Violatti Filho JR, Bichuette LD, Lóes FBP, Violatti JR • Coinfecção Hanseníase Dimorfa-Leishmaniose Tegumentar: Relato de Caso http: www.revistaapi.com RELATO DE CASO / CASE REPORT Coinfecção Hanseníase Dimorfa-Leishmaniose Tegumentar: Relato de Caso Co-infection borderline Leprosy-Tegumentary Leishamaniosis: Case Report José Roberto Violatti Filho1 Luciana Dornfeld Bichuette2 Fernando Branco Prata Lóes3 José Roberto Violatti4 Rev Panam Infectol. 2016;18(1):50-52 ISSN 1679-7140 ISSN 1807-3352 on line Recebido em 29/8/2016 Aprovado em 15/10/2018 Trabalho realizado no departamento de medicina da Universidade de Uberaba, MG, brasil. Financiamentos: Este estudo não foi objeto de financiamento, não havendo conflito de interesse. Acadêmico de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil. 2 Acadêmica de Medicina da Universidade de Uberaba, MG, Brasil. 3 Acadêmico de Medicina da Universidade de Uberaba, MG, Brasil. 4 Cirurgião Geral pelo Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE-SP); Médico Generalista da Estratégia de Saúde de Família Dr. José Roberto Violatti, Santana do Araguaia, PA. São Paulo, SP, Brasil. 1 RESUMO A hanseníase e a leishmaniose são doenças crônicas, infectoparasitárias, granulomatosas e que podem apresentar aspectos clínicos semelhantes, a depender do estado imunológico do hospedeiro, pólo anérgico ou hiperérgico. A coinfecção entre as duas entidades, embora conhecida, é uma condição clínica rara e pouco relatada. Neste caso, a paciente cursou com a forma anérgica da hanseníase e hiperérgica da leishmaniose. Com o diagnóstico precoce estabelecido e o tratamento rapidamente instituído, apresentou boa evolução clínica, recebendo alta por cura e sem apresentar qualquer grau de incapacidade. Palavras-chave: Hanseníase; Leishmaniose; Coinfecção ABSTRACT Leprosy and leishmaniosis are chronic, infectious, parasitic and granulomatous diseases which can present similar clinical features, depending on the immune status of the host, anergic or hyperergic pole. The co-infection between the two entities, though known, is a rare and little reported clinical condition. In this case, the patient presented the anergic form of leprosy and hyperergic leishmaniosis. Due to early diagnosis and quickly introduced treatment, she presented clinical improvement and was discharged after cure without presenting any degree of disability. Keywords: Leprosy; Leishmaniosis; Co-infection INTRODUÇÃO A hanseníase é uma doença granulomatosa crônica, causada pelo bacilo Mycobacterium leprae, que afeta principalmente o sistema 50 API 18_1.indd 50 19/10/16 14:55 Rev Panam Infectol 2016;18(1):50-52 nervoso periférico, pele e sistema reticuloendotelial(1). A transmissão se dá pelo contato íntimo e prolongado com pacientes bacilíferos não tratados e, apesar da via principal de infecção ser a respiratória, existem evidências de que pode ocorrer através da pele lesada(2). A doença apresenta um amplo espectro de manifestações clínicas, as quais dependem da interação do M. leprae com o hospedeiro e do grau de imunidade ao bacilo(3). Tem sido relatada por mais de 2000 anos, e apesar da redução significativa de sua incidência, mais de 200 mil novos casos ainda são reportados anualmente, em especial na Índia, Brasil e Indonésia(4). A leishmaniose, assim como a hanseníase, é uma doença granulomatosa crônica, causada por protozoários do gênero Leishmania. A forma cutânea é definida pela presença de lesões exclusivas na pele, que se iniciam no ponto de inoculação das promastigotas infectantes, pela picada do vetor(5). A doença é endêmica em regiões tropical e subtropical, havendo uma estimativa de 1.3 milhão de novos casos anuais no mundo, do qual cerca de um milhão corresponde as formas cutânea ou mucocutânea(6). Deste, estima-se que 75% dos casos estão concentrados em dez países, dos quais quatro estão nas Américas: Brasil, Colômbia, Peru e Nicarágua(7). A infecção simultânea pelas duas doenças, apesar de conhecida, é raramente encontrada e relatada(8). Diante disso, nos propusemos a relatar o caso de uma paciente imunocompetente portadora da coinfecção hanseníase-leishmaniose. RELATO DE CASO G.S.C., sexo feminino, 27 anos, parda, doméstica, natural e procedente de Santana do Araguaia-PA, comparece à Estratégia Saúde da Família em janeiro de 2013 com diagnóstico de hanseníase dimorfa. Foi submetida a tratamento com poliquimioterapia multibacilar (PQT-OMS) por 12 meses, recebendo alta por cura e sem apresentar qualquer grau de incapacidade. Após seis meses do fim do tratamento retornou à unidade, quando foi diagnosticada com reação hansênica tipo 2. De imediato foi iniciado o tratamento com talidomida 200mg/dia, havendo remissão completa dos sintomas. Foi solicitada baciloscopia que revelou índice bacilar (IB)=1,5. Depois de quatro meses do último episódio, manifestou nova reação tipo 2, sendo instituída a mesma terapêutica, com evolução satisfatória. Em janeiro de 2015 retornou ao ambulatório com pápulas disseminadas pelo corpo e que evoluíram para úlceras com fundo granuloso e de bordas infiltradas, acompanhadas de lesões nodulares. Foi submetida à nova baciloscopia, com IB=1,25. Como as lesões não apresentavam aspecto típico de eritema nodoso hansênico, foi aventada a hipótese diagnóstica de leishmaniose tegumentar. Foi solicitada pesquisa de amastigotas de Leishmania spp. em esfregaço, com resultado positivo. Para complementação diagnóstica foi realizado o exame histopatológico das lesões, que confirmou o diagnóstico de leishmaniose e sinalizou para o quadro clínico de coinfecção. Sendo assim, foi iniciado o tratamento com antimonial pentavalente na dose de 15mg/kg/dia, por 30 dias. Após 3 esquemas de 30 dias cada, houve remissão completa das úlceras e lesões nodulares. Em agosto de 2015 compareceu ao ambulatório para seguimento clínico, sendo constatada a cura do mal de Hansen e da leishmaniose. DISCUSSÃO A hanseníase é uma doença crônica lentamente progressiva. Os pacientes apresentam-se primariamente com neurite sensorial, mas, pacientes não tratados, numa fase posterior, podem desenvolver distúrbios motores severos. Úlceras plantares, lesões ósseas líticas e paralisias são complicações frequentes (9). A doença é atribuível a condições precárias de higiene, elevado número de contatos domésticos, bem como a uma nutrição inadequada. O grau de disseminação depende da proporção de indivíduos suscetíveis na população e ao potencial risco de contato com M. leprae (10). Já em relação à leishmaniose tegumentar, as manifestações clínicas podem variar desde lesões cutâneas auto limitadas até o aparecimento de lesões mucocutâneas desfigurantes, a depender do estado imunológico do paciente e da espécie da Leishmania envolvida (11). O padrão epidemiológico mais importante no Brasil é sua estreita relação com o desmatamento (12). Como ambas são doenças crônicas granulomatosas, era de se esperar um tipo semelhante de resposta. Porém, a paciente cursou com a forma anérgica da hanseníase, caracterizada pela ausência de resposta imune mediada por células T específicas e um grande número de bacilos (13-14), e a forma hiperérgica da leishmaniose, caracterizada por uma potente resposta mediada por células T e uma escassez de microrganismos (13,15). Isso sugere uma resposta imunológica específica para cada agente infeccioso. Embora a imunopatogênese destas doenças tem sido amplamente investigada, há muito poucos estudos imunológicos sobre a coinfecção hanseníaseleishmaniose, especialmente em pacientes HIV negativos (15). 51 API 18_1.indd 51 19/10/16 14:55 Violatti Filho JR, Bichuette LD, Lóes FBP, Violatti JR • Coinfecção Hanseníase Dimorfa-Leishmaniose Tegumentar: Relato de Caso http: www.revistaapi.com REFERÊNCIAS 1. Gupta SK. Histoid leprosy: review of the literature. Int J Dermatol. 2015;54(11):1283-8. 2. 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