Cardiomiopatia Cirrótica - International Journal of Cardiovascular

Propaganda
139
International Journal of Cardiovascular Sciences. 2016;29(2):139-148
ARTIGO DE REVISÃO
Cardiomiopatia Cirrótica
Cirrhotic Cardiomyopathy
Jessica Bicca, Luiza Porto Jarske, Thamires Oliveira Silva, Ronaldo Gismondi,
Luís Otávio Mocarzel, Pedro Gemal Lanzieri
Universidade Federal Fluminense – Faculdade de Medicina – Curso de Graduação em Medicina – Niterói, RJ - Brasil
Resumo
A cardiomiopatia cirrótica (CMC) é uma disfunção cardíaca crônica que acomete pacientes cirróticos sem doença
cardíaca prévia. Trata-se de uma doença inicialmente assintomática que se manifesta em situações de maior
demanda metabólica, devido a menor capacidade cardíaca em aumentar seu inotropismo. O diagnóstico é pautado
em alterações eletrocardiográficas e ecocardiográficas. Ainda não há tratamento específico para a CMC, sendo
instituídas medicações sintomáticas semelhantes ao tratamento da insuficiência cardíaca. Esta revisão tem por
objetivo descrever os aspectos fisiopatológicos, clínicos e diagnósticos da CMC, evidenciando as características
clínicas, laboratoriais e eletro e ecocardiográficas no rastreio da disfunção cardíaca nos pacientes cirróticos.
Palavras-chave: Cardiomiopatias; Cirrose hepática; Insuficiência cardíaca; Insuficiência hepática
Abstract (Full texts in English - www.onlineijcs.org)
Cirrhotic cardiomyopathy (CCM) is a chronic cardiac dysfunction that affects cirrhotic patients without history of heart disease. It
is an initially asymptomatic disease that appears in situations of increased metabolic demand due to lower cardiac capacity to increase
inotropism. Diagnosis is based on disorders revealed by electrocardiography and echocardiography. There is no specific treatment
for CCM. Similar symptomatic medications are established to treat heart failure. This review aims to describe the pathophysiological,
clinical and diagnostic aspects of CCM, showing the clinical, laboratory, electrocardiographic and echocardiographic characteristics
in assessing cardiac dysfunction in cirrhotic patients.
Keywords: Cardiomyopathies; Liver cirrhosis; Heart failure; Hepatic insufficiency
Introdução
A cirrose é uma doença crônica que acomete o fígado,
caracterizada pela modificação da estrutura do
parênquima e distorção da arquitetura vascular hepática
em resposta à lesão crônica ao tecido.1,2 A alteração da
estrutura é causada por fibrose sustentada do tecido e
formação de nódulos de regeneração. A cirrose evolui
de duas maneiras: inicialmente o paciente se encontra
assintomático, fase denominada compensada; com a
progressão da doença, cujo período de evolução se
modifica de acordo com o paciente, há a descompensação
da cirrose, caracterizada por sintomatologia sistêmica.3
Os principais órgãos acometidos pela doença hepática
crônica são: coração, pulmão, rins, adrenais, cérebro e
sistema imunológico, sendo o mais importante mecanismo
fisiopatológico a alteração do equilíbrio hemodinâmico
sistêmico.2
Entre as principais etiologias associadas à cirrose hepática
estão os vírus da hepatite B e C. A etiologia alcoólica
também é muito comum e sua relevância em comparação
com as etiologias virais como causa de cirrose hepática
varia de acordo com o país estudado.4 Outras etiologias
Correspondência: Jessica Bicca
Rua Marquês do Paraná, 303 – Centro – 24033-900 – Niterói, RJ – Brasil
E-mail: [email protected]
DOI: 10.5935/2359-4802.20160022
Artigo recebido em 28/01/2016, aceito em 21/02/2016, revisado em 19/05/2016.
140
Bicca et al.
Cardiomiopatia Cirrótica
ABREVIATURAS E
ACRÔNIMOS
•AE – átrio esquerdo
• BNP – peptídeo natriurético
do tipo B
Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(2):139-148
Artigo de Revisão
associadas à cirrose hepática
são: doença de Wilson, esteatohepatite não alcoólica,
hepatites autoimunes e cirrose
criptogênica.5
Os homens são mais
acometidos por doenças do
aparelho digestivo que as
•DC – débito cardíaco
mulheres (razão homens/
•ECG – eletrocardiograma
mulheres: 1,6), e a cirrose
•FE – fração de ejeção
hepática é a doença prevalente.6
No Brasil, os dados
•HUAP – Hospital
Universitário Antônio
epidemiológicos são escassos
Pedro
devido à ineficiência na
•IECA – inibidor da enzima
notificação. No banco de
conversora de angiotensina
dados do DATASUS 7 , em
•ON – óxido nítrico
2002, a taxa de mortalidade
•RM – ressonância
específica por cirrose hepática
magnética
foi 7,79 para cada 100 mil
•SRAA – sistema reninahabitantes, sendo São Paulo
angiotensina-aldosterona
(10,31:100 mil hab.) e Rio de
•TIPS – shunt portosJaneiro (8,80:100 mil hab.) dois
sistêmico intra-hepático
dos estados com maior taxa de
transjugular
mortalidade; estados como
•VE – ventrículo esquerdo
Pará (3,52 mortes específicas
por cirrose hepática em 100 mil
hab.) e Tocantins (3,64 em 100 mil hab.) estão entre os de
menor taxa de mortalidade específica para cirrose
hepática.7 Esses dados geram questionamento no que se
refere à subnotificação de casos, tendo em vista que, em
relação à hepatite B crônica, a região norte foi a que
apresentou maior prevalência, de 630:100 mil hab.,
enquanto a região sudeste apresentou a menor
prevalência, de 291:100 mil habitantes. 8 O mesmo
problema é observado em relação à hepatite C crônica,
que também é mais prevalente na região norte
(1.421:100 mil hab.).8
•CMC – cardiomiopatia
cirrótica
A progressão da fibrose característica da cirrose hepática
culmina em hipertensão portal e shunt portossistêmico,
principais causas da alteração do equilíbrio
hemodinâmico. A perda da função hepática prejudica o
metabolismo de substâncias vasoativas, como peptídeo
natriurético atrial, adrenalina, noradrenalina, renina,
angiotensina II, substância P, ADH e aldosterona.
Concomitante, há aumento significativo da produção de
óxido nítrico (ON), um vasodilatador potente, e uma
redução da resposta vasoconstritora devido à
contrarregulação dos receptores beta-adrenérgicos,
alteração na afinidade desses receptores e na cascata de
sinalização, favorecendo a vasodilatação arterial.3 Há
maior produção de ON pelas células endoteliais
decorrente da hipertensão portal, a fim de promover
aporte adequado do fluxo sanguíneo e consequente
vasodilatação esplâncnica. O aumento do ON decorre
também do processo inflamatório crônico causado pela
cirrose, bem como de bacteremias transitórias que cursam
com o aumento de citocinas e endotoxina.3,5 A associação
dessas alterações causa diminuição da resistência
vascular sistêmica e vasodilatação esplâncnica, fatores
importantes para o acometimento sistêmico causado pela
cirrose.
A vasodilatação sistêmica ocasiona redistribuição da
circulação e hipovolemia central que, por sua vez,
acarretam a ativação de mecanismos compensatórios
sistêmicos, como o sistema renina-angiotensinaaldosterona (SRAA), além do aumento da liberação de
vasopressina e da atividade do sistema nervoso
simpático. Assim, esses fatores se agrupam para
ocasionar estado hiperdinâmico e de hiporreatividade
vascular que, associados à disfunção endotelial sistêmica
e disfunção autonômica, culmina em danos
cardiovasculares.3
A disfunção cardíaca relacionada à cirrose é denominada
cardiomiopatia cirrótica (CMC). Antigamente, acreditavase que as alterações cardíacas aconteciam apenas na
cirrose alcoólica, por toxicidade direta do álcool.
Atualmente sabe-se que a disfunção cardíaca está
presente na cirrose independente da sua etiologia.3
Esta revisão tem por objetivo descrever os aspectos
fisiopatológicos, clínicos e de diagnóstico da CMC,
evidenciando as características clínicas, laboratoriais e
eletro e ecocardiográficas no rastreio da disfunção
cardíaca nos pacientes cirróticos.
Cardiomiopatia cirrótica
A CMC se caracteriza por disfunção cardíaca crônica no
paciente portador de cirrose hepática, na ausência de
doença cardíaca prévia, com redução da resposta contrátil
cardíaca ao estresse, seja ele fisiológico ou farmacológico,
porém com débito cardíaco (DC) normal no repouso. Os
aspectos relacionados à disfunção cardíaca incluem:
disfunção sistólica e diastólica e alterações
eletrofisiológicas e no cronotropismo.9–11
Fisiopatologia
Diversos são os mecanismos envolvidos na patogênese
da cardiomiopatia cirrótica, destacando-se o aumento do
débito cardíaco relacionado ao estado hiperdinâmico da
circulação 9 .No paciente com cirrose hepática,
independente da etiologia, há um aumento na
Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(2):139-148
Artigo de Revisão
produção e da atividade de vasodilatores, como ON,
endocanabinoides e monóxido de carbono, e uma
diminuição da metabolização de outros vasodilatadores
devido à insuficiência hepática e ao shunt portossistêmico.
Todos esses aspectos contribuem para redução da
resistência vascular periférica, circulação hiperdinâmica
e débito cardíaco insuficiente para a demanda metabólica.3
Além disso, há disfunção do cronotropismo e do
inotropismo, que está relacionada ao comprometimento
dos receptores beta-adrenérgicos. No paciente cirrótico
há redução do número desses receptores, distúrbio da
via de sinalização do cálcio e alterações da permeabilidade
da membrana (aumento dos fosfolipídeos e do colesterol).
Essas modificações contribuem para um distúrbio na
contratilidade miocárdica, em detrimento da força de
contração e da frequência cardíaca. A exposição
prolongada à noradrenalina e a hiperatividade simpática,
além de causarem danos diretos ao cardiomiócito,
também provocam as alterações nos receptores betaadrenérgicos. Essa hiperatividade simpática ocorre via
barorreceptor em decorrência da diminuição da
resistência vascular periférica e da redução da pressão
arterial.9
Alterações esplâncnico-circulatórias
O desenvolvimento da hipertensão portal em pacientes
cirróticos acarreta duas consequências sistêmicas, na
tentativa de compensar essa alteração. A primeira é a
maior produção de vasodilatadores para corrigir a
hipertensão portal que, associado a menor degradação
de fatores vasodilatadores pelo fígado doente, acarreta
uma vasodilatação arterial esplâncnica que repercute
sistemicamente.3 Queda na resistência vascular sistêmica,
hipotensão arterial e hipovolemia central são suas
principais repercussões.3
A resposta a essa vasodilatação é a segunda consequência
do desenvolvimento da hipertensão portal. Há
hiperativação reflexa do sistema nervoso simpático,
aumentando o débito cardíaco e levando a uma condição
conhecida como circulação hiperdinâmica.12 Inicialmente,
esse sistema compensa a vasodilatação provocada
primariamente na circulação esplâncnica. Com a
progressão da cirrose, no entanto, é necessário maior
atividade de sistemas vasoconstritores para manter o
volume efetivo e a pressão arterial, levando então à
ativação do SRAA. Esse efeito causa uma vasoconstrição
sistêmica mais intensa e pode contribuir para complicações
da cirrose, como ascite e síndrome hepatorrenal.12
O estado hiperdinâmico e a elevação dos fatores
vasoconstritores causam redução na resposta vascular e
Bicca et al.
Cardiomiopatia Cirrótica
cardíaca à noradrenalina e angiotensina II. 12-14 A
exposição prolongada aos níveis altos desses fatores leva
à exaustão dos receptores beta-adrenérgicos, bem como
reduz a expressão de proteína G, fatores que diminuem
a resposta miocárdica esperada. 12,15,16 O coração do
cirrótico apresenta maior depósito de colesterol, o que
contribui para a alteração do funcionamento desse
processo por mudança na estrutura da membrana do
miócito, tornando-o rígido. 12,15,17 Os canais iônicos
também têm seu funcionamento alterado, contribuindo
para o estado hiporrensponsivo do cardiomiócito ao
estímulo beta-adrenérgico e explicando a progressão da
disfunção cardíaca.12
O ON, além de potente vasodilatador, tem papel
importante na sinalização para alterar a membrana dos
miócitos, pois gera inibição dos mediadores dos
receptores beta-adrenérgicos, como a proteína cGMP.18,19
No paciente cirrótico, há um estado inflamatório
constante que serve de base para as alterações sistêmicas
apresentadas. Essas citocinas inflamatórias, especialmente
TNF-α e IL-1, estimulam a síntese de ON, aumentando
seus níveis sistemicamente.20 O ON, então, realiza sua
função vasodilatadora e contribui para a diminuição da
resposta dos miócitos às catecolaminas. Associado a isso,
há estudos demonstrando que o ON se acumula no tecido
cardíaco, chegando à alta concentração no músculo
papilar, o que inverte o padrão de contratilidade
miocárdica, causando redução da resposta contrátil.12,20
Outros componentes envolvidos na alteração da resposta
cardíaca beta-adrenérgica são os endocanabinoides. O
aumento no nível dos endocanabinoides cardíacos
acompanha o aumento sérico de TNF-α. 12 Esses
endocanabinoides inibem os receptores beta-adrenérgicos,
tendo ação semelhante ao ON na inibição da resposta
contrátil do miocárdio.21,22
Além dos mecanismos já citados, há aumento de
endotoxinas bacterianas – pois a hipertensão portal
favorece a translocação bacteriana intestinal e aumenta
a reação sistêmica inflamatória.5 Essa condição aumenta
o TNF-α circulante, favorecendo as alterações já citadas.
Além disso, estudos comprovam que essas endotoxinas
bacterianas têm interferência direta na função miocárdica,
independente dos níveis de TNF-α.22,23
A membrana do cardiomiócito alterada também por
aumento do depósito de fosfolipídeos apresenta
diminuição na densidade dos canais de cálcio e de
potássio, o que gera contração cardíaca insuficiente e
prolongamento do intervalo QT.24,25
141
142
Bicca et al.
Cardiomiopatia Cirrótica
O paciente cirrótico apresenta diversos componentes que
alteram seu estado circulatório, levando a um desequilíbrio
entre a vasodilatação esplâncnica e sua compensação
vasoconstritora simpática e do SRAA, e possibilita que
o estado de vasodilatação predomine na fase terminal da
doença. O resultado final é um estado de reduzido
volume arterial efetivo, baixa pressão arterial e
hipovolemia central com disfunção cardíaca de
contratilidade miocárdica insuficiente para manter o
equilíbrio homeostase.3
Alterações na condução elétrica
Na CMC, o músculo cardíaco apresenta como principais
alterações elétricas o desacoplamento eletromecânico, a
incompetência cronotrópica e o prolongamento do
intervalo QT. 26 As anormalidades observadas no
eletrocardiograma dos pacientes cirróticos,
independentemente de sua etiologia, são secundárias à
hipertensão portal, disfunção autonômica, circulação
hiperdinâmica e à presença de fatores pró-inflamatórios
a que está submetido o miocárdio do paciente.27,28
- Prolongamento do intervalo QT
A repolarização ventricular é sensível a pequenas
modificações na pressão portal, sendo, portanto, a
primeira observada em pacientes com CMC,29 por meio
do eletrocardiograma (ECG). É causado, provavelmente,
por lentificação da repolarização dos cardiomiócitos,
devido a anormalidades nos canais de potássio e redução
na concentração desses canais na membrana plasmática,
essenciais para a repolarização das células do músculo
cardíaco, além de hiperativação simpática, que inibe a
ativação desses canais. Disfunções nos canais iônicos
provocam prolongamento do potencial de ação de células
miocárdicas, resultando em sístole ventricular arrastada
e prolongamento de QT.29-31 Maior tempo de contração
implica prejuízo no relaxamento, provocando disfunção
diastólica.32,33
- Dessincronia eletromecânica
O desacoplamento eletromecânico é definido por
dessincronia entre o estímulo elétrico e a resposta
mecânica sistólica do músculo cardíaco, que parece se
relacionar também à disfunção de canais de potássio, e
ocorre mais frequentemente em pacientes que já
apresentam alteração do intervalo QT prolongado. Essa
dessincronia ocasiona a perda progressiva da função
miocárdica, culminando em insuficiência cardíaca
congestiva. Pacientes que realizam tratamento com
vasopressina durante sangramento de varizes esofagianas
ou que recebem transfusão sanguínea parecem ser mais
acometidos pela anomalia.30
Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(2):139-148
Artigo de Revisão
- Incompetência cronotrópica
Em pacientes com incompetência cronotrópica o nó
sinusal é incapaz de responder a estímulos fisiológicos
ou farmacológicos.30 Pacientes cirróticos apresentam
índice sistólico, ou seja, relação do débito cardíaco com
sua massa corporal, reduzido; mostram também menor
capacidade de resposta a estímulo físico (exercício,
infusão de medicamentos ou modificação postural), com
aumento ineficiente da frequência cardíaca e da fração
de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo. Essa frequência
cardíaca alcançada é inferior à frequência máxima em
pacientes sem acometimento cardíaco.
Disfunção sistólica e diastólica
As disfunções cardíacas são consequentes a alterações
estruturais e da contratilidade,9 e estão associadas com
a gravidade da cirrose hepática.30 Frequentemente são
assintomáticas e podem estar presentes no paciente com
cirrose compensada. Mesmo com a progressão da doença
hepática, muitas vezes o paciente só manifesta sintomas
quando é submetido a uma situação de estresse
fisiológico e/ou farmacológico. Também vale ressaltar
que a redução das funções sistólica e diastólica pode
levar à insuficiência cardíaca, com redução da fração de
ejeção ventricular e ser determinante para o
desenvolvimento de síndrome hepatorrenal, o que
agrava o prognóstico.9,30
A disfunção diastólica costuma preceder a disfunção
sistólica, sendo esta observada em situações em que há
aumento da demanda do DC associada à diminuição da
contratilidade miocárdica, como nas situações de estresse
hemodinâmico - processos infecciosos, exercícios físicos,
uso de determinados fármacos e cirurgias.2,9,29 O exercício
físico nos pacientes cirróticos, por exemplo, transcorre
com o aumento da pressão diastólica final no ventrículo
esquerdo (VE), porém sem o apropriado aumento da
fração de ejeção do VE, o que permite extrair que há um
déficit na capacidade de contração ventricular, ou seja,
que o coração na cirrose está sob condições máximas de
trabalho devido à circulação hiperdinâmica, não havendo
reserva ventricular para as situações de estresse. Alguns
aspectos observados ao ecocardiograma são: aumento
do diâmetro do VE ao final da diástole, diminuição do
pico de velocidade sistólica e da taxa de deformidade
sistólica.9
A disfunção diastólica se caracteriza por diminuição da
capacidade de relaxamento ventricular precoce passivo
(E) e tardio (A) na fase de enchimento ventricular, com
consequente aumento da pressão atrial e do tempo de
relaxamento isovolumétrico.9,30 Esse distúrbio ocorre
devido ao aumento da rigidez miocárdica causada por
Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(2):139-148
Artigo de Revisão
Bicca et al.
Cardiomiopatia Cirrótica
hipertrofia, fibrose e edema subendotelial, ocasionando
alta pressão de enchimento no átrio e no ventrículo
esquerdo.3,9 Os achados histopatológicos da disfunção
diastólica revelam que, além da hipertrofia do
cardiomiócito e da fibrose intersticial, há alteração da
pigmentação e vacuolização do miócito. 10,34 É
fundamental ressaltar que a disfunção diastólica, por
comprometer o enchimento ventricular com consequente
aumento do volume atrial, pode precipitar a fibrilação
atrial.30
Os achados ecográficos que podem ser observados na
disfunção diastólica da CMC são: redução da capacidade
de relaxamento ventricular precoce (E) e tardio (A) e
diminuição da taxa E/A com prolongamento do tempo
de desaceleração da onda E.2,3,9,28,30,35 Destaca-se aqui a
importância da ascite no comprometimento ainda maior
da função cardíaca 9,28,36,37 visto que a elevação do
diafragma associado ao aumento da pressão intratorácica
diminui a complacência ventricular e atrial direita
provocando a disfunção diastólica do ventrículo direito.9
Além disso, os pacientes com ascite apresentam maior
redução da taxa E/A.36 A paracentese mostrou ser um
método que melhora a função diastólica cardíaca,9,28 pois
melhora o enchimento ventricular por reduzir a pré-carga
e por diminuir a atividade do SRAA e dos agentes
adrenérgicos (adrenalina e noradrenalina). Em
contrapartida, a colocação de um shunt portossistêmico
intra-hepático transjugular (TIPS) agrava a função
cardíaca por aumentar a pré-carga, ocasionando o
esgotamento cardíaco, o que aumenta o risco de
insuficiência cardíaca e, consequentemente, a
mortalidade.3,9,38-40
Diagnóstico
Em 2005, um grupo de especialistas, durante o Congresso
Mundial de Gastroenterologia, em Montreal, reuniu-se
para determinar os critérios que definem a CMC
(Quadro1).9,10 Esses critérios são divididos em disfunções
sistólicas, diastólicas e critérios de suporte, mas podem
ser didaticamente separados em alterações laboratoriais,
alterações do ECG e de exames de imagem
(ecocardiograma, ressonância magnética e cintilografia).
Como essas alterações estruturais ocorrem em pacientes
ainda assintomáticos, as manifestações clínicas não
definem o diagnóstico, mas se associam ao quadro de
CMC.
Quadro 1
Critérios para o diagnóstico de CMC definidos no Congresso Mundial de Gastroenterologia, 2005
Disfunção sistólica
Disfunção diastólica
Critérios de suporte
FE< 55%
E/A <1,0
Cronotropismo ineficiente
Diminuição da contração em
resposta ao estresse fisiológico ou
farmacológico
Tempo de desaceleração >200 ms
Desacoplamento eletromecânico
Tempo de relaxamento isovolumétrico >80 ms
Prolongamento do intervalo QT
Alterações estruturais
Dilatação de AE e hipertrofia de VE
Elevação de BNP ou Troponina I
Fonte: Gassanov et al.9
FE – fração de ejeção; E/A – relação entre o tempo de enchimento ventricular passivo e o tempo de enchimento ventricular ativo;
AE – átrio esquerdo; VE – ventrículo esquerdo; BNP – peptídeo natriurético do tipo B; CMC – cardiomiopatia cirrótica
Manifestações clínicas
As repercussões clínicas da CMC aparecem em situações
de estresse, estado que exige maior atividade cardíaca
para manter o equilíbrio hemodinâmico. 3 Não há
trabalhos que comprovem que a disfunção cardíaca tenha
um quadro clínico definido a ser abordado nem que seja
um fator preponderante ou determinante em alguma
apresentação clínica. Há relatos de casos de pacientes
cirróticos que provavelmente manifestaram o quadro de
CMC por meio da síndrome hepatorrenal e/ou
insuficiência adrenal, sendo um deles no serviço do
Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP). Esses
pacientes foram abordados com tratamento para
insuficiência cardíaca e apresentaram melhora do quadro
renal, o qual era refratário ao tratamento de síndrome
hepatorrenal conhecido na literatura.41
143
144
Bicca et al.
Cardiomiopatia Cirrótica
Já é consagrado, em diversos artigos, que procedimentos
como transplante hepático e TIPS podem evoluir com
insuficiência cardíaca súbita e edema pulmonar agudo
no pós-operatório, caso a disfunção diastólica e sistólica
não seja identificada antes da cirurgia.42,43 O prolongamento
do intervalo QT visto no ECG também é marcador de
mau prognóstico e de descompensação clínica pósprocedimentos.44 No caso do TIPS, o desvio do sangue
do sistema porta para a circulação sistêmica exige um
aumento da performance miocárdica; não havendo essa
melhora do desempenho miocárdico, ocorrerão as
complicações cardiopulmonares.43
A síndrome hepatorrenal pode ser precipitada pelo
estado de vasodilatação do paciente cirrótico, tendo a
incompetência cronotrópica do coração e a disfunção
sistólica um envolvimento importante na sua patogênese.42
Em vigência desse quadro, as alterações de funcionamento
cardíaco citadas como parte da patogênese servem
também como agravantes da complicação desenvolvida,
pois o débito cardíaco mantido pelo coração é insuficiente
para suprir as necessidades hemodinâmicas apresentadas
num quadro de estresse oxidativo.45 O mesmo ocorre em
sepse grave, quando o aumento das citocinas inflamatórias
em um coração já afetado pela cirrose piora o quadro de
base e leva o paciente à falência circulatória.42 No paciente
cirrótico, essa condição de sepse é geralmente causada
por peritonite bacteriana espontânea. Essa condição de
estresse metabólico em virtude do quadro infeccioso gera
uma queda no débito cardíaco pelos mecanismos
elucidados, manifestando-se clinicamente por queda de
pressão arterial.3,42
A morte súbita é uma condição rara em pacientes
cirróticos, mesmo quando associada ao prolongamento
do intervalo QT – clinicamente, a maior repercussão
dessas alterações elétricas são as arritmias.42 O aumento
do QT influencia na mortalidade por predispor a
arritmias graves. O uso de alguns medicamentos como
macrolídeos, quinolonas e domperidona favorece a
descompensação; o mesmo se observa em situações de
estresse metabólico. 42 Há um estudo que associa
sangramento gastrointestinal – que cursa com aumento
de citocinas inflamatórias e hiperativação do sistema
nervoso simpático – com maior prolongamento do
intervalo QT e aumento da taxa de mortalidade em seis
semanas.46
Altas taxas de aldosterona – seja pela menor degradação
hepática seja pela hiperativação do SRAA – podem
acarretar hipertrofia cardíaca, disfunção diastólica
ventricular esquerda e hipertensão de átrio esquerdo, o
que se manifesta clinicamente com uma arritmia de
Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(2):139-148
Artigo de Revisão
origem atrial. Essa hipertensão é transmitida à circulação
pulmonar, causando hipertensão arterial pulmonar que
evolui com congestão venosa hepática – diminuindo
ainda mais as taxas de degradação da aldosterona, o que
determina aumento em suas taxas sanguíneas e favorece
as arritmias clínicas. Pacientes cirróticos também
apresentam maior índice de desenvolvimento de câncer47
pelas alterações com repercussão sistêmica, constante
estado inflamatório e funcionamento hemodinâmico
prejudicado em função da cardiomiopatia.
A CMC causa ao coração incompetência para lidar com
situações que exigem aumento de débito cardíaco, bem
como predispõe a complicações da condição base da
cirrose. Nos estágios finais, a disfunção diastólica,
sistólica e do cronotropismo são tão pronunciadas que
repercutem sistemicamente mesmo sem condições de
estresse que as desencadeiem. Elas se manifestam
clinicamente como agravante das complicações da
cirrose, quando já existentes, ou predispondo-as, quando
ausentes.3,12,42
Achados laboratoriais
Alguns marcadores séricos podem estar elevados na
CMC e, portanto, passam a fazer parte dos critérios para
suporte do diagnóstico. O peptídeo natriurético atrial,
por exemplo, é secretado em resposta a estiramento do
átrio, refletindo sobrecarga de volume, e está presente
em pacientes com cirrose; sua liberação culmina na
redução da pressão arterial e da pré-carga.48
O peptídeo natriurético do tipo B (BNP) é secretado pelos
ventrículos em resposta à sobrecarga volumétrica ou
pressórica, ou isquemia miocárdica, sendo um hormônio
compensatório à ação do SRAA, por meio da eliminação
renal de sódio e água.49,50 Age também na redução de
hipertrofia e fibrose do músculo cardíaco – quanto maior
a espessura do septo interventricular e da parede
ventricular, maior a dosagem sérica do BNP. Seus níveis
são tão maiores quão mais graves forem as doenças
hepática e cardíaca, relacionando-se com o grau de
hipertrofia miocárdica e disfunção diastólica.28 BNP pode
estar alterado mesmo na CMC em estágio inicial,
tratando-se, portanto, de um marcador precoce de
acometimento cardíaco.51
A elevação de troponina 1 cardíaca é também observada,
por ser um marcador de lesão miocárdica.28
A adrenomedulina é outra substância que pode ser
destacada por estar elevada nos casos de cirrose com ou
sem clínica de acometimento cardíaco (desde
assintomáticos até pacientes com hipertrofia ventricular
Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(2):139-148
Artigo de Revisão
e/ou falência cardíaca).28 Esse hormônio, produzido no
tecido cardíaco, regula o tônus vascular e a natriurese52
e influencia no inotropismo por meio da adenosina
monofosfato cíclica (AMPc), que aumenta a produção de
ON. Este vasodilatador é liberado com a finalidade de
reduzir a pós-carga e dilatar os vasos coronarianos. Um
biomarcador recentemente identificado, galectina-3, tem
sido associado à fibrose do miocárdio e se apresenta
elevado em pacientes cirróticos.49 Essas alterações podem
ser observadas por meio de exame do sangue do paciente
e auxiliam no diagnóstico e estratificação de gravidade
da doença cardíaca causada por cirrose.
Eletrocardiograma (ECG)
As alterações encontradas no ECG que auxiliam no
diagnóstico são inicialmente prolongamento de QT,
aparecimento de múltiplas extrassístoles e, em fases mais
avançadas, bloqueio de ramo, depressão do segmento
ST e dissociação eletromecânica.
Ecocardiograma
Fundamenta-se como um método não invasivo e de
grande valia no diagnóstico da CMC. Assim, acredita-se
que sirva como uma ferramenta de rastreio da doença
cardíaca no paciente com cirrose hepática. Os principais
achados descritos na literatura são: aumento da pressão
diastólica final no VE, sem o apropriado aumento da FE
do VE; aumento do diâmetro do VE ao final da diástole;
diminuição do pico de velocidade e da taxa de deformidade
sistólica. Pode ocorrer ainda dilatação do átrio esquerdo,
evidenciando disfunção diastólica crônica.9,10
O ecoDoppler cardíaco em pacientes com CMC pode
evidenciar diminuição e/ou inversão da taxa E/A
(<1)2,3,9,10,28,30,35 e prolongamento do tempo de desaceleração
da onda E e do tempo de relaxamento isovolumétrico.
Estes achados são sugestivos de atraso do relaxamento
ventricular e, portanto, de comprometimento diastólico.9
Estudos iniciais a respeito do strain longitudinal global
(GLS) têm demonstrado que este parâmetro é eficiente
na detecção das disfunções sistólicas e diastólicas,
mostrando-se muito superior na detecção das alterações
sistólicas em repouso.10
Atualmente, determinou-se que o marcador mais
específico para detecção de disfunção diastólica é a
velocidade anular mitral diastólica precoce (e’) que pode
ser identificada através do ecoDoppler tecidual. A
disfunção diastólica do ventrículo esquerdo é
caracterizada, neste caso, por: e’ septal <8 cm/s; e’ lateral
<10 cm/s; e ampliação do átrio esquerdo (AE>= 34 mL/m2),
sendo que a avaliação do AE pode ser feita através de
ecocardiograma 3D e speckle tracking.10
Bicca et al.
Cardiomiopatia Cirrótica
A fração de ejeção é uma medida fundamental para
avaliar a função sistólica, porém a ecografia
bidimensional mede a FE linear, cujo cálculo depende
de suposições geométricas. Atualmente dispõe-se de
métodos que calculam a FE de forma mais aperfeiçoada,
como o método de Simpson e, principalmente, o speckle
tracking, que avalia a deformação do miocárdio
ventricular passo a passo nos eixos radial, longitudinal
e circunferencial, sendo um método ecocardiográfico
muito sensível na avaliação da função sistólica
ventricular.30
Ressonância magnética (RM)
Sabe-se que a RM do coração define com precisão os
bordos do epicárdio e endocárdio, superando a
ecocardiografia nesse aspecto por não depender da
“janela acústica”. É considerada hoje o padrão-ouro na
determinação da morfologia cardíaca.53 Através desse
método é possível determinar a FE, o volume das câmaras
cardíacas (aumento da massa do VE e dos volumes
diastólicos finais no AE e VE) e alterações morfológicas
miocárdicas, incluindo as teciduais (áreas de edema e
fibrose), com a identificação da lesão por meio do uso de
contrastes, como o gadolíneo.54 Nos pacientes cirróticos
foram descritos na RM cardíaca aumento da massa de
VE, aumento do volume do VE ao final da diástole e
aumento do volume atrial esquerdo.9
Cintilografia
Os dados cintilográficos podem revelar menor elevação
da FE nos pacientes cirróticos após o exercício físico
quando comparados aos pacientes não cirróticos.55 A
cintilografia pode fornecer dados muito confiáveis sobre
a FE ventricular esquerda, que é um preditor da função
sistólica, quando não há dados confiáveis oriundos do
ecocardiograma.30
Tratamento
A CMC ainda não tem tratamento específico. Atualmente
o tratamento é o mesmo instituído para insuficiência
cardíaca, independentemente de sua etiologia, o qual
inclui restrição de água e sódio, uso de diuréticos,
inibidores do SRAA e betabloqueadores.56 Estudos com
betabloqueadores não seletivos demonstraram redução
do prolongamento do intervalo QT e melhora no
desacoplamento eletromecânico, além de promover
redução na pressão portal e prevenção do sangramento
de varizes esofagianas. A associação de nitrato com
betabloqueadores mostrou ter efeito vasodilatador
venoso e coronariano, o que reduz a pré-carga, um dos
objetivos no tratamento das disfunções diastólicas de
VE.9,57
145
146
Bicca et al.
Cardiomiopatia Cirrótica
O uso de diuréticos é benéfico em caso de retenção de
fluidos, porém quando são usados por longo período
estão associados à síndrome hepatorrenal, presença de
distúrbios hidroeletrolíticos e aumento da ativação
neuro-hormonal. Portanto, deve ter seu uso sempre
monitorado e com parcimônia.9
Antagonistas da aldosterona e inibidores da enzima
conversora de angiotensina (IECA) reduzem a
hiperatividade do SRAA dos pacientes cirróticos e
diminuem a espessura da parede e a dilatação de VE, o
que culmina em melhora da função diastólica.9 Deve-se
atentar para o efeito vasodilatador promovido pelos
IECA devido à possibilidade de agravamento da
hipotensão nos pacientes cirróticos. Com relação aos
antagonistas da aldosterona, o canreonato de potássio
reduz o gradiente de pressão venosa hepática, bem como
a espessura da parede de VE e o volume diastólico final
esquerdo, nos pacientes cirróticos Child A.10,58 Não há
estudos com eplerone e espironolactona na CMC.28
Os digitálicos não apresentam bom efeito no aumento
da contração cardíaca nos pacientes cirróticos. Em estudo
com pacientes com cirrose alcoólica, o uso de digitálicos
não mostrou benefício na melhora da disfunção do
ventrículo esquerdo.9,59 Assim, não são recomendados no
tratamento de CMC.
A disfunção adrenal, também relacionada à cirrose
hepática, quando concomitante à CMC, agrava o déficit
de contração miocárdica. Nesses casos, há estudos que
demonstram que o tratamento com esteroides pode
melhorar a função cardíaca sob estresse.57,60
Somente o transplante hepático foi definido como
tratamento eficaz da cirrose e da CMC, por demonstrar
melhora nas disfunções cardíacas. Contudo, tem
limitações devido à baixa disponibilidade do órgão para
doação e pelos riscos peri e pós-operatórios desse
procedimento como os de falência cardíaca, infarto do
miocárdio, arritmias e morte cardíaca. Os benefícios
demonstrados pelo transplante no coração são regressão
da espessura da parede ventricular, da disfunção
diastólica e aprimoramento da resposta sistólica e da
capacidade para realização de exercícios físicos quando
submetido a estresse. Esses resultados foram observados
após 6-12 meses do transplante.10,61 Há também redução
do débito e frequência cardíacos, diminuição da pressão
na artéria pulmonar e aumento da pressão arterial
sistêmica.
Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(2):139-148
Artigo de Revisão
Comentários
Não existem evidências que determinem o rastreamento
(screening) da investigação da cardiomiopatia cirrótica
em pacientes assintomáticos. Além disso, não há quadro
clínico patognomônico que sinalize o acometimento
cardíaco nesses pacientes. Os estudos indicam que os
sinais e sintomas de CMC se manifestam em caso de
situações de estresse, quando se exige maior atividade
cardíaca para manter o equilíbrio hemodinâmico.
No HUAP, foram identificados dois pacientes que
preencheram os critérios da síndrome hepatorrenal e
foram tratados sem sucesso conforme protocolos
consagrados na literatura.41,62 Nesses casos, entende-se a
CMC como fator determinante da agudização da
insuficiência renal. Optou-se por iniciar dobutamina com
furosemida e, nesses dois pacientes, houve regressão da
síndrome hepatorrenal, com melhora progressiva da
função renal. Um destes casos já foi publicado e o
segundo encontra-se em redação.41
O coração do paciente cirrótico trabalha sob regime
máximo para manter o equilíbrio hemodinâmico no estado
hiperdinâmico em que se encontra. Assim, a hipótese é
que a constante exigência à qual é submetido o coração
desse paciente faz com que haja necessidade de maior
trabalho da musculatura cardíaca. Com o esgotamento da
reserva ventricular, não se consegue ampliar essa função,
causando a descompensação observada na síndrome
hepatorrenal de origem cardíaca. Isso ocorre mesmo em
casos em que não há disfunção sistólica observada ao
ecocardiograma, conforme observado nos pacientes do
HUAP citados anteriormente. Explica-se, dessa forma, a
reversão do quadro com o uso de dobutamina, que serviu
como estímulo exógeno para o coração.
Com isso, entende-se que a CMC é uma entidade já
conhecida e entendida, porém são necessários estudos
para o entendimento das suas manifestações clínicas e
tratamento. Supõe-se ter relevância a abordagem da CMC
na suspeita clínica de síndrome hepatorrenal.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
O presente estudo não está vinculado a qualquer programa de
pós-graduação.
Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(2):139-148
Artigo de Revisão
Bicca et al.
Cardiomiopatia Cirrótica
Referências
1. Schuppan D, Afdhal NH. Liver cirrhosis. Lancet.
2008;371(9615):838-51.
2. Møller S, Henriksen JH, Bendtsen F. Extrahepatic
complications to cirrhosis and portal hypertension:
haemodynamic and homeostatic aspects. World J
Gastroenterol. 2014;20(42):15499-517.
3. Møller S, Bendtsen F. Cirrhotic multiorgan syndrome. Dig Dis
Sci. 2015;60(11):3209-25.
4. Zhou WC, Zhang QB, Qiao L. Pathogenesis of liver cirrhosis.
World J Gastroenterol. 2014;20(23):7312-24.
5. Martínez-Esparza M, Tristán-Manzano M, Ruiz-Alcaraz AJ,
García-Peñarrubia P. Inflammatory status in human hepatic
cirrhosis. World J Gastroenterol. 2015;21(41):11522-41.
6. Laurenti R, Jorge MHP, Gotlieb SLD. Perfil epidemiológico
da morbi-mortalidade masculina. Cien Saude Colet.
2005;10(1):35-46.
7. Ministério da Saúde. DATASUS. [Internet]. Indicadores de
mortalidade. Taxa de mortalidade específica por cirrose
hepática. 2015. [acesso em 2016 abr. 4]. Disponível em: <http://
tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?idb2004/c13.def>
8. Carvalho JR, Portugal FB, Flor LS, Campos MR, Schramm JMA.
Método para estimação de prevalência de hepatites B e C
crônicas e cirrose hepática – Brasil, 2008. Epidemiol Serv Saude,
Brasília. 2014;23(4):691-700.
9. Gassanov N, Caglayan E, Semmo N, Massenkeil G, Er F.
Cirrhotic cardiomyopathy : A cardiologist’s perspective. World
J Gastroenterol. 2014;20(42):15492-8.
10. Chayanupatkul M, Liangpunsakul S. Cirrhotic cardiomyopathy:
review of pathophysiology and treatment. Hepatol Int.
2014;8(3):308-15.
11. Mota VG, Markman Filho B. Echocardiography in chronic liver
disease: systematic review. Arq Bras Cardiol. 2013;100(4):376-85.
12. Karagiannakis DS, Papatheodoridis G, Vlachogiannakos J.
Recent advances in cirrhotic cardiomyopathy. Dig Dis Sci.
2015;60(5):1141-51.
13. Trevisani F, Sica G, Mainquà P, Santese G, De Notariis S,
Caraceni P, et al. Autonomic dysfunction and hyperdynamic
circulation in cirrhosis with ascites. Hepatology.
1999;30(6):1387-92.
14. Kim MY, Baik SK. [Hyperdynamic circulation in patients with
liver cirrhosis and portal hypertension]. Korean J Gastroenterol.
2009;54(3):143-8.
15. Ma Z, Lee SS, Meddings JB. Effects of altered cardiac membrane
fluidity on beta-adrenergic receptor signalling in rats with
cirrhotic cardiomyopathy. J Hepatol. 1997;26(4):904-12.
16. Ma Z, Miyamoto A, Lee SS. Role of altered beta-adrenoceptor
signal transduction in the pathogenesis of cirrhotic
cardiomyopathy in rats. Gastroenterology. 1996;110(4):1191-8.
17. Ma Z, Meddings JB, Lee SS. Membrane physical properties
determine cardiac beta-adrenergic receptor function in cirrhotic
rats. Am J Physiol. 1994;267(1 Pt 1):G87-93.
18. Kelly RA, Balligand JL, Smith TW. Nitric oxide and cardiac
function. Circ Res. 1996;79(3):363-80.
19. Hare JM, Colucci WS. Role of nitric oxide in the regulation of
myocardial function. Prog Cardiovasc Dis.1995;38(2):155-66.
20. Liu H, Ma Z, Lee SS. Contribution of nitric oxide to the
pathogenesis of cirrhotic cardiomyopathy in bile duct-ligated
rats. Gastroenterology. 2000;118(5):937-44.
21. Bátkai S, Mukhopadhyay P, Harvey-White J, Kechrid R,
Pacher P, Kunos G. Endocannabinoids acting at CB1 receptors
mediate the cardiac contractile dysfunction in vivo in cirrhotic
rats. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2007;293(3):H1689-95.
22. Yang YY, Liu H, Nam SW, Kunos G, Lee SS. Mechanisms of
TNFalpha-induced cardiac dysfunction in cholestatic bile ductligated mice: interaction between TNFalpha and
endocannabinoids. J Hepatol. 2010;53(2):298-306.
23. Rozenberg S, Besse S, Brisson H, Jozefowicz E, Kandoussi A,
Mebazaa A, et al. Endotoxin-induced myocardial dysfunction
in senescent rats. Crit Care. 2006;10(4):R124.
24. Ward CA, Liu H, Lee SS. Altered cellular calcium regulatory
systems in a rat model of cirrhotic cardiomyopathy.
Gastroenterology. 2001;121(5):1209-18.
25. Ward CA, Ma Z, Lee SS, Giles WR. Potassium currents in atrial
and ventricular myocytes from a rat model of cirrhosis. Am J
Physiol. 1997;273(2 Pt 1):G537-44.
26. Møller S, Bernardi M. Interactions of the heart and the liver.
Eur Heart J. 2013;34(36):2804-11.
27. Zardi EM, Abbate A, Zardi DM, Dobrina A, Margiotta D, Van
Tassel BW, et al. Cirrhotic cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol.
2010;56(7):539-49.
28. Wong F. Cirrhotic cardiomyopathy. Hepatol Int.
2009;3(1):294-304.
29. Mozos I. Arrhythmia risk in liver cirrhosis. World J Hepatol.
2015;7(4):662-72.
30. Páll A, Czifra A, Vitális Z, Papp M, Paragh G, Szabó Z.
Pathophysiological and clinical approach to cirrhotic
cardiomyopathy. J Gastrointestin Liver Dis. 2014;23(3):301-10.
31. Batchvarov V, Camm AJ. QT dispersion: measurement and
interpretation. UpToDate. 2014. [on-line]. [cited 2015 Dec 16].
Available from: <http://www.uptodate.com/contents/qtdispersion-measurement-and-interpretation?source=search_re
sult&search=qt+dispersion&selectedTitle=2~23>
32. Castro Hevia J, Antzelevitch C, Tornés Bárzaga F, Dorantes
Sánchez M, Dorticós Balea F, Zayas Molina R, et al. Tpeak-Tend
and Tpeak-Tend dispersion as risk factors for ventricular
tachycardia/ventricular fibrillation in patients with the Brugada
syndrome. J Am Coll Cardiol. 2006;47(9):1828-34.
33. Demir C, Demir M. Evaluation of Tp-e interval and Tp-e/QT
ratio in patients with chronic hepatitis B. Prague Med Rep.
2013;114(4):239-45.
34. Lunseth JH, Olmstead EG, Abboud F. A study of heart disease
in one hundred eight hospitalized patients dying with portal
cirrhosis. AMA Arch Intern Med. 1958;102(3):405-13.
35. Pozzi M, Carugo S, Boari G, Pecci V, de Ceglia S, Maggiolini S,
et al. Evidence of functional and structural cardiac abnormalities
in cirrhotic patients with and without ascites. Hepatology.
1997;26(5):1131-7.
36. Valeriano V, Funaro S, Lionetti R, Riggio O, Pulcinelli G,
Fiore P, et al. Modification of cardiac function in cirrhotic
patients with and without ascites. Am J Gastroenterol.
2000;95(11):3200-5.
37. Guazzi M, Polese A, Magrini F, Fiorentini C, Olivari MT.
Negative influences of ascites on the cardiac function of cirrhotic
patients. Am J Med. 1975;59(2):165-70.
38. Baik SK, Fouad TR, Lee SS. Cirrhotic cardiomyopathy. Orphanet
J Rare Dis.2007;2:15.
147
148
Bicca et al.
Cardiomiopatia Cirrótica
39. Liu H, Gaskari SA, Lee SS. Cardiac and vascular changes in
cirrhosis: pathogenic mechanisms. World J Gastroenterol.
2006;12(6):837-42.
40. Braverman AC, Steiner MA, Picus D, White H. High-output
congestive heart failure following transjugular intrahepatic
portal-systemic shunting. Chest. 1995;107(5):1467-9.
41. Mocarzel L, Lanzieri P, Nascimento J, Peixoto C, Ribeiro M,
Mesquita E. Hepatorenal syndrome with cirrhotic
cardiomyopathy: case report and literature review. Case Reports
Hepatol. 2015;2015:573513.
42. Bernardi M. Cirrhotic cardiomyopathy. Clin Liver Dis.
2013;2(3):99-101.
43. Alqahtani SA, Fouad TR, Lee SS. Cirrhotic cardiomyopathy.
Semin Liver Dis. 2008;28(1):59-69.
44. Zambruni A, Trevisani F, Caraceni P, Bernardi M. Cardiac
electrophysiological abnormalities in patients with cirrhosis. J
Hepatol. 2006;44(5):994-1002.
45. Arroyo V, Terra C, Ginès P. Advances in the pathogenesis and
treatment of type-1 and type-2 hepatorenal syndrome. J Hepatol.
2007;46(5):935-46.
46. Trevisani F, Di Micoli A, Zambruni A, Biselli M, Santi V,
Erroi V, et al. QT interval prolongation by acute
gastrointestinal bleeding in patients with cirrhosis. Liver Int.
2012;32(10):1510-5.
47. Pellicori P, Torromeo C, Calicchia A, Ruffa A, Di Iorio M,
Cleland JG, et al. Does cirrhotic cardiomyopathy exist? 50 years
of uncertainty. Clin Res Cardiol. 2013;102(12):859-64.
48. Rahman S, Mallett SV. Cirrhotic cardiomyopathy : implications
for the perioperative management of liver transplant patients.
World J Hepatol. 2015;7(3):507-20.
49. Farr M, Schulze PC. Recent advances in the diagnosis and
management of cirrhosis-associated cardiomyopathy in liver
transplant candidates: advanced echo imaging, cardiac
biomarkers, and advanced heart failure therapies. Clin Med
Insights Cardiol. 2015;8(Suppl 1):67-74.
50. Licata A, Corrao S, Petta S, Genco C, Cardillo M, Calvaruso V,
et al. NT pro BNP plasma level and atrial volume are linked to
the severity of liver cirrhosis. PLoS One. 2013;8(8):e68364.
Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(2):139-148
Artigo de Revisão
51. Wong F, Siu S, Liu P, Blendis LM. Brain natriuretic peptide: is
it a predictor of cardiomyopathy in cirrhosis? Clin Sci (Lond).
2001;101(6):621-8.
52. Welsh P, Hart C, Papacosta O, Preiss D, McConnachie A,
Murray H, et al. Prediction of cardiovascular disease risk by
cardiac biomarkers in 2 United Kingdom cohort studies: does
utility depend on risk thresholds for treatment? Hypertension.
2016;67(2):309-15.
53. Lima JAC, Desai MY. Cardiovascular magnetic resonance
imaging : current and emerging applications. J Am Coll Cardiol.
2004;44(6)1164-71.
54. Lossnitzer D, Steen H, Zahn A, Lehrke S, Weiss C, Weiss KH,
et al. Myocardial late gadolinium enhancement cardiovascular
magnetic resonance in patients with cirrhosis. J Cardiovasc
Reson. 2010;12:47.
55. Rivas M. O acometimento cardiovascular na cirrose hepática :
cardiomiopatia cirrótica. Rev SOCERJ. 1998;11(3):254-61.
56. Bocchi EA, Braga FG, Ferreira SM, Rohde LE, Oliveira WA,
Almeida DR, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. III
Diretriz brasileira de insuficiência cardíaca crônica. Arq Bras
Cardiol. 2009;93(1 supl. 1):3-70.
57. Ruiz-del-Árbol L, Serradilla R. Cirrhosis cardiomyopathy.
World J Gastroenterol. 2015;21(41):11502-21.
58. Pozzi M, Grassi G, Ratti L, Favini G, Dell’Oro R, Redaelli E, et
al. Cardiac, neuroadrenergic, and portal hemodynamic effects
of prolonged aldosterone blockade in postviral child A cirrhosis.
Am J Gastroenterol. 2005;100(5):1110-6.
59. Limas CJ, Guiha NH, Lekagul O, Cohn JN. Impaired left
ventricular function in alcoholic cirrhosis with ascites.
Ineffectiveness of ouabain. Circulation. 1974;49(4):754-60.
60. Theocharidou E, Krag A, Bendtsen F, Møller S, Burroughs AK.
Cardiac dysfunction in cirrhosis - does adrenal function play a
role? A hypothesis. Liver Int. 2012;32(9):1327-32.
61. Torregrosa M, Aguadé S, Dos L, Segura R, Gónzalez A,
Evangelista A, et al. Cardiac alterations in cirrhosis: reversibility
after liver transplantation. J Hepatol. 2005;42(1):68-74.
62. Salerno F, Gerbes A, Ginès P, Wong F, Arroyo V. Diagnosis,
prevention and treatment of hepatorenal syndrome in cirrhosis.
Postgrad Med J. 2008;84(998):662-70.
Download