Elementos e Obrigações Empresariais Capítulo 2 Elementos e Obrigações Empresariais Sumário • 1. Estabelecimento empresarial: 1.1. Conceito e natureza; 1.2. Aviamento; 1.3. Contrato de trespasse; 1.4. Penhora do estabelecimento – 2. Nome Empresarial: 2.1. Conceito e natureza jurídica; 2.2. Espécies; 2.3. Proteção ao nome empresarial – 3. Registro Empresarial – 4. Escrituração Empresarial – 5. Propriedade Industrial: 5.1. Introdução; 5.2. Bens tutelados; 5.3. Condições de Patente; 5.4. Condições de Registro: 5.4.1. Registro do Desenho Industrial; 5.4.2. Registro de Marca; 5.5. Procedimento Administrativo; 5.6. Proteção à propriedade industrial; 5.7. Extinção da propriedade industrial Para que a empresa possa ser exercida, serão necessários dois elementos obrigatórios, pois não há atividade empresária sem um estabelecimento empresarial e nem sem nome empresarial. O primeiro é o elemento objetivo que representa o investimento realizado para a criação do negócio e o segundo é o elemento identificador do sujeito da atividade empresária. Além disso, toda vez que se tiver uma empresa esta passa a ter determinadas obrigações, sendo que as principais são o registro e a escrituração contábil. A primeira terá o caráter de dar publicidade a determinados atos em virtude do interesse público que a empresária envolve e a segunda obrigação tem um precípuo fiscalizatório, principalmente no que diz respeito ao recolhimento dos tributos. Neste capítulo também será abordado um elemento que faz parte da atividade empresária, porém, não é obrigatório. É a propriedade industrial, a qual envolve a proteção dos bens imateriais que serão, na maioria das vezes, utilizados no cerne da atividade empresária. 45 Estefânia Rossignoli 1. Estabelecimento empresarial 1.1. Conceito e natureza Quando se fala na atividade empresária não há como deixar de pensar no investimento que é realizado para a sua prática. Isto porque o próprio conceito fala em organização dos meios de produção de bens ou de serviços. Sendo assim, ainda que minimamente, esse investimento necessário irá se transformar no patrimônio da empresa, constituindo o estabelecimento empresarial. O estabelecimento é o complexo organizado de bens, estruturado para o exercício da empresa, por empresário ou sociedade empresária. É uma universalidade de bens que possui uma única destinação: a realização de atividade empresária. De acordo com o art. 1142 do Código Civil, o conceito moderno de estabelecimento empresarial engloba os dois que existiam antes do diploma civil de 2002: estabelecimento comercial e fundo de comércio. Estabelecimento Empresarial = Estabelecimento Comercial + Fundo de Comércio Assim, o estabelecimento é um bem (pode ser móvel, imóvel, material ou até imaterial). Até a clientela, que antes estava dentro do conceito de fundo de comércio, hoje faz parte do conceito de estabelecimento empresarial. Por ser um objeto unitário de direitos (art. 1143), o estabelecimento pode ser objeto de relações jurídicas próprias. Ele pode ser alienado como um todo ou em parte, pode ser locado ou cedido. O regime irá depender do negócio jurídico que o estabelecimento estiver envolvido. Importante lembrar que o estabelecimento não compreende apenas o local onde a atividade é exercida, assim, se imaginarmos uma atividade de transporte escolar, por exemplo, todos os bens utilizados farão parte do estabelecimento, tais como as vans, computadores, telefones e outros. Há algumas atividades que a parte do estabelecimento que possui mais valor é imaterial, pois seu patrimônio de maior valor é a marca. Como se trata do patrimônio da sociedade empresária, do empresário individual ou da EIRELI é este estabelecimento que irá responder 46 Elementos e Obrigações Empresariais pelas obrigações contraídas, pelo menos a princípio e principalmente se não for possível atingir o patrimônio particular de sócio. O estabelecimento tem, portanto, natureza de bem patrimonial e classifica-se como universalidade de bens. Qual o entendimento do STJ sobre o assunto? O STJ já vem reconhecendo o novo conceito de estabelecimento do Código Civil de 2002 como no REsp 907014 / MS, publicado em 08/11/11, cuja ementa é a seguinte: DIREITO SOCIETÁRIO. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. APURAÇÃO DE HAVERES. INCLUSÃO DO FUNDO DE COMÉRCIO. 1. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o fundo de comércio (hoje denominado pelo Código Civil de estabelecimento empresarial – art. 1.142) deve ser levado em conta na aferição dos valores eventualmente devidos a sócio excluído da sociedade. 2. O fato de a sociedade ter apresentado resultados negativos nos anos anteriores à exclusão do sócio não significa que ela não tenha fundo de comércio. 3. Recurso especial conhecido e provido. Como esse assunto foi cobrado em concurso? Na prova aplicada em 2011 para advogado do Porto de Santos pela banca CODESP o enunciado trazia a seguinte afirmativa: “Todo complexo de bens organizado, para o exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária, nos exatos termos da lei, considera-se”. A alternativa a ser marcada era: “estabelecimento.” 1.2. Aviamento Modernamente o estabelecimento não é conceituado apenas no seu aspecto estático, mas também no seu elemento dinâmico, isto principalmente no que diz respeito à sua valoração. Se pensarmos numa visão mais antiga, quando da apuração de valores do estabelecimento, seria feito um cálculo simples, levando-se em consideração o somatório do complexo de bens, conforme descrito no art. 1142 do Código Civil; porém não se pode mais fechar os olhos para a forma como estes bens são estruturados pelo empresário e como esta organização dos bens influencia na conceituação do estabelecimento. 47 Estefânia Rossignoli É neste contexto que surge a Teoria do Aviamento para dizer que na caracterização do estabelecimento empresarial deverá ser levando em consideração a maneira como os bens são estruturados, como por exemplo, a escolha do ponto comercial, as estratégias de marketing, fazendo com que a capacidade de lucros aumente ou diminua de acordo com a melhor capacidade de organização. Para entendermos de maneira simples basta pensarmos em uma situação real. Se imaginarmos duas lanchonetes que sirvam produtos parecidos, possuindo os mesmos materiais (freezers, balcões, mesas) e localizados em uma mesma região, apesar de toda a semelhança, da questão estática, a lucratividade dessas duas lanchonetes certamente não é a mesma, pois o empresário responsável por uma delas possui uma estratégia, uma organização que é diferente da do outro. Um dispõe os bens de uma forma que atrai melhor a clientela, por exemplo, ou então pratica políticas de preços diferentes que também faz com que a lucratividade aumente. Vê-se que o aviamento pode ser dito como subjetivo quando ligado às qualidades pessoais do empresário ou chamado de objetivo quando ligado aos bens componentes do estabelecimento na sua organização. De uma forma ou de outra, o aviamento é a aptidão da empresa para produzir lucros, decorrente da qualidade e da melhor perfeição de sua organização. Qual o entendimento do STJ sobre o assunto? O tribunal superior vem utilizando a Teoria do Aviamento, em questões relativas à apuração de haveres, como no RESP 908173/PE, publicado em 16/06/11, em que foi colocado que: “A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o critério da apuração de haveres, no caso de sócio que se retira da sociedade, será semelhante ao da dissolução total, ou seja, incluindo-se na avaliação de seus haveres o fundo de comércio, sob pena enriquecimento dos demais sócios em prejuízo do sócio falecido.” 1.3. Contrato de trespasse De acordo com o conceito já analisado, é o estabelecimento empresarial que irá garantir as obrigações do empresário ou da sociedade empresária, o que faz com que sua existência seja de extrema importância para os credores destes. 48 Elementos e Obrigações Empresariais Assim, o contrato que tem “por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento” vai receber um tratamento diferenciado pela lei, já que desperta o interesse de terceiros. Isto porque se o estabelecimento é o ativo da atividade empresária, será deste ativo que os credores irão se utilizar para receberem seus créditos. Caso este ativo possa ser vendido sem qualquer consequência, o direito estaria permitindo uma verdadeira fraude contra credores. De acordo com a doutrina, este contrato recebe o nome de contrato de trespasse e tem como objetivo a transferência onerosa do estabelecimento empresarial. Ocorre a sucessão subjetiva. O estabelecimento passará a ter um novo titular. O contrato de traspasse tem que ser registrado e publicado. Isto é necessário para preservar o interesse dos credores. Assim essas formalidades são pressupostos de eficácia perante terceiros e não pressupostos de validade. Art. 1.144. O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial. Caso tais burocracias de registro e publicação não sejam cumpridas, os terceiros que forem credores do antigo proprietário do estabelecimento não precisarão observar essa transferência de titularidade e poderão buscar a penhora dos bens para ver seu crédito satisfeito. Como esse assunto foi cobrado em concurso? No exame para Advogado da EBC/2011, organizado pelo CESPE foi considerada incorreta a seguinte afirmativa: “O instrumento contratual que tenha por objeto a alienação de estabelecimento empresarial produz efeitos em relação a terceiros imediatamente após sua assinatura pelas partes interessadas.” Há ainda outro requisito de eficácia do contrato de trespasse, previsto no art. 1145 do Código Civil. Este vai tratar diretamente da questão do interesse dos credores do proprietário do estabelecimento cuja alienação se pretende. Diz o dispositivo que “se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação 49 Estefânia Rossignoli do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação.” Como se falou anteriormente, é o estabelecimento que irá garantir o pagamento dos credores e, portanto, se seu proprietário o aliena poderá ficar sem recursos para arcar com as obrigações. Mas pode acontecer de o valor apurado nesta alienação ser suficiente para pagar os débitos existentes, ou então a alienação ser parcial e o empresário ou sociedade empresária se manter com bens suficientes para arcar com seus débitos. Nestes casos não há necessidade de se notificar os credores, pois eles não estão sendo prejudicados com a alienação. Este estado de solvência será comprovado através da contabilidade do alienante que terá facilidade para comprovar que o valor apurado na venda é suficiente para pagar os débitos existentes. Mas se o alienante estiver em estado de insolvência e a venda do estabelecimento não lhe render valores que façam com que ele possa arcar com todos os débitos, a eficácia da alienação irá depender da notificação dos credores do alienante que poderão concordar com a alienação de maneira expressa ou tácita, se não se manifestarem no prazo estipulado pelo dispositivo de lei. Como esse assunto foi cobrado em concurso? No concurso da Magistratura/MS/2010, pela banca FCC, em que foi pedido para se assinalar a alternativa correta, esta era a que tinha o seguinte texto: “se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento dependerá do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação.” Já na prova organizada pelo CESPE para Magistratura Federal/5ª Região/2011, o enunciado trazia a seguinte situação hipotética “Uma sociedade limitada, alienante, celebrou contrato de trespasse com uma sociedade anônima, adquirente, e, decorridos três meses, a alienante requereu a própria falência, que lhe foi deferida. Com relação a essa situação hipotética e ao contrato de trespasse como regulado pelo Código Civil, assinale a opção correta.” E a alternativa a ser marcada era “Os credores da sociedade falida à época não poderão requerer a ineficácia do trespasse se, demonstrado que foram devidamente intimados da alienação, não tiverem manifestado oposição no prazo de trinta dias.” Nesta segunda hipótese pode-se imaginar, a princípio, que seria impossível aos credores concordarem com a alienação se o seu devedor 50 Elementos e Obrigações Empresariais irá ficar insolvente. Porém, há possibilidade de o credor aceitar, tendo em vista os efeitos que a lei prevê para o contrato de trespasse que serão analisados a partir de agora. O contrato de trespasse possui 3 efeitos principais: haverá cessão de crédito para o adquirente, que também assumirá as dívidas. Os contratos usados na exploração do estabelecimento também serão alterados, ocorrendo a sub-rogação do adquirente nos contratos existentes. De acordo com o art. 1.146 do Código Civil, aquele que adquire um estabelecimento empresarial do outro irá assumir os débitos que estiverem devidamente contabilizados. Usemos de um exemplo para que a questão fique bem entendida. Se a sociedade Beta Fabricação e Comércio de Sapatos Ltda. vender o seu estabelecimento empresarial (máquinas, estoque, clientela, etc.) para o empresário individual J. P. de Oliveira, este irá assumir os débitos que estiverem contabilizados (as contas atrasadas de luz, por exemplo). Ainda de acordo com o mesmo dispositivo, a Beta permanecerá responsável por tais débitos “pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.” Então o credor poderá, neste caso, escolher de quem irá cobrar. Exatamente em virtude desse efeito, é que não se vê problema em os credores concordarem com a alienação do estabelecimento, pois a dívida “seguirá” o patrimônio. Poder-se-ia dizer que tais débitos são como as obrigações propter rem, seguem a coisa. A dívida seria do estabelecimento e seguirá com ele independente de quem seja seu proprietário. Como esse assunto foi cobrado em concurso? Na prova do CESPE para Procurador Federal/2010 estava correta a afirmativa que dizia: “Após percuciente análise, Beta Ltda. adquiriu, em 10/12/2009, o estabelecimento empresarial de Alfa Ltda., cujo contrato foi averbado à margem da inscrição da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e publicado na imprensa oficial em 15/1/2010. O referido estabelecimento, quando de sua alienação, apresentava inúmeros débitos regularmente contabilizados, todos com vencimento no dia 2/1/2011. Nessa situação, Alfa Ltda. continuará solidariamente obrigada ao pagamento dos aludidos débitos até 2/1/2012.” Trata-se de débitos vencidos após a transferência, em que o antigo proprietário do estabelecimento ficará por 1 ano a contar do vencimento solidariamente responsável. 51 Estefânia Rossignoli Como o novo conceito de estabelecimento envolve também a clientela, o at. 1149 prevê que os créditos referentes à exploração do estabelecimento também passarão a ser de propriedade do adquirente. Assim, no exemplo acima, o empresário J. P. de Oliveira poderá cobrar os que antes deviam para a Beta Fabricação e Comércio de Sapatos Ltda. Uma ressalva importante do dispositivo é que se o devedor de boa fé pagar para a Beta, por desconhecer a existência do contrato de trespasse, ficará desobrigado e a Beta que terá que prestar constas ao J. P de Oliveira. Como esse assunto foi cobrado em concurso? Na prova da Magistratura/AL/2008, organizada pelo CESPE, o enunciado dizia que: “O massagista Rogério colocou nos fundos de sua casa equipamentos voltados para a prática de exercícios físicos, que utilizou para prestar serviços onerosos ao público em geral por meio de uma academia de ginástica, identificada pela designação de Aleatória Work – Out, conforme cartaz afixado sobre a porta do imóvel. Após dois anos, a atividade alcançou substancial desempenho, o que levou Rogério a alugar um imóvel para reinstalar a academia, bem como a contratar uma secretária e dois fisioterapeutas para auxiliá-lo com os clientes. Esse sucesso chamou a atenção de Serviços do Corpo Ltda., academia concorrente, que propôs a Rogério o trespasse de seu estabelecimento empresarial para a sociedade limitada, celebrando-se esse negócio.” Em seguida pedia para assinalar a alternativa correta que era: “Publicado o negócio de trespasse, os clientes da academia de Rogério deverão adimplir suas mensalidades perante o adquirente do estabelecimento, mas qualquer pagamento dessa natureza feito de boa-fé ao alienante valerá contra a sociedade limitada.” O terceiro efeito da realização de uma venda, arrendamento ou usufruto do estabelecimento empresarial diz respeito aos contratos que o alienante possuía para a exploração daquele complexo de bens. No exemplo acima, vamos imaginar que a Beta Fabricação e Comércio de Sapatos Ltda. alugue um galpão onde funciona a fábrica e tenha ainda um contrato de fornecimento com o fabricante de couro. De acordo com o art. 1148 do Código Civil, tais contratos serão sub-rogados pelo adquirente. Assim, J. P. de Oliveira passaria a assumir a posição da Beta nestes contratos. Todas as demais disposições contratuais permanecem inalteradas. Existe apenas uma exceção a esta regra, prevista no mesmo dispositivo, que é quando o terceiro (no exemplo seria o 52 Elementos e Obrigações Empresariais locador e o fornecedor de couros) pedir a rescisão do contrato num prazo de 90 dias a contar da publicação do contrato de trespasse. Mas para que este terceiro possa pedir tal rescisão terá que ter uma justa causa, como, por exemplo, o novo dono já ter ficado inadimplente, não ter as mesmas garantias. Se não tiver este motivo justificado, terá que se submeter à sub-rogação. Por fim, cabe ressaltar que, segundo o art. 1.147, o alienante não poderá fazer concorrência ao adquirente pelo prazo de 5 anos. Isto porque a cartela de clientes também é considerada parte do estabelecimento. Poderá, entretanto, haver acordo entre as partes que permita a realização de tal concorrência, mas pela simples regra legal ela não pode ocorrer, podendo o adquirente do estabelecimento buscar judicialmente uma obrigação de não fazer para que o alienante encerre a nova atividade que constituiu e que estiver gerando a concorrência. CONTRATO DE TRESPASSE REQUISITOS Art. 1144 Registro na Junta EFEITOS Art. 1146 Os débitos contabilizados são assumidos pelo adquirente. Art. 1144 Publicação em jornal Art. 1148 Os contratos existentes para a exploração são sub-rogados ao adquirente. Art. 1145 Solvência do alienante ou concordância dos credores Art. 1149 Os créditos são cedidos ao adquirente. 1.4. Penhora do estabelecimento Como se trata de um bem patrimonial, o estabelecimento pode ser penhorado para arcar com os débitos decorrentes da atividade empresária. Neste contexto, é de se notar que o estabelecimento é parte integrante do patrimônio, não se confundindo, evidentemente, com o total reunido pelo empresário. Porém, numa realidade que ainda se sobressai pela organização familiar e de destinação própria da renda, não é incomum perceber o estabelecimento como parcela muito próxima 53 Estefânia Rossignoli da totalidade do patrimônio externo, do qual o empresário se utiliza. Surge então um importante questionamento: quando a lei cria a figura de uma universalidade destinada a propiciar a organização dos fatores de produção, estará ela criando realmente uma segurança ao exercício da atividade através de um “patrimônio de afetação” ou ao contrário, estaria ela retirando justamente a segurança e limitando o enquadramento da atividade empresária? Qual o entendimento do STJ sobre o assunto? A súmula nº 451 dispõe que: “É legítima a penhora da sede do estabelecimento comercial.” O colendo tribunal superior, através da redação simplista dada à súmula, parece ter entendido que o estabelecimento se desvincula da atividade empresarial. Se assim não fosse, não poderia ser considerada como legítima a possibilidade de penhora do estabelecimento, independente de se tratar apenas de sua sede. A possibilidade de penhora do estabelecimento representaria o fim de uma parte da organização. Como se admitir a legalidade da penhora da sede do estabelecimento quando nesta funcionar essencialmente a atividade empresária? Como se admitir a desvinculação daquilo que o nosso próprio ordenamento consagrou como conjunto de bens organizados, universalidade que em si traduz a capacidade de organização da atividade empresária, universalidade esta objeto unitário de direitos? A interpretação da Súmula 451, portanto, não pode estar ligada exclusivamente no conceito de estabelecimento como universalidade, de modo a não restar obstaculizado o exercício da atividade econômica prestigiada pelo atual direito empresarial. 2. Nome Empresarial 2.1. Conceito e natureza jurídica O segundo elemento obrigatório para a prática da atividade empresária é o nome empresarial, que se caracterizará como sendo o elemento de identificação do empresário individual, da EIRELI ou da sociedade empresária. Para ser reconhecido no meio empresarial e poder exercer sua atividade de forma regular, o titular da empresa precisará se identificar e 54 Elementos e Obrigações Empresariais para isso precisará registrar o seu nome empresarial. É uma decorrência lógica da necessidade de os seres se individualizarem, marcando, na sociedade, sua identidade. Não se pode confundir o nome empresarial com o que se denomina de “nome fantasia”. Às vezes, o nome empresarial que é criado pelo empresário ou pelos sócios da sociedade empresária não é comercialmente interessante e assim é criado um nome para servir de título do estabelecimento ou de nome do produto, mas este não é registrado. Desta feita, no momento de realização dos atos oficiais, deverá ser usado o nome empresarial e este é que terá proteção jurídica, ao menos no âmbito do direito empresarial. Como será mais bem delimitado à frente, o “nome fantasia” poderá ser protegido pelas regras do direito da concorrência. Antes do Código Civil de 2002 havia uma discussão sobre a natureza jurídica do nome empresarial, porém, atualmente, é praticamente pacífico o entendimento de que ele é um direito da personalidade. Isto é o que se depreende do art. 1.164 do Código Civil e também do art. 1.162, que dizem que a sociedade em conta de participação não terá nome empresarial. Vale lembrar que esta é uma sociedade não personificada, ou seja, se não tem personalidade jurídica não tem nome empresarial, o que nos faz concluir que este é uma decorrência da personalidade. No art. 1162 encontra-se a proibição para a alienação do nome empresarial, característica típica dos direitos da personalidade e inadequada à natureza de bem patrimonial, como alguns querem classificar o nome empresarial. Como esse assunto foi cobrado em concurso? No concurso da Magistratura/RJ/2011 realizado pela VUNESP o assunto abordado foi o fato de, apesar de as sociedades simples, associações e fundações não praticarem atividades empresárias, suas denominações equiparam-se ao nome empresarial. O enunciado pedia para marcar a alternativa correta que era: “Equipara-se ao nome empresarial, para efeitos de proteção legal, a denominação das sociedades simples, associações e fundações.” 2.2. Espécies No momento de se criar o nome empresarial, duas são as espécies que o art. 1155 do Código Civil oferece para que o empresário o forme, vejamos: 55 Estefânia Rossignoli Art. 1.155. Considera-se nome empresarial a firma ou a denominação adotada, de conformidade com este Capítulo, para o exercício de empresa. Tais espécies se diferenciarão no que diz respeito à estrutura de formação do nome empresarial. Importante ressaltar que alguns autores vislumbram três espécies de nome empresarial, pois separam firma de razão social. A primeira é utilizada para o empresário individual e a segunda para quando estiver no âmbito de sociedade empresária. Porém, a maioria do entendimento é de que a espécie é a firma, sendo que ela se subdivide em firma individual e firma social (ou também chamada de razão social). Se o nome empresarial for formado na espécie de firma, terá por base o nome civil do empresário (firma individual) ou o sobrenome dos sócios da sociedade empresária (razão social). A utilização dessa espécie faz com que se conheçam as pessoas que titularizam a empresa. Por exemplo, se o Sr. Paulo da Silva Ferreira se inscrever como empresário individual ele vai ter que formar o seu nome empresarial com base no nome civil, podendo apenas abreviá-lo. Poderá, por exemplo, colocar P.S. Ferreira, ou Paulo S. Ferreira, ou ainda o nome civil completo. Já no caso de dois sócios, Maria Andrade Nogueira e Cristiano Fagundes, por exemplo, poderão colocar a razão social de Nogueira e Fagundes Ltda. A firma rege-se pelo princípio da veracidade que está positivado no art. 32 da Lei 8934-94 (Lei de Registros Públicos de Empresas mercantis e Atividades Afins), pois os nomes que constam na firma são dos responsáveis pela empresa, sendo obrigatória a alteração do nome empresarial caso haja mudança na titularidade do registro do empresário ou no quadro de sócios, no caso de sociedade empresária. Cumpre lembrar que o termo razão social não é sinônimo de nome empresarial, somente uma espécie deste. Esta confusão é comum de ocorrer, pois coloquialmente este se tornou um hábito e, em consequência, as pessoas acabam acreditando, por exemplo, que toda sociedade terá razão social, quando na verdade, toda sociedade tem um nome empresarial que poderá ser da espécie razão social. Na denominação, o nome empresarial será formado segundo a conveniência dos sócios, podendo utilizar-se de qualquer palavra ou expressão para sua criação. São exemplos de denominação: Restaurante Tia Lola Ltda., Calçados XYZ S.A, Cia. De Seguros Minas Gerais. 56 Elementos e Obrigações Empresariais Esta espécie rege-se pelo princípio da novidade, também previsto no art. 32 da Lei 8934-94, significando dizer que um nome empresarial a ser registrado em uma Junta Comercial não pode ser igual a outra já registrado. No momento de compor a denominação, os empresários serão obrigados a observar determinadas limitações, quais sejam: Não pode termos que contrariem usar nome alheio e nem a moral e a ordem apelido. pública” usar marca registrada. De acordo com o art. 1158, § 2º, bem como o art. 1160, sempre que o nome estiver sob a espécie de denominação, esta terá que ter uma expressão que designe o objeto, ou seja, qual é atividade empresária desenvolvida pela sociedade. Espécies de nome empresarial Firma ou razão social Denominação Forma-se pelo nome civil do em- Forma-se pela livre escolha de um elepresário ou pelo sobrenome dos mento de composição que só não pode sócios estar nas proibições legais Cada tipo empresarial terá que seguir uma modalidade de nome empresarial, de acordo com os ditames legais. Os principais são: • Empresário individual – firma – art. 1156; • EIRELI – firma ou denominação – art. 980-A, § 1º; • Sociedade Limitada – razão social ou denominação – art. 1158; • Sociedade Anônima – denominação – art. 1160 e 3º da Lei 6404/76; • Sociedade Cooperativa – denominação – art. 1159. Como esse assunto foi cobrado em concurso? Na prova da Magistratura/MG/2007, organizada pela EJEF, o enunciado pedia para apontar a alternativa que não continha um nome empresarial e a resposta correta era a que tinha: “Paulo Rogério Guimarães – Microempresa.” O erro da alternativa não se encontra na expressão “microempresa”, mas sim no fato de o enunciado da questão é expresso ao referir-se à sociedade empresária e não à empresário individual. 57 Estefânia Rossignoli 2.3. Proteção ao nome empresarial Uma questão bastante relevante diz respeito à proteção ao nome empresarial. O Art. 1.166 do Código Civil diz que: “O nome de empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro.” Como o empresário individual, a EIRELI e a sociedade empresária são registradas nas Juntas Comerciais e estas são entidades de âmbito estadual, a proteção do nome ocorrerá sempre no nível estadual. Isto é um diferencial para a marca que terá proteção em todo o território nacional. Desta forma, se existir uma “Estude Bem Papelaria Ltda.” registrada na Junta Comercial do Estado de Minas Gerais, nada impede que outra pessoa abra uma papelaria com o mesmo nome no Estado do Rio de Janeiro. É importante notar que, quando a lei fala em distinguir-se, proíbe que existam nomes iguais e até mesmo parecidos, mas dentro do mesmo ramo de atividade. Importante A proteção ao nome empresarial está limitada ao território estadual em que a empresa está registrada. Se tiver filiais em outros Estados, passa a ter proteção também na Junta Comercial do outro Estado. Como veremos, no caso da marca a proteção é no âmbito nacional. A Junta Comercial realiza a proteção do nome empresarial no âmbito administrativo e o art. 35, V da Lei 8934-94 disciplina que o órgão está proibido de realizar arquivamentos de: “os atos de empresas mercantis com nome idêntico ou semelhante a outro já existente.” Observe que não é apenas nome idêntico, mas também semelhante que está proibido para se evitar qualquer confusão entre os empresários. Assim, se existe uma distribuidora registrada com o nome de “Distribuidora Solmar Ltda.” na Junta Comercial do Estado do Paraná, não poderá ser registrada “Distribuidora Salmar Ltda.” devido à semelhança entre os dois nomes. Além dessa atuação da Junta Comercial, o titular também poderá reivindicar o uso indevido do seu nome empresarial. Isto porque, algumas vezes acontece de um terceiro não tentar registrar nome empresarial do outro, mas acaba utilizando nome igual ou semelhante simplesmente como nome fantasia. O titular do nome poderá requerer 58