Por que Farmácia? - Uma reflexão discente

Propaganda
Por que Farmácia? - Uma reflexão discente
Kérilin Stancine Santos Rocha
Rafaela de Carvalho Rodrigues
“Ah, entrei em Farmácia por que eu quero ser pesquisadora”. “Eu entrei por que
gosto da área de análises clínicas”. “Ah, eu entrei pensando na tecnologia de alimentos”
ou até o clássico: “Eu entrei por que gostava de biologia e química”. Mas, quem
responde: “Eu escolhi Farmácia por que quero ser farmacêutico?” Estamos no cenário
em que a Farmácia nos escolhe e não o contrário. Quando entramos nesse universo,
deparamo-nos com as imensas possibilidades do que podemos fazer, coisas que nem
imaginávamos, diga-se de passagem. Mas isso faz sentido? Faz sentido poder fazer tanta
coisa e não ser - nem se sentir - preparado para fazer nenhuma? Faz sentido a Farmácia
Comercial ser a única atividade que nos caracteriza? O que, de fato, o farmacêutico faz
(ou deve fazer), afinal? Somos profissionais do medicamento ou profissionais da saúde?
Qual a nossa responsabilidade? Ora, se somos um só profissional, onde quer que
atuemos, não deveríamos ter e usar uma mesma linguagem?
Nós não somos formados para sermos proativos, assumir responsabilidades
sobre o cuidado ao paciente, desenvolver nossas competências e habilidades clínicas, ou
atender as demandas atuais da sociedade. O que percebemos é que uma boa parte dos
farmacêuticos não tem autonomia nem uma visão ampla de sua função nas ciências da
saúde; sentem-se desmotivados; e adéquam-se facilmente ao ambiente que estão
inseridos, destituindo-se do valor científico e humano (ou humanizado?) de sua
profissão. Segundo Barros da Silva & Delizoicov (2009):
As profissões, um fenômeno resultante do processo histórico, têm sua
gênese, desenvolvimento e por vezes, extinção, determinados pela
capacidade que a corporação profissional tem para articular seu
discurso ideológico às demandas sociais, bem como, à lógica de
reprodução e controle presentes no modelo hegemônico de produção
de bens e serviços; legitimando-se através da institucionalização e da
reserva do mercado de trabalho regulamentadas pelo Estado.
Desse modo, precisamos redescobrir o sentido da nossa profissão, ou ao menos
dar a ela um sentido uno. Precisamos ter um mesmo objetivo e ideologia, independente
1
da área de atuação. Refletir sobre o tipo de profissionais que queremos ser e sobre o
modo pelo qual queremos ser reconhecidos. Refletir também sobre que tipo de
farmacêutico a sociedade está precisando. Podemos ficar para sempre na
mercantilização do medicamento, reduzindo todo potencial e estudo durante cinco anos
de curso à entrega de caixas de medicamentos; ficar subjugados à falta de confiança do
paciente, o qual é enxergado meramente como um cliente, fonte de lucro; continuar
sendo profissionais pouco valorizados e quase excluídos do clã ‘profissionais da saúde’;
ou podemos nos reinventar e nos mostrar como profissionais importantes e que
identificamos e resolvemos problemas na farmacoterapia do paciente. Tendo em vista
nossas questões e crença no farmacêutico como profissional útil e necessário à
sociedade contemporânea, no cuidado da gente que utiliza medicamento, este relato
descreve de modo crítico-reflexivo a nossa experiência, como graduandas em farmácia
pela Universidade Federal de Sergipe, em nosso estágio final, realizado no Centro de
Estudos em Atenção Farmacêutica (CEAF) da Faculdade de Farmácia da Universidade
Federal de Minas Gerais.
Nosso estágio partiu de uma inquietude e da necessidade de ampliar horizontes e
de conhecer novas perspectivas. Partimos de Aracaju, cidade com 700.000 habitantes,
onde o serviço de Atenção Farmacêutica está em desenvolvimento, fomentado pelo
grupo do Laboratório de Ensino em Pesquisa em Farmácia Social (LEPFS), coordenado
pelos professores Divaldo Lyra e Wellington Barros, para a cidade de Belo Horizonte,
onde a prática da atenção farmacêutica (AF) está sendo estudada e investigada e os
serviços de gerenciamento da terapia medicamentosa (GTM) estão inseridos em
diversos cenários do sistema de saúde, tanto público quanto privado.
O cronograma do estágio foi montado com leituras e discussões sobre o GTM,
bem como apresentação desse serviço na prática. As leituras foram selecionadas de
modo a nos proporcionar um entendimento completo do serviço, pois tinham a
finalidade de nos dar todo o arcabouço teórico para alcançarmos a compreensão sobre o
que realmente é a atenção farmacêutico e como ela funciona na prática. Em seguida,
foram discutidos os componentes da AF, desde a filosofia, passando pelo processo de
cuidado até a gestão da prática. Cada componente foi muito bem destrinchado, o que
nos permitiu refletir de maneira profunda sobre o nosso papel dentro da profissão e
como podemos trabalhar de forma sistematizada para atender as necessidades
farmacoterapêuticas do paciente. Ainda permitiu-nos consolidar os conhecimentos
2
adquiridos durante a nossa disciplina cursada de AF na UFS que, para nós, é matéria
obrigatória. Ainda lemos sobre experiência subjetiva do paciente com o uso de
medicamento, o que nos permitiu visualizá-lo de forma holística, como um ser humano
que precisa ser ouvido, entendido e que participa do processo de tomada de decisão.
Tivemos a oportunidade de discutir outros temas, como método centrado no
paciente, entrevista motivacional, processo de implantação de serviço, avaliação de
resultados clínicos, humanísticos e econômicos. As pós-graduandas e farmacêuticas do
CEAF compartilharam suas experiências com o serviço de GTM, bem como seus
trabalhos acadêmicos envolvendo essa prática. Trocamos experiências e visões em
relação às barreiras e pontos fortes dos diferentes serviços implantados tanto em
Aracaju como na grande Belo Horizonte.
Ainda como parte do cronograma, participamos das aulas de Atenção
Farmacêutica, nas quais trabalhos envolvendo casos clínicos de pacientes entrevistados
pelas integrantes da turma foram apresentados e discutidos, o que auxiliou o
desenvolvimento do nosso raciocínio clínico, pois tivemos a oportunidade de participar
ativamente das discussões. Do mesmo modo, na disciplina Fundamento Clínico e
Psicossocial no GTM, os integrantes da turma apresentaram trabalhos sobre educação
em saúde. Nela, também pudemos compartilhar nossa experiência como integrante dos
grupos Farmacêuticos da Alegria, cujo objetivo é levar educação em saúde em diversos
cenários, em Aracaju-SE, e o Farmacêutico na Escola, um projeto de extensão
desenvolvido em uma escola do bairro Rosa Elze, município de São Cristóvão-SE.
Ademais, conhecemos os serviços na prática em diversos panoramas e
realidades. Na prefeitura de Belo Horizonte, os Centros de Saúde Horto e Ermelinda.
Neste, a farmacêutica nos passou sua experiência como integrante do Núcleo de Apoio à
Saúde da Família (NASF) e pudemos acompanhar um atendimento de uma paciente
muito simpática. Naquele, notamos amor e prazer pelo que se faz. Conhecemos ainda o
trabalho fantástico realizado na Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SESMG), onde vimos, na prática, a aplicação de toda a teoria das discussões e leituras
realizadas. Na Liga de Diabetes, percebemos quanto o trabalho colaborativo entre
farmacêutico e médico é importante para que os objetivos terapêuticos do paciente
sejam alcançados. Tal integração é muito semelhante ao que acontece no Serviço de
Cuidados Farmacêuticos, realizado no ambulatório do Hospital Universitário da UFS
3
(SCF-HU/UFS), serviço no qual nos inserimos por alguns períodos da graduação. Nas
cidades ao redor de Belo Horizonte, onde há serviço de GTM implantando, visitamos a
unidade básica de saúde em Betim e Lagoa Santa, onde a farmacêutica foi ‘mais uma
responsável pelo sucesso do serviço’, nas palavras dela mesma para sua equipe.
Entre os desafios encontrados ressaltamos a nossa dificuldade de locomoção
dentro de uma cidade desconhecida, o que também nos ensinou a sair da nossa zona de
conforto. E a dificuldade de unir os conhecimentos que adquirimos durante toda a
graduação de maneira lógica e clínica.
Outrossim, ao final dessa experiência, podemos dizer que encontramos as
respostas para algumas interrogações que surgem em nossa cabeça frente ao final de um
ciclo. Por que Farmácia? Porque cuidaremos de pessoas que utilizam medicamento!
Sim, enquanto profissionais da Farmácia, iremos ser úteis e necessários para o serviço
de saúde e para a sociedade, oferecendo nosso conhecimento, habilidades e amor ao
cuidado das pessoas. Até porque não existe nada que nos impeça disso, nem de inovar.
No CEAF, agregamos conhecimento e valor ao nosso repertório conceitual e prático da
graduação. Conhecemos pessoas que amam o que fazem e que falam a mesma língua,
que usam um método sistematizado e um processo racional de tomada de decisão,
ouvindo e levando em consideração o que o paciente tem a oferecer, afinal, ele é o
centro do processo. Tudo isso com o objetivo de cuidar de pessoas, garantindo que todo
medicamento usado seja indicado, efetivo, seguro e conveniente, e que o paciente
entenda seu estado de saúde e os seus medicamentos. Percebemos que tudo isso é
possível e fácil, até. Desenvolvemos habilidades para resolução de problemas
relacionados ao uso de medicamentos e raciocínio clínico dentro da consulta
farmacêutica. O que não podemos é esmorecer na primeira dificuldade e desistir da
mudança. É nesse cuidado que acreditamos. Os pacientes merecem esse esforço, afinal:
PARA QUE(M) SERVE SEU CONHECIMENTO?
REFERÊNCIAS
BARROS DA SILVA, W.; DELIZOICOV, D. Profissionalismo e desenvolvimento
profissional: lições da sociologia das profissões para entender o processo de legitimação
social da farmácia. Rev. Bras. Farm, vol. 90, n. 1, p. 27-34, 2009.
4
Download