Positivismo Jurídico e Ceticismo: elementos de ficção e acústica

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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E
ACÚSTICA
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO
E ACÚSTICA
César Kiraly1
Resumo
A idéia com esse ensaio foi mostrar a natural afinidade do ceticismo filosófico com o
positivismo legal, bem como a superioridade moral de tal confluência para pensar
questões entre a política e o direito. De uma forma direta poderíamos dizer que há mais
virtude quando o direito compreende as suas limitações, porque ao reconhecê-las
evidencia as dinâmicas internas da atividade política.
Palavras Chave: Ceticismo, Positivismo Legal e Moralidade
“Por convenção (nómói) existe o quente, por convenção existe o frio,
por convenção existe a cor, o doce e o amargo; segundo a verdade
(eteēi), exite apenas o que é individual e o vazio.2”
Sexto Empírico
A proximidade entre o direito e a moral, mais ainda, a estreita relação entre o
direito e a moral, não é incompatível com a tese da separação, de fato, entre os
conceitos de direito e de moral. Pode ser que numa má compreensão do positivismo
jurídico, ou em suas versões teóricas mais fracas, ou normativas, ou ainda na versão da
preguiça intelectual de alguns advogados e juristas, exista alguma incompatibilidade.
Mas, na tradição da filosofia da regra, e na leitura que empreende das obras de Hobbes,
Hume e Austin, representada principalmente por Hart, e também na leitura que
empreendi de seu pensamento, não há qualquer incompatibilidade3. Para o positivismo
legal bem compreendido, a separação entre direito e moral é uma tese moral. Mas de
que tipo? Trata-se de um exercício da virtude artificial da justiça, no âmbito das
instituições políticas e do direito, segundo a qual as instituições são melhores, do ponto
de vista moral, quando em seus processos de deliberação jurídica, distinguem o direito
da moralidade.
A superioridade moral da separação entre direito e moral se deve a três razões
bastante específicas: (1) Na separação entre o direito e a moral existe o benefício à
política como campo deliberativo, ou seja, quando não existe a instituição do direito a
tentar sanar um problema que ela mesma causa, a esfera pública é levada, natural e
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conflitivamente, à ativação política. (2) Na
que
pode
separação entre direito e moral, a teoria
regularidade.
ser
dito
pela
idéia
de
política exerce a função de criação de
Duas são as finalidades contidas na
mundo, que é confundida quando os
falta de separação entre direito e moral. A
juristas
do
primeira é a constitucionalização e a
pensamento político, submetendo-o a uma
segunda é a judicialização. A tese da
suposta
dos
indiscernibilidade julga a moralidade como
conflitos. Não seria estranho sermos
via produtora da constitucionalização e da
levados a crer que não existe solução de
judicialização. Por outro lado, estabelece
um conflito, mas a invenção de limites
na relação entre as duas finalidades algo
mais amplos ou mais restritos a mundos
como um monopólio sobre o conflito
novos. O conceito de mundo pode ser
social. A judicialização seqüestra a política
entendido como sistema de crenças. (3) Na
pelo direito e a constitucionalização retira
separação
a
a autoridade de qualquer resistência:
perspectiva sociológica é beneficiada, em
porque todo direito é público. Em países
detrimento da filosofia da história. O que
muito conservadores com a Itália e o
nos leva ao saudável recurso político à
Brasil, a idéia de constitucionalização visa
composição das crenças, ao invés à retórica
ocupar
da finalidade.
constitucionalidade, no sentido de fazer
deformam
a
pré-história
entre
Os
três
tradição
da
direito
e
moral,
lugar
do
controle
de
com que o direito ocupe o espaço exigido
benefícios da tese da separação entre
pelos movimentos sociais do ponto de vista
direito e moral, que de forma geral
político, na outra ponta a judicialização
preservam a vida política e a sua natureza
completou o controle do par moralidade e
instituinte, em contraposição à unicidade
direito sobre a política. Não deixa de ser
do direito e sua natureza constituinte,
uma
tornam clara a estrutura de irredutibilidade
desconfiança
da crença à regra, a qual também pode ser
movimentos sociais vêem a presença das
dita como irredutibilidade da política ao
instituições do direito, quando tendentes a
direito.
mediadoras de conflitos sociais, e, da
seja,
os
narrados,
o
pelos
Ou
itens
solução
elementos
de
ação
intuitiva,
com
que
composição da vida social e política,
mesma
dentre outros aspectos, a crença, não
mortificação da demanda.
podem
ser
reduzidos,
sob
pena
de
imoralidade, aos seus comportamentos, o
forma,
mas
Assim,
a
os
sábia,
principais
presença
podemos
a
notar
como
duas
imagens conceituais: (1) De um lado a
separação entre o direito e a moral, na qual
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
o privilégio sociológico, uma vez que os
encontrado na história, que receberia a
homens falam de coisas diferentes e olham
finalidade, e suas funções, como um
para referências diferentes, quando falam
retorno aos trilhos. Dessa forma, para
de moral, discussões acerca do justo, ou de
sustentarmos a indissociabilidade entre
direito, quando pensam acerca do que é
moral e direito, só podemos fazê-lo se
certo, e também o privilégio da perspectiva
submetida à finalidade histórica, seja lá
política ao se lidar com a esfera pública.
qual for.
Nesse contexto é que podemos dizer que
A autoridade da regra, por outro
não há separação sem irredutibilidade da
lado, ao contrário da norma, é retirada
crença à regra, ou seja, a política não pode
apenas da crença a qual ela se refere, trata-
ser reduzida ao direito, tal como uma
se de uma história de outra ordem, sem
instituição não pode ser reduzida à
finalidades dadas, apenas coisa-posta, cuja
constituição, por isso insistirmos em
fundação não é outra senão a busca da
falarmos de elementos compositivos da
natureza instituinte do mundo. A separação
política e da sociabilidade. (2) Do outro, na
entre direito e moral é moral de um jeito
indissociabilidade entre o direito e a moral,
vedado à inseparabilidade, por duas razões:
existe o privilégio da filosofia da história,
(1) a primeira concerne ao esvaziamento
no campo sociológico, ela aparece como
teológico da idéia de regra relacionada à
uma sociologia de juristas, na qual os
crença, segundo a qual a responsabilidade
homens seguem uma finalidade ao oporem
recai sempre sobre a natureza humana e
o direito à moral, mas a superam ao
nunca sobre a história. – Pois nada lembra
realizarem
da
mais um padre do que um jurista. – A
inseparabilidade. Dessa forma, nota-se
natureza humana é responsabilizável na
uma intensa valorização da perspectiva
medida de sua vulnerabilidade, mas essa
jurídica ao se lidar com a esfera pública, tal
não pode ser dividida ou relativizada pela
como a análise da instituição se reduz aos
história e (2) a segunda concerne ao
elementos constituintes.
término do remetimento à natureza humana
a
função
ética
A norma, do privilégio à filosofia
como categoria opaca. Se tanto a regra,
da história, retira a sua autoridade de certo
quanto a norma participam do vocabulário
desequilíbrio, suposto entre as faculdades
moral do séc. XVIII, apenas o vocabulário
da natureza humana, em especial do
da
desnível
o
percepção da natureza humana, enquanto
entendimento no que concerniria a relação
entidade passional e imaginativa com
entra
a
imaginação
e
regra
insiste
em
suas
virtudes:
com a razão, este descompasso poderia ser
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
capacidade de experimento da pluralidade
quando não mais conseguir sustentar a sua
de mundos.
instituição ficcional. Nesse sentido, o
Dessa forma, a moralidade está em
operador, que operador de uma ficção,
se compreender o direito como uma não
interpreta o seu papel, eis o lugar o teatro
finalidade,
público, mas sai de seu papel e participa da
mas
como
um
sistema
sociologicamente descritível, que procura
vida
em si asserções desprovidas de natureza
experimentado em ficção, mas nunca como
moral. Da mesma maneira, quando o
o personagem que é na cena do direito. Ele
sistema dissimula asserções morais, ou
atua o sacrifício moral de que precisa
claramente
sustentar
as
utiliza,
ele
deve
ser
política
um
como
um
personagem,
pensador
para,
na
percebido como agindo de um modo
dramaturgia, permitir deixar ver a saúde ou
imoral, uma espécie de má-fé, maus
a
sentimentos,
ser
comprometimento de não esconder a ficção
politicamente combatido. A sociabilidade
com moralidade é o compromisso que lhe
deve
bons
deve ser exigido sempre. Sem metáfora, o
sentimentos vêm do lugar errado. Afirmar
operador precisa saber ser ator. É nesse
que tal interpretação do direito nada mais é
sentido que a magistratura e instituições da
do que interpretação consiste, como se
democracia, não podem deixar de se
pode perceber, em nada mais do que um
confundir com a operação dramatúrgica do
portanto;
desconfiar
e
quando
deve
os
4
truísmo .
Num
patologia
da
instituição,
e
tal
direito. Ainda que isso custe o esforço de,
bom
sentido
de
ardil,
não mais investido na cena, explicar a
podemos dizer que a virtude política
sociedade a ignonímia de seu papel, e o
depende de certa ardilosidade moral, o que
porquê de uma possível mudança. A
significa dizer que a moral, para não ser
distinção entre direito e moral exige do
capturada pela má-fé, deve criar para si um
direito,
campo artificial, no qual não esteja
sacrifício. E não apenas um exercício de
presente, a moralidade prepara para-si a
dissimulação.
possibilidade de tirar férias, e nessas férias
Dentre
e
de
suas
os
instituições,
méritos
de
um
uma
circunscritas, instiga o direito a se perceber
dramaturgia radical do direito – que
com invenção política. No que concerne
implica numa não-dramaturgia radical da
aos atores, a moral ardilosa permite que
política, sobre a qual não poderemos tratar
juízes e demais operadores se vejam
aqui – está a refutação da impossibilidade
estritamente como atores de uma ficção
de se separar, ou indesejabilidade, direito e
política útil, que deve ser alterada apenas
moral em função em função de certa
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ignorância positivista legal e ela concerne
à percepção da natureza dramatúrgica do
CONCEITOS POLÍTICOS E
direito que não deve contaminar a política,
JURISPRUDÊNCIA
numa das mãos, e que se estrutura entorno
da idéia de circunstâncias de separação e
operadores
de
ficção.
Assim,
a
Mas não seria demais
afirmarmos
uma
compreensão
da
possibilidade de um estudo conceitual do
jurisprudência em Hart em termos de uma
direito não é tirada da cartola, mas
teoria humeana da ficção (e, portanto, da
concerne à percepção do direito como
crença)? Parece que pode ser excessivo
experimento de ficção moral. Por essa
para uma sensibilidade patologicamente
razão a crítica ao estudo descritivo do
analítica, mais realista do que o rei, o que
direito apenas
se põe por filósofos
de todo não era o caso de Hart, mas não o é
relativamente confusos acerca de uma
segundo a teoria da fonte enunciada por
teoria da invenção política. Parece, esse
esse, e prontamente criticada por Dworkin:
será o modo pelo qual conduzirei minhas
teses, que uma leitura atenta do artigo de
Dworkin sobre Hart e a questão da
filosofia política pode nos fazer notar a
timidez filosófica de Hart para defender as
suas
fundações
políticas
para
os
argumentos de direito (timidez pontual, é
verdade) e a eloqüente falta de uma teoria
da descrição e de uma filosofia política nos
argumentos de Dworkin. As minhas teses
surgirão no que considero serem
a
fundações céticas para se compreender
Hart, bem como, para a inteligibilidade
conceitual da política, e do direito como a
sua invenção. Depois acompanharemos o
aprofundamento dessas teses naquilo que
Hart denomina de sociologia descritiva,
idéia que Dworkin, declaradamente, nunca
pôde bem compreender.
De acordo com minha teoria, a existência
e o conteúdo do direito podem ser
identificados por meio de referência às
fontes sociais do direito (por exemplo, a
legislação, as decisões judiciais, os
costumes sociais) e sem referência
moral, a não ser nos casos em que o
direito, assim identificado, tenha sido
incorporado, ele próprio, critérios morais
para sua própria identificação 5.
A primeira asserção para a qual
penso que devemos pressupor uma teoria
cética da ficção está na identificação entre
existência e conteúdo. Mas em que termos?
Nos termos de que a existência do direito
não pode ser indagada se não nas
províncias de seu conteúdo, o que, em
primeira instância, é análoga à afirmação
de Hume de que a existência não altera
essencialmente uma idéia, atrelada que
pode ser à simples concepção de que
“direito é direito inventado”. Se de um
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
lado não podemos dizer pela ausência da
Dworkin, por exemplo, que recusa
idéia pela sua não-existência, do outro,
a percepção da sociologia analítica sobre o
devemos atrelar a idéia a seu conteúdo. O
direito em função de uma essencialização
conteúdo do direito não é outro que não a
holística da sociabilidade e da política – o
sua crença, e sua crença não é outra senão
que o faz, por vezes, identificar o direito, a
aquela fornecida nas circunstâncias da
política e a moralidade, tal como numa
imaginação
positivismo
vida alheia ao mundo – defende a
descreve certa ficção jurídica na província
perspectiva hermenêutica e se satisfaz com
lingüística da crença – daí a sociologia
a possibilidade de descoberta racional do
analítica -, e essa percebe a efetiva
princípio. Por certo que o que nos leva a
separação entre o direito e a moral, na
acompanhar as críticas de Dworkin a Hart,
constituição mesma de suas crenças, ainda
de modo a reposicionar o positivismo
que a desejabilidade da separação não seja
numa teoria da ficção, é justamente a
sempre levada em conta. Pois bem, a
identificação da consistência parcial de
crença positivista da separação se deve à
suas observações. Se formos duros com a
sensibilidade
filosofia do estadunidense é pela certeza de
política.
da
O
natureza
humana
à
composição da política e do direito.
sua densidade. Por essa razão podemos
Uma vez que se vê a separação na
dizer que ao assumir a perspectiva do
própria crença inventada, a prática jurídica
direito,
Dworkin
deve seguir o que foi perscrutado. Ou seja,
silenciosamente as conseqüências políticas
o positivista parte da idéia de que a prática
e morais de seu argumento, tornar o mundo
jurídica é mais moral, quando segue sua
atual o mundo-todo. De certa forma, a
própria ficção. As ficções de moralização
completa
do direito são simulacros de crença, porque
política por sobre o futuro.
obliteração
procura
da
obliterar
imaginação
se originam não na política, mas dos atores
Contudo, e este é o contra projeto
do direito não satisfeitos com os limites de
da nossa leitura hartiana das observações
sua dramaturgia, uma vontade de poder,
de filosofia política de Dworkin sobre
que dentre outros resultados, intensifica o
Hart, descrever o direito em sua ficção é
danoso
da
ser capaz de vê-lo; inclusive, em sua
representação política. A moralidade entra
crueldade. O projeto de anestesiamento
no direito pela política, se desejamos
pela hermenêutica nada mais é do que uma
algum autenticidade nas instituições, e de
estratégia de encobrimento da política pelo
nenhuma outra forma.
direito.
aspecto
dramatúrgico
Portanto,
encobrimento
da
crueldade política por uma expansão da
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
dramaturgia jurídica a campos que antes
fonte,
inclusive,
torna
circunscrita
a
lhe eram vedados. A questão, nessa
dramaturgia necessária
medida, é não encobrir a crueldade política
conflito e impede o esvaziamento da vida
pelo direito, ação epistemológica essa que
pública. No outro pólo, a teoria da fonte é
serve para saber onde e como combatê-la.
estabilizadora do componente ficcional do
Noutras
à solução do
um
forte
direito – não é estranho dizer que todo
imoralidade
na
direito é ficção jurídica e política – e
essencialização dramatúrgica da política
impede que a política seja arbitrária em
apresentada por Dworkin. A proposição de
suas invenções.
palavras:
componente
existe
de
modos de opacidade à crueldade política é
sempre imoral6.
É justamente por conceber o direito
como um conceito que Hart nota que ele é
“Como Hart pode pensar que seu
descritivo7?”
descrito em suas fontes. A natureza
A
conceitual da coisa posta leva à descrição
pergunta que Dworkin não sabe responder,
dos atributos. A narrativa conceitual sobre
deve sê-lo nos seguintes termos:
o direito pode ser comparada à narrativa
estudo
conceitual
é
A descrição das fontes se assenta na
conceitual sobre a política. Mas dissemos
natureza ficcional do fenômeno jurídico,
que o direito é distinto da moral, uma vez
enquanto coisa posta desde a política.
que o reconhecimento do direito difere da
Nesse sentido, falar de um conceito não é
identificação da moral, mas explicamos
descrever uma essência, mas uma imagem,
também que o direito é mais moral quando
historicamente circunscrita, formalmente
suas instituições se movem segundo essa
válida. Dworkin não entende a descrição
distinção; não haveria uma contrariedade
de objetos postos, mas apenas de objetos
entre a primeira e a segunda afirmação?
descobertos. E no que concerne à aliança
Uma vez que vemos com valor algo que
hume-hartiana, a descoberta passa ao largo,
pode ser percebido objetivamente. Na
e estamos imersos na experiência da
verdade, o valor se encontra não na
invenção.
feito
objetividade conceitual, e descritiva, do
tautologicamente à sua existência, mas
estudo do direito e da política, mas na
assume a forma e o conteúdo de suas
percepção acertada, que ao orientar o
fontes.
referencialidade
direito e a política, segundo a natureza de
sociológica, uma das características da
seus conceitos, promove mais moralidade.
regra de reconhecimento, nada mais justo
A falta de percepção é aberta à imoralidade
do que pensar que em alguma proporção o
e a dramaturgia na política é plena de uma
direito siga a dinâmica das crenças. A
forte imoralidade.
O
Sendo
direito
a
não
é
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
O essencialismo de Dworkin o
conceito se mostra. A verdade da tese do
impede de ver a descrição do conceito,
“aguilhão
dentre algumas razões, porque lhe é vedada
identificação de que a regra não pode ser
a hipótese do reconhecimento da natureza
todo o conceito, mas tão somente uma de
conceitual de objetos inventados. Depois,
suas partes. Hart e Berlin sabem disso – o
por assim dizer, com mais motivo, lhe é
aguilhão
vedada
aspectos
vulgarização, natural é verdade, da figura
circunstanciais dos objetos inventados.
do discípulo do que de qualquer outra coisa
Não há valor no conceito de direito ou de
– muito embora, para tanto mostrar,
política, mas há valor na identificação da
remetiam ao fim da regra e à necessidade
relevância de se descrever o conceito, e tal
de novos estudos. Como Berlin trabalhava
admissão não contamina em nada a
sobre a história das idéias políticas, o
objetividade, apenas a promove, dentro do
limite da regularidade da linguagem estava
contexto da imaginação social.
sempre em questão, ainda que não fosse
a
descrição
de
Parte da crítica de Dworkin ao
feito
semântico”
decorre
tema,
tal
repousa
muito
como
na
mais
na
da
regra
de
aguilhão semântico é verdadeira e deve ser
reconhecimento de Hart, observar a lógica
aproveitada para finalidades por ele não
intrínseca à obediência e à liberdade,
previstas, existe sim um fetichismo da
enquanto pontos fundacionais do conceito
regularidade da linguagem, o que também
de política, e para isso utilizar os autores
se traduz num fetichismo da regra, e Hart,
modernos, não é de nenhuma forma
no direito, e Isaiah Berlin, na política,
esgotar
fazem parte do que se pode denominar de
regularidades discursivas predominantes na
pensadores de uma filosofia da regra, em
política8. Hart, por outro lado, porque
oposição à filosofia da norma, de Kelsen (e
evitava a diaphonia da história das idéias
do próprio Dworkin, ainda que seja um
políticas,
filósofo
positivista).
problemas, ou pelo menos evitou mais
Contudo, existe uma verdade na linguagem
fortemente n’O Conceito de Direito,
que não pode ser ignorada, ela funciona
precisou mostrar logicamente o fim da
como plano de sustentação do conceito, da
regra9.
normativo
não
um
e
assunto,
seus
mas
inevitáveis
indicar
falsos
mesma forma como a cor serve de plano de
Para Hart, como sabemos, as regras
sustentação da imagem, a linguagem é
descritas pela sociologia analítica são de
plano e matéria prima do conceito, não há,
dois tipos: primárias ou secundárias. O
portanto, uma essência do conceito, mas é
primeiro tipo de regra concernindo às
na regularidade da linguagem que o
obrigações e o segundo dizendo respeito à
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regulamentação das obrigações. A política,
outras regras sociais, porque há no direito,
por exemplo, em suas instituições, pode ser
de modo concentrado, o que toda a
descrita como conglomerado de situações
sociabilidade mostra de modo difuso.
pela
Assim, este “saber reconhecer o
regulamentação circunscritora. A ação de
direito” é o que torna a regularidade
integrantes de um partido também pode ser
jurídica tão distinta das outras, ou seja, é o
bem descrita dessa maneira analítica
reconhecimento
pensada por Hart. Para a descrição do
específica do reconhecido que produz a
conceito de direito, Hart, todavia, encontra
identidade do direito. Entretanto, cabe-nos
a necessidade de ultrapassar os limites
a pergunta, que fenômeno é esse que
regulares do direito. Por essa razão, ele
reconhece
pensa
regra
encontrado de modo concentrado no
secundária, que ao mesmo tempo em que
direito, mas que é encontrado de modo
está com um pé no direito, e na sua
difuso na sociabilidade? A crença é o nome
habitualidade dramatúrgica, tem o outro pé
desse fenômeno.
de
obrigações
um
tipo
identificáveis
específico
de
na política, em sua dimensão cognitiva. A
mais
na
Parte
a
regularidade
regularidade,
da
crítica
ao
que
é
aguilhão
essa segunda forma de regra secundária,
semântico é verdade, mas parte é falsa.
ele chama a atenção para o espelhamento
Falsa, sobretudo, no que concerne aos
do conhecer e do reconhecer.
principais
A regra de reconhecimento, como
chamada
por
Hart,
de
Dworkin,
estranhamente existe uma filosofia de
na
redução da crença à regra, mas essa não foi
regularidade, o que é mais “interior” do
praticada nem por Hart e nem por Berlin.
que a regra. Hart explica que esse tipo
Os dois representam facetas distintas da
específico de regra se mostra na ação
descrição de aspectos de crenças, ainda que
certeira de saber onde o direito está; se
não elaborem, como Hume, teorias da
outras práticas sociais, com a política, são
crença. Se Dworkin pratica a opacidade da
estruturadas,
aspecto
crença, própria à hermenêutica filosófica,
difuso de seus reconhecimentos, o direito é
Hart exerce a descrição de abstrações, em
uma
o
termos de reconhecimento e regras, e
reconhecimento é organizado entorno da
Berlin pratica o retratismo da crença, o que
concentração cognitiva. Podemos dizer que
faz com que Hart se aproxime de Hume e
a natureza do fenômeno político concentra
Berlin de Pierre Bayle.
justamente,
situação
política,
evidencia,
alvos
pelo
em
que
o conceito de direito, e, nisso, faz dele o
fenômeno ideal para se entender todas as
Berlin
não
podia
ser
um
arquimediano em filosofia política, pois
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
sua narrativa pressupunha o retratismo da
direito do positivismo jurídico, uma vez
crença, a paisagem da crença (existem, de
que vê melhor, pode ser dita mais moral do
modo
que outras, porque toma o direito como
menos
montaigneanos
intenso,
em
Berlin),
fragmentos
e,
nesse
necessário para inteligibilidade da política,
contexto, a extração de regularidades
na medida em que não exerça sobre ela
conceituais10. Não há arquimedianismo,
efeitos
pois os sistemas de crenças, porque
exercidos pela moral abstrata e pela
alteráveis em densas seqüências históricas,
religião. O direito além de promover o
alteram os pontos de alavanca. A análise
certo, tem, no seu reconhecimento, a
da regularidade, pode-se afirmar, passa ao
obrigação de permitir a inteligibilidade
largo da norma, pois não utiliza nenhum
política da justiça.
encobridores,
tais
como
os
suposto equilíbrio entre as faculdades da
Pois bem, a sociologia analítica
natureza humana, e não pressupondo
trata de limites, mais especificamente dos
desequilíbrio, não oferece qualquer fonte
da narrativa sobre regras e envolve o lugar
de origem a finalidade histórica. Não há
da crença, seu modo de relação com as
norma, e há regra, mas está não explica a
regras a que dão origem. Contudo, ela não
si, pois é remetida ao reconhecimento
trata
difuso ou concentrado. Ou melhor, vemos
composição da crença, o que a faz bastante
o reconhecimento difuso, porque vemos o
consciente acerca de seus próprios limites
concentrado.
discursivos. A crença é objeto da filosofia
do
problema
ontológico
da
A idéia perscrutável pela concepção
política e da sociologia teórica, excedendo,
de regra de reconhecimento é que existe
portanto, a descrição de regras. Dworkin
inteligibilidade da vida social em função
gosta de perceber a si mesmo como
da regularidade dos fenômenos, em virtude
filosoficamente denso, diante de um
da regularidade concentrada do direito,
despreparado Hart, que descreveria regras,
podemos perceber o fim da regra, de
por mais não poder fazer, em virtude de
alguma forma, um fim cíclico, envolvente,
suas limitações intelectuais11. Mas o caso é
portanto, do locus do reconhecimento,
que a sofisticação hartiana, a Dworkin
aquilo que a tradição cética chama de
escapa. Pois, por mais que a regra de
território da crença. O mais interessante,
reconhecimento, por nós agora denomina
contudo, se notarmos bem, é que a política
de concentrada em oposição ao caráter
institui a concentração que servirá de
difuso de outros jogos sociais, passa a ser
regula para que possa ser vista. Esse é um
explicada pela regularidade da convenção;
dos sentidos pelos quais a concepção de
e o consenso que é capaz de expressar a
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
investigação “interna” da crença, demanda
Sendo
supostamente
Dworkin
um
aquilo que Hume chamou de ciência da
metafísico,
natureza humana, que, por definição, é
impropriedades, dentre as quais a de julgar
mais ampla do que a ciência da política e
que enunciados conceituais não podem
do que a jurisprudência12.
compreender
a
si
comete
bom
algumas
mesmos
como
Dessa forma, a crença demanda
enunciados morais – por certo que Hart e
algo de especulativo que é vedado à
Berlin julgam que descrever um objeto é
jurisprudência, mas que tem as suas
melhor para o mundo do que não descrevê-
circunscrições por ela indicada. Por mais
lo –, de modo que toda asserção sobre a
que
caráter
natureza discursiva das coisas deveria ser
alucinatório da crença, quando imersos na
sempre feita por um parvo, que julga que
investigação da natureza humana, sabemos
seu enunciado não possui força instituinte,
que a necessidade da crença não é
diante do objeto sobre o qual fala. Dworkin
alucinatória, e uma das evidências é a
contrapõe, ao parvo positivismo legal, o
circunscrição regular que aponta o lugar da
filósofo interpretativo que dissimula em
crença13. Se o vício do aguilhão semântico
seu enunciado algo que se aproxima do
consiste na ignorância acerca do lugar da
consenso. Mas se a dissimulação é um fato
crença na criação da experiência política,
da
no beneficiamento do que chamamos de
admissão não nos priva da possibilidade de
redução da crença à regra, o oposto
descrever, com rigor, aquilo que aparece,
correlativo dworkiniano também não é
admitindo, inclusive, que o rigor descritivo
melhor, a opacidade sobre o direito, pois
faz parte da moralidade com que nos
na hermenêutica ele é tudo e não é nada,
aproximamos dos objetos14.
precisemos
admitir
o
linguagem,
parece-nos
que
essa
também não é esclarecedora. Propomos,
Existe, por outro lado, a parvonice
nessa medida, a província do direito
metafísica, segundo a qualquer teoria da
determinada pela regra de reconhecimento,
construção de objetos é uma ação de
como
impossibilidade
inauguradora
de
uma
tradição
descritiva.
então
Pois
estabelecer
bem,
virtuosamente capaz de revisitar a temática
devemos
certa
própria ao ceticismo filosófico. Mas por
radicalidade ao nos opormos, não à
quê? Porque a regularidade jurídica e
metafísica, mas à parvonice metafísica,
social – nas invenções políticas – faz
contraponto à narratividade opaca a relação
melhor sentido, quando vista no contexto
de penumbra existente na regra que
da instituição.
denuncia a localização da crença. A
neutralidade descritiva não se pretende
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
natural, espontânea ou apenas possível em
não significa ter consciência de um dever,
sua ingenuidade parva.
e, para além disso, na inexorabilidade da
Seria um reducionismo imenso
invenção do mundo pela descrição, não
temer o silêncio do positivismo jurídico
está em jogo, e efetivamente não acontece,
sobre o tema da imaginação social, tendo-o
a norma sobre o mundo15. Na descrição o
como eloqüente de uma suposta anuência
mundo será inventado e minha descrição se
com a secura da teoria social. Por outro
parecerá comigo, mas não mais do quem
lado, se expandirmos a nossa interrogação
qualquer outro enunciado. Dessa forma, a
para além de Hart e Kelsen, veremos que
relação que o positivista tem com o direito
não se sustenta a falta de imaginação dos
é a de descrevê-lo e não a de inventá-lo,
positivistas com relação à política. De uma
apenas na proporção em que isso é possível
perspectiva metatéorica não há como não
ao mundo da natureza humana16. E tal se
nos
utilitarismo
dá em virtude de uma concepção ampla de
teológico de Austin, trata-se de uma teoria
moralidade, segundo a qual é melhor fazê-
da sociedade profundamente imaginativa,
lo. Saber da jurisprudência como atividade
ou, mesmo, aquilo que Hobbes precisa
descritiva,
construir, para criar a autonomia do direito,
superioridade moral da descrição sobre a
é, na verdade, um belo instante de
normatividade hermenêutica, não equivale
imaginação. Assim, não seria obtuso
a conceber a alteração do objeto na
admitir que o positivismo jurídico é uma
descrição e nem julgar que a descrição não
tese de filosofia política, prioritariamente
altere o mundo. Mas apenas que a
liberal,
de
atividade descritiva, ao apontar a separação
pasteurização histórica, mas, sobretudo, de
entre o direito e a moral, aplica sobre o
moralidade política.
mundo um contraste, que ao mesmo tempo
espantarmos
se
com
quisermos
o
brincar
e
ainda
conceber
a
A obra de Dworkin confunde a
em que estimula a inteligibilidade da
inexorabilidade da invenção de mundo,
separação, aguça o interesse pelos seus
com a normatividade da descrição. Por
efeitos, dentre eles, a revivescência da
certo que toda vez que enunciados são
esfera pública e política.
feitos, algo é fabricado, em alguma
Seria tolo se o positivista jurídico
parcela, no mundo. E até mesmo buscar
não percebesse a agência política de suas
não inventar o mundo, em paráfrase a
teses, mas até nesse ponto foram mais
Aristóteles,
dimensão
hábeis em exercitar o olho descritivo e
negativa. Pode-se dizer que há algum
circunstanciador sobre o direito, pelo
comum entre construir e cavar. Mas isso
menos nos casos de Hart e Kelsen, ou, de
é
fazê-lo
em
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
Hobbes e Austin. Não devemos esquecer a
Já vimos o porquê da falsidade do
intensidade ficcional do ensaio Are There
enunciado precedente. Mas admitindo que
Any Natural Rights?, no qual Hart organiza
há componente teórico na fabricação dos
um sistema de imagens políticas para
mundos, podemos ainda indicar que um
abrigar
da
cético compreende a justiça no campo da
liberdade, em sua afinidade com o
moralidade. Por causa da moralidade
exercício da decisão na vida ordinária; não
política
há
pertencimento.
a
com
habitualidade
não
ver
nesse
política
ensaio,
a
representada
por
Existe,
esse
pois,
um
circunscrição de uma política, na qual o
enfrentamento com os normativos de
direito poderia ser descrito de modo
atrelamento do direito à justiça, no
autônomo17.
incentivo de uma excessiva amplitude à
Contudo, o que a percepção do
moralidade, fazendo-a tudo e nada. A
positivismo jurídico, e sua jurisprudência,
posição cética é, antes tudo, contrária à
– enquanto pressupondo uma teoria social
vulgarização da moral. Por isso, não há
que permita ao filósofo político especular
qualquer contradição no fato do cético
acerca da natureza instituinte do lugar do
encontrar na vida cotidiana, justamente
direito – torna clara é a diferença entre
aquilo
enunciados normativos e inexorabilidade
ocorrência de a sorte do cético, semelhante
da mudança do mundo. O positivismo
ao fato de desejar a pluralidade dos
jurídico não olvida a mudança provocada
mundos, antes mesmo de poder vê-la.
que
defende;
chamemos
tal
no mundo, mas percebe que a contribuição
O que poderia ser dito para salvar a
do direito para esse processo é negativa, na
norma é dizê-la pertencente a uma
moralidade, e ativa, na imoralidade, de
gramática
modo que deve se retirar do espaço público
evidentemente, do positivismo jurídico.
o mais que puder, para que ele possa
Para
aparecer, enquanto plano disponível à
pressuporia uma filosofia da história,
instituição.
quando não uma filosofia da natureza.
uma
Assim,
Sei bem que os filósofos da justiça
céticos – os que argumentam que a
justiça está apenas nos olhos do
espectador, ou que as alegações de
justiça não passam de projeções de
emoções – muitas vezes supõem que
suas próprias teorias são neutras18.
filosófica
praticadas
outra,
gramática
as
confusões
por Dworkin
distinta,
filosófica
que
hermenêuticas
cederiam
se
camuflariam por uma indistinção entre
gramáticas. Ou seja, sua filosofia seria uma
tentativa
de
demonstração
da
normatividade de enunciados regulares,
enquanto
inviabilizadora
da
filosofia
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
política
orientada
do
historicidade do mundo. O argumento
positivismo jurídico e sua jurisprudência,
cético que apresentamos à hipótese da
nas suas muitas acepções. Pela simples
normatividade se dá nos termos da
razão
admissão
de
por
inventarem
o
razões
mundo
que
da
imaginação,
enquanto
descrevem. Todavia, essa tentativa de
inventora do mundo social, e, inclusive,
salvamento, bem intencionado, da filosofia
das ditas faculdades, até mesmo, do
da norma, não se sustenta, como já dito,
suposto conflito; nesse contexto, descarta-
em virtude da distinção profunda entre
se a normatividade. Se entrarmos um
gramáticas, e, nesse caso, em virtude da
pouco mais na discussão da normatividade,
diferença entre ver um objeto e ver um
teremos
objeto que se quer ver. Em última
precisamos
instância, o problema com o enunciado
entendimento e à imaginação a norma pela
normativo se deve ao próprio conceito de
qual o nosso conflito interno deveria ser
norma, incamuflável, quimérico como ele
resolvido, não havendo essa primeira
só, uma vez que para mudar o mundo não
norma fundamental, o vínculo normativo
preciso admitir que seja da essência do
com a história não é estabelecido e não
mundo histórico ser mudado. Ou mudado
teremos como dar uma resposta normativa
de tal ou qual forma. Até quando digo que
para a questão da finalidade humana. A
X é melhor do que Y, não é em função da
única resposta que o cético encontra para o
normatividade, mas da relação de X com o
problema da finalidade é a crença. A
valor atrelado a boa existência humana e a
finalidade da natureza humana é suportar
crença de que ela pode ser perseguida.
as crenças que lhe dão mundos. Dentre
que
argumentar
da
razão
a
que
não
dizer
ao
A fonte da normatividade, como
esses mundos, a moral e seus conteúdos
dissemos, é o conflito entre as faculdades
mínimos a sustentar o direito, que se
da natureza humana e efeito que a razão
esforça para não interromper a política, por
tem sobre as faculdades em desequilíbrio,
que outro nome não pode ser dado à
provocando, dentre outras conseqüências,
necessidade
certo condicionamento da história, que
instituir mundos.
da
natureza
humana
de
pode ser chamado de finalidade. Outra
Mas se ainda quisermos salvar a
fonte derivada da normatividade é o
norma, podemos ressaltar a tolice da
esforço reflexivo
oposição
humana
para
feito pela natureza
chegar
a
todas
entre
descritividade
e
essas
normatividade. Não porque toda descrição
conclusões sobre a história, bem como, a
seja normativa, mas porque a norma é
reflexão sobre a finalidade humana na
incapaz de descrever. Não há oposição,
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
mas apontamento da inadequação da
Se pensarmos nas crenças políticas
gramática normativa para lidar com a
que sustentam a experiência da autonomia
política e a moralidade (ou deveremos
do
esquecer que Rousseau nos recomenda o
evocarmos
afastamento do fato, para pensarmos a
encontrarmos termos que denotam os
norma?). Assim, quem descreve o faz por
conceitos de liberdade, democracia e
uma relação entre crenças e regras, o que
justiça, não só teremos que nos perguntar
significa a não-naturalidade dos fatos, pois
sobre as circunstâncias do artifício, quanto
toda descrição é inventiva e tal não se
acerca de seus critérios de verdade. Dessa
confunde com a norma. A normatividade
maneira,
completa se dá numa suspensão do juízo à
democracia e da liberdade será uma
crença (o transcendental é o programa de
questão de província, e nunca de essência,
tal epoché). Por essa razão a norma é
questão essa que nos coloca diante da
incapaz de descrever, porque ela não vê o
necessidade de inventar uma linguagem
certo,
de
capaz de sustentar essas expectativas. A
crenças, ela quer estar certa em sua
invenção de uma linguagem, nesse caso,
filosofia da história. Descrever implica
corresponde à invenção de um mundo. Mas
numa virtude moral não-normativa, na
se ainda assim estivermos a descrever em
recusa de uma gramática, mas implica
um mundo que não sustenta uma eloqüente
também em mudança, aquilo que não se
linguagem da liberdade, um bom início
quer mudar não se deve descrever, porque
para se permitir que um dia possa fazê-lo é
a descrição acrescenta coloração aos
encontrar
objetos, e, até mesmo, os inventa. Assim, é
distinção entre direito e moral. Talvez essa
certo que todo enunciado conceitual possui
seja a dobra que permitirá que tal ou qual
um valor, tal como toda descrição é
linguagem possa mais em matéria política,
valorativa e até mesmo a neutralidade é um
que seja mais ou menos instituinte.
num
determinado
sistema
direito,
valor, nem que seja o valor conceitual. Mas
quando
descrevemos
um
objeto
não
mais
o
a
a
especificamente,
seu
verdade
região
vocabulário,
do
direito,
arquimediana
ao
e
da
da
Mas por que interpelar essa região
de fronteira? Porque nela a significação da
simplesmente participamos da mudança
linguagem
das regularidades, e, conseqüentemente, de
transfiguração, nela o filósofo político
sua
exercita o poder de definição, nela os
crença,
mas
dos
esforços
de
são
política
feitos
é
em
forçada
conceitos.
à
vislumbramento do quê na crença pode
valores
A
mudar, e, mais ainda, vê-la mudando.
analiticidade na política e na jurisprudência
é complementar, porque a primeira inventa
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
a possibilidade moral da autonomia da
inventados, e dependentes de crenças,
segunda.
seriam
Quando
Berlin
percebe
a
menos
reais
do
que
outras
liberdade e a igualdade como pontos de
entidades? Por certo que não há diferença
sustentação da descritividade da política,
entre a realidade e o aspecto inventado dos
ele não quis com isso defender uma
valores sociais, num primeiro momento a
definição pela ausência de dúvidas, como
descoberta e a invenção se equivalem.
nos leva crer Dworkin em seu ataque à
Todavia, apenas a invenção nos dá
filosofia da linguagem,
inteligibilidade sobre a mudança social e a
enfrentar
enquanto
localidade da moral. Apenas projetos
oportunidade conceitual. Julgo que Berlin
inventados se modificam, os objetos reais,
via pouco, ou não suficientemente longe,
ou naturais, apenas se transformam. Ao
no que concerne ao conceito de política,
aplicarmos a vontade de transformação
mas é inegável que igualdade e liberdade
sobre a realidade, vemos apenas a intuição
tencionem a indiscernibilidade entre moral,
e nunca uma coisa. Dessa forma, a
jurisprudência19.
Assim, o
diferença é que a realidade dos valores
esforço de definição, de analiticidade
inventados é dependente de sua irrealidade.
descritiva, também é esforço de invenção
Ou seja, ao inventarmos valores, aquilo
de mundos. Nesse caso, de invenção de
que não percebemos, o que não foi
contornos para o mundo político, e,
descrito, mesmo inconscientemente, faz
portanto, de circunscrição negativa à moral
parte da nossa vida. Assim, seria absurdo
e à política. Mas se trata de esforço não-
ter a realidade do que é inventado.
normativo, de modo semelhante a se poder
Dworkin, nesse sentido, não tem uma
falar num não-objeto ou numa não-
teoria social e isso o permite tirar normas
dramaturgia,
da casaca. O engajamento e o conceito não
política
a
mas procura
e
indistinção
pois,
nesse
assunto
específico, não existe evidência, nem vinda
do passado, nem vinda do futuro, mas tão
são
Dworkin parece seguro ao afirmar
à
neutralidade
e
à
21
descrição .
somente a aplicação de contraste sobre
uma distinção que não se vê.
contrários
A tese da descoberta da justiça,
como
entidade
“comparavelmente
que
tem
um
valor
fundamental
[...]
à
que a “liberdade como valor não depende
estrutura do metal”, não só é ilógica,
da invenção, da crença ou da decisão de
quanto inaceitável. Pela simples razão de
ninguém20”. Mas antes mesmo de ficarmos
apontar
absortos com esse enunciado, devemos
comparáveis
perguntar: - Por que valores sociais
contexto, a melhor decisão possível será
a
elementos
à
de
decisão
genialidade.
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Nesse
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
sempre tautológica e a legitimidade do juiz
o cientista social na perscrutação dos
tão circular quanto. Em circunstâncias
limites da moralidade.
sociais de adesão religiosa, esclarecida ou
Autores como Dworkin, ou até
não, pode existir alguma sensação de
mesmo
segurança em enunciados tais como: “eu
compreender a justiça, a democracia e a
sou aquele que é”. Mas em qualquer outra
liberdade, porque com um vislumbramento
dimensão exigiremos razões descritivas
consensual de essências podemos viver
para aderir ao ser. Por essa razão é que
melhor, mas só podemos entender a boa fé
enunciados sobre liberdade e justiça são
do conselho se a ele concedemos o
sempre
benefício da parvonice do algoz. Por vezes,
precários.
A
precariedade
Rawls,
enunciativa é um fundo falso que esconde
alguns
os
as
franqueados apenas aos algozes, e apenas
uma
quando a vítima no lugar dele se coloca, é
irracionalidade no medo à petição de
que pode compreender as suas razões. Mas
princípio, é o preço que Dworkin paga por
este exercício é um tanto imoral. Porque
recusar os séculos de teoria social. Além
apenas numa perspectiva muito segura
do que, se ainda insistirmos em nossa
poderia nos ser exigido nos colocarmos no
crença no gênio, não quereremos que ele
lugar daquele que tem o conceito e que
apareça no judiciário. Há coisas melhores
julga que a descrição de uma prática é
para um gênio fazer pela humanidade.
dispensável.
conjuntos
cristalizações
enunciativos
de
valores.
e
Há
modos
de
recomendam-nos
Noutras
ingenuidade
palavras,
são
apenas
Ao vencermos o medo da petição
segundo a parvonice do algoz uma crença
de princípio, uma vez que na relação social
descritiva pode parecer uma norma, para o
entre crenças e regras nada é simplesmente
resto de nós, existem apenas conflitos entre
o que é, podemos até mesmo interrogar o
crenças.
valor de um valor, mas o que encontramos
Quando
Berlin
procura
ser
são os hábitos que permitem os valores e a
analítico, por outro lado, e isola a relação
estabilidade que permite que seja feito em
entre liberdade e igualdade, ele ensaia uma
instituição. A duração de um fenômeno
saída à parvonice do algoz. Ele, de alguma
instituinte é assombrosamente circular,
forma, contrapõe a essa cegueira uma
mas como essa circularidade, por assim
atenção aos elementos compositivos da
dizer, enferruja a instituição, a coloração
política. Parece que Berlin não se equivoca
assumida pelos valores que penetram no
na direção escolhida, o duplo, liberdade e
tempo, exercitando a conservação, ao invés
servidão, é mesmo uma constante em
de passar com o tempo, sempre surpreende
qualquer instituição política. Mas se
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
pensarmos bem, e aceitando a direção
reconhecimento
correta, não só o duplo, liberdade e
moralidade e direito se deve a isso, o
servidão, sugerido por Berlin, mas o duplo,
direito, ainda que manifeste elementos
liberdade e igualdade, muito embora
semelhantes à moralidade, ele faz parte dos
acertem o foco do olho, fraquejam em
modos de exercício da crueldade e não dos
agudeza.
modos de atenção, tal como a moralidade.
O duplo, liberdade e servidão,
da
distinção
entre
É o caso de começarmos a delinear a
presente no Tratado Político de Spinoza,
distinção
da
crueldade
descreve o lugar da igualdade, enquanto
crueldade da jurisprudência.
política
da
preenchido pela vontade de realização da
Ainda que a moralidade apresente
liberdade, ou de menos servidão. Dessa
aspectos repressivos, esses funcionam
forma, existe no estudo das relações entre
como barreiras ao aprofundamento da
moral,
a
crueldade. A perscrutação moral é útil pela
necessidade de uma sabedoria prática da
atenção aos elementos encobridores da
profundidade. É preciso saber até onde
crueldade, ou seja, aqueles que soterram a
podemos
sua visibilidade, permitindo, assim, o seu
política
e
jurisprudência
desencobrir
para
termos
o
aspecto fundacional da experiência vista,
arraigamento
mas também precisamos saber o limite.
oposição
Mas por que o limite nos interessa? Porque
jurisprudência, ainda mais quando nos
depois de certo ponto de agudeza do olho,
interessamos pelo aspecto da invenção
o objeto político se desfaz num infinidades
política.
entre
na
sociedade.
a
moralidade
Existe
e
a
de fragmentos homológicos. Até mesmo
saber do limite, para provocá-lo,
é
interessante, pois as distinções podem ser
fazer tão estáticas, que o único modo de
RECONHECIMENTO E
CRUELDADE
voltar a pensar é redescobrir homologias.
Assim, é necessário ultrapassar um
pouco o olho
de
Berlin,
mas nos
interrompermos antes da homologia. Penso
que devemos avançar para além da
liberdade e da servidão, parece que a
crueldade é um elemento de fundação mais
relevante à política. Um pouco mais
profundo,
por
assim
dizer.
O
O positivismo jurídico possui uma
gramática não-normativa, e o fato de
Kelsen ser dito um normativista, não
poderia, pelo foi dito, ser tomado com um
filósofo da norma. O efeito da norma no
pensamento de Kelsen afeta apenas à
ordem jurídica, ele é normativista no
sentido em que podemos falar do início do
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
fetichismo do sistema de regras, mas que
precisamos ir tão longe, na verdade, como
não se confundem com os conjuntos das
dissemos, se formos muito longe, se
regras morais. O sentido da norma, em
aguçarmos excessivamente o olhar, o
Kelsen, é distinto daquele presente no que
direito e a política se dissolverão na
se convencionou chamar de filosofia da
homologia dos fatos sociais, ou das dores
história, que em poucas palavras pode ser
sociais, e não é o que desejamos. Por isso,
dito como uma normatividade transversal,
interrompemos a agudeza dos olhos, do
vinculadora
olhar
da
moralidade,
da
sobre
a
crueldade.
Ela
jurisprudência, do Estado, da história, e,
suficientemente
por vezes, concerne a uma filosofia da
corresponder a necessidade de adesão e
natureza. Dessa forma, o positivismo
enfrentamento. A crueldade, enquanto
jurídico, por não ser uma filosofia da
tema,
transversalidade normativa, precisa sempre
filosófico, é percebida como aliciadora da
pensar a relação distintiva entre os objetos.
crença, no sentido de que a ela diz que
A preocupação com a distinção entre moral
devemos manter tal ou qual dor em certa
e jurisprudência é também constitutiva
circunstância. Evidente que se trata de uma
dessa maneira de pensar.
dor conservada no Outro.
por
ambivalente
é
excelência,
do
para
ceticismo
Nesse sentido, a descritividade
A crueldade do direito participa da
conceitual do positivista jurídico, em sua
crueldade política, mas ainda assim dela se
analiticidade, aceita o acréscimo de um
distingue. O primeiro modo da distinção
novo objeto, seja inventado pela filosofia
concerne à intensidade. A política é muito
política, seja resultado da inexorabilidade
mais cruel do que o direito. Por isso que
da invenção na linguagem. Mas quando
trocar a política pelo direito, parece, num
aceitamos que o “direito é um conceito
primeiro momento, muito encantador. O
político”,
o
que não quer dizer que o político,
acréscimo de objetos depende, sobretudo,
personagem, seja menos altruísta do que o
da manutenção. Em última instância, tal
seu correlativo no mundo jurídico, na
manutenção é filha de um desconforto
verdade, mormente, vemos o contrário. Até
social. Por mais virtuosa que seja a
mesmo o extremo vício do político parece
permanência, pelo artifício que significa,
tentar se justificar sob formas, mais ou
sempre envolve alguma sorte de dor, nem
menos depravadas, de altruísmo. A política
que seja a dor da frustração de não poder
é mais cruel, porque ela é o nome que
mudar
denomina os primeiros atos de significação
podemos
algo
independentemente
perceber
pela
das
que
vontade,
razões.
Não
da esfera pública. Nela estão os momentos
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
de
provocação
ambivalência
somente torna opaca a perspectiva sobre a
estruturadora dos sentidos sociais. Para
crueldade política. O direito não resolve a
falarmos
política
crueldade política, apenas nos impede o
denomina aqueles eventos com relação aos
seu vislumbramento. Ainda nesse caminho,
quais
a crença instituinte de uma regularidade
por
não
da
acidentes:
sabemos
se
a
com
a
sua
necessidade temos relação de dor ou de
jurídica
prazer. Nesse sentido é que na política a
contemporânea da crença política, ou ter a
forma humana é mais vívida. Ou, quando
origem no mesmo evento, mas dela é
ausente,
distinta. Irônico é perceber que numa
a
desfiguração
é
mais
preocupante.
pode,
até
mesmo,
ser
perspectiva narrativa sobre a história, nem
Uma olhadela nos levaria a crer no
sequer temos oportunidade de desconfiar,
seguinte sistema: (1) a crueldade se
de que talvez a imoralidade nos esteja
institui, (2) sua habitualidade demanda o
sendo vedada, quanto a sua percepção.
aparecimento
jurídicas
Dentre as epistemologias do direito, apenas
reguladoras da crueldade e (3) progressiva
o positivismo jurídico nos faz atentar para
minoração da crueldade pela regularização
a crueldade que o direito esconde. E isso
promovida pelo direito. Nessa perspectiva
nada tem que ver com o tamanho do
mais distraída, o direito poderia ser
Estado, ou a orientação popular ou elitista
percebido como o antídoto histórico da
da esfera pública.
de
formas
crueldade política. Dizendo de modo
De modo derivado, poderíamos
ontológico, chegaríamos a tola conclusão
dizer que o direito não possui crueldade
de que o direito devolve, em tênues cores,
que não seja a de encobrir a crueldade
um rosto humano perdido, por excesso de
política. A violência é um dos modos do
intensidade instituinte. Mas se tivermos
encobrimento. Apenas de modo impróprio
alguns minutos excedentes para gastarmos
poderíamos perceber relação da política
com a questão, perceberemos um sistema
com a violência, a política não é violenta,
outro. Na verdade, a um investigador um
ela é cruel, o direito é violento, pois ele é
pouco
eficazmente
mais
aceso,
a
despeito
da
encobridor
da
crueldade.
complementaridade na experiência entre
Assim, se afirmamos a diferença entre a
direito e política, e, até mesmo, de sua
crença política e a do direito, e suas
indiscernibilidade, a regularidade jurídica
respectivas regularidades, devemos admitir
não
que a crença do direito é distinta, mas
civiliza
simplesmente
a
crueldade
porque
a
política,
regularidade
política é política e não jurídica, mas tão
dependente
da
crença
política.
Hart
percebe o espaço de transmissão da
CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 6, ed. 14, jan./abr. 2012
70
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
dependência como apontado pela própria
uma estrutura regular pela qual as crenças
dinâmica das regras de direito. As regras
jurídicas
jurídicas se organizam como um mapa do
cognitiva, de uma perspectiva moral, o
tesouro,
reconhecimento é a aceitação natural de
indicativo
do
início
da
aplacam
estado
a
de
nossa
angústia
dependência. As regras que regulamentam
um
imoralidade.
Se
obrigações, e as obrigações, apontam para
naturalizarmos o sistema, o que teremos
o reconhecimento. Dinâmica cognitiva pela
serão regiões jurídicas e políticas da
qual o direito diz à política que prefere
experiência pública, dentro das quais a
obedecer a desobedecer.
crueldade se institui por obliteração do
O reconhecimento não é uma
direito sobre a política, a crueldade não é
crença, mas uma regra apontadora da
vista por aceitação da violência legítima, e,
referência das regras. Trata-se de uma
noutros
regra que possui um pé no direito e outro
falha, deixando a crueldade à sua própria
fora dele, um pé na violência e outro
sorte. Num certo sentido, uma crença
naquilo que é necessário ver para aceitar a
política não tem reconhecimento, posto
violência em detrimento de lidar com a
contar com a intensidade da instituição, e o
crueldade. A regra de reconhecimento
reconhecimento é o reconhecimento da
pode fazer com que os homens olhem para
insuportabilidade da lida cognitiva com a
uma constituição, para uma pedra, para um
política.
evento histórico, mas, principalmente, ela
preparado pela política, apenas no sentido
existe criada pela demanda de um lugar
em que reage a ela.
momentos,
Assim,
o
o
reconhecimento
reconhecimento
é
para olhar. Hart diz que a regra de
“O direito é um conceito político”,
reconhecimento é mais social do que
mesmo que as regularidades da política e
jurídica, uma vez que as regras de direito
do direito sejam distintas. Cabe notar um
existem
um
exagero do iberismo em encobrir a política,
fundamento não jurídico para o direito.
e tal pode representar uma dinâmica
Todavia,
de
própria à política de se fazer encoberta
não
pelo direito. Assim, o direito pode ser uma
inteiramente jurídica, ela aponta para
invenção política, cuja marca seja a
existência
de
autonomia das crenças a realizar, com
jurídicas.
Se,
frente
à
ainda
demanda
que
reconhecimento
seja
regra
social,
crenças
de
a
de
e
eminentemente
uma
perspectiva
maior
ou
menor
intensidade,
a
topológica, a violência existe para que haja
transfiguração pública da crueldade em
opção
da
violência. Se a moralidade não fosse mais
crueldade, o que faz do reconhecimento
ampla do que a política, seríamos eternos
à
quase
insuportabilidade
CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 6, ed. 14, jan./abr. 2012
71
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
reféns da nossa cegueira. Assim, cabe a
Lukács, por exemplo, diria sobre a
moralidade efeitos de neutralização de
necessidade ontológica de avaliação do
certa naturalidade com que a crueldade se
fenômeno instituinte. Aqui, basta-nos a
faz violência pelos motivos da crueldade.
orientação conceitual presente no fato de
Nesse sentido se precisássemos escolher
que a história das fontes é a narrativa de
um
de
transfiguração da crueldade em violência.
vislumbramento, por parte das crenças
De que reconhecer é também não ver.
morais, do modo pelo qual as crenças
Além do que, a crítica do direito é a
políticas levam à instituição de crenças
desmontagem dos modos pelos quais ele
jurídicas, cujo exercício seja a opacidade
nos faz aceitar não ver a política.
imperativo,
ele
seria
o
encobridora acerca das crenças políticas. A
Dworkin,
numa
outra
chave,
tentativa de confundir a moralidade com o
valendo-se de uma profusão de exemplos,
direito nada mais é do que a dilaceração da
parece concordar com a falta de evidência
possibilidade de se julgar e criticar o
das fontes, de que elas precisam ser
encobrimento da crueldade.
interpretadas a partir de uma visada moral
Percebamos que a diferença social
pela teoria política; mas perde o aspecto
entre as crenças morais, políticas e
crítico de tal intuição, ao menosprezar a
jurídicas organiza a distinção entre os seus
relevância
conceitos.
que,
experiências, e, conseqüentemente, da
historicamente, podemos distinguir entre
necessidade da distinção entre moral,
diferentes instituições encarnadoras dos
política e direito. No mundo de Dworkin,
conceitos,
muitas concessões são feitas a título de
compósitas,
De
tal
mesmo
como
forma
sendo
o
fortemente
especificidade
das
cuja
beneficiar a indiscernibilidade. Trata-se,
diferença quase, de modo irreflexivo, que
portanto, de juridicizar, num primeiro
define a juridicidade. Assim, as instituições
momento, e, depois de fazê-lo com relação
do passado valem de fonte para o
à crítica moral. O cenário de Dworkin ao
julgamento das instituições do presente, e
descrever
esse é também o sistema pelo qual
“interpretacionistas” parece ser: aqueles
documentos político-jurídicos servem de
que defendem a separação prejudicam os
fontes do direito, mas sabermos que o
demandantes sociais mais fracos social e
reconhecimento
economicamente,
do
judiciário,
da
direito
pela
os
“separatistas”
em
e
os
compensação,
transfiguração da crueldade em violência,
aqueles que integram direito, moral e
faz-nos atentar à necessidade de uma
política ajudam os mais fracos, pois
orientação conceitual para ver as fontes.
afastam a lei e aplicam os princípios22.
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72
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
Mas parece existir um problema com esse
começar a resolver significa expor a
raciocínio. Justamente, porque não é
existência da falha política que o impede
possível
de levar sua finalidade a bom termo23.
extrair
um
princípio
da
indiscernibilidade, pois um princípio se
Hart afirmou que a moral se torna
pertinente para a identificação do direito
quando alguma ‘fonte’ tiver determinado
que ela deve exercer esse papel, citando
as cláusulas constitucionais abstratas da
constituição
norte-americana
como
exemplo. Mas ele interpretou mal a
situação do direito constitucional norteamericano. Não existe consenso nem a
favor nem contra a interpretação moral
da constituição: ao contrário, essa
questão é objeto de feroz divergência.
Incluo-me entre aqueles que endossam a
interpretação moral que Hart parece ter
em mente24.
mostra na experiência da relação do que é
distinto, sem a distinção o princípio apenas
pode ser pensado enquanto norma e
origem, ou seja, arbitrariedade. Hume
dizia, já no século XVIII, que a ciência da
política pode conhecer os seus fenômenos,
porque esses apresentam regularidades, a
partir das quais são fabulados princípios.
Dessa forma, não há o que objetar quando
falamos que os princípios aplicados ao
De alguma forma, justiça deve ser
direito são, sobretudo, conquistas políticas.
feita
Ver um princípio é uma vitória sobre
conceitualismo holista tenha conseguido
elementos encobridores. A moralidade não
chamar a atenção para algo que passou
deve sanar os defeitos da lei. Ela deve
despercebido – em função das formas
expor a crise da lei. Se a lei surge como
vulgares
carente de suplência interna a ser suprida
principalmente aquelas de matriz ibérica
pela moral, exigente de uma retórica
que uniam positivismo e controle social
complementar, talvez haja algo de errado
pelo direito –, que a política, a moral e o
na política, que é tornado opaco pela
direito
própria demanda jurídica de complemento
conceitualmente orientados, o que faz com
moral. Então, se o direito precisa não
que a crueldade se torne “invisível” sem
aplicar a lei ligada ao princípio, ela não
um argumento de crítica da crueldade.
precisa de um novo princípio derivado,
Dworkin, acidentalmente, faz-nos ver o
para sanar um conflito político, de modo
telhado de vidro de Hart. Numa primeira
particular, mas compreender o que há de
chave, poderíamos dizer que é um telhado
errado na relação entre a lei e o princípio.
mais e mais fragilizado pelos costumeiros
Um julgador age com imoralidade política
intérpretes da obra de Hart, que recusam o
quando encobre um conflito em benefício
seu peso com filósofo político, posto que
de aplacamento individual. O direito
ignoram o tema do conteúdo mínimo do
a
Dworkin,
do
são
talvez
o
positivismo
fenômenos
seu
legal,
humanos
resolve conflitos, não deve encobri-los. E
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73
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
direito natural, em benefício de um errôneo
na relação pública entre moralidade,
fetichismo da regra. Numa outra, e nos
política e direito.
permitindo esse pequeno efeito sofístico, o
Se a regularidade ao apontar a
telhado de vidro de Hart é diretamente
crença, pelo reconhecimento, desqualifica
ligado a sua verdade. O seu telhado de
a homologia e incentiva a distinção, o
vidro se deve ao afastamento aparente do
conceito serve como reserva epistêmica de
conceito para, pelo benefício à regra,
que é operacionalizado pelo princípio. O
interromper
ocultamento
valor promovido, pela agência conceitual
normativo. Mas essa empresa o faz deixar
da crença, não é universal, mas possui uma
o conceito na esfera daquilo sobre o que
universalidade mínima. A sua forma
não de pode falar. O conceito, para Hart,
universal não está no conteúdo histórico,
parece estar na fronteira do direito.
mas na forma mínima de estabelecimento.
cadeias
de
Assim, em sua crítica a falta de
Dessa forma, perceber o modo pelo qual as
eloqüência do conceito na obra de Hart,
crenças se cristalizam, e a partir disso,
Dworkin está certo. Mas a virtude não
enunciar princípios, cuja presença no
estaria no conceitualismo. Parece que o
campo público é construída, por modos da
desocultamento da crueldade é mais bem
sociologia da crença em seu uso descritivo,
promovido pela sociologia descritiva do
concerne também a defender os valores
que
que
na
holística.
Mas
a
sociologia
permitem
o
mínimo
humano
descritiva, sem o conceito, ao invés de
vislumbrador da crença, dos princípios e
revelar a crueldade, apenas inverte a
dos valores. Nesse sentido é que um valor
epistemologia, tornando o ocultamento
que muito se desloca da percepção da
pela falta de regra num ocultamento pelo
vulnerabilidade humana tem tudo para ser
excesso. Existe uma inibição utilitarista em
um mau valor. No campo do direito, o
Hart, mas existe também uma forte revisão
positivismo legal visa ao estabelecimento
da teoria da crença de Hume, ligando à
de critérios pelos quais possamos distinguir
inteligibilidade,
pela
regra,
um bom de um mau valor. Assim, a crítica
províncias
das
da crueldade depende de defender o valor
experiências. A distinção oferecida pela
mínimo da forma humana mínima, de
regra é uma excelente arma para a crítica,
modo à complexidade das instituições não
desde que orientada pela percepção de que
tornar opaco o rosto humano nas coisas.
regras são dependentes de crenças, e que
Pois bem, a crueldade estará lá, ainda que
explicitam os seus movimentos. Mas ainda
não seja um valor vê-la. Não é preciso
nos resta saber para que serve um conceito
endossar modos piegas do humanismo,
delimitadora
oferecida
das
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74
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
para ter na figurabilidade humana um
nosso objetivo encobrir a política. O valor
valor, não seria estranho dizer que há
político pode ser desagradável, mesmo
muito
sendo neutro. Mas nisso há um efeito de
de
abstrato
e
construtivo
na
figurabilidade do rosto humano.
moralidade maior do que deixar de ver o
Como citamos na nota referente à
desagradável
da
disponibilidade
página 139 da edição brasileira do ensaio
experiência
política,
em
de Dworkin sobre a filosofia política em
defender um desejo ou um delírio.
da
função
de
Hart, Dworkin julga que o conceito
A regra de reconhecimento se torna
apontará para a defesa de um valor a
jurídica, ainda que não seja jurídica, mas
vincular os campos da moral e da política.
social, na figura da fonte. A estrita
Ou, se for uma história política, o fará nos
percepção da fonte do direito é necessária
valores de liberdade e igualdade, de modo
para o evitamento da crueldade. Isso
a tê-los como habitantes da morada
porque uma população deve ter diante dos
provincial do direito. Não é a toa que a
olhos o fato de que reconhece as
crueldade política seja ignorada em sua
ignonímias que assiste. A fonte é a direção
filosofia, apesar de seus ganhos na
pública dos olhos para o ponto de virada da
interpretação do conceito em direito,
crueldade,
claramente
de
encobridores presentes na transfiguração
Assim,
em violência. Além do que a fonte é, e
politicamente, há que se reconhecer que a
deve ser, um artefato evidente de um
liberdade e a igualdade não servem como
momento da imaginação pública. Digamos,
valores
a fonte é sempre um índice de sua
exerce
encobrimento
à
expositivos
um
discurso
crueldade.
do
mínimo,
da
elementaridade de nossas crenças políticas.
Há muita narrativa no par liberdade e
na
direção
dos
modos
crueldade.
Existe,
pois,
relação
entre
a
igualdade para que nos defenda da
crueldade e a legalidade. De alguma forma
tendência política a nos anular pela
é a legalidade, politicamente conquistada,
crueldade25. O valor político a ser visto na
que afirma o limite do aprofundamento da
instituição é a crueldade mesma, para
crueldade em certa realidade social. Mas,
depois ser vislumbrado o par narrativo:
inverter a relação entre crueldade e
liberdade
crueldade,
legalidade, de modo a fazer dessa um
hermeneuticamente, oferece uma direção
exclusivo fenômeno de transfiguração em
conceitual de crítica moral. Por essa razão,
violência, é moralmente prejudicial. Se a
o valor mínimo de estruturação da vida
legalidade é o conceito pelo qual vemos a
pública só poderia ser jurídico se fosse
crueldade,
e
igualdade.
A
todo
espaço
público
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para
75
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
concernir à frivolidade da violência. Isso
moralidade é o assunto. Nesse sentido é
pode ser visto na dependência da liberdade
que o positivismo legal nos permite,
e da igualdade com relação à legalidade, a
moralmente, saber quando a moralidade
estrita legalização do par “liberdade e
deve sair de férias. Efeito esse que nos
igualdade” marca o tempo com tristeza
permite descrever a crueldade, na frágil
paciente. Por outro lado, quando liberdade
objetividade possível, mas também corrigi-
e igualdade são modos de observação da
la na pictorialidade projetiva da ontologia
crueldade,
conceito
política26. Dworkin julga mal a tese da
nascente do perigo da brincadeira com
separação, e distinção, entre moralidade,
fogo, faz da liberdade e da igualdade mais
política e direito. Ele o faz porque a
do que adorno e complemento, mas
concebe como proveniente do medo, de
necessidades
a
alguns sectários, de que os juízes possam
instituição. O direito é uma péssima
mudar o mundo ao se disporem a afastar a
morada para a imaginação construtiva. Por
lei pela necessidade de fazer justiça,
essa razão, deve ser defendida a tese do
motivados
direito como experimento de filosofia
privilegiado a valores melhores. Mas esse
pública.
não é medo do positivista legal. Mas sim
a
densidade
vitais
na
do
lida
com
por
acesso
intelectual
A legalidade vista como conceito
que o exercício do moralismo judiciário,
político que responde à crueldade política
em virtude cegueira acerca da composição
acaba por receber naturalidade. Tornou-se
da vida social, por tentação de fazer o bem,
natural a pregnância da limitação não-
estanque os processos de mudança política
violenta como dependente das razões que
para melhor. A fala prática da solução de
fornece à interrupção do aprofundamento
conflitos ao ser tomada de modo holístico,
da crueldade. Isso torna a legalidade um
apenas encobre a crueldade. Na verdade, o
encobrimento, ou seja, quando ignorante
positivismo legal organiza suas teses sob o
de sua crueldade, apenas uma descrição
fato de que o direito não muda o mundo,
proveniente da vontade de poder, em suas
mas apenas o consolida. A política muda o
muitas formas hierárquicas. Dessa forma,
mundo. As crenças que mudam o mundo
defender a separação entre direito, moral e
são políticas e não jurídicas, para o bem e
política
de
para o mal, e, no mal, o processo se deve
separação. Justamente, porque o enunciado
ao entulhamento jurídico, sem muitas
de separação, tendo em vista a orientação
exceções.
é
um
enunciado
moral
epistemológica da crueldade, não ser uma
moralização
por
outros
meios.
A
O positivismo legal não se liga a
concepções sociais ou elitistas de Estado,
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
as suas enunciações são verdade em
pública. Apenas percebendo na experiência
contextos políticos distintos, a única coisa
o modo pelo qual instituições são crenças
é que a sua inteligibilidade pode ser
cristalizadas, e a convicção como tensão
encoberta pelo moralismo. Assim, a tarefa
instituidora, pode ser descrito o processo
do direito se torna mais relevante, dar uma
de encobrimento. Ele consiste num ardil da
prática contrária à vedação de horizonte,
imaginação para não ser vista como
pela devolução da soberania acústica à
imaginação. Apenas assim é que as
esfera pública, em oposição às práticas de
experiências da política, da moral e do
encobrimento. O direito é politicamente
direito mostram as suas cores. Uma
instituído, ainda que suas crenças sejam
primeira evidência está na amplitude. As
distintas àquelas da política, mas a ação
experiências da política, da moral e do
política do direito se dá no apontamento de
direito são mais amplas do que suas
que não é instância de suplência, mas de
disciplinas. A crueldade é mais ampla do
participação. Não há nada mais imoral do
que a política, o bem é mais extenso do
que uma teoria da suplência, e a isso fala a
que a moral e a autoridade é muita mais
acústica das enunciações públicas. Para
extensa do que o reconhecimento oferecido
que
como
pelo direito. Todavia é acertado perceber
experimento de filosofia pública, devemos
que a experiência é vociferantemente mais
situar a acústica na qual se encontra.
próxima da imaginação do que das
compreendamos
o
direito
disciplinas.
Dessa forma, para encobrirmos a
ACÚSTICA E JUDICIALIZAÇÃO
crueldade, precisamos atentar para a
27
“[...] es ehret der Knecht nur den Gewaltsamen […] ”.
“[...] o servo só sabe honrar o violento [...]”.
Hölderlin
relação
de
experiência
precedência
inventiva.
A
inventa-a-crueldade-que-
inventa-a-política-que-inventa-o-direito. A
Não é difícil perceber que o
vocabulário
da
preocupação
com
a
crueldade não pode deixar de contar com a
articulação de termos como “convicção”,
“crença” e “instituição”. Isso por que a
preocupação com a crueldade deve contar
com elementos intelectuais de perscrutação
do processo ativo da imaginação da vida
moralidade existe, ou é inventada, de modo
reativo a essa natural cadeia de invenções e
cristalizações sociais, ela existe por si, mas
também para evidenciar a marca da
imaginação em cada um dos pontos desse
processo, pois a marca da imaginação
mostra a fabricação do encobrimento da
crueldade. Dessa forma, cada uma das
disciplinas humanas precisa carregar a
CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 6, ed. 14, jan./abr. 2012
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
moralidade para verem os elementos
a política pela precedência argumentativa
encobridores do que fazem. Em função de
de uma sobre a outra. Na relação de baixo
sua natureza por vezes parasitária, a moral
risco, sob o argumento da segurança da
é a mais humana das disciplinas. Se a
autoridade, judiciário e legislativo fazem
experiência pode ser mais geral ou
um pacto de cegueira dominado pelo
particular, e é sempre mais ampla do que
legislativo, mas apenas como lugar de
as disciplinas, trata-se de função da moral
expectativa de decisões, mas possível pela
manter
da
anuência judiciária. Na relação de alto
experiência humana. Dessa forma, a
risco, por outro lado, o pacto de cegueira
presença da vontade moral é o impulso
permanece, mas a dinâmica é tomada pelo
epistemológico para ver a distinção entre a
judiciário. Tanto no alto, quando no baixo
moralidade e o direito28.
risco,
a
significação
integral
não
há
política,
mas
apenas
Nonet e Selznick identificam duas
encobrimento. Deve-se ter mais simpatia
dinâmicas da relação da invenção da
pelo alto risco, não porque represente algo
autoridade pela política. A primeira,
melhor,
denominada de baixo risco, e a segunda, de
etnográfico de um tempo melhor29.
mas
porque
é
um
artefato
alto risco. Na de alto risco, o direito deve
Mas, por que as duas dinâmicas da
perder a autoridade instituída no processo
invenção da autoridade pela política são
de renovação instituinte, a experiência
tão
jurídica diz à disciplina, que, ceder espaço,
confundem a política com os poderes da
para a reinvenção da autoridade, pode levar
república, e não a compreendem em sua
para
acústica. Toda vez que a política inventa o
a
dissolução
“Reivindicações
da
devem
autoridade.
ser
imperfeitas?
Justamente,
porque
feitas
direito, e tal deve ser dito dessa forma para
unicamente pelos canais estabelecidos, por
dar a ver a constância do processo
mais defeituosos que sejam”. Contudo,
instituinte da vida política, dependendo da
nesse caso, ao contrário do que vêem
circunstância de dominação, os lados são
Nonet e Selznick, não existe medo de que
trocados para que a política perca a sua
o judiciário cometa arbítrios, e, por isso,
acústica. Se o legislativo fala mais alto é
existe o incentivo da mudança da lei pela
porque a crueldade não deseja ser vista na
política, de modo a tornar clara a separação
decisão, e se o judiciário assim o faz é pela
entre direito e política, mas incapacidade
lei que se deseja encobrir a estrutura de sua
judiciária de construir teorias da jurisdição
crueldade30. A imperfeição das concepções
aliadas à dinâmica dos legislativos, e
descritas como de alto e baixo risco está no
movimentos de judicialização a estacionar
fato de que ambas não se valem da moral
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POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
para julgar o processo de invenção do
autoridade precisa ser perscrutado no
direito pela política. A moral nasce da
contexto da invenção da autoridade. Para
circunstância acústica de julgamento da
poder realizar a sua tarefa moral, a teoria
política, e não para ser feita imperceptível
política precisa, pela descrição, evidenciar
na troca de epístolas acústicas entre os
os elementos que apontam o direito como
poderes.
experiência
um experimento político. Hart fala numa
liberal
sociologia
Seja
reacionária,
numa
conservadora,
ou
descritiva
da
regra
de
social: a separação entre moral, direito e
reconhecimento, e Hume fala de uma
política serve para ver a crueldade própria
filosofia moral pela percepção social do
a
experimento. Digo que o texto correto
cada
exercício
de
instituição
da
autoridade.
precisa concernir a uma sociologia dos
Por essa razão, se comparada à
experimentos, dentro da qual a descrição
distinção entre moralidade, política e
da
relação
entre
crenças
direito, a separação entre direito e política
desencobre a crueldade.
e
regras
é um falso problema. Pois, sem a província
Pode-se dizer que uma das vias da
determinada da moralidade pública, restam
crueldade é a linguagem normativa, mas
epistemologicamente cauterizados os olhos
também devemos contemplar a tradução.
da crítica. Dessa forma, podemos aceitar
No cenário lusófono é comum se tratar por
que a moralidade exerce sobre a política
norma
uma política negativa. Se a política institui
circunstâncias argumentativas de origem.
pela crueldade e encobre os seus efeitos, a
De uma maneira simples, poderíamos dizer
moralidade
a
que a norma é orientada por filosofia da
crueldade, e minar os seus efeitos de
história ou da natureza, mas, no que
instituição. No que concerne à lida com a
concerne ao nosso interesse, da história,
jurisprudência, parece que a teoria política
dentro da qual o aspecto vinculante do
não é um exercício de política, mas de
enunciado não decorre do hábito, mas da
moral. A teoria política não deixa de tomar
descoberta intelectual de finalidades. Por
para
o
certo que o hábito, enquanto conceito é
transporte das instituições do direito a uma
intelectual, mas ele se distingue da norma
descrição analítica que trate do direito
por estrutura: enquanto a norma quer fazer
como uma invenção. A descrição das
repetir, o hábito descreve uma repetição.
relações entre as crenças e as regras,
Mas, sobretudo nos textos trazidos ao
próprias à jurisprudência, estabelece uma
português, os minoritários esforços de
ação moral.
explicação da moralidade, e do direito,
si
a
desencobre,
para
responsabilidade
ver
sobre
Assim, o problema da
o
que
é
simples
regra
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nas
79
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
pela relação entre crença e regra são
às regras primárias, o fantasmagórico
traduzidos
uma
efeito normativo, não desejado por Nonet e
interpretação normativa. A questão não é
Selznick, uma vez que é claro o benefício
simplesmente
de
da relação entre crenças e regras, que, para
tradução, mas uma escolha acerca do
além de todas as evidências já mostradas,
ocultamento de um sentido desvelador da
também pode ser visto no recurso a Freud
crueldade. Todavia, se podemos dizer que
para pensar a autoridade, é emanado para o
a tradição normativa é prioritariamente
sentido geral do texto. O uso de “norma”,
fraco-germânica, e a regular vinculada ao
principalmente no contexto de acréscimo
pensamento de Hume (tais como Austin e
responsivo
Bentham), e indicamos uma simpatia
completamente o sentido do texto, e seu
ibérica
pertencimento
de
pela
modo
uma
a
induzir
opção
dimensão
técnica
normativa,
a
do
direito,
intelectual
altera
à
matriz
tradução do clássico de Nonet e Selznick
humeana, além de ser, se o nosso
para o português, cuja revisão foi feita
argumento estiver correto, imoral, no
pelos professores Eisenberg e Werneck, a
sentido amplo do processo social de
despeito do cuidado regularista de Nonet e
encobrimento da crueldade.
Selznick, e dos méritos da tradução,
consiste
num
Selznick
acertam
ao
advertirem que a regra de reconhecimento
judicializadora. Não se discute a correção
deve ser interpretada dentro de uma
das
são
concepção política da experiência social. A
acertadas, mas o conceito que as motiva.
regra de reconhecimento, para Hart, diz
Além disso, o fato de que tais opções se
respeito à especificidade da experiência do
colocam afinadas com o ocultamento da
direito, ela confere facilidade para que
crueldade, com tal forma de filosofia da
qualquer pessoa encontre a fonte das
história, e, mais especificamente, com o
obrigações,
processo de caracterização política da
regulamentações na vida comum, sendo ao
judicialização. Este argumento pode ser
mesmo tempo imersa na crença na
comprovado; como, quando na página 51,
autoridade,
mas,
principalmente,
na
uma passagem do texto de Hart, citado por
expectativa
de
habitualidade.
Se
Nonet e Selznick, é traduzida, e, ao invés
conseguimos saber para onde olhar quando
da opção “regra primária”, a tradução opta
buscamos uma referência do direito, essa
por “norma primária” (o que faz com que
capacidade
Hart seja alterado de continente filosófico),
reconhecimento. Por esse motivo, ela
e, ainda que adiante na tradução se retorne
marca a província do direito, mas concerne
de
de
e
tradução
opções
exercício
Nonet
linguagem,
que
e
se
suas
deve
respectivas
à
regra
CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 6, ed. 14, jan./abr. 2012
de
80
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
menos ao direito do que à moralidade, e,
Selznick, bem como as desenvolvidas por
por esse motivo, permite a entrevisão, por
Fuller, ao pensamento de Hart, são
outra entrada que não a punitiva. Não se
rapidamente dissolvidas pela entrada da
obedece, porque se é punido. A punição é
definição de direito no cenário mais amplo
o vício que dificulta a obediência. Essa se
da construção do mundo político. A
deve ao prazer de obedecer. E isso não tem
temática cética da crença resolve as
que ver diretamente com o servilismo,
incompletudes apontadas por Fuller e
muito embora essa tendência da natureza
Nonet e Selznick, pois é a crença que
humana seja aproveitada dessa forma, por
explica a insatisfação diante do aspecto
práticas extrínsecas ao direito e por hábitos
repressivo ao localizar o direito na
sociais de desigualdade, tais como a
natureza humana31.
judicialização. Dessa forma, a regra de
O momento responsivo do direito,
reconhecimento demanda uma imagem
para Nonet e Selznick, pode ser definido
mais ampla da autoridade, e essa, por sua
pela prática jurídica de facilitação à
vez, possui a sua compreensão vinculada à
obtenção de necessidades e aspirações
crença. A crítica de Fuller a Hart, de que a
sociais, e é precedido pelo estado de
regra de reconhecimento é sem sentido
integridade do direito como instituição e
sem o aspecto repressivo do direito, e a de
pelo
Nonet e Selznick ao fato de que a
repressão, a autonomia e a responsividade
repressão é insuficiente para se ter uma
acompanham características históricas do
perspectiva ampla do direito, como Hart
direito
dissera, têm todos os elementos para se
momentos do capitalismo. Uma vez que
tornar um dialelo, como as disputas entre
todas as características do capital estão
direito natural e positivismo, a não que
presentes na segunda metade do século
autoridade e direito sejam compreendidos
XX, o direito passa a ser interpretado por
como experimentos humanos ligados à
predominâncias. A repressão pode restar
capacidade de imaginação a instituir
composta com a integridade e abafar a
significações sobre o tempo, sendo, o
responsividade, ou a responsividade pode
direito, aquele significado para o qual o
ser
aspecto concentrado da identificação é
malvadamente retóricos e relativizar a
predominante sobre todos os outros. Um
autonomia. Mas o fato é que o fenômeno
tipo de objeto da imaginação que se
do direito, orientado pelas especificidades
singulariza pelos requisitos para ser visto.
da história da exploração, é misto em seus
Assim, a pequenas objeções de Nonet e
aspectos33. Alguns autores poderiam ser
repressivo32.
aspecto
na
travessia
capturada
por
Assim,
por
a
diferentes
grupos
CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 6, ed. 14, jan./abr. 2012
sociais
81
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
relacionados com tais momentos distintos
deixar o positum passar despercebido. O
do positivismo jurídico; as obras de
positivismo é uma descrição acerca do
Hobbes e Austin seriam descritoras da
fenômeno positivo da lei, e não uma
dimensão
a
ideologia política. Não é o capitalismo que
Hart,
gera o positivismo, mas o interesse
integridade
epistemológico em não se permitir o
institucional e lógica e a própria obra de
aprofundamento da crueldade política pela
Nonet
da
confusão entre direito e moralidade. Isso
percepção do positivismo responsivo. Por
nos leva à falha política. O positivismo não
certo, Hobbes antecipa algo de Kelsen e
apenas descreve, ele o faz enquanto
Hart, que também se adiantam, de modo
exercita a moralidade política. Pode-se
menos
da
dizer que a responsividade do direito é
responsividade, a Nonet e Selznick. Mas a
dependente do rigor epistemológico sobre
questão aqui seria a de relacionar os
a integridade e a repressão. O positivismo
autores à predominância das preocupações
não promove os seus objetos; mas a sua
presentes em suas obras34.
perspectiva é historicamente relevante para
repressiva
investigações
de
Kelsen
exemplificadoras
e
do
da
Selznick,
e
mostradoras
explícito
Esta
direito,
ao
descrição
tema
do
o impedimento do aprofundamento da
direito, e do positivismo legal, parece
crueldade, permitindo novas sobreposições
bastante adequada. Num certo sentido, ela
perspectivas. No que concerne à falha
mostraria que o positivismo pode ser
social, os tipos históricos descritos de
provocado
modo
por
da
história
características
do
evolucionista
não
permitem
a
capitalismo no qual foi produzido, e
percepção do positivismo para além das
relacionado
da
predominâncias de características, para que
estratificação das instituições. Mas também
possa ser ouvida em sua inteireza, a
padece de algumas falhas. Na verdade, de
narrativa do positivismo deve ser estudada
três falhas: econômica, política e social.
em sua pluralidade de vozes, e acústica
Por se vincular a um declarado paradigma
política.
com
a
dinâmica
evolucionista, a obra de Nonet e Selznick
O vício, para conhecer a lei, dos
atrela o positivismo a certo modo de
tipos estratificados não é originalidade de
produção econômica, quando o correto
Nonet e Selznick, eles apenas atualizam
seria atrelá-lo à economia. Diferentes
uma
modos de organização econômica darão
Montesquieu. Ou, até mesmo, do papel
origem a diferentes modos de lei positiva,
inferiorizado do conceito de imagem,
ainda que a descrição das dinâmicas possa
enquanto avesso da verdade, na obra de
deformação
tardia
da
obra
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de
82
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
Weber. É um fato a interação dos tipos
a predominância entre os termos da
repressivo, autônomo e responsivo, mas
interação jamais será obtida, porque ao
pelo modo como é apresentado por Nonet e
invés de nos ser oferecidas imagens de
Selznick, o relacionamento não pode ser
interação, são nos ofertadas perspectivas
visto, uma vez que a predominância
de anseio.
desqualifica a presença dos tipos menos
Na verdade, o direito não é parte
eloqüentes. E tal efeito de desmerecimento
regressivo,
não é verdadeiro. A responsividade não
responsivo – dotado que seria de regiões
diminui a relevância da repressão (talvez,
podres e outras róseas –, mas ele se quer
tão
repressora);
assim. Uma vez que o anseio pela
condição da sua
jurisprudência é perspectivo, aquilo que
própria existência. Por mais que tenhamos
inaugura o desejo, isso sim, apresenta esses
a evidência fática da relação dos tipos, sem
três elementos. As pessoas querem o
uma teoria da acústica social é-nos
direito para repreendê-las, identificá-las e
impossível ver o imiscuimento, mas,
significá-las. Ou seja, no desejo jurídico
apenas, o estrato. Até mesmo a hipótese da
básico existe uma vontade de soberano, de
predominância pode ser contestada. Existe
pertencimento e de cuidado. Esses anseios
uma crítica de imagem teórica a ser feita
não nos ajudam a montar uma imagem de
ao trabalho de Nonet e Selznick, ela
predominâncias, por duas razões: (1) existe
concerne à interação entre os grupos
oscilação da vontade dos grupos (muito
típicos. Pois os tipos também concernem a
embora o aguardo a ação seja tributário
lugares da ação social, ou seja, dizem
mais ao oportunismo do que à consciência)
respeito a atores repressivos de crenças,
e (2) anseios não são imagens, mas
empreendedores
paixões. Mas então, como tornar a relação
somente,
da
inclusive, enquanto
de
prática
autonomia
e
de
parte
e
entre
interação é impossível. Não porque um
responsividade numa imagem adequada do
sistema
essas
direito? Antes de tudo, descartando a
dimensões, mas porque o sentido pelo qual
crença, de modo radical, de que podemos
são percebidos os atores não é o de
falar de uma evolução do direito (mesmo
interação, mas de denúncia. Temos que
entre aspas) capaz de nos oferecer quadros
concordar que o sistema jurídico tem um
de predominância. Depois, levando a sério
pouco de cada coisa, e que existe na
a idéia de uma imagem adequada do
concepção ensimesmada dos atores a busca
direito, de modo a relacioná-la com os
de predominância. Todavia, a clareza sobre
imperativos de soberania, identidade e
não
tenha
autonomia
parte
responsividade. Mas sem a acústica a
jurídico
repressão,
autônomo
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e
83
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
cuidado.
Dessa
forma,
uma
imagem
potência acústica da epistolaridade do
adequada do direito não pode ser imposta,
direito, uma vez que a jurisprudência
ela deve ser percebida a partir de uma
concerne à demanda, mas também à
teoria que a espere, ela deve surgir de uma
instituição
acústica. Seria ilusão esperarmos uma
epistolarmente marcados sobre o tempo:
de
bons
significados
acústica completa, ou que ignorasse a
De alguma forma, podemos indicar que a
não necessariamente sobre o papel. Ela é
enunciação, mesmo no âmbito vociferante
franqueada, pois a urgência da atividade
das demandas sociais, uma vez que se
epistolar
institui como significado no tempo, assume
compreendida deva ser acompanhada uma
o aspecto epistolar. Isso quer dizer que
seqüência epistolar. Ela é perspectiva, para
nenhuma das fontes é apenas estratificação
se perceber o sentido da enunciação, fontes
burocrática, ou apenas objetivação de
diferentes precisam ser consultadas. E é
grupos sociais: soberania, autonomia e
sempre estranha a si mesma, posto que a
responsividade estão no direito, porque são
epístola é desencadeada em momento de
componentes do seu reconhecimento. Uma
afetamento passional, medo do outro
epístola é um documento prensado, mas
(soberania), medo do tempo (autonomia) e
faz
com
que
para
CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 6, ed. 14, jan./abr. 2012
ser
84
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
medo da morte (responsividade). Ainda
reconhecer. A acústica epistolar não ignora
que as instâncias externas de enunciação
o reconhecimento, e, por isso, fornece ao
não se percebam, a não ser no equilíbrio de
direito o imperativo de demonstração à
forças, ou por exercício demagógico, no
política sobre a internalidade das crenças
plano epistolar, no qual as cartas são
de sua instituição. Tal papel esclarecedor
colocadas uma ao lado da outra, existe uma
do direito é incompatível com a opacidade
tomada recíproca de conhecimento.
da crueldade. Nesse sentido, o direito não
A
são
segue a política, mas a espelha, como
fenômenos distintos, mas de uma forma
imagem crítica, nas planícies da soberania,
diferente à distinção entre a moral e o
da autonomia e da responsabilidade.
direito;
política
o
epistolaridade
e
o
direito
direito
ao
acrescentar
a
na
esfera
pública,
de
maneira positiva, estabiliza a política. O
direito pode se permitir o experimento de
modo mais radical do que a política, dentre
outras razões, porque, por razões de
existência, é limitado pelo reconhecimento;
para o direito é como se a política limitasse
o seu espectro epistolar. Em troca, o direito
Abstract
The idea with this essay was to show a
natural
proximity
between
the
philosophical skepticism and the legal
positivism, as well a moral superiority in
that way to think questions between
politics and law. In a straight form I can
say that there is more virtue when law
understands their limitations, because by
recognizing them clarifies the internal
dynamics of political activity.
concede à política a sensibilidade interna
acerca da instituição. A moralidade é
KeyWords: Skepticism, Legal Positivism
and Morality
diferente do direito, porque ampla e difusa.
Uma ação política deve liberar o direito da
REFERÊNCIAS Bibliograficas
moralidade, pela ação devastadora dessa
com relação à jurisprudência, o moralismo
jurídico é um dos traços fundamentais de
uma sociedade em que a crueldade segue
oculta por efeitos de judicialização. O
direito é distinto da política, porque essa
precisa do direito para se estabilizar, e,
ainda que a política não seja inventada pelo
reconhecimento, mas pela crueldade, essa é
uma fábrica de hábitos de obediência, cujo
Berlin, I. (2009). A política como ciência
descritiva. Idéias Políticas na Era
Romântica: ascensão e influência
do pensamento moderno. São
Paulo, Companhia das Letras.
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart
e a questão da filosofia política. A
Justiça de Toga. São Paulo, Martins
Fontes.
Dworkin, R. (2010). Os Conceitos de
Direito. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes.
um dos efeitos no tempo é se fazer
CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 6, ed. 14, jan./abr. 2012
85
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
Dworkin, R. (2010). Trinta anos depois. A
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Editorial.
Kiraly, C. (2010). Os Limites da
Representação: um ensaio desde a
filosofia de David Hume. São
Paulo, Giz Editorial.
Nonet, P. and P. Selznick (2010). Direito e
Sociedade, Revan.
1
Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ e
Professor do Departamento de Ciência Política da
UFF. Email: [email protected]
2
Empiricus, S. (1985). Against the logicians.
Cambridge, Hackett Publishing Company. VII. §
135.
3
Kiraly, C. (2009). O Guarda-Chuva de Regras: um
ensaio sobre a filosofia de Herbert Hart. São Paulo,
Giz Editorial.
4
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart e a
questão da filosofia política. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes. p. 200. Dworkin, por
exemplo, parece conferir à tese de Hart um teor
essencialista incompatível com o seu ceticismo.
Parece que Dworkin pressupõe que apenas
hermeneutas interpretam, mas cabe lembrar que não
foi a hermenêutica que inventou a interpretação.
5
Hart, H. L. A. (1997). The Concept of Law.
Oxford, Oxford University Press. p. 269.
6
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart e a
questão da filosofia política. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes. p. 206. “Portanto,
divergimos não apenas sobre o modo de
identificação do direito, mas também sobre que tipo
de teoria constitui uma resposta geral a essa
questão. Ele [Hart] acreditava que tal teoria é
apenas e puramente uma descrição da prática
jurídica que faz alegações morais e éticas e nelas se
fundamenta”.
7
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart e a
questão da filosofia política. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes. p. 206.
8
Berlin, I. (2009). A política como ciência
descritiva. Idéias Políticas na Era Romântica:
ascensão e influência do pensamento moderno. São
Paulo, Companhia das Letras. p. 79. “[N]o coração
da filosofia política propriamente dita está o
problema da obediência, e que é no mínimo
conveniente ver as questões tradicionais do assunto
em temos desse problema”. Agora, uma citação de
Dworkin sobre Berlin, que torna o conflito entre
regra e norma ainda mais evidente. Dworkin, R.
(2010). O pós-escrito de Hart e a questão da
filosofia política. A Justiça de Toga. São Paulo,
Martins Fontes. p. 207. “Porém, insiste Berlin, a
própria definição, segundo a qual as leis contra a
violência realmente comprometem a liberdade, não
é um juízo de valor: não é uma aceitação, uma
crítica ou uma atenuação da importância da
liberdade, mas apenas uma afirmação politicamente
neutra do que a liberdade devidamente entendida
realmente é”.
9
Todavia, cabe lembrar o quão sedutoras são as
notas sobre história da filosofia n’O Conceito de
Direito, basta lembrar as rápidas, mas brilhantes
indicações sobre sua leitura de Hume e Hobbes, na
seção dedicada ao conteúdo mínito do direito
natural.
10
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart e a
questão da filosofia política. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes. p. 329.
11
Dworkin, R. (2010). Os Conceitos de Direito. A
Justiça de Toga. São Paulo, Martins Fontes. p. 329.
12
Dworkin, R. (2010). Trinta anos depois. A Justiça
de Toga. São Paulo, Martins Fontes. p. 269. “A
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86
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
convenção se constrói sobre o consenso, não sobre
a divergência”.
13
Kiraly, C. (2010). Os Limites da Representação:
um ensaio desde a filosofia de David Hume. São
Paulo, Giz Editorial. p. 64.
14
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart e a
questão da filosofia política. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes. p. 210.
15
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart e a
questão da filosofia política. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes. p. 211. “Os mais densos
conceitos políticos de liberdade, igualdade e
democracia desempenham o mesmo papel na
argumentação política, e as teorias sobre a natureza
desses conceitos também são normativas”.
16
Como podemos ver nos comentários de Hart
sobre a imoralidade privada. Hart, H. L. A. (1965).
Law, Liberty and Morality. Stanford, Stanford
University Press. p. 38.
17
Hart, H. L. A. (1955). "Are there any natural
rights?" The Philosophical Review 64.
18
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart e a
questão da filosofia política. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes. p. 211.
19
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart e a
questão da filosofia política. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes. p. 218.
20
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart e a
questão da filosofia política. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes. p. 219.
21
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart e a
questão da filosofia política. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes. p. 220.
22
Na separação parece haver uma paciência
epistemológica com os conflitos sociais, ausente no
interpretacionismo. A separação parece pagar o
preço da virtude, enquanto o interpretacionismo
prefere não pagá-lo, de modo geral parece pregar
uma estrutura social paliativa de aprofundamento
da imoralidade na crueldade, desde que não
conflitiva.
23
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart e a
questão da filosofia política. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes. p. 239. “Deve ser um valor
claramente jurídico, tão fundamental para a prática
jurídica que sem melhor entendimento iríamos
ajudar a compreender melhor o que as alegações de
direito significam e o que as torna verdadeiras ou
falsas”. “Precisamos encontrar um valor político
que esteja vinculado a esses enigmas da maneira
certa”. Mas isso jamais será feito com a
homogeneização da moralidade, da política e do
direito. É preciso que politicamente a prática do
direito reconheça e pratique o seu limite.
24
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart e a
questão da filosofia política. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes. p. 238. “Não há consenso
geral a favor ou contra tal interpretação, nenhuma
regra fundamental de reconhecimento a partir da
qual um dos lados possa pretender corroborar as
proposições de direito constitucional que, não
obstante, cada um dos grupos afirma serem
verdadeiras”.
25
A afirmação da crueldade como o valor político
elementar não quer dizer que tal defina a natureza
humana. Existe uma neutralidade na crueldade, ela
não é boa ou ruim, mas serve como ponto de
referência na interpretação da imoralidade. Uma
vez que não vê-la interrompe a sua neutralidade
para ser um instrumento silencioso da imoralidade
como mecanismo de poder. Assim, deve-se
perceber que a experiência humana é mais ampla
que a experiência política, e tal é relevante para
criticar a política.
26
Dworkin, R. (2010). O pós-escrito de Hart e a
questão da filosofia política. A Justiça de Toga. São
Paulo, Martins Fontes. p. 247. “Os positivistas
posteriores se mantiveram leais a essa crença: todos
enfatizam o papel do direito na substituição das
incertezas
das
imprecações
morais
ou
consuetudinárias por uma orientação firme e
decisiva. Hart escreveu, de modo muito afinado
com Thomas Hobbes, um positivista de uma era
anterior, que a legalidade corrige as deficiências de
um estado módico de natureza ou costume que é
muito anterior ao Estado de Direito. Joseph Raz
afirma que a essência da legalidade é a autoridade,
e que a autoridade será prejudicada ou solapada a
menos que se possam identificar suas diretrizes sem
recorrer aos tipos de motivos para agir que os
cidadãos apresentam antes que a autoridade se
tenha manifestado. Ele insiste em afirmar que a
autoridade só pode atender a suas finalidades se
suas diretrizes substituírem os motivos alegados
pelas pessoas, em vez de apenas virem somar-se a
eles”. Mas a legalidade deve ser vista depois da
crueldade, porque senão ela não pode ver o
exercício de encobrimento da moralidade confusa
ao direito. A legalidade não é medo com relação à
moral, mas uma percepção fina de se aspecto
danoso, quando pretexto de exercício de
preconceitos morais pela lei. A legalidade deve ser
instituída por um “por que” conceitualmente
orientado pela moralidade distinguida. O ceticismo,
recomendado por Bentham, percebe a crueldade
como princípio. Dworkin, R. (2010). O pós-escrito
de Hart e a questão da filosofia política. A Justiça
de Toga. São Paulo, Martins Fontes. p. 248.
“Bentham, por exemplo, considerava importante
que o público mantivesse um saudável sentimento
geral de desconfiança, e mesmo de ceticismo, a
respeito do valor moral de suas leis: as pessoas
devem entender a diferença entre o direito como ele
é e como deveria ser”. Essa distinção final,
apontada
por
Dworkin,
exercita
alguma
trivialização sobre a questão do positivismo legal,
muito embora bem a direciona. A questão é que o
direito como é deve melhorar pela percepção de sua
CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 6, ed. 14, jan./abr. 2012
87
POSITIVISMO JURÍDICO E CETICISMO: ELEMENTOS DE FICÇÃO E ACÚSTICA
crueldade, do contrário, por causa da orientação por
uma filosofia da norma, apenas produz
encobrimento, agenciado por discursos de dever
ser. Dworkin não percebe que a legalidade não é
nada de relevante sem o “contra o que” ela fala. Se
a legalidade não interrompe a crueldade, sem que
precise se valer dos artifícios da transfiguração em
violência, ela de nada serve.
27
Hölderlin, F. (1959). Francoforte-do-Meno 17961798. Poemas. R. D'Água. p. 76-77. Aplauso aos
homens (Menschenbeifall).
28
Sem a percepção moral, as distinções se tornam
opacas, e até mesmo o componente de autoridade
do direito passa a se confundir com a invenção da
autoridade pela política. Essa não é, no sentido
próprio, o terreno da autoridade, mas da instituição
da mesma, sendo, por isso, o plano da crueldade.
Nonet, P. and P. Selznick (2010). Direito e
Sociedade, Revan. p. 42.
29
O tempo melhor não decorre de uma descoberta
política, mas em função de um anestesiamento
ocasionado pelas últimas desgraças. Não há acerto,
mas vergonha do engano que durará o tempo exato
da vergonha. Depois, não durará mais.
30
Nonet, P. and P. Selznick (2010). Direito e
Sociedade, Revan. p.45 “A linha demarcatória entre
direito e política tenderia a dissolver-se, pelo menos
nos lugares em que a promoção de direitos sociais e
a decisão judicial tratam questões controversas de
política pública”.
31
Fuller, L. L. (1969). The Morality of Law:
Revised Edition (The Storrs Lectures Series), Yale
University Press. p. 96. Nonet, P. and P. Selznick
(2010). Direito e Sociedade, Revan. p. 53. “O
direito entra em cena quando se levantam questões
a respeito de quem tem o direito de definir e
interpretar obrigações, fazendo com que a
distribuição das obrigações familiares esteja
sujeitas a padrões que governam o modo de exercer
a autoridade”. “[...] nem todo controle social é
jurídico: o direito reconhece regras sociais de
maneira seletiva”. “O Estudo do direito torna-se
parte do estudo da autoridade [...]”. Nesse sentido é
que o estudo do direito como instituição não pode
se afastar da sua percepção enquanto crença.
32
Nonet, P. and P. Selznick (2010). Direito e
Sociedade, Revan. p. 55.
33
Nonet, P. and P. Selznick (2010). Direito e
Sociedade, Revan. p. 58.
34
Nonet, P. and P. Selznick (2010). Direito e
Sociedade, Revan. p. 59.
CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 6, ed. 14, jan./abr. 2012
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