noções de direitos humanos

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Noções de Direitos Humanos
Parte I
Noções de Direitos
Humanos
1. NOÇÔES SOBRE O CONTEÚDO E SIGNIFICADO DOS DIREITOS HUMANOS
1.1. Antecedentes históricos e gênese
1.1.1. A juridicização dos direitos humanos no plano internacional constitui-se como um ponto de maturidade de um processo histórico de reivindicação de direitos, com o objetivo de limitar o poder estatal e garantir
condições materiais de sobrevivência ao ser humano.1 Embora o seu marco seja a Declaração Universal dos Direitos Humanos (doravante DUDH) de
1948, a ela precedem concepções oferecidas desde a filosofia clássica até
a moderna, bem como diversos textos legais, originados de distintos países, visando assegurar garantias para cidadãos contra os abusos, omissões
e excessos dos governantes.
 Aplicação em concurso:
• VUNESP – TJM/SP/Juiz/2007
O objetivo último dos direitos humanos é conter práticas abusivas
a) do poder estatal.
b) do poder estatal e dos indivíduos.
c) dos indivíduos.
d) das ONG’s.
e) de grupos de indivíduos.
Resposta: Letra A.
►► Obs.: Como vimos, a função precípua dos direitos humanos é garantir e proteger os direitos dos indivíduos em face do Estado.
1.1.2. Teóricos da filosofia política: Podemos remontar os reclames de se
proteger a dignidade humana contra a tirania do poder a ideias articuladas
1.
WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 26.
19
Rafael Soares Leite
no berço da civilização ocidental: a Grécia e a Roma da Antiguidade. Na
peça teatral “Antígona”, de Sófocles, dramaturgo expoente da Grécia Antiga, a protagonista Antígona se vê proibida por Creonte, seu tio e rei de
Tebas, de enterrar seu irmão. Creonte considera o irmão de Antígona um
inimigo, e, ao impedir o seu enterro como determina a religião, Creonte
nega a ele o acesso ao mundo dos mortos. Antígona desafia as determinações de Creonte, representante da lei dos homens, invocando, para isso, a
existência de “leis divinas, nunca escritas, porém irrevogáveis.” É essa a semente no pensamento ocidental que depois seria acolhida pela corrente
moderna do direito natural e dos contratualistas, cujos maiores expoentes
são Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Hugo Grócio2.
Os adeptos modernos do direito natural – ou jusnaturalistas – reconheciam a existência de direitos naturais inerentes aos indivíduos (cujo conteúdo variava de acordo com as concepções do filósofo que o elaborava),
inalienáveis e imprescritíveis, oponíveis ao Estado. A existência desses
direitos decorreria da qualidade de se nascer humano e cidadão, e independeria da condição de súdito. Isto é, não seriam apenas concessões,
beneplácitos ou graças reais, mas inerentes aos indivíduos, num cenário
que esses autores reconheciam como o estado de natureza.
Também havia a necessidade de se limitar o poder estatal. Nesse sentido,
tanto o filósofo inglês John Locke como o francês Montesquieu “sugeriram o enquadramento teórico para uma organização constitucional concreta das liberdades.” 3 Montesquieu destacou-se pela divisão dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário, garantindo a esse último uma
autonomia das ingerências políticas.
Esse viés filosófico certamente influenciou a elaboração da DUDH, quando ela invoca, na primeira linha de seu preâmbulo, “o reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da família humana e de [que] seus
direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da
paz no mundo.”
2.
3.
20
Para uma exposição mais aprofundada do pensamento político desses teóricos, sugerimos
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência política e teoria do estado. 6 ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos humanos: conceitos,
significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 76.
Noções de Direitos Humanos
 Aplicação em concurso:
• FCC – DPE/SP/Defensor/2007
Leia os excertos abaixo, extraídos de obras clássicas da filosofia política.
I. “Portanto, para que um governo arbitrário fosse legítimo, seria preciso que
o povo, em cada geração, fosse senhor de o admitir ou rejeitar; mas então
tal governo já não seria arbitrário. Renunciar à própria liberdade é o mesmo
que renunciar à qualidade de homem, aos direitos da Humanidade, inclusive
aos seus deveres. Não há nenhuma compensação possível para quem quer
que renuncie a tudo. Tal renúncia é incompatível com a natureza humana, e
é arrebatar toda moralidade a suas ações, bem como subtrair toda liberdade
à sua vontade. Enfim, não passa de vã e contraditória convenção estipular, de
um lado, uma autoridade absoluta, e, de outro, uma obediência sem limites.”
II. “Nenhum dos chamados direitos humanos ultrapassa, portanto, o egoísmo
do homem, do homem como membro da sociedade burguesa, isto é, do indivíduo voltado para si mesmo, para seu interesse particular, em sua arbitrariedade privada e dissociado da comunidade. Longe de conceber o homem
como um ser genérico, esses direitos, pelo contrário, fazem da própria vida
genérica, da sociedade, um marco exterior aos indivíduos, uma limitação de
sua independência primitiva. O único nexo que os mantém em coesão é a
necessidade natural, a necessidade e o interesse particular, a conservação de
suas propriedades e de suas individualidades egoístas.”
III.“Os entes, cujo ser na verdade não depende de nossa vontade, mas da natureza, quando irracionais, têm unicamente um valor relativo, como meios, e
chamam-se por isso coisas; os entes racionais, ao contrário, denominam-se
pessoas, pois são marcados, pela sua própria natureza, como fins em si mesmos; ou seja, como algo que não pode servir simplesmente de meio, o que
limita, em consequência, nosso livre arbítrio.”
O excerto apresentado em
a) III é de Karl Marx e representa a fundamentação racional da dignidade do ser
humano.
b) II é de John Locke e representa a crítica socialista aos direitos humanos de
origem liberal.
c) II é de Immanuel Kant e representa a crítica socialista aos direitos humanos
de origem liberal.
d) I é de Thomas Hobbes e representa sua concepção a respeito dos limites do
poder político em face dos direitos humanos.
e) I é de Jean-Jaques Rousseau e representa sua concepção a respeito dos limites do poder político em face dos direitos humanos.
Resposta: Letra E.
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Rafael Soares Leite
1.1.3. Antecedentes no Direito Constitucional: O texto legal tido como
marco das liberdades fundamentais é a Carta Magna, de 1215, extraída
do Rei João Sem-terra pelos barões revoltados com as arbitrariedades
de seu soberano.4 Ressalte-se, porém, que alguns autores indicam ainda
outra antecessora, a Declaração das Cortes de Leão, em 1188, no Reino
de Espanha.5 Contudo, deve-se apontar que essa identificação da Carta
Magna inglesa de 1215 como o marco inicial de um processo histórico de
afirmação dos direitos fundamentais é contestada por parte da doutrina,
ao argumento de que se tratava precipuamente de um acordo entre o
rei da Inglaterra e os barões para garantir a esses últimos algumas garantias contra a arbitrariedade real. Nesse sentido, não haveria a intenção
da Magna Carta conceder direitos também aos demais súditos. Portanto,
não passaria de um pacto entre a realeza e a nobreza inglesas, com pouca
repercussão política e jurídica na vida das camadas mais desprivilegiadas
da Inglaterra.
Ademais, a ideia de direitos subjetivos, quanto mais de caráter individual,
seria uma invenção da modernidade, embora embebida do pensamento
escolástico. Dessa forma, não poderia se conceber que o propósito desses documentos medievais seria conferir a indivíduos direitos, na acepção moderna que hoje os entendemos. Contudo, a importância da Magna
Carta compõe ainda fortemente o imaginário jurídico. E continua sendo
percebida como marco dos direitos fundamentais. Veja-se, por exemplo,
recente questão no Exame de Ordem da OAB:
 Aplicação em concurso:
• EXAME DE ORDEM UNIFICADO – OAB – 2013 – XI – Tipo 1 – Branca
“Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado dos seus bens, costumes
e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus pares, segundo as leis
do país.” O texto transcrito é um trecho da Magna Carta, proclamada na Inglaterra, no ano de 1215. Esse importante documento é apontado como um
marco na afirmação histórica dos direitos humanos, dentre outras razões,
porque
4.
5.
22
Para uma análise mais detalhada da Magna Carta, de suas circunstâncias históricas e seus
protagonistas, v. CASTILHO, Ricardo. Direitos humanos: processo histórico – evolução do
mundo, direitos fundamentais: constitucionalismo contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2010.
P. 28-36.
SILVEIRA & ROCASOLANO, op. cit., p. 117.
Noções de Direitos Humanos
a) consolida os direitos civis e políticos e os econômicos e sociais.
b) é origem daquilo que na modernidade ficou conhecido como devido processo legal.
c) representa um marco jurídico político que estabeleceu uma nova ordem social na Inglaterra, tendo sido respeitada por todos os governos seguintes.
d) institui e oficializa o direito ao habeas corpus.
Resposta: Letra B.
Outros documentos do direito inglês também considerados importantes
nessa historicidade jurídica são a Petição de Direitos de 1628 (Petition of
Rights), o Habeas Corpus Act (1679) e a Declaração de Direitos de 1689
(Bill of Rights), todos elaborados em uma Inglaterra que transitava do feudalismo para a Idade Moderna.
No direito norte-americano, são precursoras a Declaração do Bom Povo
da Virgínia, de 1776, que contém “o mandamento de que o poder deve
repousar sobre o consentimento dos governados”6 e depois a própria
Constituição norte-americana, escrita na Filadélfia em 1787. Nesse ponto, relembre-se que os direitos fundamentais não constaram inicialmente
da Constituição norte-americana, sendo incorporados posteriormente por
meio das dez primeiras emendas que instituíram o denominado Bill of Rights em 1791.7
No direito francês, inspirado nos movimentos revolucionários dos Estados
Unidos, fulgura a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
1789. Também importante é a declaração de direitos da Constituição francesa de 1791, pioneira na elaboração dos direitos sociais.8
No campo dos direitos sociais, merecem especial atenção a Constituição
mexicana de 1917 e a Constituição a República de Weimar, na Alemanha,
em 1919. Em consequência da Revolução Soviética, cite-se ainda a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, de 1918.
Essas são as principais referências legais no âmbito do direito constitucional que precederam a DUDH.
6.
7.
8.
CASTILHO, op. cit., p. 57.
SILVEIRA & ROCASOLANO, op. cit., p. 136.
Ibid., p. 140.
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Rafael Soares Leite
 Aplicação em concurso:
• VUNESP – DPE/MS/Defensor/2008
Quando se fala em Direitos Humanos, considerando sua historicidade, é correto dizer que
a) somente passam a existir com as Declarações de Direitos elaboradas a partir
da Revolução Gloriosa Inglesa de 1688.
b) foram estabelecidos, pela primeira vez, por meio da Carta Magna de 1215,
que é a expressão maior da proteção dos Direitos do Homem em âmbito
universal.
c) a concepção contemporânea de Direitos Humanos foi introduzida, em 1789,
pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fruto da Revolução
Francesa.
d) a internacionalização dos Direitos Humanos surge a partir do Pós-Guerra,
como resposta às atrocidades cometidas durante o nazismo.
Resposta: Letra D.
►► Obs.: A Carta Magna não possui caráter universal, restringindo-se à declara-
ção dos direitos de determinados súditos ingleses perante o Rei da Inglaterra. Da mesma forma, não se pode dizer que a concepção contemporânea foi
introduzida pela Declaração francesa, pois existiram declarações inglesas e
americanas que limitaram o poder estatal e declararam diversas liberdades e
garantias dos cidadãos perante o Estado.
Contudo, pode-se afirmar que a internacionalização dos direitos humanos, manifestada pela elaboração da DUDH, decorreu de uma resposta às atrocidades
cometidas durante a vigência dos regimes totalitários, em especial o nazismo,
razão pela qual é correto o item D da questão.
• FCC – AL/SP/Procurador/2010
I. O primeiro reconhecimento normativo da igualdade essencial da condição
humana remonta a 1776 e 1789, com a proclamação das liberdades individuais e da igualdade perante a lei, nos Estados Unidos e na França revolucionária.
Resposta: A banca considerou esse item correto.
►► Obs.: Nesse caso, a banca examinadora entendeu como marco de igualdade
perante a lei e proclamação das liberdades fundamentais a Declaração da Virgínia de 1776 e Declaração Francesa de 1789.Como vimos, identificar o primeiro texto legal que introduziu os direitos humanos é tema ainda controverso,
embora parte da doutrina entenda que a Magna Carta inglesa, de 1215, seja
o texto inaugural das liberdades fundamentais (ou, ao menos, de algumas delas).
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Noções de Direitos Humanos
• FCC – DPE/SP/Defensor/2007
As Constituições Mexicana (1917) e Alemã (1919) são historicamente relevantes para os direitos humanos porque
a) incorporaram ao direito interno as normas da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
b) restabeleceram o paradigma da dignidade humana, abalado pelos eventos
da Segunda Guerra Mundial.
c) enfatizaram a prevalência dos direitos individuais sobre os coletivos.
d) elevaram os direitos trabalhistas e previdenciários ao nível de direitos fundamentais.
e) inspiraram a elaboração da Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e
Explorado.
Resposta: Letra D.
►► Obs.: A principal relevância das Constituições Mexicana e Alemã é a inserção
de direitos sociais – entre os quais se destacam os direitos trabalhistas e previdenciários – no rol dos direitos e garantias fundamentais.
• FCC – DPE/SP/Defensor/2007
A respeito da relação entre o jus naturalismo e o jus positivismo, o Direito
Internacional dos Direitos Humanos consagra a noção, segundo a qual
a) o reconhecimento dos direitos humanos nas Constituições caracteriza a transição da fundamentação daqueles, do direito natural ao direito positivo.
b) só se pode admitir a formulação de novos direitos humanos por parlamentos
legitimamente eleitos, tendo em vista o primado da soberania estatal, atualmente.
c) é recomendável a positivação dos direitos humanos sem, contudo, olvidar
sua fundamentação no Direito Natural, permitindo o paulatino reconhecimento de novos direitos.
d) é irrelevante seu reconhecimento pela legislação interna dos países, considerando que os direitos humanos são inerentes ao ser humano.
e) os direitos humanos, historicamente fundados no Direito Natural, necessitam ser reconhecidos pelo Direito Positivo para se tornarem exigíveis.
Resposta: Letra C.
1.1.4. Antecedentes no Direito internacional: Embora os direitos humanos encontrem sua base filosófica nos teóricos mencionados e possua sua
inspiração na evolução da doutrina dos direitos fundamentais no plano
constitucional, a sua afirmação também está estreitamente relacionada a
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Rafael Soares Leite
determinados progressos no campo do Direito Internacional Público (doravante Direito Internacional). Antes da aprovação da DUDH em 1948, o
Direito Internacional havia se aventurado em algumas áreas relacionadas
à proteção da pessoa humana. Em especial, pode-se mencionar a intervenção humanitária, a responsabilidade internacional do Estado pelo
tratamento de estrangeiros, a proteção das minorias, os Sistemas de
Mandatos e de Minorias da extinta Liga das Nações e o progresso do
direito internacional humanitário9:
a)Intervenção humanitária: A doutrina da intervenção humanitária foi
desenvolvida ainda no Direito Internacional clássico, inclusive por Hugo
Grócio, um dos seus fundadores, no século XVII. De acordo com ela, justificava-se o uso da força para impedir o uso excessivo da violência por um
Estado contra os seus nacionais, quando a conduta do Estado fosse tão
violenta e sistemática a ponto de chocar o sentimento da comunidade das
nações.
Conquanto de base humanitária, essa doutrina era criticada em razão do
abuso de sua aplicação, pois passaria a servir como pretexto para o ataque
de Estados fortes aos mais fracos. Apesar disso, foi um dos primeiros experimentos do Direito Internacional com o objetivo de limitar o poder dos
Estados sobre os seus nacionais. A doutrina da intervenção humanitária
ressurgiu na década de 90 para legitimar a ação da Organização das Nações Unidas (ONU) e alguns organismos internacionais de segurança em
determinadas regiões (como, por exemplo, o Kosovo e a Somália). O estabelecimento de tribunais ad hoc, isto é, constituídos para julgar condutas
criminosas ocorridas em determinados países e em períodos específicos,
pode ser considerado como um desdobramento da doutrina da intervenção humanitária em resposta às violações sistemáticas de direitos humanos (ver o item 2.3 desse livro, a respeito desses Tribunais e do Tribunal
Penal Internacional).
b) Precedentes no Século XIX: Durante o século XIX, foram celebrados alguns
tratados que tiveram como finalidade a proteção de indivíduos e/ou grupos em relação ao Estado em que se encontravam. Pode-se mencionar o
Tratado de Paris de 1856 e o Tratado de Berlim de 1878, visando, respectivamente, ao banimento do tráfico de escravos e a proteção de minorias
9.
26
V. BUERGENTHAL, Thomas; SHELTON, Dinah; STEWART, David P. International Human Rights
in a Nutshell. 4 ed. St. Paul: West Publishing Co., 2009. P. 1-20.
Noções de Direitos Humanos
cristãs no Império Otomano. A relevância desses tratados encontra-se no
fato de iniciarem o processo de internacionalização de questões antes relegadas ao plano interno dos Estados, quais sejam, a forma e o tratamento
de indivíduos que se encontram sob sua jurisdição.
c) A Liga das Nações e o processo de internacionalização: A Liga das Nações,
organismo internacional criado em 1920 e que antecedeu a Organização
das Nações Unidas, desenvolveu um interessante regime normativo para
proteção das minorias após a 1ª Guerra Mundial. Além do regime das minorias, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), fruto do Tratado de
Versalhes que pôs fim a essa guerra, exerceu um importante papel. A OIT
foi constituída contemporaneamente à Liga das Nações, mas, ao contrário dessa, sobreviveu à 2ª Guerra e passou a integrar o Sistema ONU na
qualidade de agência especializada. No entre guerras, a OIT estabeleceu
parâmetros normativos fundamentais para a proteção de determinados
direitos sociais relacionados ao trabalho (International Labor Standards).
Regime de minorias da Liga das Nações: Inicialmente, o Pacto que constituiu a Liga das Nações não previa a competência desse organismo internacional para proteção das minorias. Essa competência surgiu a partir de
tratados firmados após a 1ª Guerra Mundial. A proteção de minorias surge
como uma exigência das nações vencedoras da 1ª Guerra a determinados
Estados que acabavam de recuperar ou obter sua independência, como
Polônia, Albânia e Romênia. Seu fundamento é que, com a independência reconhecida, esses novos Estados poderiam ameaçar a sobrevivência
cultural de minorias existentes em seus territórios, daí a necessidade de
se estabelecer garantias legais, dispostas em tratados internacionais, para
sua proteção, em troca do reconhecimento da independência.
Para cada novo Estado que dispunha de uma minoria a ser protegida, estabelecia-se a disciplina jurídica a respeito de sua proteção em um tratado
específico. Assim, embora construído a partir de tratados internacionais,
era feito sob uma base ad hoc, particular com cada Estado, e não por meio
de um tratado geral.
O primeiro tratado que estabeleceu o regime de proteção de minorias foi
celebrado em Versalhes, entre os países vencedores e a Polônia, em 1919.
Esse tratado foi utilizado como modelo para outros tratados, celebrados
com outros Estados. Sob esse regime de proteção, a Liga das Nações passou a receber petições a respeito de violações dos direitos das minorias
(um sistema que posteriormente seria utilizado para lidar com denúncias
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Rafael Soares Leite
a respeito de violações de direitos humanos), e, em determinadas situações, provocava a Corte Permanente de Justiça Internacional (antecessora
da atual Corte Internacional de Justiça) para emitir opiniões consultivas.
O sistema de proteção de minorias encerrou-se com o fim da Liga das Nações, embora tenha construído instrumentos que seriam posteriormente
apropriados pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, como, por
exemplo, o recebimento e processamento de petições alegando violações
aos direitos.
Convenções da OIT: As Convenções da OIT (por vezes também nominadas “Convênios”) estabelecem um regramento mínimo de proteção ao
trabalhador, a serem observados pelos Estados-membros. As Convenções
variam quanto a temas específicos, normalmente relacionados a características particulares do trabalhador. Cada Convenção da OIT constitui-se
como um tratado próprio (ver item 3.1.2.1 abaixo a respeito dos Tratados).
Assim, para que seja aplicada a determinado Estado-membro, esse deverá
ter ratificado a Convenção específica.
Além da proteção das minorias e do desenvolvimento normativo no âmbito da OIT, tem-se identificado também o sistema de Mandatos como um
importante predecessor do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
d) Responsabilidade internacional pelos danos cometidos contra estrangeiros: O direito internacional clássico impunha aos Estados uma obrigação
de tratar os estrangeiros de uma forma minimamente aceitável, conforme
padrões civilizados e de justiça. Quando ocorria uma violação desses padrões mínimos, o Estado a que o indivíduo se encontrava vinculado em
razão da nacionalidade poderia adotar medidas diplomáticas ou acionar o
Estado violador em foros arbitrais ou judiciais internacionais para obter a
reparação.
É importante destacar que o Estado não atuava em representação ao indivíduo. Portanto, ainda que o Estado em que ele se encontrasse vinculado
obtivesse a reparação em face do Estado violador, não havia a obrigação
de o Estado indenizar o seu nacional. A atuação do Estado nesses casos
baseava na ficção admitida pelo Direito Internacional de que os danos sofridos por um nacional seu em território estrangeiro era um dano direcionado ao próprio Estado. Essa ficção resguardava a concepção do direito
internacional clássico de que somente os Estados são sujeitos de direito
no direito internacional.
28
Noções de Direitos Humanos
Por depender do vínculo de nacionalidade entre o indivíduo e o Estado,
esse regime de responsabilidade internacional não atendia aos indivíduos
apátridas e nem àqueles que se encontravam nacionalmente vinculados
ao Estado violador.
Em sua formação, o Direito Internacional dos Direitos Humanos lançou
mão de diversos conceitos e doutrinas relacionados à responsabilidade
internacional do Estado pelos danos cometidos contra estrangeiros e, por
sua vez, também contribui com suas normas para demandas fundadas em
danos contra nacionais. O direito da responsabilidade estatal por danos
cometidos contra estrangeiros continua ainda hoje presente, sendo frequentemente invocado perante tribunais internacionais, como a Corte Internacional de Justiça (CIJ).10
São esses os principais precedentes no Direito Internacional que influenciariam o regime internacional dos Direitos Humanos. Contudo, é importante destacar que o principal marco reconhecido para a universalização
dos direitos humanos continua sendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
 Aplicação em concurso:
• Ministério Público do Trabalho – 17º Concurso Público – 2012
Leia e analise os itens a seguir:
I. A internacionalização dos direitos humanos iniciou-se na segunda metade
do século XIX, no processo de luta contra a escravidão e na regulação dos
direitos do trabalhador assalariado, especialmente a partir da criação da Organização Internacional do Trabalho, em 1919.
II. Embora seja amplamente difundida na doutrina jurídica, a concepção de gerações de direitos humanos remete à noção de superação no decurso do
tempo, quando, na verdade, os direitos humanos de todas as gerações coexistem simultaneamente na atualidade, considerando os princípios da interdependência, interrelacionamento e indivisibilidade. Os direitos humanos
sofrem processo de expansão, acumulação e fortalecimento, não de superação em gerações.
III.A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que surgiu após a
Segunda Guerra Mundial, acentua a tendência à universalização dos direitos
10. V. o caso Ahmadou Sadio Diallo (Republic of Guinea v. Democratic Republic of the Congo),
Merits, Judgment, I.C.J. Reports 2010, p. 639
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