ou com o objetivo da atividade motiva a reação orientada, torna-se
dominante e é memorizado, não se observando nem se conservando na memória os detalhes
secundários que não têm relação com o objetivo principal da atividade. É por isso que uma
pessoa que participa de uma discussão recorda cada pronunciamento de seus participantes, a
posição de cada um, o caráter das objeções; mas ela pode não se lembrar absolutamente se as
janelas do auditório estavam abertas ou fechadas, em que lugar estava o armário, se havia
jornais nas mesas, etc.” (1979, p. 78)
O fato de memorizarmos algo mesmo quando não estamos concentrados para fazê-lo
conscientemente é chamado de memorização imediata ou memorização involuntária.
Mas, e quando queremos memorizar algo, por exemplo, o número do telefone de
alguém; como fazemos isso? A memorização ocorre de diversas maneiras, porém,
organizar os elementos que queremos memorizar em estruturas semânticas (lógicas)
integrais
amplia
substancialmente
as
possibilidades
da
memória
e
torna
incomparavelmente mais estáveis os vestígios da memória (LURIA, 1979, p. 75).
Então, se quisermos guardar o número do telefone de um amigo, fica mais fácil
memorizá-lo quando unificamos os números em pares ou trios. Assim, ao invés de termos
8 unidades para memorizar, ficamos com apenas 4 ou 3 unidades. Outra forma rápida de
se lembrar de um número é associá-lo com datas que marcam nossas vidas (nascimentos,
aniversários, casamento, namoro, uma viagem marcante etc.), mesmo que logo depois
você as esqueça, porque deixam de ser necessárias.
Da mesma forma, se quisermos memorizar de uma só vez 10 palavras isoladas, na
seqüência dada, como cachorro-casa-maçã-irmã-música-vizinha-vassoura-passarinhobola-ouro, basta organizá-las em um sistema semântico para que a tarefa se torne mais
fácil: Meu cachorro fugiu de casa. Quando fui pegar uma maçã na cozinha percebi o que
havia acontecido. Chamei minha irmã que não me ouviu porque estava escutando
música. Saí procurando meu cachorro e levei o maior susto quando o encontrei: minha
vizinha tentava bater nele com uma vassoura porque ele havia pegado seu passarinho.
Meu cachorro só soltou o passarinho depois que joguei uma bola para ele brincar. Agora,
a vizinha não quer nos ver nem pintados de ouro!
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Por que isso ajuda? Porque colocamos os elementos que queremos memorizar em uma
cadeia associativa, na qual a participação da linguagem é fundamental. Luria considera a
palavra o elemento fundamental da linguagem, uma vez que é ela que designa as coisas,
individualiza suas características, designa ações, relações, e que reúne objetos em
determinados sistemas. A palavra evoca todo um complexo sistema de relações,
transformando-se no centro de toda uma complexa rede semântica; uma rede potencial
de enlaces multidimensionais que podem ter um caráter sonoro, visual, perceptivo,
situacional ou conceitual (LURIA, 1986).
Dito de outra maneira: a palavra ouvida ou lida involuntariamente evoca uma rede de
imagens e palavras a ela relacionadas e que devem ser inibidas para que seja
selecionado o sentido que tem a ver com a situação em questão. A palavra mesa pode
evocar diferentes imagens (escola, casamento, aniversário, cirurgia etc.) e uma série de
palavras que por alguma razão se associam a ela (cadeira, toalha, prato etc.). Além
disso, a palavra não somente designa uma coisa como a inclui em uma categoria, o que
torna possível a generalização e a abstração. É isso que possibilita construir o
pensamento e transmiti-lo para outros através da experiência acumulada na história
social, relacionada com as funções desse objeto. Sempre que uma pessoa fica fora da
possibilidade de entrar na rede de conhecimentos social e histórico que se associam a
uma palavra, maior será a dificuldade dessa pessoa em atribuir sentido e refletir sobre o
que ouve, lê, escreve, vive.
Prática em sala de aula
Você já viveu situações em que ouviu de orelhada um ditado ou letra de música,
alterando o sentido da frase? Por exemplo, a passagem da letra da música Noite do
Prazer, de Claudio Zoli, Na madrugada, vitrola rolando um Blues, tocando B.B. King sem
parar:
É ouvida por algumas pessoas como: Na madrugada, vitrola rolando um Blues, trocando
de biquíni sem parar.
Isso acontece por várias razões: a pessoa nunca ouviu falar a palavra B.B. King e a pessoa
tem mais familiaridade com a palavra biquíni.
O que motiva essa substituição é a
proximidade sonora entre as duas palavras. É interessante observar que a pessoa que
canta biquíni no lugar de B. B. King não se dá conta do quanto é bizarro imaginar a cena
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
de uma pessoa trocando de biquíni a noite inteira, enquanto a vitrola toca blues. O
mesmo acontece no episódio I do vídeo Viagem ao cérebro, quando Pedro, que não
conhece a palavra Kremlin escuta Gremlins. Veja, no entanto, que Pedro não faz essa
associação apenas porque não conhece a palavra Kremlin, mas porque é muito parecida
sonoramente com uma palavra que conhece (Gremlins), e que está relacionada com
outra cadeia associativa evocada pelo contexto do que dizia naquele momento: Pedro
falava do futuro (naves, robôs, carro voando) o que trouxe palavras que se associam com
essa ideia: gremlins, zords, alienígenas, cyborgs.
Pensando nisso tudo, ou seja, que somos movidos pela busca de sentido, no caso, muito
mais pelo aspecto sonoro do que semântico (significado), tente explicar o que acontece
nas seguintes situações:
1. A mãe pede à filha que vá até a farmácia comprar o laxante lactopurga. A
criança chega à farmácia e pede um lactopulga. O farmacêutico ironicamente
diz a ela que remédio para pulga só se encontra em casa agropecuária.
Resposta esperada
1. A criança, não querendo ser motivo de risos, faz uma hiper-correção de purga para pulga,
palavra que ela conhece e acha que seria o correto dizer. Além disso, pulga faz sentido para
ela, ao contrário de purga que vem da palavra purgante, que ela desconhece. Dessa forma, a
criança associa purga com uma maneira incorreta de pronunciar a palavra pulga e por isso faz a
hiper-correção.
2. Uma pessoa canta um trecho da música de Roberto e Erasmo Carlos “Mesmo que
seja eu” da seguinte forma: “Um homem pra chamar Dirceu mesmo que seja
eu”, no lugar de “Um homem pra chamar de seu mesmo que seja eu”.
Resposta esperada
2. A semelhança sonora entre Dirceu e de seu é a motivação para o uso de um pelo outro. Não é
descabido escutar Dirceu e, uma vez memorizado assim, não se questiona o sentido da frase.
3. Uma pessoa canta “Por você vou roubar os anéis e usar tudo”, em vez de “Por
você vou roubar os anéis de Saturno”, música de Rita Lee.
Resposta esperada
3. A semelhança sonora entre Saturno e usar tudo é a motivação para o uso de um pelo outro;
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
muito provavelmente, essa pessoa não sabe que Saturno tem anéis, o que faz com que escute
usar tudo ao invés de Saturno, na busca de sentido.
Comentário para o professor
Professor, o objetivo desta atividade é destacar como se dá a busca pelo sentido que caracteriza a vida
em sociedade e que é construído no exercício da linguagem para ser interpretado. Exemplo de uma
atividade interpretativa é a leitura de uma carta em que a pessoa que lê não tem acesso a quem escreve,
nem ao contexto em que foi escrita, nem tampouco aos gestos e à entonação. No entanto, como
compreende o sentido da carta? Pelas relações de sentido estabelecidas entre as palavras, tanto para que
combinem umas com as outras no eixo do tempo, quanto para escolher tais palavras de um conjunto
virtual formado de possibilidades associativas. A isso Saussure (1916) chamou de série mnemônica virtual;
vínculo que faz com a memória: as palavras que têm algo em comum [pelo som, pelo conceito, pelo
visual, pelo sentido (sinonímia, antonímia), etc.] se associam na memória e formam campos semânticos
dentro dos quais há vários tipos de relações. Essas relações, que são associativas, têm sua sede no cérebro
e fazem parte do tesouro interior que constitui a língua de cada indivíduo (SAUSSURE, 1916, p. 143).
Se as relações associativas têm sua sede no cérebro e se a memória tem participação nesse processo é
importante entender, professor, como isso ocorre. A principal estrutura do cérebro envolvida no
funcionamento da memória é o hipocampo - que está localizado no interior do lobo temporal, próximo da
amígdala, estrutura cerebral considerada o berço das emoções. Se existisse um “porteiro” das informações
sensoriais, o hipocampo seria ele: isso porque a informação tem que passar por ele para poder se mover
para o córtex pré-frontal, onde será armazenada temporariamente, constituindo-se na memória de curta
duração.
Quando você olha um número de telefone, o disca e o esquece imediatamente, é o córtex pré-frontal que
está trabalhando juntamente com o hipocampo. Mas, e quando você consegue se lembrar do número de
um telefone, mesmo depois de alguns minutos que o viu ou até mesmo depois de muitos meses? Nesse
caso, a informação passou por um processo químico chamado de potenciação de longo termo (long-term
potentiation ou LTP) que faz com que as sinapses fiquem mais fortes, sobretudo pela repetição e uso
contínuo dessa informação. Você precisa de LTP para formar memórias de longa duração. E LTP acontece
no hipocampo. A memória, no entanto, não é de responsabilidade exclusiva de certa área cortical, mas
prevê o funcionamento coordenado entre elas, com maior ou menor envolvimento de áreas circunscritas, a
depender da natureza do conteúdo a ser lembrado (FREIRE, 2005, p.34).
Determinadas emoções vinculadas aos acontecimentos que memorizamos, por exemplo, podem
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
desencadear a LTP. É mais provável que nos lembremos de um evento que despertou uma alegria ou
tristeza muito grande do que um evento corriqueiro sem nenhuma carga emocional. Isso porque, como
vimos, o hipocampo localiza-se muito próximo da amígdala e a ativação dessas estruturas conjuntamente
ajuda a desencadear a LTP. O neurologista Oliver Sacks, ao escrever sobre Freud neurologista, destaca que
o autor considerava que o recordar, além de exigir o trabalho do circuito fisiológico da LTP vai além dele,
constituindo-se em um processo dinâmico, transformador e reorganizador durante todo o curso da vida
(SACKS, 1998/2000, p. 206), o que torna possível as lembranças serem constantemente recontadas interna
e publicamente. E no processo de recontar as lembranças, há conteúdos que esquecemos porque causam
sofrimento, constrangimento, perturbação. Além disso, é insuportável se lembrar de tudo: já imaginou se
nos lembrássemos de todos os rostos que vimos durante toda nossa vida? Lembrar e esquecer faz parte da
constituição da memória.
Leia o poema Louvor ao esquecimento de Bertold Brecht:
Bom é o esquecimento.
Senão como é que
O filho deixaria a mãe que o amamentou?
Que lhe deu a força dos membros e
O retém para os experimentar.
Ou como havia o discípulo de abandonar o mestre
Que lhe deu o saber?
Quando o saber está dado
O discípulo tem de se pôr a caminho.
Na velha casa
Entram os novos moradores.
Se os que a construíram ainda lá estivessem
A casa seria pequena de mais.
O fogão aquece. O oleiro que o fez
Já ninguém o conhece. O lavrador
Não reconhece a broa de pão.
Como se levantaria, sem o esquecimento
Da noite que apaga os rastos, o homem de manhã?
Como é que o que foi espancado seis vezes
Se ergueria do chão à sétima
Pra lavrar o pedregal, pra voar
Ao céu perigoso?
A fraqueza da memória dá
Fortaleza aos homens.
Bertold Brecht, in 'Lendas, Parábolas, Crônicas, Sátiras e outros Poemas Tradução de Paulo Quintela
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
O que a linguagem tem a ver com a memória? É através da linguagem que as associações são construídas, a
memória é formada e retomada. A recordação não é uma reexcitação de inúmeros traços fixos,
fragmentados e sem vida. É uma reconstrução ou construção imaginativa, pautada na relação entre a
nossa atitude perante toda uma massa ativa de reações ou experiências vivenciadas e um pequeno detalhe
saliente que comumente aparece sob a forma de imagens ou de linguagem (COUDRY e FREIRE, 2005).
Vygotsky (1934/84) diz que a verdadeira essência da memória humana está no fato de os seres humanos
serem capazes de lembrar ativamente com a ajuda de signos (p. 58). Para o autor há uma base sígnica na
construção e organização das atividades mnêmicas. Para a criança pequena pensar é lembrar; para o
adolescente e adulto, lembrar é fundamentalmente pensar, dizia ele.
Como nos lembra Luria (1976/86), a palavra é um instrumento de abstração e generalização: uma pessoa
que diz “relógio” leva em conta que seu interlocutor, assim como ele, sabe que não se trata de um relógio
específico, mas de um objeto com determinadas características que pode ter formatos e cores diferentes.
A palavra, assim, tem um significado generalizado e essa é a condição que permite às pessoas se
expressarem. Portanto, ao abstrair um traço característico e generalizar o objeto, a palavra se transforma
em instrumento do pensamento e meio de comunicação (p. 37). Além disso, através da palavra somos
capazes de transmitir toda a experiência acumulada pelas gerações anteriores em relação a esse objeto:
ao nomear um objeto, o homem o analisa, e não o faz sobre a base da própria experiência concreta, mas
sim transmite a experiência acumulada na história social, relacionada com as funções deste objeto e
assim transmite o sistema de conhecimentos socialmente consolidados sobre as funções deste objeto (p.
38).
E por que é importante saber isso, professor? Porque sempre que um aluno fica fora da possibilidade de
entrar na rede de conhecimentos social e histórica que se associam a uma palavra, maior será a
dificuldade desse aluno em atribuir sentido e refletir sobre o que ouve, lê, escreve, vive. Para Eco (2005)
o fio condutor que promove o entrelaçamento de uma memória da humanidade e de uma memória
individual é o exercício da escrita. Por isso, professor, é importante propor atividades de escrita que
promovam a reflexão dos alunos sobre o que lêem, escrevem (fora e dentro da escola), vivem e pode ser
recuperado e recontado.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Atividade 2: Formação de Palavras
Saudadeira
Você já parou para pensar como as palavras são formadas? E como as palavras novas
surgem? E as palavras de outras línguas, como entram para a nossa língua? Para
responder essas questões é importante refletir sobre os processos de formação de
palavras em nossa língua (veja também o Programa Vozes da Cidade, episódio 2, Tema
Como as palavras de uma língua são formadas: composição, derivação e empréstimo).
Vamos lá?
Destacamos alguns dos processos de formação de palavras abordados por Abaurre e
Pontara (2006): composição por justaposição e aglutinação, empréstimos lexicais,
neologismos, prefixação, sufixação (nominal, verbal, adverbial).
A composição é o processo no qual dois radicais se unem para formar uma palavra. A
composição pode se dar por justaposição (processo em que os radicais não sofrem
alterações) – como: cachorro-quente, girasssol – ou por aglutinação (processo em que os
radicais sofrem alterações) – como: planalto (plano + alto), pernilongo (perna + longo).
Outros exemplos de processos de formação de palavras são os empréstimos lexicais e os
neologismos. Vejamos primeiramente um empréstimo lexical: a palavra abajur é de
origem francesa (abajour) e foi incorporada em nossa língua em função da forte
influência que essa cultura exerceu no mundo e, consequentemete, no Brasil, sobretudo
no século XVII. Os neologismos, por outro lado, surgem devido à necessidade dos
falantes de expressar algo quando não encontram uma palavra da língua que se ajusta ao
que querem dizer. O fenômeno do apagão, decorrente da crise energética no país em
1999, é um exemplo. Para ser comentado e analisado o fenômeno tem que ter um nome.
Outro exemplo é a palavra imexível criada, na década de 1990, por Antônio Rogério
Magri, ministro do trabalho do governo Collor, quando se referiu ao plano econômico do
governo (Plano Collor) como sendo imexível.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Ressaltamos que tanto os empréstimos quanto os neologismos são incorporados na língua
apenas quando passam a ser usados por grande parte da população e a constar nos
dicionários, ou seja, quando são lexicalizados – o que mostra que a língua tem uma forte
relação com a cultura, a história e o uso social. Chamamos a atenção para os
neologismos: observem que eles seguem o padrão da língua; isto é, as palavras novas não
são criadas ao acaso, mas seguem as regras do sistema da língua, seu ritmo, sua
estrutura.
As palavras também podem ser formadas por processos derivacionais, como a prefixação
e a sufixação. A derivação prefixal se dá pela adição de um prefixo a um radical de
modo a alterar seu sentido inicial; por exemplo: ao verbo disposto podemos acrescentar
o prefixo in para formar a palavra indisposto, que tem sentido oposto à palavra
(disposto) da qual derivou. Já a derivação sufixal se dá pelo acréscimo de um sufixo a
um radical, o que também altera o sentido desse radical. A característica principal desse
segundo processo na nossa língua é a mudança de classe gramatical que promove. Assim,
temos três tipos de derivação sufixal: nominal (como papelada, boquinha, juventude que derivam substantivos ou adjetivos de radicais nominais ou verbais, capazes de
promover mudanças de grau – aumentativo ou diminutivo); verbal (como florescer,
resgatar
–
que
derivam
verbos
de
radicais
nominais);
e,
adverbial
(como
simpaticamente, amigavelmente - que derivam advérbios de adjetivos).
E o que acontece no cérebro quando criamos e registramos esses processos de formação
de palavras?
O cérebro reconhece o padrão de palavra seja para formar novas palavras ou para
(re)conhecer que se trata de uma palavra da língua - conhecida por nós ou não. Por
exemplo: sabemos que apagão pode ser uma palavra de nossa língua mesmo sem saber
seu significado, diferente de apagon, apaghation, apagovski que certamente não
reconheceríamos como sendo do Português do Brasil. E como o cérebro (re)conhece/cria
uma palavra da língua? Os três blocos devem estar ativos para que isso ocorra: o Bloco I
para focar a atenção na palavra nova e na sua relação com outras palavras da língua; o
Bloco II para receber as informações dos órgãos do sentido e juntamente com o Bloco III
analisar, comparar com palavras conhecidas e associar para identificá-la, ou registrar
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
como uma palavra nova (aceitando sua inclusão no léxico), ou ainda associar para formar
uma palavra nova. No caso de ser uma palavra nova que, por sua vez, se relaciona pela
memória com palavras conhecidas, o cérebro forma um outro caminho que é fortalecido
com a repetição e o uso.
E o que acontece com palavras que não utilizamos muito? Apesar de conseguir
reconhecê-las como sendo da língua podemos esquecer seu significado, sua forma de
grafar ou ainda pode ocorrer de lembrarmos somente de parte dessa palavra, seja
escrita ou falada. É o que aconteceu com Carolina ao tentar se lembrar da palavra
Kremilin. Carolina reconhece a figura do Kremilin no mapa e também que a palavra
começa com “K”. Muito provavelmente isso se deu por ser uma palavra que Carolina não
usa no seu dia-a-dia.
A plasticidade cerebral, isto é, a característica do cérebro de conviver com mudanças,
novos aprendizados, se ajustar a eles e a diferentes situações é que permite que novos
caminhos se entrecruzem com caminhos conhecidos e sejam fortalecidos com o uso;
assim novas palavras são incorporadas ao nosso léxico.
Prática em sala de aula
Você já ouviu falar em Etimologia? Etimologia é o estudo da origem das palavras. Seu
papel é de grande importância para o conhecimento científico, pois conhecendo os
radicais que deram origem a uma palavra fica mais fácil sua compreensão, ajuda em sua
memorização e na dedução de seu significado. Por exemplo, você conhece o significado
da palavra toponímia? Ela é derivada das palavras gregas τόπος (tópos), lugar, e νοµα
(ónoma), nome, e siginifica literalmente, o nome de um lugar. A Etimologia é
considerada uma parte da Linguística – com fortes ligações com a história, a arqueologia
e a geografia – que estuda os topônimos, ou seja, nomes próprios de lugares, suas
origens e relações com a cultura.
O português do Brasil teve em sua formação uma influência muito grande da língua
indígena Tupi-Guarani (veja também o Programa Causos e falas daqui e dali, episódio 3,
Tema Paca, sabiá, arara e jacaré: Palavras de origem indígena). Vejamos alguns
topônimos tupi-guaranis e seu significado em português:
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Anhangabaú - de anhangá+bá (malefício do diabo)+y (água, rio): "rio do diabo"
Butantã - de mbu (lugar, terra)+ tã-tã (dura-dura, muito dura): "terra muito dura"
Nos exemplos acima, apesar das diferenças entre a língua original (Tupi-Guarani) e o
Português do Brasil, é possível reconhecer um processo de formação de palavra. Que
processo é esse? Justifique sua resposta.
Resposta esperada
O processo é o de composição por justaposição. Apesar das diferenças entre as línguas, verifica-se que não
houve mudanças no radical de forma a aglutinar letras ou sons.
Agora, imagine que você está chegando pela primeira vez na cidade de São Paulo e se
depara com as seguintes localidades: Ibirapuera, Cangaíba, Guaianazes, Jabaquara,
Itaim, Mooca, Pacaembu, Sapopemba, Tucuruvi, Tremembé. Curioso(a) você decide
descobrir o significado do nome de cada uma dessas localidades. Escreva o que
descobriu, pesquisando em livros ou na internet.
Resposta esperada
Cangaíba - "cabeça ruim, dor de cabeça"
Guaianazes - nome de antiga tribo indígena
Ibirapuera - "madeira podre"
Itaim - "pedra pequena"
Jabaquara - "rocha"; "buraco"; "lugar dos refugiados"
Mooca - "faz casa"
Pacaembu - "arroio das pacas"
Sapopemba - "raiz chata, muito enterrada"
Tremembé - "brejo, lamaçal, pântano"
Tucuruvi - "gafanhoto verde"; "taquara verde"
Comentário para o professor
Professor, nosso objetivo é refletir sobre os processos de formação e origem de palavras em nossa língua
uma vez que isso ajuda na compreensão de seu significado, bem como em sua memorização. Para Luria
(1979) a palavra é a unidade fundamental da língua; tem uma estrutura complexa e duas funções básicas:
representar e significar. Vejamos, por exemplo, a palavra saleiro. Em um primeiro momento ela pode
evocar a imagem de um saleiro sobre a mesa. Entretanto, como salienta Luria (1979), a evocação da
imagem do objeto (função representativa) não esgota a função da palavra (p.19). Analisando mais
atentamente, é possível observar que a palavra saleiro é formada por vários componentes: a primeira
parte – sal – indica que tem alguma relação com sal (tempero de coloração branca); a segunda parte da
palavra – eiro – designa uma qualidade de instrumento (como verifica-se em cinzeiro, tinteiro,
pimenteiro), um substantivo. Dessa forma, uma palavra que em um primeiro momento parecia simples
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
mostra uma estrutura complexa: um objeto que tem relação com sal, tem qualidade de instrumento e é
um substantivo – saleiro. Luria (1979) resume:
Um exame minucioso da morfologia da palavra revela toda a complexidade de sua função.
Mostra que temos diante de nós um complexo sistema de códigos que se formou na história da
humanidade e transmite à pessoa que usa a palavra uma complexa informação acerca das
propriedades essenciais para um dado objeto, das suas funções básicas e das relações que com
outros objetos mantêm as categorias coexistentes que esse objeto possui objetivamente (p.
20).
Portanto, dominar uma palavra significa dominar um sistema complexo de associações e relações no qual
um determinado objeto se encontra e que foram construídas ao longo da história da humanidade. Por isso,
professor, é importante refletir, junto com os alunos, sobre os processos de formação de palavras em
nossa língua.
Luria salienta que no período em que a criança começa a usar as formas morfológicas diferenciais das
palavras, momento em que começa a usar os sufixos e prefixos, registra-se um enorme salto em seu
vocabulário. Isso porque a criança passa de um momento em que algumas palavras designavam várias
coisas – dependendo da situação, entonação, gesto – para um outro momento em que há uma necessidade
de usar novas palavras que designem mais apropriadamente objetos, ações, qualidades, relações etc. É o
que verificamos quando a criança em fase de aquisição, período em que ainda não domina totalmente o
léxico da língua, faz hipóteses para formar palavras a partir do que já conhece e diz, por exemplo:
descaber, desapagar, saudadeira, fazedor.
E qual o ganho que temos ao dominar o léxico de uma língua? A representação do mundo se amplia
enormemente. É possível falar e ser compreendido por seus pares sobre qualquer coisa. Com a ajuda da
linguagem, que designa objetos, valores, atitudes, relações, o homem passa a se relacionar não só com o
que observa diretamente e pode manipular, como também com o que não percebe diretamente: imagens,
ações, relações, qualidades – designadas pelas palavras, expressões, enunciados, textos. Dito de outra
forma, com a palavra e suas combinações torna-se possível experimentar mentalmente o que quer que
seja. Além disso, ao designar o objeto, a palavra separa nele determinadas propriedades, colocando-o em
relação com outros objetos, de modo a introduzi-lo em categorias específicas. E assim se compõem as
matrizes de sentido que orientam o que dizemos, lemos, escrevemos.
O ganho também se dá na relação entre os neurônios decorrentes de novas sinapses que se formam. Como
já mencionamos no texto inicial dessa atividade, professor, para (re)conhecer, formar, criar, usar uma
palavra da língua, os três blocos funcionam integradamente: o Bloco I para focar a atenção na palavra
nova e na sua relação com outras palavras da língua; o Bloco II para receber as informações dos órgãos do
sentido e juntamente com o Bloco III analisar, comparar com palavras conhecidas e associar para
identificá-la, ou registrar como uma palavra nova (promovendo sua inclusão no léxico), ou ainda associar
para formar uma palavra nova. No caso de ser uma palavra nova que, por sua vez, se relaciona pela
memória com palavras conhecidas, o cérebro cria outros caminhos que são fortalecidos com as práticas
sociais em que nos envolvemos repetidamente em nossas vidas.
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Atividade 3: Relações Lógico-Gramaticais
Como o cérebro processa as relações lógico-gramaticais e como se apresentam na
escrita
Sem o funcionamento do sistema de atenção coordenado pelo Bloco I nenhum
aprendizado é possível. Em que aspectos o sistema de atenção tem que focar para
ler/escrever?
Há princípios fundamentais espaciais que orientam a leitura e a escrita em uma
sociedade ocidental como a nossa: da esquerda para a direita, de cima para baixo, o que
pressupõe um controle visuomotor (que coordena o movimento do olho na linha, do
caderno para a lousa e vice-versa). Isso tudo tem que ser feito com foco no sentido da
palavra em questão que é processado rapidamente. O funcionamento do sistema
cerebral de quem lê e escreve com independência não é o de considerar letra por letra
da palavra a ser lida ou escrita, mas a palavra inteira. E justamente por isso, às vezes,
não só lemos uma palavra no lugar de outra, como também conseguimos ler uma palavra
que se apresenta incompleta ou misturando letras e números. Veja esse pequeno texto:
“Otm
etve na csa d7 mnha
ea tnha sa7d6 com
naorda
e el1 n5o etva. A ma2 dl5
se7 naorado.
Ajgue7 sta sobrdo
me d3sse qu7
aq6i.”2
A compreensão do sentido da frase nessas condições nos faz perceber a existência de
relações lógico-gramaticais na estrutura sintática da língua. Veja que as palavras mesmo
distorcidas podem ser lidas; isso se deve ao fato da sintaxe permanecer preservada e o
contexto contribuir para a atribuição de sentido ao que esta sendo lido. Se não houvesse
essa estrutura lógica não haveria possibilidade de se descobrir o sentido da frase.
Já quando pensamos utilizamos operações lógico-gramaticais abreviadas, econômicas.
Um exemplo disso é quando estamos atrasados e olhamos para o relógio. Basta pensar:
atrasados. Não há tempo de pensar a frase toda, nem é necessário, porque a palavra
atrasados consegue sintetizar tudo que queremos dizer. O funcionamento cerebral em
relação ao pensamento tem a particularidade de ser rápido por uma questão de
2
Tradução: “Ontem estive na casa de minha namorada e ela não estava. A mãe dela me disse que ela tinha saído com seu namorado. Alguém está
sobrando aqui”.
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preservação da vida, inclusive: percebemos em fração de segundos uma situação de
perigo porque somos acometidos por um pensamento que reconhecemos como medo e o
nosso corpo reage a ele disparando biologicamente um sistema de alerta (Para Saber
Mais veja o quadro Mais vale confundir um galho com uma cobra, do que ficar sem
reação).
Por outro lado, como entendemos prontamente uma expressão do tipo irmão do pai/mãe
como sendo tio, já que esta última palavra não refere diretamente nem a pai/mãe nem
a irmão? Trata-se de uma construção complexa que exige uma relação lógico-gramatical
que não expressa dois objetos isolados (pai/mãe; irmão), mas sim um terceiro objeto
que não é mencionado (tio). Isso demanda a transformação de irmão do pai/mãe em tio,
o que requer um trabalho cerebral importante, construído no exercício com a língua pela
fala, leitura e escrita.
No funcionamento do pensamento há uma economia sintática garantida pela escolha de
palavras-chave que asseguram o sentido. Esse modelo é seguido nos serviços de
telegramas prestados pelo Correio, embora, menos usados hoje devido às novas
tecnologias de contato (telefone, fax, mensagens digitais). O alto custo de cada palavra
nos telegramas gerou a necessidade de economia, por isso, escreve-se o mínimo de
palavras possível: chego amanhã trem onze – para avisar um amigo sobre o horário da
chegada e onde.
Diferentemente, quando escrevemos para outros fins temos que explicitar as relações
entre as palavras; é o que ocorre com o exemplo acima sobre o atraso. Vimos que
quando pensamos basta olhar o relógio para flagrar o atraso, mas na situação de ser
necessário escrever sobre o atraso teríamos uma possível expansão: tenho aula de
francês às 9h00, são 9h10, estou atrasada. Isso porque quando pensamos o fazemos com
os “nossos botões” (o que inclui indiretamente o outro) e quando falamos ou escrevemos
nos dirigimos diretamente ao outro. Em caso de atraso na nossa cultura, é comum
explicitar na fala ou na escrita uma justificativa mantendo sua coerência em relação às
regras do jogo social. Nesse caso, podemos usar uma desculpa refutando o atraso ou
explicando o porquê. No primeiro caso, poderíamos dizer: não perdi a hora, mas o
ônibus quebrou. Isso é usado para contrapor a ideia de atraso e afirmar um
acontecimento alheio a minha vontade. Estou atrasado, mas consigo acompanhar a aula.
Nesse segundo caso, argumenta-se que o atraso não prejudicará o rendimento na aula.
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Veja que nas duas construções foram usadas a conjunção coordenada mas com funções
diferentes: refutação e argumentação; outros tipos de construções sintáticas podem
envolver operações subordinadas, igualmente complexas, que exigem um trabalho do
cérebro para compreendê-las e usá-las. Acompanhe como o uso do mas fica ainda mais
complexo quando se trata da fala.
Falamos Mais para todos os Ma(I)S
Na fala não distinguimos o modo como pronunciamos mais com o sentido de adição, de mas
conjunção adversativa que usamos para argumentar ou contrapor/refutar.
Como o cérebro diferencia os sentidos dessas palavras?
No desafio da atividade abaixo, a frase “A moça que quer ser professora de História é um ano
mais velha do que Marina que estudará na USP”: a palavra mais indica uma comparação – mais
velha que.
Ainda como comparativo podemos ter: menos (inferioridade), mais (superioridade), tão/tantoquanto (igualdade)
Outros dois mas são possíveis.
Trata-se do mas com função argumentativa, como na frase:
Ronaldo gosta de literatura, mas escolheu o curso de engenharia.
E do mas usado para refutar a primeira ideia da frase que geralmente é negativa:
Ronaldo não passou na Universidade Mineira, mas na Universidade Paulista.
Agora veja um exemplo em que na escrita um dos mais não teria o (i), qual deles seria, e que
diferenças de sentido há entre eles?
Demorou mais, mais foi legal.
O cérebro faz a distinção entre um e outro pelo sentido: demorar só pode ser mais ou menos;
foi legal, mas poderia não ter sido.
Ainda que a sonoridade seja a mesma o sentido não é. Para fazer esse reconhecimento se
ativam várias partes do cérebro na busca pelo sentido do ma(i)s: o bloco I, focando a atenção,
o II informando sobre a entrada acústica única com dois sentidos envolvendo a área de
confluência têmporo-parieto-occipital para que a pessoa perceba essa diferença (Para Saber
Mais veja o quadro Associações, ao final desta atividade).
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Prática em sala de aula
Quem é quem: um problema lógico-gramatical
A compreensão das relações lógico-gramaticais é possível pelo registro escrito porque
podem ser recuperadas e rememoradas em virtude da materialização da escrita. Por que
é assim? Porque a fala, como dizem os indianos, se espalha com o vento, e sem o apoio
da escrita seria muito difícil fazer um exercício que demanda repetidamente
movimentos de idas e vindas nos enunciados que devem ser analisados.
Luria, ao estudar as estruturas lógico-gramaticais propõe soluções de problemas (Solving
Problems) que envolvem pensamento dedutivo. Atualmente, se encontra esse tipo de
exercício em revistas de passa-tempo como a Coquetel com o nome Problemas de
Lógica. É o desafio da descoberta por hipóteses que vão sendo afirmadas ou refutadas
em um jogo que o torna divertido.
Vamos jogar! Leia o enunciado abaixo.
Cinco estudantes foram aprovados no vestibular, o desafio é descobrir a partir das
informações abaixo: Quem entrou no curso de Letras? Quem entrou na Universidade
Amazonense? Quem tem 21 anos?
Informações
Felipe que não se matriculou na Universidade Paulista, nem na Universidade Mineira, não
gosta de Pedagogia.
A moça que quer ser professora de História é um ano mais velha do que Marina que
estudará na Universidade Baiana.
Ronaldo escolheu o curso de Engenharia. Ele não tem 19 anos e não passou na
Universidade Mineira.
Marcelo, que é dois anos mais novo do que Ronaldo, escolheu a Universidade Gaúcha
para cursar Medicina.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
A pessoa que escolheu o curso de Letras não tem 17 anos.
Passos para resolução de problemas lógico-gramaticais
Se você seguir o raciocínio indicado você chegará à solução desejada (quem cursou o
quê, onde e com que idade?) cruzando tanto as informações dadas, quanto as que você
inferiu por abdução, dedução e indução. Para cruzar as informações e chegar à solução
você precisa formular uma hipótese e verificá-la ao longo dos passos. Sugerimos que
você aja como um detetive, ao estilo de Sherlock Holmes e Watson (Para Saber Mais veja
o quadro Como descobrimos as coisas, ao final desta atividade).
1. Listar as informações explícitas no texto referentes a: curso, universidade e
idade.
2. Listar as relações implícitas no texto raciocinando por meio de dedução e
abdução.
3. Cruzar as informações verificando a consistência da conclusão, em relação ao
conjunto de informações dadas e obtidas.
Resposta esperada
Seguindo os passos para resolução
Quem faz que curso?
Ronaldo quer fazer Engenharia (informação dada).
Marcelo quer fazer Medicina (informação dada)
Felipe não gosta de Pedagogia e não pode cursar História porque o aluno de História é uma moça. Então
Felipe quer fazer o curso de ... (raciocine por dedução)
Marina não quer fazer faculdade de História, então, ela quer fazer ... (raciocine por dedução).
Em conseqüência desse conjunto de informações, por eliminação, Carolina vai cursar ... (raciocine por
dedução).
Qual Universidade?
Marina estudará na Universidade Baiana.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Marcelo escolheu a Universidade Gaucha.
Se Felipe não se matriculou nem na Universidade Paulista, nem na Universidade Mineira (informação
dada), então, Felipe se matriculou na (raciocine por dedução)
A moça que quer ser professora de História estudará na Universidade Mineira, então, (raciocine por
dedução) estudará na Universidade Mineira.
Ronaldo que não passou na Universidade Mineira, entrou na Universidade ... (raciocine por dedução).
Com que idade?
Ronaldo não tem 19 anos.
(raciocine por dedução) escolheu a faculdade de Letras e não tem 17 anos.
Marina que estudará na Universidade Baiana é um ano mais nova do que a pessoa que estudará história.
Marcelo é dois anos mais novo do que Ronaldo.
Para resolver esse item é preciso se aventurar em formular uma hipótese para a idade de um dos
personagens para desvendar a idade de todos e, assim, raciocinar por abdução.
Resolução
Felipe não se matriculou nem na Universidade Paulista nem na Universidade Mineira (dica 1), então, Felipe
se matriculou na Universidade Amazonense – informação implícita
Ronaldo não passou para a Universidade Mineira, conseqüentemente, Carolina se matriculou na
Universidade Mineira.
E Ronaldo passou na Universidade Paulista.
Felipe não quer fazer faculdade de História (que é uma moça, dica 2) nem de Pedagogia, então Felipe
quer fazer faculdade de Letras.
Marina não quer fazer faculdade de Historia (dica 2), então, Marina quer fazer Pedagogia,
conseqüentemente, Carolina quer fazer História.
Felipe escolheu a faculdade de Letras e não tem 17 anos (dica 5); nem Marcelo (dica 4), nem Carolina (que
quer estudar história, dica 2), nem Ronaldo ( dica 4), então, Marina tem 17 anos (dica 5).
Pela dica 2, Carolina que estuda história, tem 18 anos.
Ronaldo não tem 19 anos, nem 20, (porque Marcelo não tem 18; quem tem é Carolina, dica 4).
Então, pela dica 4, Marcelo tem 19 anos e Ronaldo 21 anos, Felipe tem 20 anos.
Comentário para o professor
Baseado nos recursos da linguagem, o pensamento humano é uma forma especifica de atividade produtiva:
permite não apenas ordenar, analisar, sintetizar informação, conhecimento, atitudes, como também
relacionar os fatos percebidos a determinadas categorias, e assim ultrapassar os limites da informação
imediatamente recebida. Permite, ainda, tirar conclusões a partir dos fatos percebidos e chegar a certas
inferências mesmo sem dispor de fatos imediatos e partindo da informação recebida.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Nesse sentido também disponibiliza um conhecimento por intuição em alguns casos, e do tipo insight em
outros (Veja os exemplos de Arquimedes e do bombeiro citados no Tema Conexão Linguagem; ver neste
episódio, a Atividade 6).
As conjunções possibilitam formular relações lógicas das mais simples às mais elaboradas bem como
relacionar informações por diferentes meios que surgiram na história da linguagem e da vida em
sociedade, e que servem de base para o pensamento complexo: são exemplos construções como em
conseqüência de, embora, apesar de. O que se indica com isso é que podemos falar e escrever usando
apenas conjunções coordenadas do tipo: e, mas, então, pois, mas isso não reflete a complexidade que um
pensamento humano pode chegar. Para isso será necessário usar outros recursos lingüísticos, além das
coordenadas, como as conjunções subordinadas que relacionam sentenças por causa, efeito,
conseqüência, tempo, condição, concessão, comparação, conformidade, proporção e finalidade.
Faça você mesmo o exercício de transformar a frase que segue em orações subordinadas: Ele saiu para
assistir a um filme e daí encontrou seu amigo e foram tomar um lanche e depois chegou a irmã de um
deles e ficou conversando com eles até de madrugada. Observe que várias versões são possíveis, sendo
uma delas a que sugerimos: Ele saiu para assistir a um filme quando encontrou seu amigo que o convidou
para tomar um lanche. Antes que fossem para casa, a irmã de um deles chegou e, porque se dão muito
bem, ficaram conversando até de madrugada.
Nosso objetivo, professor, é destacar o raciocínio que está envolvido em construções complexas, como as
que verificamos nas orações subordinadas. Destacamos que combinar subordinadas com coordenadas
também é uma operação complexa. No vídeo, tanto Pedro quanto Carolina e Luria, embora se trate de
fala, se utilizam de construções como essas, por exemplo: Pedro, no primeiro episódio, diz: Vamos rápido
que o tempo tá acabando!
Luria, no segundo episódio, diz: Bom, apesar de a dislexia ser um tema bastante controverso, até onde
eu sei, ela está relacionada a uma lesão cerebral e para isso seu amigo precisa ter sofrido um acidente.
Carolina, também no segundo episódio, diz: Ah... quer dizer que quando a gente estava observando todas
as pistas do mapa que nos trouxe até aqui, era essa área do nosso cérebro que estava ativada?
A complexidade presente nessas construções advém das relações lógico-gramaticais essenciais para
expressá-las. Essas relações também se manifestam nos três raciocínios que expusemos (dedutivo,
abdutivo e indutivo). Entretanto, esses raciocínios dependem da matriz semântica que cada um tem para
serem elaborados. Lembramos o que já foi dito a propósito da importância da matriz semântica (Veja o
Tema Memória e Campo Semântico): trata-se de um lugar de concentração de conhecimentos advindos de
todo o tipo de experiência por nós já vivida ou imaginada. Veja, no quadro Como descobrimos as coisas?,
como Holmes deduziu que Watson era um médico que serviu em uma base militar do Afeganistão a partir
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
de conhecimentos de Geografia, Clima, Anatomia, Política. Por isso, professor, é importante ampliar o
conhecimento dos alunos para que consigam ver para além do que as coisas mostram. Nesse sentido o
olhar de detetive ajuda a ver que o aprendizado metalingüístico que a escola apresenta ao ensinar análise
sintática de orações subordinadas pode ter uma aplicação na vida: saber que interpretar o sentido de uma
frase escrita ou lida implica um raciocínio lógico-gramatical que pode ser utilizado na solução de
problemas das áreas de matemática, física, química (entre outras), para desvendar um mistério, para
chegar a novas descobertas.
Ressaltamos que a reflexão que se faz aqui para a resolução da atividade Quem é quem: um problema
lógico gramatical é inspirada nos estudos de Luria sobre o que propõe como solução de problemas (Solving
Problems), diferentemente do que é proposto como resolução em revistas de passa-tempo cujo foco são
respostas sim e não muito fáceis de serem logo aprendidas.
Consideramos importante, professor, saber que - na história da humanidade - linguagem e pensamento
caminharam juntos no que diz respeito à complexidade de um e de outro. Exemplo disso são as operações
lógico-gramaticais que tornam possível explicitar tal sofisticação em construções elaboradas: Apesar de
Maria saber que o trem de João chegaria com atraso, saiu antes que Pedro voltasse do trabalho, quando
ela estava segura que daria tempo de apanhar o amigo na estação.
Sugerimos, professor, que você retome o Programa de áudio Quem ri seus males espanta, agora sabendo a
complexidade que envolve fazer rir, considerando as operações com a linguagem envolvendo o som (lobo
temporal), a relação entre as palavras do ponto de vista de sua organização sintática e lexical (confluência
têmporo-parieto-occipital) e as regras de uso que fazemos da língua (lobo frontal).
PARA SABER MAIS
Mais vale confundir um galho com uma cobra, do que ficar sem reação.
Mãos frias e suadas, olhos arregalados, respiração ofegante, coração saltando pela boca,
palidez. Esse conjunto de sensações, que convencionamos chamar de MEDO, acontece quando
estamos diante de situações de risco, colocando nosso organismo em alerta para uma eventual
fuga ou luta, quando necessárias.
E tudo isso ocorre em milionésimos de segundo. Alguns pesquisadores acreditam que o cérebro
detecta determinados sinais de perigo e organiza os padrões de fuga/luta antes mesmo que
tenhamos a consciência plena do estímulo que nos causou medo. Joseph LeDoux, neurocientista
da Universidade de Nova Iorque, ilustra essas interações através de um célebre exemplo: uma
pessoa que caminha em uma mata onde pode haver cobras, depara-se inesperadamente com
um objeto fino e recurvo, como uma serpente. Imediatamente, todo o conjunto de reações
fisiológicas, corporais e faciais, diante daquele sinal potencialmente perigoso é disparado. Tais
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
respostas são coordenadas pela
Amígdala através de informações
provenientes
Tálamo.
diretamente
Porém,
do
alguns
milésimos de segundo depois, o
excursionista pode se dar conta
de que não se tratava de uma
serpente, mas sim de um tronco
seco retorcido. Este tipo de
análise mais refinada é feita
pelas áreas sensoriais do córtex
cerebral
Fonte: http://fotolog.terra.com.br/neurocience135
através
do
seguinte
trajeto: os impulsos nervosos
que carregam as informações do
sinal de perigo chegam ao Tálamo, passam pelo córtex cerebral e, de lá, são repassados
novamente para a Amígdala. Por se tratar de um trajeto um pouco mais longo, essas
informações mais refinadas das áreas sensoriais do córtex cerebral, informando não se tratar de
uma serpente, levam mais tempo para atingir a Amígdala do que aquelas provenientes
diretamente do Tálamo. De acordo com LeDoux, a comparação entre essas duas informações,
uma tosca e extremamente rápida, e a outra um pouco mais refinada, porém mais lenta,
apresenta claras vantagens adaptativas para os animais diante de estímulos ambientais que
representam fontes de perigo para sua integridade física.
É muito mais vantajoso reagirmos pronta e defensivamente a um galho de árvore que nos
parece uma cobra do que tomarmos a decisão de fuga ou luta alguns milésimos de segundo mais
tarde enquanto a Amígdala aguarda informações mais refinadas de áreas corticais.
Fonte: http://br.geocities.com/materia_pensante/psi_medo2_landeira.html
Associações
É na confluência das regiões têmporo-parieto–
occiptais (círculo em vermelho) que se formam as
associações que fazemos enquanto falamos, lemos,
escrevemos, observamos, escutamos, pensamos e
isso se dá por meio das entradas do mundo exterior
por via acústica (lobo temporal), espacial (lobo
parietal) e visual (lobo occipital). Diante de um
outdoor, por exemplo, com imagens, cores e
palavras, lemos mesmo sem querer porque
associamos também sem querer. Quando alguém
fala conosco, isso também ocorre; a seleção das
associações que fazemos são altamente favorecidas
pela atenção focalizada no tema em questão, senão
nos dispersamos o tempo todo.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Como descobrimos as coisas
Para Charles Sanders Peirce (lógico-matemático norte-americano que viveu de 1839 a 1914)
existem três tipos de raciocínio: indução, dedução e abdução.
Na indução há o estabelecimento de uma regra geral considerando para isso o conhecimento de
dados singulares, particulares. Confirma uma teoria já existente através da experimentação dos
sentidos, mas não fecha uma conclusão definitiva. Por exemplo: A rosa que conheço têm
espinhos, então, todas as rosas têm espinhos.
Na dedução partimos de uma premissa maior para uma menor, ou seja, aplicamos regras gerais
a casos particulares: Todas as rosas daquele jardim são brancas; as rosas que você vai me dar
são daquele jardim; logo, as rosas que receberei serão brancas.
Na abdução trabalha-se com uma ideia possível a ser explicada. Tanto a indução quanto a
dedução usam o método da abdução para a criação de novas hipóteses explicativas. Esse
raciocínio é típico das descobertas - estudam-se os fatos por experimentação e monta-se uma
hipótese para explicá-los: são pressuposições formuladas antes de se confirmar ou negar um
acontecimento físico, geológico, corporal etc. Um exemplo disso é a invenção do para-raios por
Benjamin Franklin, em 1752. Num dia de tempestade este cientista, também escritor e
diplomata, saiu com o filho soltando uma pipa de papel presa por um fio de metal e observou
que a eletricidade do raio percorria esse fio de metal. Mais tarde ele percebeu que hastes de
ferro ligadas à terra conduzem a eletricidade para a terra. Repetindo essa experiência, ele
chegou ao para-raio usado nas edificações. Para Peirce a questão da abdução se dá sob efeitos
práticos do dia a dia que guiam nossas condutas. Não só os cientistas, mas todos nós fazemos
uso desse raciocínio o tempo todo, basta ver um rastro de pó preto no chão da cozinha para
irmos conferir se o pacote de pó de café esta furado.
Sherlock Holmes, personagem criado em 1887 pelo médico e escritor britânico Sir Arthur Conan
Doyle, usava profissionalmente o recurso da lógica dedutiva nas suas investigações. Através da
observação do ambiente e do comportamento das pessoas, reunia pistas e formulava hipóteses
que sempre resolviam o mistério.
Aprecie, no trecho abaixo do Livro em Vermelho, o momento em que Sherlock Holmes conversa
com Watson (um personagem médico, alter ego de Doyle), explicando como sem nunca tê-lo
visto antes deduziu coisas verdadeiras sobre ele. Na cena inicial, Holmes fala para Watson que
sabe que ele é médico militar, que lutou no Afeganistão, que passou por problemas de saúde e
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
foi ferido no braço esquerdo.
“Aí está um cavalheiro do tipo médico, mas com ar de militar. Portanto, é obviamente um
médico do exército. Acaba de chegar dos trópicos, porque seu rosto é escuro, mas esse não é o
matiz de sua pele, pois seus pulsos são claros. Passou por dificuldades e doenças, como a sua
face desfigurada revela claramente. Seu braço esquerdo foi ferido. Ele o mantém numa
maneira rígida e pouco natural. Em que lugar dos trópicos um médico do exército inglês poderia
ter sofrido muitas privações e ter sido ferido no braço? Claro que no Afeganistão” (Doyle, 1887,
p. 27).
Luria (1979) considera a dedução como um exemplo de sistema complexo pelo qual se organiza
o pensamento humano, que evoluiu ao longo da história e do conhecimento para chegar a
conclusões lógicas. As operações de conclusão que fazem parte da dedução se baseiam nas
relações lógicas que se formam na linguagem, como o silogismo, e não necessitam da
experiência prática pessoal, ou seja, trata-se de relações complexas. Como exemplo de
silogismo, apresentamos um bastante conhecido:
Todo homem é mortal (Premissa Maior)
Sócrates é homem (Premissa Menor)
Logo Sócrates é mortal (Conclusão)
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Atividade 4: Relações de Sentido
Verdade ou mentira
Todos nós aprendemos desde muito cedo que mentir é errado; entretanto, a mentira faz
parte da humanidade há milênios, e há quem diga que é impossível viver sem contar ao
menos uma mentirinha que seja. Mentimos por inúmeras razões: para agradar alguém,
dar uma desculpa quando estamos atrasados, aumentar uma experiência vivida para bem
impressionar alguém. Há inclusive profissões que vivem da mentira/criação: como os
atores e escritores, por exemplo. O ato de mentir, todavia, é menos ou mais tolerado
conforme os valores de cada povo e cada época; e até numa mesma sociedade podem
coexistir graus diferentes de aceitação (ou repúdio) da mentira, de acordo com as
expectativas que cada grupo social pode ter em relação aos demais.
A mentira é objeto de estudo e reflexão há muitos anos. Confúcio (551-479 a.C.),
filósofo chinês, recomendava que se apelasse para esse recurso apenas quando a verdade
prejudicasse uma família ou nação. Aristóteles (384-322 a.C), filósofo grego, só aceita
duas maneiras de mentir: diminuindo ou aumentando uma verdade. O teólogo Santo
Agostinho, no século IV, descreveu seis tipos diferentes de mentira: a que prejudica
alguém, mas é útil a outro; a que prejudica sem beneficiar ninguém; a que se comete
pelo prazer de mentir; a que se conta para divertir alguém; a que leva ao erro religioso;
e, finalmente, a que ele considerava a "boa" mentira, que salva a vida de uma pessoa.
Nesse contexto, lembremos do momento em que Carolina e Pedro, no episódio 2 do
vídeo Viagem ao Cérebro, encontram-se com um garoto vestindo a camisa da seleção
brasileira, em Moscou. Ele fala sobre a ditadura no Brasil e comenta a respeito das
prisões de estudantes, professores, artistas e pessoas que eram perseguidas, torturadas
e assassinadas pelos militares. Demonstra preocupação em relação à situação do pai que
vive clandestinamente no Brasil. Quando pergunta para Carolina e Pedro se estão
vivendo a mesma situação, percebe que os meninos ficam constrangidos e interpreta
como se os jovens não quisessem falar sobre o assunto: às vezes a gente precisa inventar
uma realidade que não é a nossa, não é? Ao pensar na situação vivida pelo menino,
Carolina comenta que não deve ser fácil fingir ser outra pessoa, não saber se vai sair
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
vivo da situação.
A mentira também tem um papel de fantasiar uma realidade dura e difícil de ser
encarada. No longo período da ditadura no Brasil (Para saber mais veja o quadro
Ditadura, ao final desta atividade) muitos foram obrigados a mentir para sobreviver a
torturas e a perseguições políticas. Em uma reportagem publicada em 8 de Maio de 2008,
no jornal Diário Catarinense, a então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff afirmou que
mentiu muito durante a ditadura militar para escapar de torturas; para salvar
companheiros e ela própria da morte.
Os brasileiros que fizeram parte de organizações revolucionárias de combate à ditadura
tinham que inventar uma nova identidade (Nome, filiação, data e local de nascimento,
profissão etc.) para lutar contra e sobreviver no regime militar. Há mentiras e mentiras.
Essa é uma mentira do bem, como é a do poeta e do escritor que inventam e fingem
sentimentos, vidas diferentes das que têm, em textos de ficção. Vejam o poeta fingidor
de Fernando Pessoa:
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
A relação do homem frente à mentira assume diferentes sentidos, de acordo com quem
fala, para quem e em que situação (veja também o Programa Sinistro, episódio 1, Tema
Efeitos de Sentido). Alguém acredita em promessas de políticos, que são mentiras?
“Povo da minha terra, no meu governo construirei 90 escolas e 100 creches, além de 10
100
Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
hospitais e 20 postos de saúde.” Por outro lado, as histórias de pescador, embora possam
ser questionadas, são causos interessantes de serem contados, porque têm humor.
Vejam essa:
O marido chega em casa sem aliança. Quando a mulher pergunta a razão ele explica que estava
à beira do rio Felicidade pescando quando um peixe enorme fisgou o anzol. Na tentativa de
tirá-lo da água, a aliança escorregou de seu dedo e caiu no rio. Por azar o peixe escapuliu. Ele
colocou isca no anzol novamente e acabou pescando um dourado maior do que o primeiro. Foi
para casa contente. A mulher, mesmo desconfiada de que o marido tinha mentido sobre a
aliança e passado no mercado para comprar o tal peixe, foi limpá-lo para o jantar. E não é que
para sua surpresa ao abrir a barrigada do peixe lá estava a aliança brilhando e tinindo?
E o que podemos concluir de tudo isso? Que a mentira pode assumir diferentes sentidos
de acordo com cada contexto exemplificado. O contexto (social, cultural, estético,
político, religioso, ideológico) é formado pelas relações estabelecidas entre o conjunto
de circunstâncias associadas à ocorrência de determinado fato ou situação (ABAURRE e
ABAURRE, 2006, p. 46). Dizer uma mentira na ditadura para se proteger é diferente de
dizer uma mentira em uma campanha eleitoral para se eleger.
Prática em sala de aula
O contexto, assim como o conhecimento de mundo são elementos importantes na
compreensão do sentido. Veja a seguinte charge de Amarildo, publicada em 2009, no
jornal A Gazeta (on-line):
Qual o sentido dessa charge?
Que conhecimentos é preciso
ter para entendê-la?
101
Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Resposta esperada
A charge ironiza a forma como o governo brasileiro vem conduzindo o problema das epidemias no país, nas
últimas décadas. Para entender a charge é preciso saber sobre a campanha contra a dengue, doença
transmitida pelo mosquito Aedes aegypti (ilustrado na charge), e como o governo brasileiro enfrentou essa
epidemia, quais providências foram tomadas e se foram ou não eficazes. Da mesma forma, é preciso saber
sobre a pandemia da gripe A (H1N1 - gripe suína) em 2009, o fato de as pessoas terem usado máscaras
para prevenir novos contágios e como o governo conduziu para solucionar o problema.
Comentário para o professor
Professor, a construção do sentido não depende somente do contexto e conhecimento de mundo; depende
também das relações com o texto (conotação ou sentido figurado, denotação ou sentido literal) e das
relações entre as palavras (polissemia, sinonímia, antonímia, heteronímia, hiponímia). Podemos observar
isso nas piadas (Para saber mais sobre o funcionamento das piadas consulte o Programa de áudio Quem ri
seus males espanta). Veja:
Maria: - O menino precisa de uma enciclopédia para ir à escola
Manuel: - Que nada! Ele que vá a pé como eu sempre fui.
(POSSENTI, 1998)
Na piada acima observamos que o efeito de humor recai sobre o fato de a palavra enciclopédia ser
entendida pelo interlocutor (Manuel) como um meio de transporte (ciclo é um radical encontrado em
palavras como bicicleta, motocicleta, ciclovia que remetem a transporte) e isso só é possível porque o
sentido atribuído foi construído a partir das relações entre as palavras: precisar de algo para ir à escola.
Esse algo é preenchido pelo interlocutor com um meio de transporte, mas poderia ser preenchido por um
material escolar ou uniforme, por exemplo. Como explica Possenti (1998), os sentidos, digamos, literais
de “para ir à escola” são compatíveis tanto com “bicicleta” quanto com “enciclopédia” (p. 81).
Como ressalta Luria (1979), interpretar uma frase não é apenas assimilar o significado de cada palavra que
a compõe. O processo de decodificação ou interpretação da comunicação é sempre um meio de decifrar o
sentido geral, implícito na comunicação recebida ou, em outras palavras, um complexo processo de
discriminação dos elementos mais importantes do enunciado, a transformação de um sistema
desenvolvido de comunicação no pensamento nela latente (p. 76). Além disso, interpretar um enunciado
falado é diferente de interpretar um enunciado escrito. Na fala existem fatores – que não aparecem na
escrita – que auxiliam no entendimento daquilo que se quer dizer: gestos, entonação, posição e expressão
corporal etc. Isso também ocorre na língua de sinais (utilizada por pessoas surdas) em que um gesto pode
ser traduzido por uma série de palavras orais ou escritas.
Na decodificação/interpretação do texto escrito há necessidade de uma análise mais minuciosa das
estruturas lógico-gramaticais que o compõem. Sem deixar de considerar que é necessário antes de tudo
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
que seja selecionado um dos significados possíveis da palavra, dentre os muitos que podem ser
empregados, naquele determinado contexto.
Por isso, professor, é tão relevante discutir e refletir junto com seus alunos as relações de sentido, uma
vez que são relações complexas nas quais estamos imersos o tempo todo. Mais particularmente, os alunos
do terceiro ano do Ensino Médio estão em um momento em que é exigido deles que saibam interpretar os
enunciados dos vestibulares e também elaborar uma boa redação. Para realizar tais tarefas o cérebro todo
é convocado. A decodificação/interpretação do significado de uma palavra, por exemplo, depende do
estado de vigília (Bloco I): quando há fadiga intensa, nos estados pré-sonolentos, as funções do córtex são
inibidas o que compromete o processo de compreensão da palavra. Em estado de vigília, quando estamos
com a atenção focada, o significado da palavra suscita um feixe de nexos semanticamente aproximados
(LURIA, 1979, p. 81) - que constituem campos semânticos - que fazem com que a palavra piano, por
exemplo, suscite palavras como violino, orquestra, órgão, teclado. Essa mesma seletividade não é
verificada nos processos inibitórios do córtex: nessa situação, a palavra piano poderia suscitar palavras
próximas pelo som como piando. É o que ocorre quando estamos certos de que falamos uma coisa e
falamos outra. Nisso reside o que Freud (1901) pontua como ato falho: um nome (substantivo, adjetivo)
entra no lugar de outro.
Quando o Bloco I está ativo, em estado normal de vigília, com a atenção focada, o Bloco II juntamente
com o Bloco III, também ativos, serão responsáveis pela (re)codificação das construções lógico-gramaticais
(para saber mais sobre essas construções ver o Tema Relações Lógico-gramaticais, neste Programa). Para
tanto, participam ativamente as áreas temporo-parieto-occipitais do cérebro, bem como a memória.
Segundo Luria (1979), para decodificar o significado de uma complexa construção lógico-gramatical, é
necessário memorizar os elementos que a compõem e compará-los mentalmente aos outros, retendo na
memória quer todas as partes componentes dessa construção, quer suas formas modificadas (p. 86).
Portanto, professor, propusemos essa atividade para que junto com seus alunos reflita sobre as relações de
sentido e quais aspectos estão nelas envolvidos.
Mencionamos nessa atividade a questão da ditadura em nosso país. Seria historicamente relevante para a
formação de seus alunos que você os motivasse para saber mais sobre a ditadura no Brasil e na América
Latina.
PARA SABER MAIS
Ditadura
Em 13 de dezembro de 1968 foi instituído o Ato nº 5 pelo regime militar brasileiro, que lhe deu
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
poderes absolutos, suspendendo todas as liberdades democráticas, fechando o congresso
nacional e as câmaras no Brasil inteiro. Suspendeu também a possibilidade de qualquer reunião
de cunho político, determinando a censura para música, teatro, literatura, cinema e toda
manifestação cultural. A partir desse ato, cometeu-se todo tipo de atrocidade, tortura e
perseguição política, seguida de muitas mortes e desaparecimentos, sobretudo de estudantes
envolvidos com a luta armada.
A questão da ditadura no Brasil (1964-1985) é abordada no vídeo (segundo episódio) pelo
personagem do menino brasileiro, vestindo a camisa 10 da seleção, que Carolina e Pedro
encontram, e com quem conversam rapidamente, em Moscou (Rússia), na Praça Vermelha:
Menino Brasileiro: Mas de que adianta tanta alegria no futebol, se ao mesmo tempo tem tanta
tristeza acontecendo no Brasil, com a ditadura, prisão de estudantes, professores, artistas,
jornalistas, qualquer pessoa com quem os militares e a turma deles resolvam encrencar?
(...) Eu mesmo estou nessa situação. Enquanto vivo aqui, protegido por amigos, meu pai corre
sérios riscos no Brasil. Vive clandestinamente, luta contra a ditadura. Fico muito preocupado
com o que pode acontecer.
Pedro e Carolina, que só têm conhecimento sobre este fato histórico naquele momento, se
sensibilizam com a situação do menino:
Carol: A situação dele não deve ser fácil. Já pensou? Não poder viver no Brasil, fingir ser outra
pessoa, não saber se vai sair vivo da situação.
Quando os animais mentem
A mentira, na natureza, é uma arma de sobrevivência. Muitas vezes, na luta contra o predador,
a presa só tem chance de escapar se souber mentir bem. E o caso dos camaleões, que, graças à
pigmentação especial da pele, se confundem com o ambiente. Ou de certos caranguejos, que
vivem com a carapaça coberta por algas ou esponjas. Os insetos são especialistas em se fingir
de cortiça ou de gravetos no tronco de árvores. Essas e muitas outras formas de mentira
atendem por um único e verdadeiro nome científico - mimetismo.
O fenômeno foi estudado pela primeira vez pelo naturalista inglês Henry Walter Bates (18251892), que observou o comportamento das borboletas no vale do rio Amazonas. Ele descobriu
uma família de borboletas que conseguia escapar dos pássaros tornando-se parecida na forma e
na cor com outra família, cujo sabor não agradava às aves. As borboletas apetitosas tratavam
de voar misturadas às outras. Hoje se sabe que os animais memorizam certos padrões de
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
aparência quando associam determinada presa a um gosto nauseante ou à dor. Portanto,
mentiroso competente é aquele que consegue assumir uma aparência pouco atrativa para o
predador.
Existem, porém, casos de automimetismo: animais que imitam outros da própria espécie. Os
zangões, por exemplo, quando estão prestes a ser atacados, voam e zumbem como abelhas,
que, como bem sabem os atacantes, têm ferrões para se defender; se a mentira pega, os
zangões se salvam. Nem sempre, contudo, é a presa o mentiroso. Isso acontece no caso clássico
do lobo em pele de cordeiro, ou seja, o animal que, fingindo ser manso, se aproxima
calmamente de outro com ar de quem não quer nada e sai ganhando uma refeição.
(Superinteressante, Edição 7, on-line, 1988).
Mentirosos de mentira
De tanto inventar histórias para distrair seus amigos, o alemão Karl Friedrich Hieronymus, barão
de Munchhausen (1720-1797), que serviu como mercenário no exército russo na guerra contra os
turcos em 1740, acabou entrando para a História como um grande mentiroso, graças ao livro,
por sinal publicado anonimamente em 1785, do escritor alemão Rudolph Erich Raspe (17371794). De volta dos campos de batalha, o barão contou, por exemplo, como se safara de um
pântano onde caíra: puxando a si mesmo pelos cabelos. Em outra peripécia, salvou-se da morte
cavalgando balas de canhão disparadas pelo inimigo. Entre uma aventura e outra, ainda achou
tempo para ir à Lua duas vezes.
Mas não há literatura que não tenha seus campeões da mentira real ou imaginária. O escritor
francês Alphonse Daudet (1840-1897) celebrizou-se graças às aventuras mentirosas de seu
personagem Tartarin de Tarascon, um burguês baixinho, com certa tendência à obesidade, que
se imaginava um valente herói e saía contando peripécias nunca vividas. No Brasil, o mentiroso
Macunaíma, de Mário de Andrade, nem fez questão de se fingir de herói: covarde como só ele e
sem nenhum caráter, Macunaíma mentia o tempo inteiro para se safar de qualquer problema;
dizer a verdade, aliás, lhe dava preguiça.
O mentiroso mais conhecido do mundo da ficção foi, sem dúvida, Pinocchio, o boneco de
madeira criado em 1878 pelo escritor italiano Carlo Collodi. Numa tentativa de educá-lo, a fada
madrinha de Pinocchio fez com que cada vez que ele mentisse o nariz crescesse. Antes que
virasse um Cirano, o boneco acabou desistindo de sua vida de mentiras. Foi, talvez, o único
mentiroso da literatura a optar pela verdade pela boa e simples razão de que a verdade lhe
trazia mais vantagens do que a mentira. (Superinteressante, Edição 7, on-line, 1988).
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Atividade 5: Compreensão e Atenção
Atenção não combina com...
Existem diferentes tipos de cansaço: há o cansaço mental e também o emocional
decorrente quase sempre de situações de medo, tristeza, desânimo, dificuldade de
buscar soluções diante de desemprego, de provas escolares, de vestibular, de concurso,
de afeto não correspondido, de problemas familiares, de perdas. Há também a sensação
de esforço e de fadiga após trabalho físico e/ou mental excessivo. Situações assim
repercutem no nosso corpo. Qualquer coisa que se faça depois de comer muito,
sobretudo comida pesada, interfere em nosso sistema de atenção a ponto de ele ir se
desligando, porque o sangue se concentra no trabalho digestivo, diminuindo a irrigação
cerebral, o que provoca sono. Assim como a digestão, a fome e a desnutrição também se
relacionam com o nível de atenção. Em todas essas situações, as informações que vêm
do mundo externo são armazenadas e percebidas de forma alterada do que em uma
situação favorável e, por consequência, as atitudes tomadas diante disso tudo também
podem levar a equívocos. Isso nos faz pensar que a recomendação: Olha, faz o seguinte
dá um tempo descansa, dá uma relaxada e depois, com calma, você toma uma decisão,
pode fazer alguma diferença.
Prática em sala de aula
Leia parte da reportagem, abaixo, publicada, em Maio de 2007, na Folha de São Paulo.
"Tem de ter braço, se não morre de fome"
Joel Silva
"Para ser cortador de cana, tem de ter braço, porque, se não tiver, morre ou de fome ou no
canavial, de tanto trabalhar". A afirmação é de José Lúcio Oliveira, 33, que veio de Barra do
Santo Antônio (Alagoas) neste ano para estrear no corte de cana na região de Ribeirão Preto.
Oliveira e os amigos Carlos João de Lima e Oziel Batista Silva acordam às 4h. Os três ocupam
uma casa de dois cômodos em Pontal, com um banheiro sem iluminação e mobiliada apenas
com um beliche, duas camas de solteiro, uma geladeira, um fogão, um aparelho de DVD e uma
TV de 14 polegadas. Pagam R$ 120 de aluguel.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
A
primeira
atividade
do
grupo
é
preparar
a
marmita
que
será
levada
para
o
canavial. Geralmente, o cardápio do grupo é arroz, feijão, macarrão e um cozido de carne. Às
5h, a turma já está no ponto de ônibus, onde se junta a 45 homens e mulheres e embarca em
direção ao canavial.
Vestidos com calça comprida, jaleco de manga comprida, com camisa comprida por baixo,
gorro para proteger o pescoço, chapéu ou boné, caneleiras para evitar picadas de cobras e
cortes das escapadas do facão, botas, luvas e óculos, eles passam mais de seis horas sob o sol.
Como ganha mais quem corta mais, os mais fortes e mais experientes no uso do facão saem
ganhando.
Os homens chegam a cortar de 100 m a 120 m de cana por dia e ganham, em média, R$ 800 por
mês. Na última quinta, Oliveira disse que sentiu dores nas costas e só conseguiu cortar 60
metros.
O grupo faz três paradas para comer o que levou na marmita: uma por volta das 7h15, outra às
10h e a última às 13h - a denominação bóia-fria vem do fato de que nas duas últimas refeições,
o alimento está frio, apesar de algumas usinas fornecerem marmitas térmicas.
Às 16h, voltam para a casa, cansados, sujos e famintos, mas ainda não é hora de descansar.
Enquanto Lima coloca as botas e luvas em um canto da casa e se prepara para lavar as roupas
usadas no dia de trabalho, Oliveira, ainda usando o boné que o protegeu do sol no canavial,
começa a preparar o jantar da turma e Silva entra no pequeno banheiro sem iluminação para o
banho frio.
Entre os afazeres, discutem o dia de trabalho, reclamam do cansaço e das dores no punho
devido aos golpes seguidos do facão. Lima, do tanque de lavar roupa, conta que uma cobra
quase o picou no canavial. O cozinheiro Oliveira prepara arroz, salsicha cozida, feijão e
bifes. Antes, guarda um pouco para o almoço do dia seguinte.
Antes de comer, os trabalhadores saem em busca de diversão: se reúnem com outros cortadores
para uma partida de futebol em campinho improvisado, a passadinha pelo bar para tomar uma
cachaça, rotina para muitos bóias-frias, não é adotada pela turma de Oliveira. Depois do
futebol, o trio volta para a casa, janta e vai dormir lá pelas 21h.
Fonte: http://movido-a-alcool.blogspot.com/2007/05/tem-de-ter-brao-se-no-morre-de-fome.html
Se não for o seu caso, imagine-se na situação de quem tem esse tipo de rotina e ainda
por cima, à noite, estuda no programa de educação para jovens e adultos (o EJA) na
esperança de mudar de vida. Ninguém consegue aprender se está cansado, com sono,
com fome porque o sistema de atenção, como um disjuntor, está desligado, ou se
desligando. Sem atenção a qualidade do aprendizado fica comprometida sendo difícil
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
compreender a explicação do professor, a leitura que se faz, comprometendo também a
qualidade das associações do que estamos aprendendo com o que já sabemos, as
conclusões, inferências possíveis de serem feitas quando o sistema de atenção está
ativo. Sabendo disso, pesquise as características marcantes dos três blocos do cérebro
conforme vistos no vídeo Viagem ao cérebro e analise que bloco(s) está(ão) ativo(s) ou
não nas seguintes situações:
a. Um professor entra na classe para dar as duas últimas aulas do dia. A aula é
expositiva e exige que preste muita atenção na sequência do que fala para
que os alunos entendam o conteúdo transmitido. Em determinado momento
os alunos começam a conversar interrompendo a explicação dada pelo
professor. Frequentemente ele pergunta à classe: Onde eu estava mesmo?
Qual foi mesmo a última coisa que eu disse? Um fenômeno linguístico começa
a acontecer. O professor passa a falar em espanhol, sua língua materna, e
não se dá conta disso. Dar aula na língua materna é mais fácil e confortável.
Só quando os alunos chamam a sua atenção para o fato é que percebe o que
se passou.
Resposta Esperada
Ao final do dia, o professor - já cansado - corre mais risco de sua atenção ficar dividida, sobretudo pelo
ruído dos alunos falando ao mesmo tempo e alto, o que atrapalha sua concentração. A divisão de foco
indica que o Bloco I não está funcionando bem e nessas condições fazemos o que normalmente não
faríamos. Nesse caso, voltar a falar a língua materna que os alunos não dominam, e sem se dar conta
disso, seria conseqüência da divisão de foco e do mau funcionamento do Bloco I. A ficha do professor cai
quando os alunos estranham que ele esteja falando uma língua que não entendem. Neste momento o Bloco
I volta a funcionar a contento fazendo com que o foco da atenção do professor seja retomado e ele passe
a falar em português novamente. Nessa situação a ação do Bloco I desencadeia condições para o
funcionamento do Bloco II perceber e monitorar que estava falando a língua materna (espanhol) e que
precisa falar em outra língua (português); e do Bloco III que planeja e executa o que deve ser dito.
b. Mariana não acompanhou a explicação do professor de português sobre a
diferença entre mas e mais porque perdeu o sono pensando em Alexandre, na
compra de um novo celular, na viagem de fim de ano com a turma da escola.
No final da aula o professor lhe pediu para explicar com as suas palavras a
diferença entre mas e mais e dar um exemplo com cada tipo. Mariana se
enrolou, ficou com a face avermelhada e teve que trazer a solução para a
aula seguinte.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Resposta Esperada
O fato de Mariana não ter tido uma boa noite de sono prejudicou o bom funcionamento do sistema de
atenção que precisa da vigília para manter o foco. Na maior parte do Brasil, se diz mais tanto para o mas
conjunção coordenada adversativa quanto para o mais advérbio que integra uma estrutura comparativa
nas orações subordinadas adverbiais, o que se torna um complicador para diferenciá-los. Pensar sobre essa
diferença envolve uma reflexão sobre a língua para falar da própria língua, ou seja, trata-se de um
trabalho metalingüístico que se ajusta com o domínio da escrita porque é quando pensamos para escrever,
para selecionar palavras e construções; o que não ocorre quando falamos – não refletimos sobre as
palavras que escolhemos para falar, senão demoramos muito e ninguém nos ouve mais.
Como o Bloco I estava inativo pelo cansaço devido à noite mal dormida Mariana não conseguiu retomar a
explicação do professor sobre essa diferença e, portanto, não conseguiu nem mesmo dar os exemplos
pedidos, ainda que intuitivamente saiba que não se trata do mesmo sentido. Em contrapartida, ao
preparar a resposta para a aula seguinte pode refletir, comparar, diferenciar os sentidos de cada um dos
ma(i)s e construir os exemplos. Para isso Mariana tem que usar integradamente os Blocos II e III. Assim é
que ela aprendeu a descrever metalingüisticamente quando se usa um ou outro (Reveja o quadro Falamos
Mais para todos os Ma(i)s no Tema Relações Lógico-Gramaticais, episódio 3) o que significa vivenciar na
língua essa diferença.
Comentário para o professor
Nosso objetivo é marcar que o cansaço físico ou mental de um aluno ou de um professor prejudica o
funcionamento cerebral impedindo que a seleção de palavras e/ou associações que mais se ajustam à
situação sejam feitas. Nestas circunstâncias ficamos em alguns momentos mais, em outros menos, à
deriva. Conseqüentemente, perdemos o fio da meada, perdemos a percepção do que estamos fazendo.
Com falantes bilíngües que falam bem duas línguas, sua língua materna pode se impor, mesmo à sua
revelia, como no exemplo acima. Isso acontece porque a língua materna, na maioria das vezes, representa
um lugar mais confortável, mais familiar, mais afetivo. Nessas condições podem ocorrer também os
chamados atos falhos que, segundo Freud, nos põe a dizer algo que em sã consciência e controle não
diríamos jamais.
Situações, como a descrita na proposta b da atividade, ocorrem com freqüência em sala de aula onde os
alunos têm se distraído por várias razões que competem entre si: celular, barulho de falas simultâneas,
noites mal dormidas, preocupações. Tudo isso interfere no aprendizado, na disposição de aprender e na
curiosidade em saber mais. Nosso objetivo é fazer com que os alunos percebam a importância de manter o
foco da atenção em um determinado conteúdo que está sendo explicado, lido, discutido, ampliado
durante um determinado período de tempo, por exemplo, os 50 minutos que duram uma aula. Manter
atenção em alerta, ou seja, o Bloco I funcionando, é crucial para que a informação chegue ao cérebro e
seja, pela ação dos Blocos II e III, registrada, comparada, associada para ser colocada em ação, se for o
caso.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Atividade 6: Conexão Linguagem
Oh, azar, oh vida!
Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_VThsccbY8u0/RsOkG8AIwsI/AAAAAAAAAPk/0gfvZZnWCHw/s400/cartazcpmf.gif
Você se lembra de um desenho animado que passava na televisão quando você era
pequeno em que havia um leão chamado Lippy e uma hiena chamada Hardy? (Para
relembrar
acesse
o
vídeo:
http://videolog.uol.com.br/video.php?id=393793).
Distraidamente sempre se metiam em confusão e enquanto o leão tentava achar uma
solução, a hiena desanimada repetia “oh, azar, oh vida!”, “ oh vida, oh mar!”. Parece
que esse é o refrão de muitos estudantes quando se trata de aprendizagem do conteúdo
escolar do ano letivo. Oh, vida, oh mar, tenho que ler tudo isso? Oh, vida, oh mar, tenho
que escrever tudo isso?
O mundo só se torna conhecido se existir em nós a vontade de conhecê-lo. Ou seja, eu
preciso ter contato com alguma coisa - objeto, pessoa, fato, enfim, o que existe no
mundo – imaginar, vivenciar através das minhas percepções; ingressar no saber
acumulado na cultura. Sem esse movimento não há como aprender. Na base disso está
uma decisão e uma reflexão sobre o que eu quero aprender. Oh, céu, oh mar, essa
explicação vai ter fim? Vai sim, veja como é simples.
Focar a atenção, estar alerta é a segunda coisa que o cérebro exige para que se
aprenda. E a primeira, qual seria? Que você tenha um motivo/motivação para aprender.
110
Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Qual seria esse motivo? Preciso passar de ano, ter uma profissão, arrumar um emprego
melhor etc. Esses seriam bons motivos, mas existe um motivo superior que reúne todas
essas vantagens e se resume no desejo de contribuir com a própria formação. Nesse
sentido a aprendizagem formal (conteúdos transmitidos pela escola) e a aprendizagem
informal (o saber que vem da sua vida cotidiana; da família; da conversa com amigos; de
noticiário da televisão; de assistir a filmes; da leitura de jornal, manual de aparelhos
eletrônicos, regras de jogos, placas na rua, letras de músicas, bula de remédio etc)
juntam-se ao conhecimento que o aluno desenvolve sobre si mesmo, por exemplo: como
faço para aprender (resumo por escrito, falo em voz alta, relaciono com coisas que já
sei); o que penso sobre o que está sendo discutido no mundo neste momento. Essa é a
solução para passar de ano, para partilhar suas experiências culturais, para interferir de
fato na sua própria vida, e até para salvá-la. Leia a história do bombeiro que correndo
perigo de vida descobre uma solução para escapar do incêndio:
EUREKA! POR QUE BOAS IDEIAS VÊM ATÉ NÓS?
A HISTÓRIA DE UM BOMBEIRO
O verão de 1979 foi longo e seco em Montana, EUA. Na tarde do dia 5 de Agosto – o dia mais
quente registrado no Estado – um pequeno incêndio foi identificado em uma área remota de
uma floresta de pinheiros. Uma brigada de pára-quedistas, com 15 bombeiros, foi enviada para
o local. O comandante da operação era Wag Dodge. Quando os bombeiros deixaram suas
instalações foram avisados de que o incêndio era de pequena proporção, tomava apenas alguns
acres. Porém, quando os bombeiros chegaram ao local o incêndio já estava fora de controle. O
comandante ordenou para que seus homens descessem e se posicionassem do vale em direção
ao pico da montanha, pois naquele momento o vento estava naquela direção. No entanto,
repentinamente, o vento mudou de direção, formando uma parede de 5 metros de fogo ao
redor do comandante e de seus homens. Dodge gritou para que seus homens recuassem e eles
começaram a correr rumo ao pico da montanha. Após alguns minutos, Dodge percebeu que o
fogo estava a menos de 10 metros de distância e avançava em grande velocidade, não daria
tempo de chegar ao pico em segurança. Então, o comandante parou de correr e teve um
insight: acendeu um fósforo e queimou o chão em sua frente. À medida que o chão se
queimava, Dodge pisava no local, criando um espaço de terra queimada. Então, molhou um
pedaço de pano com a água de seu cantil, colocou o pano molhado em sua boca e deitou na
terra que havia queimado. Depois ficou esperando que o incêndio passasse ao seu redor. Treze
homens morreram naquele incêndio, mas Dodge emergiu das cinzas sem nenhum ferimento.
Quando questionado como teve aquela ideia que o salvou, Dodge disse que não sabia de onde
havia tirado aquela ideia, apenas achava o mais lógico a fazer naquela situação. Afirmou que
quando viu o fogo vindo em sua direção, já sabia o que tinha que fazer.
Fonte: Lehner, J. The Eureka Hunt. Em: The New Yorker, Annals of Science, Julho 28, 2008
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Nessa história, o bombeiro queimou primeiro que o fogo o lugar onde estava, e, assim, o
incêndio passou por ele sem atingi-lo. Saber que o fogo não queima onde já está
queimado e se proteger da fumaça com um pano molhado é um aprendizado que vem da
experiência de seu ofício; e foi o que salvou a sua vida. Também o aprendizado formal,
que acontece na escola, na universidade, em centros de pesquisa etc, pode ser utilizado
para solucionar problemas e questões aparentemente sem resposta - que sem o
conhecimento não seria possível. E aí a observação é fundamental. Veja a descoberta de
Arquimedes.
A DESCOBERTA DA LEI DE ARQUIMEDES
O rei de Siracusa havia encomendado a um ourives uma coroa de ouro maciço. Receando que o
ourives o tivesse enganado, o rei resolveu pedir ao sábio Arquimedes para descobrir se a coroa
era mesmo só de ouro. Arquimedes arranjou um pedaço de ouro e um pedaço de prata, ambos
com o mesmo peso da coroa, e com uma balança de pratos, verificou que todas as três peças
tinham o mesmo peso. Depois mergulhou uma a uma num recipiente cheio de água até a borda,
tendo medido a quantidade de água que se entornava de cada vez. A peça de ouro entornava
menos água. A peça de prata entornava mais água. A coroa real correspondia a uma situação
intermédia entre um caso e outro. Logo, concluiu Arquimedes, o volume da coroa é maior do
que o pedaço de ouro maciço e menor do que o pedaço de prata maciça. A coroa não era, pois,
de ouro maciço. O rei tinha sido enganado e, quando o soube, ficou naturalmente furioso.
A história dessa descoberta, porém, começa com o famoso grito de «Eureka!». Conta a lenda
que estava o sábio grego, um belo dia, a tomar banho numa banheira, porventura entretido
com o problema da coroa do rei. De repente, deu-lhe um lampejo súbito e largou a correr, nu,
pelas ruas da cidade a gritar «Eureka, Eureka!», o que significa: «Descobri, descobri!». O que
impulsionou Arquimedes? O que é que Arquimedes tinha acabado de descobrir? Nada mais nada
menos do que a celebrada lei de Arquimedes. E o que diz a lei de Arquimedes? «Todo o corpo
mergulhado num líquido está sujeito a uma força de direção vertical, de sentido de baixo para
cima, e cuja grandeza é igual ao peso do volume de líquido deslocado». O que significa isto
trocado por miúdos?
Arquimedes teria saltado do banho quando descobriu que o seu corpo, pesado, parecia mais
leve dentro de água. O peso era contrariado por uma força que aparecia no ato da imersão.
Essa força chama-se hoje «impulsão». Foi a impulsão que impulsionou Arquimedes a correr
pelas ruas de Siracusa. Quando o corpo de Arquimedes flutua, a impulsão é igual ao peso. Com
qualquer outro corpo que flutua acontece o mesmo. Arquimedes explicou isto tintim-por-tintim
numa obra em dois volumes intitulada Sobre os corpos flutuantes.
Fonte: http://nautilus.fis.uc.pt/softc/Read_c/gradiva1/eureka.htm
Nas duas situações, tanto na história do bombeiro quanto na descoberta de Arquimedes,
112
Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
o que impulsionou as soluções foi a motivação: seja para salvar a vida no primeiro caso,
seja para solucionar um desafio feito pelo rei, no segundo caso. Portanto, o que
queremos destacar é que sem motivação não há aprendizado que se mantenha, que
possa ser utilizado para diversos fins, direta ou indiretamente. Esses dois fatos históricos
mostram que é possível aprender pela experiência e pela ciência.
Durante todo o Programa Viagem ao Cérebro procuramos mostrar que a aprendizagem
está relacionada com diversos fatores e que a linguagem assim como o cérebro
participam ativamente desse processo. A aventura de Pedro e Carolina é exemplo disso:
os jovens passam por uma série de acontecimentos, vivenciam fatos históricos,
encontram e falam com pessoas célebres entrando em seu tempo e aprendem com essa
experiência. Ao encontrarem Luria percebem que sua jornada está próxima do fim, mas
ela só acaba quando descobrem o segredo da saída: aprendem como se aprende, e
devem passar isso adiante, como um lema em suas vidas. Assim vivenciam na pele o
valor do aprendizado e como podem motivar outros a aprender.
Essa é a chave –
CONEXÃO LINGUAGEM – para a sair do computador e viver a vida!
Prática em sala de aula
Pensando nisso, veja abaixo a letra da música Estudo Errado de Gabriel O Pensador e
reflita: por que os alunos estão cada vez mais desmotivados a aprender na escola? O que
o motiva a aprender? Escreva um texto argumentativo, uma dissertação, expondo como
você analisa a educação brasileira atualmente e pontue o que é preciso mudar para que
os alunos tenham motivação e vontade de aprender.
Estudo Errado
Gabriel Pensador
Composição: Gabriel, O Pensador
Eu tô aqui Pra quê?
Será que é pra aprender?
Ou será que é pra sentar, me acomodar e obedecer?
Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater
Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever
A professora já tá de marcação porque sempre me pega
Disfarçando, espiando, colando toda prova dos colegas
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo
E quando chega o boletim lá em casa eu me escondo
Eu quero jogar botão, vídeo-game, bola de gude
Mas meus pais só querem que eu "vá pra aula!" e "estude!"
Então dessa vez eu vou estudar até decorar cumpádi
Pra me dar bem e minha mãe deixar ficar acordado até mais tarde
Ou quem sabe aumentar minha mesada
Pra eu comprar mais revistinha (do Cascão?)
Não. De mulher pelada
A diversão é limitada e o meu pai não tem tempo pra nada
E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa pirralhada!)
A rua é perigosa então eu vejo televisão
(Tá lá mais um corpo estendido no chão)
Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei nem o que é inflação
- Ué não te ensinaram?
- Não. A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil
Em vão, pouco interessantes, eu fico pu..
Tô cansado de estudar, de madrugar, que sacrilégio
(Vai pro colégio!!)
Então eu fui relendo tudo até a prova começar
Voltei louco pra contar:
Manhê! Tirei um dez na prova
Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova
Decorei toda lição
Não errei nenhuma questão
Não aprendi nada de bom
Mas tirei dez (boa filhão!)
Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi
Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi
Decoreba: esse é o método de ensino
Eles me tratam como ameba e assim eu não raciocino
Não aprendo as causas e conseqüências só decoro os fatos
Desse jeito até história fica chato
Mas os velhos me disseram que o "porque" é o segredo
Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo
Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente
Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente
E sei que o estudo é uma coisa boa
O problema é que sem motivação a gente enjoa
O sistema bota um monte de abobrinha no programa
Mas pra aprender a ser um ingonorante (...)
Ah, um ignorante, por mim eu nem saía da minha cama (Ah, deixa eu dormir)
Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre
Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
- O que é corrupção? Pra que serve um deputado?
Não me diga que o Brasil foi descoberto por acaso!
Ou que a minhoca é hermafrodita
Ou sobre a tênia solitária.
Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! (...)
Vamos fugir dessa jaula!
"Hoje eu tô feliz" (matou o presidente?)
Não. A aula
Matei a aula porque num dava
Eu não agüentava mais
E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais
Mas se eles fossem da minha idade eles entenderiam
(Esse num é o valor que um aluno merecia!)
Íííh... Sujô (Hein?)
O inspetor!
(Acabou a farra, já pra sala do coordenador!)
Achei que ia ser suspenso mas era só pra conversar
E me disseram que a escola era meu segundo lar
E é verdade, eu aprendo muita coisa realmente
Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre!
Então eu vou passar de ano
Não tenho outra saída
Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida
Discutindo e ensinando os problemas atuais
E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais
Com matérias das quais eles não lembram mais nada
E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada
Refrão
Encarem as crianças com mais seriedade
Pois na escola é onde formamos nossa personalidade
Vocês tratam a educação como um negócio onde a ganância, a exploração, e a indiferença são
sócios
Quem devia lucrar só é prejudicado
Assim vocês vão criar uma geração de revoltados
Tá tudo errado e eu já tou de saco cheio
Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio...
Juquinha você tá falando demais assim eu vou ter que lhe deixar sem recreio!
Mas é só a verdade professora!
Eu sei, mas colabora se não eu perco o meu emprego.
Comentários para o professor
Neste último Programa Viagem ao cérebro que fecha o projeto CONEXÃO LINGUAGEM queremos chamar
sua atenção, professor, para o seu papel no processo de aprender dos alunos. Conhecer e dominar o
conteúdo que você ensina, motivar e despertar o interesse dos alunos, através do sentido daquilo que
aprende, de sua relação com a história e com a vida dos alunos, enfim, instigar sua curiosidade para
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
aprender sempre mais. Acreditamos com Vygostsky (1926/2001) que, no processo educacional, a
experiência pessoal do aluno é tudo. A educação deve ser organizada de tal forma que não se eduque o
aluno, mas o próprio aluno se eduque (...) No processo de educação, o mestre deve ser os trilhos por onde
se movimentam com liberdade e independência os vagões, que recebem dele apenas a orientação do
próprio movimento. (p. 64).
Nesse sentido, professor, relembrando a aventura de Pedro e Carolina, eles perceberam uma mudança
dentro deles possibilitada pela experiência que tiveram na aventura fantástica que experimentaram –
através da vivência de fatos históricos, passagem por diferentes lugares em diferentes épocas, culturas,
valores, hábitos – o que fez com que os jovens tivessem condições de compreender a importância de
projetar a vida, terem esperança no futuro, encontrarem uma saída. A motivação, neste caso, para saírem
do computador fez com que Pedro e Carolina aprendessem a aprender. E o papel do professor é instigá-los
a levar isso adiante, considerando que a juventude é um momento propício para novas conquistas,
aprendizados e, por que não, aventuras.
Com isso queremos dizer que a chave para educar/aprender é estabelecer um equilíbrio entre o
conteúdo/conhecimento e o como aprender através de formas de pensar, argumentar, deduzir, inferir,
concluir, enfim, dar sentido a esse conteúdo/conhecimento e experimentá-lo. A chave para aprender não
é mágica, mas requer esforço, empenho, interesse, dedicação e muito trabalho com a linguagem e o
cérebro.
A espécie humana se especializou de maneira tal que seu cérebro se tornou plástico capaz de
incorporar novos dados, fatos, conhecimentos e se modificar em termos estruturais e funcionais diante do
inesperado, inusitado, de desafios que se apresentam na vida humana. É pela linguagem que isso é
possível, sendo seu parceiro psíquico, o cérebro/mente, tão complexo quanto seus produtos históricos: a
própria linguagem, a cultura, as instituições, o conhecimento científico, a experiência.
Por fim, a motivação mobiliza um sujeito, humano, muitas vezes a ser (re)descoberto por você, pela
família, pela escola, pela sociedade; e quando isso acontece várias possibilidades se abrem em sua vida e
nas relações/interações com seus pares, mediadas pela fala, leitura, escrita. E nessas atividades, como
vimos durante essa Viagem o cérebro está todo envolvido, seus três blocos funcionando como uma
orquestra, cujo maestro é você.
Então, professor, pronto para uma próxima viagem com seus alunos?
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Atividade 7: Projeto: Escrever e argumentar
Enfrentando o bullying?
Como vimos nos Temas Dislexia? e Déficit de Atenção? é de se duvidar que alguém, seja
homem ou mulher, em algum momento da vida, não tenha falado algo como “Nunca
imaginei que ele fosse assim!; Pensei que isso só acontecia lá em casa, eles pareciam
tão certinhos!, Foi só começar a encontrar com ela todos os dias para perceber que ela é
muito esquisita. Expressões como essas são constatações de que alguma coisa em
relação ao comportamento de alguma pessoa saiu diferente do esperado.
O que esperamos dos outros está ligado a muitos discursos: daquilo que nossa família,
nossa cultura, nosso modo de viver considera como normal. A mídia atravessa todos
esses discursos oferecendo produtos ou uma expressão cuja aquisição e uso tornaria
alguém mais normal, então, hoje em dia o que é esperado de um jovem? Que goste de
natureza, cuide do meio ambiente; fale corretamente; não seja gordo; seja inteligente e
lide bem com computador; goste de estudar, mas não muito; tenha vida social,
frequente balada; tenha vida afetiva; saiba dos efeitos da bebida, cigarro, drogas.
Estamos falando da exigência cotidiana de se pertencer a um padrão, que está
relacionada ao lugar e ao tempo em que vivemos, e também do que comumente se vê
diante de jovens que não pertencem a esse padrão: se for gordo ou muito magro ganha
logo um apelido que ofende; se gosta muito de ler e não joga futebol terá sua
sexualidade posta em dúvida; se correr de briga porque não acredita nesse tipo de
argumento, vira covarde.
Há situações em que a prática da discriminação é extrema. Quem faz isso com esses
jovens?
Na maioria das vezes, outros jovens, colegas de classe, de escola, de bairro, de
trabalho.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
A intolerância a uma pessoa ou grupo motivada quase sempre pela observação de um
comportamento ou traço físico considerado fora do normal por alguém – é o que sustenta
o bullying.
Essa palavra da língua inglesa caracteriza o frequente comportamento agressivo e
danoso do ponto de vista moral, social e afetivo, praticado por uma pessoa ou grupo
mais forte, contra pessoa ou grupo mais frágil. Está em questão um poder imaginário
que o(s) agressor(es) patologicamente exerce(m) sobre
a vítima em atitude de sub-
julgamento.
Trata-se de uma agressão física e/ou verbal que pode ser extrema e cruel. Lembram
quando jovens de Brasília atearam fogo no índio Pataxó?
Existem diferentes tipos de bullying que acontecem cotidianamente: espalhar
comentários mentirosos sobre alguém (pessoalmente ou pela internet); fazer uso da
força física com objetivo de coação; recusar em aceitar a pessoa em qualquer grupo;
intimidar pessoas que se solidarizam com a vítima; isolar, ridicularizar ou expor uma
pessoa ou grupo pelo modo de vestir, pela religião que pratica, pela opção sexual, pela
maneira de falar; pela etnia a que pertence, por apresentar uma deficiência. Uma
variedade enorme de pretextos poderia ser listada aqui, inclusive, a falta propriamente
de um motivo: o que está em questão é a patologia de quem agride, seja uma pessoa ou
um grupo.
Uma regra é certa: não há dúvida nenhuma de quando se trata de uma brincadeira entre
amigos ou de bullying. No início pode parecer coincidência que o comportamento hostil,
agressivo, irônico de alguém seja sempre o mesmo diante de outros, mas pouco tempo
depois devido à frequência e repetição da atitude dos agressores, da falta de lugar
social, da impossibilidade de se esquivar da situação, do medo pelo lado da vítima, não
restará mais dúvida: trata-se de bullying.
O que a vítima pode fazer? Procurar a direção da escola (ou de onde estiver acontecendo
isso), conversar com a família; e se for o caso, procurar o poder judiciário porque há leis
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
que regulam esses comportamentos abusivos.
O efeito psicológico do bullying na vítima pode ser devastador, mas esse efeito é ainda
maior em quem prática o ato do bullying (bullies). A vítima em determinado momento
vai se livrar da situação real e/ou psicológica de perseguição, mas para os bullies, que
construirão sua vida e suas relações sob esse prisma patológico, pode não haver saída.
Atualmente há muita indisciplina em sala de aula, muito barulho, uso de celular, Ipod, o
que é incompatível com um ambiente de ensino e aprendizado. Muitos professores
reclamam disso, adoecem, perdem a voz, sofrem agressões por enfrentarem alunos
indisciplinados. Essa situação, a longo prazo, pode levar à perda de motivação tanto
para o professor quanto para o aluno. Nesse sentido o bullying não ocorre só entre os
jovens, mas pode atingir também os professores e diretores, que por sua vez também
podem ocupar o lugar dos bullies.
Prática em sala de aula
Cada vez mais a mídia tem trazido notícias de atrocidades cometidas em função da
intolerância, seja pelo modo de vestir, pela religião praticada, pela opção sexual, pela
maneira de falar, pela etnia ou grupo a que pertence, por apresentar uma deficiência.
Diante dessa realidade, escreva um texto argumentativo, de natureza dissertativa,
dirigido à direção da escola propondo que ela assuma uma posição diante do bullying e
possa criar um espaço para os alunos discutirem junto com os professores e pais as
queixas desse comportamento agressivo. Dê exemplos de bullying para que a escola
compreenda a necessidade de defender pessoas que são perseguidas por serem
diferentes de um padrão estabelecido.
Utilize em seu texto (retomando o Tema Relações Lógico-gramaticais) construções
típicas da escrita, como orações subordinadas, certas conjunções, certos pronomes e
expressões essenciais para que você convença seu interlocutor de seu propósito. É
interessante destacar que procedendo assim você usará seu cérebro como um todo
articulado, tanto a parte posterior, associativa, quanto a anterior, que possibilita a
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
execução do plano que você traçou para escrever.
Comentário para o professor
Professor, o objetivo da atividade proposta é apresentar um tema atual, que envolva os alunos,
considerando que qualquer um de nós pode passar pelo constrangimento do bullying. Você pode lembrar a
seus alunos que na novela das 20h, da Rede Globo, televisionada em 2009, Caminho das Índias, da autora
Glória Perez, há um personagem que junto com sua turma aplica uma série de maldades às pessoas da
escola (alunos e professores), do bairro, especialmente negros, imigrantes indianos. Observe que seus pais
aprovam e incentivam esses comportamentos o que torna o bullying aceitável na dinâmica familiar: a mãe
compra ovos especialmente para o filho atirar nas pessoas, o pai apóia o filho em nome de um machismo e
os colegas são subjugados por ele nas ações que o grupo realiza.
Queremos com esse tema que você, professor, junto com a escola, possam tomar uma posição frente ao
bullying, discutindo abertamente com colegas e alunos seus efeitos no lugar de ficar, por exemplo,
assistindo passivamente aos atos constrangedores de quem pratica o bullying. Essa atitude da escola e do
professor contribui para a formação de jovens cidadãos e por isso propomos como atividade a escrita de
um texto dissertativo que argumente para convencer e mobilizar pessoas. Produzir textos dessa natureza é
fundamental para preparar futuros profissionais que tenham a ética como valor universal.
Como essa atividade mobiliza o cérebro? Como uma orquestra, entram em ação vários instrumentos, em
tempos diferentes, em alguns momentos mais uns do que outros.
Primeiro entra a atenção, mobilizada pelo Bloco I para manter o foco no tema e também para manter a
vigília. Ao mesmo tempo algumas associações são selecionadas, outras inibidas, a partir de informações
que chegam do mundo exterior pelos órgãos do sentido (audição, visão, tato, olfato, paladar), e que são
analisadas e registradas - ações que envolvem o Bloco II. Para tanto, esse bloco conta com o que já está
registrado pela repetição e uso e pode ser recuperado/lembrado.
O planejamento do que será escrito e sua execução para escrever um texto articulado envolvendo
conceitos, citações, exemplos, outros textos, imagens, tabelas, depoimentos etc, bem como relações
lógico-gramaticais que estruturarão a argumentação são realizadas pelo Bloco III. Este bloco também está
envolvido quando fazemos julgamento moral, quando utilizamos regras de convivência social (vestir-se de
acordo com a ocasião, por exemplo, não ir à escola de biquíni) e através da linguagem (regras pragmáticas
e discursivas, por exemplo, não mentir; não tratar um desconhecido com intimidade).
Portanto, retomando a ideia da orquestra, os blocos são como instrumentos individuais, cada um
desempenhando seu papel, e para produzir uma sinfonia, como a 5a de Beethoven, é preciso haver
integração entre eles. Redigir textos significa também reger uma orquestra de palavras e suas
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
combinações em estruturas, redes de sentidos onde circulam outros textos.
Destaca-se a importância de aprender, no caso a redigir textos, para o trabalho integrado dos processos
cerebrais que, por sua vez, formam novas relações e conexões entre os neurônios que interagem com
outros, via sinapses. Como uma via de mão dupla, destaca-se, da mesma forma, a importância desses
processos cerebrais para a aprendizagem, conforme A. R. Luria nos ensina no terceiro episódio do vídeo
Viagem ao cérebro. Consideramos fundamental salientar, professor, que é a linguagem que possibilita esse
caminho associativo para aprender na escola e/ou na vida. A linguagem é a chave-mestra para o
ensino/aprendizado: abre todas as portas, constrói e reconstrói caminhos, possibilita que sinfonias tão
diversas sejam orquestradas – e isso é o que chamamos de conexão linguagem.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
PARA SABER MAIS
ESQUEMA: visão simplificada do cérebro em ação na produção de texto escrito.
PRÁTICAS SOCIAIS
BLOCO I
SUJEITO-ESCREVENTE
ATENÇÃO
META/PLANO
ACOMPANHAMENTO DA AÇÃO
COORDENAÇÃO DE INFORMAÇÕES:
BLOCO III
BLOCO II
VISUAIS
AUDITIVAS
ESPACIAIS
TÁTEIS
ETC.
O ato de escrever começa com um estado de alerta por parte do sujeito (Bloco I). Em seguida,
tem-se a obtenção, elaboração e registro das informações obtidas do mundo exterior (Bloco II)
e, finalmente, o estabelecimento de intenções, a programação da ação e sua realização
continuamente monitorada e ajustada (Bloco III).
Fonte: Coudry, MIH e Freire, FMP. O trabalho do cérebro e da linguagem: a vida e a sala de aula. Linguagem e
letramento em foco – Língua Portuguesa, fascículo para o curso de formação de professores (Cefiel/IEL), Ministério da
Educação, 2005.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Textos introdutórios: Jogos interativos
Software educacional – Viagem ao Cérebro
No Projeto Conexão Linguagem, os programas de vídeo e de áudio são o ponto de partida
para a exploração de conteúdos de Língua Portuguesa e de Literatura em Língua
Portuguesa, que são trabalhados por meio de textos e atividades relacionados a cada
programa. O software educacional, em formato de jogo interativo, avalia os
conhecimentos desenvolvidos pelos alunos, ao mesmo tempo em que permite que eles
continuem aprendendo. (Para saber mais sobre o projeto, acesse o guia - Conexão
Linguagem, disponível no Portal do Professor.)
Os jogos trazem perguntas relativas aos temas tratados no vídeo e desenvolvidos nos
textos e atividades. Por isso, antes de jogar, é importante que os alunos tenham
assistido ao vídeo Viagem ao Cérebro; tenham lido os textos e realizado as atividades
pós-exibição propostas. Entretanto, é possível jogar sem ter passado por essas etapas,
testando conhecimentos adquiridos por outros meios e aprendendo com os comentários
fornecidos a cada acerto e erro.
Episódio1: A luz no fim... da lixeira?
O jogo do episódio1 do vídeo Viagem ao Cérebro traz questões relacionadas aos
conteúdos dos textos (hipérbole; comparação e metáfora; interjeições; duplo sentido e
ironia; pleonasmo; onomatopéia) apresentados no site, muitos dos quais já foram
estudados em anos anteriores, sendo o foco, no programa, o funcionamento do cérebro e
sua relação com a linguagem, a atenção, a memória, a percepção, os gestos.
Apesar de não haver nenhuma questão específica sobre o tema "relações espaciais",
presente no texto “Como vai seu GPS”, ele não deixa de ser contemplado em nosso jogo.
Isso se explica porque, assim como Pedro e Carolina, no primeiro episódio, encontram
um mapa na lixeira do computador, o aluno também viverá essa situação.
123
Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
O jogo busca aproximar o aluno daquilo que aconteceu com os personagens no vídeo,
pensando na importância da vivência de uma situação para o aprendizado. Para isso, eles
precisarão procurar as questões no mapa, buscando completar o jogo e encontrar a
saída.
As questões presentes nesse episódio também trabalham diferentes tipos de texto, pois
é de extrema importância fazer com que os alunos sejam capazes de relacionar
conteúdos aprendidos em diferentes tipos de contextos de fala, leitura e escrita. As
questões, portanto, relacionam o conteúdo teórico com imagens, poemas, charges,
propagandas, etc levando-se em conta o funcionamento do cérebro. Com isso esperamos
que esse jogo possa ser proveitoso para que o aluno aprenda de uma forma divertida
tanto os conteúdos quanto o que se passa, grosso modo, em seu cérebro, o que dá mais
sentido ao aprendizado em relação à vida.
Episódio2: Disléxico? Eu não!
O jogo do episódio2 do vídeo Viagem ao Cérebro traz questões relacionadas aos
conteúdos dos textos apresentados no site (eufemismo; pontuação; oralidade e escrita;
abreviatura, abreviação e siglonimização; variedades estilísticas; além de retomar o
tema relações especiais), muitos dos quais já foram estudados em anos anteriores, sendo
o foco, no programa, o funcionamento do cérebro e sua relação com a linguagem, a
atenção, a memória, a percepção, os gestos.
Diferente do episódio1, esse jogo não apresenta o mesmo cenário em que se passaram as
aventuras de Pedro e Carolina. Nesse episódio, buscamos trabalhar questões teóricas de
Língua Portuguesa, relacionando-as à história dos Romanov, a mais famosa família real
da Rússia. Seria interessante, portanto, se houvesse uma parceria nesse momento com o
professor de História, que poderia discutir com os alunos sobre o que aconteceu com
essa família no período da Revolução Russa de 1917.
O objetivo desse jogo, além de trazer questões sobre os temas abordados, é fazer com
que o aluno pense e aja como um detetive, seguindo pistas, fazendo inferências,
124
Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
planejando e realizando ações, o que demanda um trabalho integrado entre o cérebro, a
linguagem e os demais processos cognitivos (atenção, memória, percepção, gestos,
raciocínio intelectual), conforme aprendemos com A. R. Luria. O aluno encontra
perguntas que devem ser respondidas, o que o faz descobrir novos detalhes sobre o caso
dos Romanov. Buscamos, por meio desse recurso, incentivar os alunos a explorarem os
conteúdos de uma forma divertida e instigante, dando abertura para uma abordagem
multidisciplinar.
Episódio3: Viagem ao Cérebro
O jogo do episódio3 do vídeo Viagem ao Cérebro, o último do software, retoma questões
relacionadas aos conteúdos dos textos apresentados no site (campo semântico; formação
de palavras; relações lógico-gramaticais; relações de sentido; compreensão e atenção;
conexão-linguagem), muitos dos quais já foram estudados em anos anteriores, sendo o
foco, no programa, o funcionamento do cérebro e sua relação com a linguagem, a
atenção, a memória, a percepção, os gestos.
A estrutura desse jogo, no entanto, diferencia-se bastante dos dois anteriores. Pensando
na ideia de que os três blocos do cérebro funcionam juntos na aprendizagem, buscamos
trazer questões em que o aluno tenha que fazer associações relacionadas a práticas
sociais.
Trata-se de um jogo-da-velha, semelhante a outros que já apareceram em jogos
relacionados a outros vídeos. No entanto, há questões que retomam os conteúdos
abordados de forma dinâmica, sendo a teoria nesse jogo abordada de forma prática. Nas
atividades o aluno deve perceber que é necessário manter a atenção para conseguir
compreender e responder algumas perguntas. Além disso, as possibilidades de fazer
relações, de associar e de utilizar a linguagem para traduzir/interpretar textos do nosso
cotidiano também serão contempladas nesse jogo.
Por meio de um suporte conhecido que é o jogo-da-velha, os alunos terão perguntas e
desafios divididos em três níveis de dificuldade. A nossa "viagem ao cérebro" aqui se
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coloca de uma forma bastante divertida e desafiadora, fazendo com que o aluno precise
usar todo seu cérebro para completar o jogo.
Sempre que desejar, o aluno pode abrir um relatório, que retoma seu percurso no jogo.
O relatório apresenta as perguntas feitas e as respostas dadas, bem como a avaliação
recebida a cada resposta, indicando se ela era correta ou errada. Ao final do jogo, esse
relatório deve ser impresso e entregue ao professor. Ele pode funcionar como avaliação
do desempenho do aluno nos temas abordados, complementando ou substituindo uma
prova tradicional.
Esperamos que os alunos se divirtam – e aprendam muito!
Requisitos técnicos para jogar: computador com acesso à Internet; navegador instalado
(por exemplo, Internet Explorer, Mozilla, Chrome); plugin do Flash Player 9 ou superior
(para baixar, acesse http://www.adobe.com/support/flashplayer/downloads.html)
Requisitos técnicos para imprimir o relatório do aluno: conexão física com uma
impressora ou “impressora pdf” instalada para salvar o relatório (para baixar o programa
Primopdf, acesse http://www.baixaki.com.br/download/primopdf.htm
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Para ver mais: Filmes comentados
ESTAMIRA
Nome original: Estamira
Ano produção: 2004
Ano de Lançamento: 2006
Gênero: Documentário
Duração: 127 min
Direção: Marcos Prado
Site oficial: http://www.estamira.com.br
Comentário: Estamira é uma senhora de 63 anos, tem 3 filhos, sofre de distúrbios
mentais em decorrência de toda espécie de privação e violência que passou na luta
pela sobrevivência. O filme mistura o seu delírio, loucura e visão da realidade e é
nesse contexto que ela começa a freqüentar o lixão da cidade em que vive, onde
encontra também a possibilidade de reconhecer sentimentos de dignidade, de
conseguir ganhar seu sustento, de amizade, de companheirismo e acolhimento. A
indicação desse filme tem o objetivo de levar o aluno a desenvolver um olhar mais
amplo de julgamento da realidade social e poder refletir sobre isso.
O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON
Título Original: The Curious Case of Benjamin Button
Ano de produção: 2008 (EUA)
Lançamento no Brasil: Janeiro de 2009
Gênero: Drama
Duração: 166 minutos
Direção: David Fincher
Site Oficial: www.benjaminbutton.com.br
Comentário: Adaptação do romance de 1920 de F. Scott Fitzgerald. O filme se passa
entre 1918 e início do século XXI. Benjamin Button (Brad Pitt) nasce com uma doença
genética que lhe traz um envelhecimento precoce. Em um determinado momento de
vida, seu tempo cronológico e o de Daisy (Cate Blanchett) coincidem. Eles se
apaixonam e tem uma filha, a partir daí ela envelhece e ele rejuvenesce. Além da
questão estética do filme, dos efeitos especiais, do elenco maravilhoso, esse filme
traz uma questão de ordem temporal. O objetivo da indicação desse filme é levar o
aluno a perceber que a memória é uma construção social e guarda uma dependência
íntima com a linguagem.
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O ENIGMA DA PIRÂMIDE: SHERLOCK HOLMES
Título original: Young Sherlock Holmes
Ano de lançamento: 1985 (EUA)
Gênero: Aventura
Duração: 01h 49 min
Direção: Barry Levinson
Comentário: Em 1870, na cidade de Londres, pessoas que são atingidas por um dardo
desenvolvem alucinações e acabam morrendo em conseqüência disso. Este é o filme
em que Sherlock Holmes (Nicholas Rowe) e John Watson (Alan Cox) se conhecem.
Eles são bem jovens, Sherlock conhece também seu grande amor e desvenda seu
primeiro caso. A indicação desse filme é para que os alunos conheçam os diferentes
raciocínios (indutivos, dedutivos, abdutivos) feitos por Sherlock Holmes a respeito de
fatos cotidianos que envolvem um mistério que decifra.
A MULHER DE VERDE
Título original: The woman in green
Ano de produção: 1945 (EUA/Inglaterra)
Gênero: Policial
Tempo de Duração: 67 min
Cor: preto e branco
Diretor: Roy William Neill
Comentário: Este filme também traz Sherlock Holmes (Basil Rathbone) na busca de
desvendar o assassinato de quatro mulheres, e, de novo, usando raciocínios que
envolvem a observação, comparação, deduções, este investigador consegue resolver
o mistério. A indicação desse filme não se dá só por causa do desempenho de
Holmes, mas também por ser um filme em branco e preto de 1945. A linguagem do
cinema dessa época é muito diferente da atual, assim como, o comportamento do
homem e da mulher em sociedade, as roupas e o cenário.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
ASSASSINATO NO EXPRESSO ORIENTE
Título original: Murder on the Orient Express
Ano: 1974 (Inglaterra)
Roteiro: Agatha Christie(livro) Paul Dehn (roteiro adaptado)
Gênero: Policial
Duração: 128 minutos
Direção: Sidney Lumet
Comentário: Seguindo a perspectiva de Holmes, Poirot é outro investigador famoso
que saiu dos livros de Agatha Christie. Ele também faz uso de raciocínios lógicos
(indutivos, dedutivos, abdutivos), mas desta vez o crime acontece a bordo de um
trem freqüentado especialmente por pessoas ricas e elegantes. Ele tem que
descobrir quem seqüestrou e matou um bebê. O interessante é notar como o
investigador observa e considera relevante o que ninguém considera, saindo,
obstinadamente, atrás de detalhes e depois consegue tirar conclusões. A indicação
desse filme tem o propósito de levar o aluno a perceber que o que Poirot faz é
compatível com o que Galileu, por exemplo, fez na ciência e com o que podemos
fazer em nossas vidas.
O COLECIONADOR DE OSSOS
Título Original: The Bone Collector
Ano de Lançamento (EUA): 1999
Gênero: Suspense
Tempo de Duração: 118 minutos
Direção: Phillip Noyce
Site Oficial: www.thebonecollector.com
Comentário: Este filme mantém o tema investigação, mas tem uma roupagem
moderna, estamos agora em 1999. O filme se passa em Nova York e conta a história
de um policial detetive, altamente qualificado, Lincoln Rhyme (Denzel Washington).
Este policial sofre um acidente quando tenta resgatar um amigo, também policial.
Como conseqüência fica tetraplégico (sem movimento nos membros superiores e
inferiores). De uma vida agitada e interessante, ele passa a viver em uma cama
sofrendo convulsões freqüentes. Ele pensa em suicídio, mas não tem movimentos
que permitam qualquer ação nesse sentido, então, depende de outra pessoa.
Enquanto busca essa pessoa, um serial Killer que ele já havia combatido uma vez,
volta a atacar e a fazer vítimas. A indicação desse filme tem como objetivo levar o
aluno a perceber a divisão que há no sujeito quando sofre um acidente neurológico
grave. Há comprometimento motor, mas toda a rede de sentido que esse homem
formou pela vida toda continua intacta. Assistir a esse belo filme nos chama a
atenção para a pessoa dividida que Lincoln se tornou.
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DR. JIVAGO
Título Original: Dr. Zhivago
Ano de Lançamento: 1965 (EUA)
Gênero: Épico
Duração: 201 minutos
Direção: David Lean
Comentário: Este filme fez um estrondoso sucesso quando foi lançado em 1965,
baseado no romance escrito com o mesmo nome por Pasternak em 1958 e que foi
considerado um desafio à censura russa. A Rússia era um país em transformação e
tinha passado por muitas guerras. O Estado se fortaleceu com isso e passou a
controlar mais fortemente a vida pessoal dos russos. Dr Jivago (Omar Sharif) é um
médico, humanista, um admirador das artes. Ele divide a sua vida entre o amor de
duas mulheres: Tonya (Geraldine Chaplin) com quem se casa, e Lara (Julie Christie) a
quem de fato ama. Por todo o filme várias vezes Jivago e Lara se unem e se separam
e em cada um desses acontecimentos pode se observar, em paralelo, a ação do
Estado nas suas vidas. O objetivo da indicação do filme é que o aluno observe como
a política, a história de um país, interfere na vida das pessoas; e, a partir disso,
refletir sobre sua percepção quanto à interferência da política e da história do Brasil
na sua vida. Não perder de vista que esse filme foi feito pelos Estados Unidos sobre a
União Soviética no período da chamada guerra fria entre os dois países.
ANA KARENINA
Título Original: Anna Karenina
Ano de Lançamento (EUA): 1948
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 93 minutos
Direção: Julien Duvivier
Comentário: Baseado na obra de Leon Tolstoi o filme mantém a característica desse
autor quanto à crítica que faz à aristocracia russa. Esta produção, portanto, é um
retrato da época em que o livro foi escrito (1875 e 1877). Trata-se de apresentar ao
mundo as relações nocivas que existia entre as diferentes classes sociais russas.
Nesse espaço a mulher tinha muito pouco direito. No filme Anna (Vivien Leigh) é
casada com um militar que prima pela aparência. Mas, ela, uma mulher da alta
classe se apaixona por Vonskri (Kieron Moore) que, como não poderia deixar de ser,
não é da mesma classe social. Valores morais, religiosos e políticos envolvem todos
esses acontecimentos que tem um final inesperado. A apresentação desse filme ao
aluno se deve à possibilidade de observar que o papel da mulher mudou desde 1875;
como o aluno percebe as relações entre as classes sociais brasileiras e como a
religião interfere nas atitudes femininas e masculinas.
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AGENTE 86
Título Original: Get Smart
Ano de Lançamento (EUA): 2008
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 110 minutos
Direção: Peter Segal
Site Oficial: www.agente86.com.br
Comentário: Este filme tem como tema central uma investigação realizada por um
detetive trapalhão e uma bonita agente. Ambos trabalham para uma organização
chamada “Controle”. Depois de muita confusão e muito riso da platéia eles
conseguem resolver o problema. A indicação desse filme deve-se à constatação de
diferentes gêneros de filme de investigação, por exemplo. Este faz uso da sátira
como movimento das cenas. Vejam que o nome da agência é “Controle” e tudo o que
não há é controle de qualquer coisa. Ao assistir o filme observe que outros elementos
aparecem contradizendo o que se espera de um filme de investigação, provocando
um efeito cômico. Destacamos que um dos ambientes do filme é a Praça Vermelha
de Moscou.
PRO DIA NASCER FELIZ
Título Original: Get Smart
Ano de Lançamento (EUA): 2008
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 110 minutos
Direção: Peter Segal
Site Oficial: www.agente86.com.br
Comentário: Este filme do gênero documentário apresenta a relação
escola/sociedade na realidade educacional brasileira que vive uma crise. Essa
produção merece ser visto por todos porque os aspectos sociais e escolares
retratados são profundos. Assistir a esse documentário gera o incomodo de ver que
não dá para fechar uma opinião sem considerar um conjunto de fatores. Professores,
alunos, gente pobre, gente rica, aparecem todos com os seus próprios dramas. Mas,
esses dramas nas classes sociais mais baixas se misturam a questões de saúde,
moradia, saneamento básico, preconceito, precariedade, banalização da violência e
esperança. O objetivo de trazer esse filme é ajudar o aluno a ampliar seus horizontes
quanto aos aspectos observados na relação da sua escola com a sociedade, e de que
maneira isso repercute na sua vida.
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SER E TER
Título Original: Être ET avoir
Ano de Lançamento: 2002 (França)
Gênero: Documentário
Tempo de Duração: 104 minutos
Direção: Nicholas Philibert
Comentário: Este documentário retrata o dia a dia dos estudantes de uma escola
rural na cidade de Auvergne na França. O sistema de ensino é a didática
multidisciplinar que reúne em uma mesma classe crianças com idades entre 4 e 11
anos. A filmagem é lenta, detalhada e flagram mais do que as crianças fazem, ou
seja, valores morais e sociais que carregam. Nesse sistema em que não há a
homogeneidade da idade, da série matriculada, mas apenas um mesmo professor, a
singularidade de cada um aparece. A família também tem espaço nesse
documentário, assegurando ao professor a informação de como a leitura e escrita da
criança é representada em casa. Esse filme mostra o preparo que o professor tem
para enfrentar a diversidade da classe, com delicadeza, firmeza e esclarecimento
quanto à formação do aluno.
A LÍNGUA DAS MARIPOSAS
Título original: La Lengua de lãs Mariposas
Ano de lançamento: 1999 (Espanha)
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 96 minutos
Diretor: José Luis Cuerda
Comentário: Baseado nos contos de Manuel Rivas: La Lengua de las Mariposas,
Carmiña e Um Saxo en la Niebla - este filme se passa na Espanha de 1935. Uma
criança de 7 anos, Moncho (Manuel Lozano) vai para escola pela primeira vez e sente
muito medo dessa nova fase de sua vida. O seu professor Don Gregorio (Fernando
Fernán-Gomes) fica particularmente encantado com a curiosidade que esse menino
demonstra ter. A relação entre o velho mestre e o aluno vai ficando cada vez mais
rica de afeto e conhecimento. Em paralelo a vida dos dois, acontece a guerra civil no
país e o professor, para surpresa do menino e da comunidade, é preso. A cena final
impressiona pela forma como o menino consegue demonstrar seu afeto pelo
professor. O objetivo desse filme é mostrar que o aluno e o professor têm papéis
definidos na construção de diferentes tipos de conhecimento e levar tanto o
professor quanto o aluno a refletir em como estão estabelecendo essa parceria e
com quem.
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ESCRITORES DA LIBERDADE
Título original: Freedom Writers
Ano de produção: 2007 ( EUA)
Duração: 123 min
Gênero: Drama
Direção: Richard LaGravenese
Comentário: O filme é baseado no best-seller "The Freedom Writer's Diaries: How a
Teacher and 150 Teens Used Writing to Change Themselves and the World Around
Them" (traduzido como O Diário dos Escritores da Liberdade) e escrito pela
professora do ensino médio Erin Gruwell e seus alunos. Essa produção nos fala de
transformação. O que parecia impossível – os alunos aprenderem, mesmo com todas
as forças negativas que os cercavam: ignorância, guerra interracial americana, falta
de interesse político nesses alunos, dinâmica familiar desestruturada – acaba
acontecendo. A postura da professora muda e ajuda esses alunos a olharem para si
próprios e para a classe. Começam buscando isso nas leituras e saem em busca dos
heróis do mundo, contando suas próprias estórias e ouvindo a dos outros. A indicação
desse livro tem relação com a escola que precisa buscar o que há de melhor no aluno
e do aluno que precisa participar desse movimento.
ENTRE OS MUROS DA ESCOLA
Título Original: Entre les Murs.
Ano: 2008 (França)
Tempo de Duração: 128 min
Gênero: Drama
Direção: Laurent Cantet
Site oficial: http://www.entrelesmurs.ca/
Comentário: François Bégaudeau faz o mesmo papel no filme que tem na vida real,
ou seja, é professor. Dá aula de língua francesa em uma escola de ensino médio,
localizada na periferia de Paris. Essa escola é constituída na sua maioria por alunos
originários da emigração clandestina do leste europeu. Nesse espaço os professores,
na sua maioria franceses, e os alunos, na maioria filhos de imigrantes, travam sua
guerra particular em que a xenofobia (de ambos os lados), a perseguição do serviço
de Migração, as diferenças culturais, as questões das línguas, ao lado dos imigrantes
legalizados, estão presentes. Essa é a imagem da França contemporânea e a questão
que a escola representa é o que a sociedade enfrenta e não sabe o que fazer. Essa
situação fica à mostra no filme, quando os próprios professores lamentam o futuro
de crianças cujas famílias surpreendidas pelo serviço de Migração têm que sair do
país sem saber para onde ir. O objetivo da indicação do filme é levar o aluno a ter
acesso ao que acontece em outras escolas no mundo e poder refletir sobre isso.e do
aluno que precisa participar desse movimento.
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1900
Título original: Novecento
Ano: 1976 (Itália)
Gênero: Drama
Tempo: 248 min
Direção: Bernardo Bertolucci
Comentário: O filme acompanha as vidas e a relação de dois homens: Olmo (Gérard
Depardieu), o filho bastardo de um camponês, e Alfredo (Robert De Niro), herdeiro
de uma rica família de latifundiários. A história se passa na Itália, desde o início do
século XX (1900) até o término da Segunda Guerra (1945). A narrativa percorre as
lutas trabalhistas no país, a ascensão e queda do fascismo, retratando como esses
acontecimentos afetam a vida dos personagens centrais. O objetivo da indicação
desse filme é levar o aluno a acompanhar historicamente o movimento trabalhista e
a relação disso com o que vivemos hoje no mercado de trabalho.
MATRIX
Título Original: The Matrix
Ano de Lançamento: 1999 ( EUA)
Gênero: Ficção
Tempo de Duração: 136 minutos
Direção: Andy Wachowski e Larry Wachowski Site Oficial:
http://www.whatisthematrix.com
Comentário: Thomas Anderson (Keanu Reeves), um jovem programador de
computador, começa a ter pesadelo em que se encontra contra sua vontade
conectado por cabos ao computador. É uma mistura de pesadelo e possibilidade de
realidade. Quando se encontra com Morpheus (Laurence Fishburne) e Trinity (CarrieAnne Moss), Thomas descobre que é vítima do plano da Matrix: sistema inteligente e
artificial que manipula a mente das pessoas, criando a ilusão de um mundo real e
captando a partir desses corpos uma determinada energia. Só Thomas poderá
devolver a liberdade às pessoas. A indicação dessa trilogia é para que o aluno
observe como uma supervalorização do cérebro, enquanto uma máquina de super
poderes, sempre é retratada no cinema. Em seguida mostra uma luta em que a
sensibilidade, a inteligência construída socialmente sempre sai vencedora.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
MATRIX RELOADED
Título Original: The Matrix Reloaded
Ano de Lançamento (EUA): 2003
Gênero: Ficção Científica
Tempo de Duração: 138 minutos
Direção: Andy Wachowski e Larry Wachowski
Site Oficial: http://whatisthematrix.warnerbros.com
Comentário: Após vencer as máquinas, Neo (Keanu Reeves) ainda vive na
Nabuconodosor. Em um contra-ataque, as máquinas realizam uma grande ofensiva
contra Zion. A Nabucodonosor é convocada para retornar a Zion, para definir o contraataque humano às máquinas. Mas, o recado do Oráculo (Gloria Foster) muda a rota
da nave e leva Neo de volta à Matrix. Chegando lá, ele descobre que precisa
encontrar o Chaveiro (Randall Duk Kim), um ser que tem a chave para todos os
caminhos da Matrix e que é mantido como prisioneiro.
MATRIX REVOLUTIONS
Título Original: The Matrix Revolutions
Gênero: Ficção Científica
Ano de Lançamento (EUA): 2003
Tempo de Duração: 129 minutos
Direção: Andy Wachowski e Larry Wachowski
Site Oficial: http://whatisthematrix.warnerbros.com
Comentário: Depois de enfrentar os sentinelas no mundo real, Neo (Keanu Reeves)
tem sua mente presa entre o real e não real e precisa de ajuda. As ondas cerebrais
de Neo são idênticas às de uma pessoa conectada à Matrix. Trinity (Carrie-Anne
Moss) e Morpheus (Laurence Fishburne) buscam a ajuda do Oráculo (Mary Alice) e
Seraph (Sing Ngai). Trinity, Morpheus e Seraph vão em busca da libertação de Neo.
Obtendo sucesso no resgate, o trio se divide para ajudar no combate contra as
máquinas.
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GATTACA – A EXPERIÊNCIA GENÉTICA
Título Original: Gattaca
Ano de Lançamento: 1997(EUA)
Gênero: Ficção Científica
Tempo de Duração: 112 minutos
Direção: Andrew Niccol
Site Oficial:
http://www.spe.sony.com/Pictures/SonyMovies/Gattaca
Comentário: Esse filme de ficção científica conta a história de um tempo futuro em
que a criança quando nasce recebe um código genético em um cartão magnético,
indicando o que vai desenvolver ou não como doença e qual sua probabilidade. Esse
cartão indica Válido ou Não-Válido para o que ele vai ser profissionalmente, que
esporte pode praticar, enfim, tudo na vida da criança gira em torno desse cartão. O
filme retrata a vida de Vincent Freeman (Ethan Hawke) que nasce do amor dos pais,
portanto, não planejado geneticamente, e por não aceitar ter seus sonhos de vida
controlados dribla o sistema. Para isso assume a personalidade de Jerome Morrow,
um Válido que por causa de um acidente, ficou paralítico. O objetivo de Vincent é o de
superar com informações falsas todas as restrições de classe para conseguir seu
maior sonho: ir para o planeta Titã. A indicação desse filme, além de ser excelente,
traz também uma intertextualidade entre suspense e investigação policial. Outro
aspecto importante é a questão de identidade e memória social que de tempos em
tempos elege nova forma de controle: brancos e negros, senhores e escravos, patrões
e empregados, Válidos e Não-Válidos.
BLADE RUNNER
Título Original: Blade Runner
Ano de Lançamento (EUA): 1982
Gênero: Ficção Científica
Tempo de Duração: 118 minutos
Direção: Ridley Scott
Comentário: Este filme é inspirado na novela “Do Androids Dream of Electric
Sheep?”, de Philip K. Dick em que a Humanidade visualizando uma colonização
espacial, cria seres geneticamente alterados. A função destes seres é realizar tarefas
pesadas, perigosas ou degradantes nas novas colônias e exploração de outros
planetas. Para isso fabricam-se modelos idênticos aos humanos, porém mais fortes e
ágeis. A partir do momento em que um grupo de robô mais evoluído provoca uma
reação à colonização, os policiais do esquadrão de elite, Blade Runner, têm ordem
de matar os replicantes. Estamos agora em 2019 na cidade de Los Angeles e cinco
replicantes chegam à Terra e um ex-Blade Runner (Harrison Ford) é encarregado de
caçá-los. A indicação segue o mesmo propósito do filme anterior: identidade,
memória social, controle.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
HIROSHIMA MEU AMOR
Título original: Hiroshima Mon Amour
Ano de Lançamento: 1959 (França/Japão)
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 90 min
Direção: Alain Resnais
Comentário: Esse filme conta a história de uma atriz francesa (Emmanuelle Riva)
que está em Hiroshima para participar de um filme sobre a paz. Durante as filmagens
ela conhece o arquiteto japonês (Eiji Okada) e se apaixona. Ele sobreviveu ao
bombardeio de Hiroshima pelas forças amigas da segunda guerra mundial. A atriz em
paralelo à história do arquiteto relembra a história de amor que viveu com um
soldado alemão (Bernard Fresson) que conheceu em Nevers, na França, no final da
Segunda Guerra. Porque se relacionou com um soldado alemão, inimigo de guerra da
França, foi perseguida. Hiroshima Meu Amor é um filme entrecortado por estas
lembranças. A indicação desse filme tem por objetivo levar o aluno a refletir sobre a
construção da memória que carrega sempre particularidades impossíveis de serem
verificadas, além disso, a filmagem em branco e preto ajuda a manter a procura do
sentido na fala dos personagens em um filme cujo movimento se dá pelos recortes
das lembranças de cada um.
MUITO ALÉM DO JARDIM
Título Original: Being There
Ano de Lançamento:1979 (EUA):
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 130 minutos
Direção: Hal Ashby
Comentário: Um jardineiro, Chance (Peter Sellers), ocupa a sua vida apenas com o
seu trabalho no jardim, sendo que o seu contato com o mundo externo se resume
àquilo que a televisão mostra. Ele também não sabe ler e escrever. Não tem
documentos e, por isso, não existe oficialmente. Seu patrão morre e ele fica
completamente só. Um dia um magnata (Melvyn Douglas) o atropela, fica seu amigo,
e o apresenta ao presidente dos Estados Unidos. Nesse novo ambiente tudo o que o
jardineiro fala ou cala é considerado genial. Por fim, seu amigo magnata fica doente
e a esposa deste se apaixona pelo jardineiro. A indicação desse filme se respalda
antes de tudo na proposta de se pensar a questão da identidade: a identidade oficial
(documento); a identidade profissional, social, a que os outros nos conferem (o
presidente, o magnata, identificam o jardineiro a partir de si próprios, sem olhar de
fato para ele), e a que construímos pela memória de nossa história.
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AMNÉSIA
Título Original: Memento
Ano de Lançamento (EUA): 2001
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 120 minutos
Direção: Christopher Nolan
Site Oficial: http:// www.otnemem.com
Comentário: O assassinato de sua mulher e a sua luta com o ladrão assassino deixou
Leonard (Guy Pearce) gravemente enfermo e com danos cerebrais, mas ele sobrevive
e fica em conseqüência disso com um problema de memória que o permite registrar
apenas os fatos recentes, e por pouco tempo. Ele decide procurar o assassino de sua
mulher e para isso ele recorre a diferentes tipos de registros. Ele precisa registrar
para depois poder recuperar o que sua memória não atualiza. Esse filme é muito
interessante, embora, em alguns momentos se torne nebuloso porque com ele
conhecemos mais sobre a fluidez da memória e sua importância na nossa identidade
pessoal, social, profissional, enfim, sem memória não dá para ser independente.
Mas, pode-se pensar em uma falha do filme: escrever e ler não exigem memória?
Vamos conferir esse filme que vale a pena.
ADEUS LÊNIN
Título Original: Good Bye, Lenin!
Ano: 2003 (Alemanha)
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 118 min.
Direção: Wolfganger Becker
Site Oficial: http://www.good-bye-lenin.de
Comentário: A Senhora Kerner (Katrin Sab) tem um mal súbito e permanece
desacordada entre 1989 e meados de 1990. Nesse período há a queda do regime
comunista, a vitória do regime capitalista e a queda do muro de Berlim. Quando a
Sra. Kerner acorda, seu filho Alexander (Daniel Brühl), temendo que a mãe, por
saber dos novos acontecimentos, tenha a saúde prejudicada, decide esconder-lhe o
que se passou. A cada iniciativa da Sra Kerner para assistir a televisão, o filho a
engana colocando um vídeo anterior aos acontecimentos para que assista.
Novamente a indicação do filme para o aluno tem a ver com a construção e
desconstrução da memória e de como a ideologia estrutura nossa identidade.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇA
Título Original: Eternal Sunshine of the Spotless Mind
Gênero: Comédia Romântica
Tempo de Duração: 108 minutos
Ano de Lançamento: 2004 (EUA)
Direção: Michel Gondry
Site Oficial: http:// www.eternalsunshine.com
Comentário: Um casal, Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet), por anos,
tenta conviver, sem sucesso. Clementine, cansada dessa situação, aceita se
submeter a um tratamento experimental, cuja proposta é eliminar de sua mente
todas as lembranças partilhadas com ele. Joel, sabendo disso, também decide fazer
o mesmo. Mas, no começo do procedimento ele se arrepende e não quer mais
esquecer Clementine. Começa, então, a luta para recuperar suas lembranças que ele
recupera por seu envolvimento com a emoção. Essa indicação aos alunos remete a
questões ligadas ao fato de que o movimento da sociedade atual é o de evitar o
sofrimento a todo custo, recorrendo aos procedimentos mais estapafúrdios. Essa
atitude do não enfrentamento da situação vai gerando cada vez menos resistências
psíquicas e um ambiente favorável à depressão.
VIOLAÇÃO DE PRIVACIDADE
Título Original: The Final Cut
Ano de Lançamento (EUA): 2004
Gênero: Ficção Científica
Tempo de Duração: 104 minutos
Direção: Omar Naim
Site Oficial: http:// www.finalcutfilm.com
Comentário: Nesse filme de ficção a memória das pessoas é implantada por um chip
para gravar ali informações escolhidas sobre suas vidas. Alan Hakman (Robin
Williams) trabalha como editor de filmes para rememória. Ele tem talento para dar
um acabamento final nas histórias, para apagar todos os pecados. Mas, em um desses
trabalhos, Alan encontra na memória de outra pessoa uma lembrança da sua
infância. Quando ele toma conhecimento disso, uma série de acontecimentos vai
sendo lembrada e ele passa a correr risco de vida. O aluno pode observar nesse filme
o efeito associativo da memória, uma lembrança desencadeando a outra; a
necessidade das pessoas em se lembrar só de coisas boas; a busca de uma farsa para
não ter que conviver com o que há de desagradável em nós; o risco de se perder, de
se estilhaçar diante de tantos recursos artificiais: a mentira, a invenção, manter um
mal entendido propositalmente etc.
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Á PRIMEIRA VISTA
Título Original: At First Sight
Ano de Lançamento: 1999 (EUA)
Gênero: Romance
Tempo de Duração: 129 minutos
Direção: Irwin Winkler
Site Oficial: http://www.mgm.com/atfirstsight/ind
ex.good.html
Comentário: Filme baseado em fatos reais descritos por Oliver Sacks no livro “Um
antropólogo em Marte“ (1995). Virgil (Val Kilme) ficou cego, acidentalmente, na
infância e como cego construiu sua independência: lê, escreve, anda sozinho pelas
ruas, trabalha. Mas, Amy (Mira Sorvino) sua recente namorada, começa a investigar
porque Virgil ficou cego e descobre que existe uma cirurgia que pode devolver-lhe a
visão. Ele é operado com sucesso, mas nem tudo dá certo. Essa indicação, alem do
fato de ser um bom filme, tem como objetivo levar o aluno a pensar que a visão é
uma aprendizagem e que não basta poder ver para enxergar alguma coisa. A visão é
uma função cerebral que se aprende socialmente.
ILHA DAS FLORES
Título Original: Ilha das Flores
Ano: 1989 (Brasil)
Gênero: Documentário (Curta metragem)
Direção: Jorge Furtado
Tempo de Duração: 12 min.
Comentário: Esse curta metragem busca retratar a geração de riquezas e as
desigualdades sociais que fazem parte de uma sociedade de consumo. É interessante
assistir tanto pela reflexão proposta, quanto pela linguagem usada pelo diretor nesse
gênero de texto por imagem.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
Bibliografia, Sites e Livros
ABAURRE, M. L. M. & PONTARA, M. Gramática. Texto: Análise e construção de sentido. São
Paulo: Moderna, 2006
Nesse livro as discussões gramaticais acontecem a partir de um quadro teórico que concebe a
linguagem como uma atividade que modifica e constitui o interlocutor, e por influência dele é
modificada. Sob essa ótica, as autoras apresentam um trabalho inovador e moderno integrando
teoria gramatical e produção textual.
ALKMIM, T. M. Língua portuguesa: Objeto de reflexão e de ensino. Campinas: CEFIEL Unicamp; MEC, 2005
Na abordagem da sociolingüística, a autora estuda a relação oralidade/escrita, mais
especificamente, as implicações da variedade lingüística da fala do aluno na sua escrita. Faz
parte dessa concepção desmistificar a noção de certo/errado tanto na fala quanto na escrita,
considerando a responsabilidade da escola no ensino da variedade padrão.
ANJOS, A. Eu e outros poemas. Porto Alegre: L&PM, 2001
Este único livro do importante poeta brasileiro, Augusto dos Anjos (1884-1914), vem sendo
reeditado desde sua publicação, em 1912. Sua expressão poética vem do “eu” como centro do
pensamento, caracterizando a vida como resultado de misturas dos elementos químicos, físicos e
biológicos. Tal consideração o torna, por vezes, amargo e pessimista.
BRECHT, B (1938/40) Teatro Dialético Tradução de Ilse Losa. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1967
O alemão Bertolt Brecht (1898-1956) é considerado uma expressão mundial na área de teatro e
literatura, além, de ser grande referência para o teatro moderno. Este livro traz a incorporação
pelo autor dos pensamentos de Karl Marx, especialmente, do conceito de Dialética (o homem
modifica a natureza e é modificado por ela). Esse movimento explica o interesse de Brecht na
relação indivíduos/história e na conciliação entre arte e política.
CAMINHA, P. V. Carta a El Rei D. Manuel. São Paulo: Dominus, 1963
Este livro pode ser acessado através do site
http://superdownloads.uol.com.br/download/185/livro-carta-de-pero-vaz-de-caminha/
Trata-se da carta escrita em Porto Seguro (BA) no dia 1º de Maio de 1500 pelo escrivão Pero Vaz
de Caminha que servia na frota de Pedro Álvares Cabral. Enviada a D. Manoel, rei de Portugal,
levava informações sobre os habitantes e a terra descoberta. Esse é o primeiro documento da
historia oficial do Brasil e está inscrita no Programa Memória do Mundo da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
COUDRY, M. I.H, FREIRE, M. F. O Trabalho do cérebro e da linguagem: a vida e a sala de
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
aula. Campinas: CEFIEL - Unicamp; MEC, 2005
As autoras trabalham neste fascículo com uma concepção histórico-cultural de cérebro e
linguagem concebidos em relação. Levam essa abordagem para sala de aula de forma a
transformá-la em um espaço interativo em que se dá o aprendizado. Abordam questões de fala,
leitura e escrita tanto em relação a como se apresenta na vida quanto na escola. Destacam o
funcionamento do cérebro em atividades de escrita e reescrita de textos, diferenciando o normal
do patológico.
DOYLE, A. C.(1887) Um Estudo em Vermelho Rio de Janeiro: Record, 1993
_____(1890) O Signo dos Quatro. São Paulo: Melhoramentos, 1998
_____ (1902) O Cão dos Baskervilles. Tradução Ligia Junqueira. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2006
_____ (1892) As Aventuras de Sherlock Holmes São Paulo: Melhoramento, 2002
Arthur Conan Doyle, escritor e médico, levou para a literatura criminal uma nova maneira de
escrever casos policiais a partir do método do exame clínico da medicina. Trata-se de um
procedimento meticuloso de observar pistas, sinais, sintomas presentes nos pacientes que levam
o médico a decidir sobre a patologia apresentada e seu tratamento. Esse mesmo método é
utilizado pelos personagens investigadores de toda a sua obra que para isso fazem uso de
raciocínios abdutivos, dedutivos e indutivos, ou seja, olham para fatos comuns do cotidiano
como acontecimentos reveladores de comportamentos e condutas humanas, inclusive de um
assassino.
Acessos livres a livros do autor na Internet: O Cão dos Baskervilles: http://groupsbeta.google.com/group/digitalsource
Outros títulos do autor podem ser acessados em:
ttp://www.baixaki.com.br/download/sherlock-holmes-a-library.htm
ECO, U. Obra Aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo:
Perspectiva, 2005.
Umberto Eco, filósofo, nascido em 1932 na Itália, tem seus primeiros estudos centralizados na
estética medieval presentes nos textos de São Tomás de Aquino. O livro aqui considerado teve
sua primeira edição em 1962 e reúne ensaios sobre literatura, artes plásticas e música.
FRANCHI, C. (1977) Linguagem – Atividade Constitutiva In: Cadernos de Estudos Lingüísticos ,
22, p. 9-39. Campinas: UNICAMP, 1992.
Esse autor concebe a linguagem como trabalho e atividade, inscrita no simbólico, que faz
retificar o vivido, tanto no plano social quanto nas opções solitárias.
FREUD, S. (1891) La afasia. Buenos Aires: Nueva Visión, 1973
Tese de doutorado de Sigmund Freud datada de 1891, sobre o estudo crítico das afasias. A afasia
é definida como alteração de linguagem (fala, escrita e leitura) decorrente de uma lesão
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
cerebral. Nesse livro Freud analisa estudos de caso feitos por seus colegas médicos propondo
uma teoria para as afasias, sem deixar de criticar os modelos vigentes à época.
HOUAISS, A., VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva,
2001.
KLEIMAN, A. Preciso ensinar o letramento? Campinas: CEFIEL - Unicamp; MEC, 2005
Este livro traz a reflexão do que é e do que não é letramento. Além disso,
a autora busca junto ao professor a oportunidade de refletir sobre o ensino da leitura, colocando
em evidência a necessidade dele em desenvolver conhecimentos técnicos necessários sobre o
método que usa. Na medida em que isso ocorre, o professor deixará de reproduzir práticas de
ensino em sala de aula, mas, ao contrário, passará a criar alternativas metodológicas na busca
de resultados que façam sentido à sua realidade.
GALABURDA, A. et al. Evidence for Aberrant Auditory Anatomy in Developmental Dyslexia.
Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America v. 91, p.
8010-8013, 1994.
Importante estudioso da Dislexia sob a perspectiva médica, o neurologista Albert Galaburda,
juntamente com outros pesquisadores, observaram a falta da esperada assimetria (região do
hemisfério esquerdo maior do que do direito) no Planum Temporale do cérebro de crianças que
se apresentam com: dislexia, distúrbios de linguagem e aprendizagem. Esses autores entendem
que a origem dessa anomalia seja intra-uterina.
Luria, A. R. Curso de Psicologia Geral - vols I, II, III e IV. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1979. Esta coleção focaliza as funções corticais superiores (memória, atenção, percepção,
linguagem e pensamento) relacionando condições normais com patologias que afetam o cérebro,
sobretudo as que modificam a linguagem, o pensamento produtivo e a solução de tarefas.
LURIA, A.R. Pensamento e Linguagem: as últimas conferências de Luria. Porto Alegre, Artes
Médicas, 1986.
Este livro retoma vários temas de sua obra que focalizam a relação entre o cérebro e a
linguagem, destacando o papel da palavra como unidade de sentido. Analisa a língua em
funcionamento e a função das relações lógico-gramaticais, sobretudo na escrita, bem como
analisa o pensamento concreto, baseado na experiência, diferenciando-o do pensamento
abstrato e semântico, socialmente construído.
NETO, J. C. M. Morte e vida Severina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Ed. 58ª, 1994.
Vida e morte Severina: versa sobre a relação entre a morte e a vida, que ronda a expectativa
que o retirante Severino tem de trabalho no sertão, onde a morte está sempre presente,
invadindo a vida, pois só se tem trabalho com profissões que lidam com ela. Ao fim nasce uma
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
criança, esperança de vida.
Este
livro
pode
ser
baixado
gratuitamente
através
do
seguinte
endereço:
http://www.culturabrasil.pro.br/download.htm
PESSOA, F. A. N. MENSAGEM. Edições Ática, 1959
_____Obra Poética. Vol. II, Org. por João Gaspar Simões, Círculo de Leitores,
Lisboa, 1986.
Fernando Antonio Nogueira Pessoa (Lisboa, 1888-1935), poeta e escritor. Grande relevância da
literatura de língua portuguesa. Sua obra é marcada pela fascinante criação dos heterônimos e
pela reflexão sobre a verdade, existência e identidade, como vimos, em episódios anteriores.
POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. São Paulo: Mercado das
Letras, 2002.
_____ Escrever escrevendo. Campinas: CEFIEL/IEL/Unicamp. Ministério da
Educação, 2005
No primeiro livro o autor traz uma explanação sobre os motivos que o levam a considerar que
(não) se deve ensinar gramática na escola. Para isso chega a formular princípios para o professor
de português brasileiro ensinar gramática, levando-se em conta, mais do que o saber técnico, a
reflexão sobre saberes acumulados pelos alunos enquanto falantes de uma língua; assim como a
consideração de sua variedade lingüística. Para este autor é função da escola ensinar a língua
padrão.
O segundo livro trata basicamente do fato de que a correção feita pelo professor do texto do
aluno não leva a uma reflexão sobre a língua. Assinalar o que está errado, necessariamente, não
explicita o correto. Sua proposta é a de que o texto seja corrigido de uma forma que o aluno
perceba como escreveu. O próximo passo seria, então, o aluno reescrever o mesmo texto que
repetirá o ciclo do movimento do professor na releitura e do aluno na reescrita. Para o autor
escrever se aprende escrevendo.
RANGEL, F. & FERNANDES, M. Liberdade, liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1965.
A obra trava uma luta contra o arbítrio e a repressão do regime militar brasileiro, fazendo falar
vários autores clássicos contra arbitrariedades, destacando a liberdade, e inaugurando um estilo
de espetáculo reconhecido historicamente como teatro de resistência que teve efeitos
interessantes na dramaturgia brasileira.
ROSA, J. G. Tutaméia, Terceiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 8ª Ed, 2001
Tutaméia: Terceiras Estórias - contém quarenta estórias de linguagem próxima à anedota
versando sobre a astúcia do sertanejo mineiro que exigiram do autor síntese e concisão. Nelas o
autor valoriza a cultura popular e a linguagem falada em franco uso de vocabulário e da sintaxe
do português brasileiro. Em Tutaméia, o sertão mineiro não é apenas um cenário de carências
que só pode ser expresso por discursos míticos, pois também possui a sua história, que é contada
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
nestes textos literários sustentadas na temática da memória e da invenção.
SACKS, O. W. Vendo Vozes: uma Viagem ao Mundo dos Surdos. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
Oliver Wolf Sacks, neurologista britânico, nasceu em 1933, relata seus estudos neurológicos em
narrativas de forma bem interessante, mantendo a curiosidade do leitor, apagando a ideia de
que se trata de um estudo e diferentes patologias. No livro referido, Sacks adentra ao mundo dos
surdos conhecendo a história da surdez, a singularidade de cada caso, as diferentes causas e o
percurso de diferentes protagonistas.
Esse
livro
pode
ser
consultado
em
forma
de
resenha
no
endereço:
resehttp://books.google.com.br/books. Outros títulos do autor podem ser lidos em:
http://sindromedeestocolmo.com/archives/2009/01/livros_feministas_para_download.html/: Os
títulos disponíveis são: O homem que confundiu sua esposa com um chapéu e o Um antropólogo
em marte.
SARAMAGO, J.S. A caverna. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
Jose de Souza Saramago, português, nascido em 1922, recebeu o prêmio Nobel de Literatura de
1998. É escritor, jornalista, roteirista, poeta. No livro A Caverna mistura realidade e fantasia
quando conta a história de um oleiro que precisa manter socialmente a necessidade do produto
do seu trabalho. Diante dessa busca o personagem principal, o oleiro, sua filha e seu genro
travam as mais diferentes discussões mantendo por base uma reflexão sobre a natureza humana.
O livro tem um final surpreendente, revelando mais uma vez a grandeza de seu autor.
VYGOTSKY, L. S (1934) Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987
_____ (1930) A Formação Social da Mente. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1987
______(1926) Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003. Edição Comentada
______LURIA, A R. e LEONTIEV, A Linguagem, desenvolvimento e Aprendizagem.
São Paulo: Ícone, 1988.
O russo Lev Semenovitch Vygostsky viveu apenas 37 anos (1896-1934) e fez formação em
diferentes áreas como a psicologia, medicina, direito, filosofia. Seus estudos na área da
psicologia histórico-cultural ecoam na área da educação, dentre outras, marcando cada vez mais
o aspecto atual de suas propostas. O objeto de estudo deste autor são as funções psíquicas
superiores do homem, utilizando como método a proposição teórica do materialismo histórico de
Karl Marx (1818-1883) e Friedich Engels (1820-1895). Dessa teoria, o conceito de Dialética (o
homem atua sobre a natureza e vice-versa) perpassa por toda a teoria de Vygotsky,
especialmente, em relação às funcões psíquicas superiores (linguagem, memória, atenção,
raciocinio lógico, percepção, práxis) valorizadas pelo autor como construções histórico–
culturais sempre mediadas pela linguagem. Nesse sentido a noção de funcionamento cerebral de
Vygotsky filo e ontogeneticamente guarda um caráter a principio biológico, e a partir da
presença da linguagem, histórico-cultural.
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Guia do Professor / Viagem ao cérebro / Maria Irma Hadler Coudry
TAYLOR, J. B. A cientista que curou o próprio cérebro. Tradução de Débora da Silva
Guimarães Isidoro. São Paulo: Ediouro, 2008
O livro A cientista que curou seu próprio cérebro, da neurologista americana Jill Taylor, relata
sua própria experiência de lidar e superar um estado patológico transitório, decorrente de um
derrame (por hemorragia cerebral). Viu acontecer com ela dificuldades muito semelhantes que
ocorrem com seus pacientes e percebeu como teve de reaprender o que antes para ela eram
atividades automáticas e corriqueiras, tanto do ponto de vista da linguagem como de outros
processos cognitivos.
Sites
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http://www.youtube.com/watch?v=Z6oHJm-kBT0
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http://www.edukbr.com.br/celeirodeprojetos/atividades_bau/mitologia/minotauro.jpg
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http://www.gardenal.org/grilocaverna/musculoso01.jpg
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http://www2.uol.com.br/jornalgazetadolitoral/horoscopo/touro.gif
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http://filipacm.com/media/upld/imgs/Gatinho.jpg
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http://adsoftheworld.com/media/print/lining_shaq?size=_original
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http://www.filoinfo.bem-vindo.net/glossario/index.php/term/2,450.xhtml
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http://www.icons-land.com/images/products/VistaEmoticonsPreview.jpg
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http://happiestpeopleever.tumblr.com
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http://www.filologia.org.br/vcnlf/anais%20v/civ8_08.htm
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http://www.youtube.com/watch?v=_MvywfEPeWQ&feature=related
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http://br.youtube.com/watch?v=Qbm2w_T4laY
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http://www.monica.com.br/index.htm
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http://www.ufpi.br/cchl/uploads/arquivos/geral/et_cetera_42.pdf
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http://www.jornaldedebates.com.br
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www.fflch.usp.br/dl/semiotica/es
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www.adalbertopiotto.wordpress.com
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http://oliteratico.webnode.com/news/semântica
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www.brasilescola.com
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www.andislexia.org.br
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www.dislexiadeleitura.com.br
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www.abd.org.br
−
http://technology.timesonline.co.uk/tol/news/tech_and_web/the_web/article4362950.ec
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http://movido-a-alcool.blogspot.com/2007/05/tem-de-ter-brao-se-no-morre-de-fome.html
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http://1.bp.blogspot.com/_VThsccbY8u0/RsOkG8AIwsI/AAAAAAAAAPk/0gfvZZnWCHw/s400/c
artazcpmf.gif
−
http://videolog.uol.com.br/video.php?id=393793
− http://nautilus.fis.uc.pt/softc/Read_c/gradiva1/eureka.htm
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