“EXPERIÊNCIAS DE VIDA APÓS A MORTE” A curiosidade e indagações após a morte são bastante antigas na história da humanidade. Desde o momento em que o homem teve consciência de sua própria finitude, passou a especular sobre uma possível continuidade da vida, em outro plano. Por medo ou aspirações de imortalidade, o homem sente a necessidade não só de especular, como também, de acreditar que, ao findar a sua vivência terrena, continue experimentando alguma outra forma de vida no campo espiritual, perpetuando assim, os prazeres mundanos que já se acostumou. John Eccles, o notável neurocirurgião americano, acredita que o Ser Humano adquiriu a autoconsciência há uns 100.000 anos, quando os homens de Neanderthal, nos primeiros cerimoniais fúnebres, queimavam os seus mortos juntos com as suas armas, alimentos e outros pertences. Eccles deduziu daí, que aqueles nossos ancestrais poderiam ter raciocinado desta forma: “assim como o outro parava de viver; qualquer um de nós, também, poderá deixar de existir”. Creio que também foi naquela mesma época que o homem passou a temer e a indagar sobre a morte. Inclusive aspirando a uma vida eterna; pois, até hoje, a grande maioria das pessoas prefere a vida terrena, apesar de todos os percalços da nossa existência. Na verdade, não há ninguém que não tenha medo da morte; com exceção dos loucos e dos mentirosos. A preocupação em familiarizar-se com a morte e compreender esse fenômeno, levou-nos à criação de uma curiosa área da Ciência, denominada de “Tanatologia”, que estuda o processo biológico terminal. Não foi apenas o ato de morrer que interessou aos cientistas. As atenções desses novos pesquisadores foram voltadas para o mistério que cerca o Além. Foi na década de 70 que se acentuaram os estudos sobre a sobrevivência da alma, ou a vida em outra dimensão. Naquela época, a Dra. ElisabethKubler-Ross, causou enorme celeuma no mundo científico, quando publicou o livro : “ On Death and Dyng”, relatando as observações de diversas pessoas que sobreviveram ao que se chama de “morte cínica”. Ainda, naqueles anos, outro pesquisador, o Dr. Raymond Moody, punha mais “lenha na fogueira”, lançando o livro: “life After Lifer”, explorando o mesmo assunto e apresentando considerações sobre relatos de pacientes terminais, assim como fizera a Dra, Kubler-Ross. As duas publicações alcançaram notoriedade, tornando-se, rapidamente, best-sellers e causando rebuliço entre cientistas e populares. É verdade que os dois estudiosos citados, não foram tecnicamente científicos, pois se basearam em narrativas de pacientes envolvidos em situação e acontecimentos muito traumáticos e, por estarem abalados, poderiam ter distorcido os seus relatos. Anos depois, já na década de 80, um novo livro mais preciso que os anteriores, foi editado por um médico, cético nesse assunto, o Dr. Michael Sabom, professor da Universidade de Emory, nos Estados Unidos. Este livro, intitulado: “Rellections of Death”, trouxe interessante pesquisa desse autor, que em 5 anos de trabalho, estudou mais de uma centena de casos de pessoas que lhe disseram terem tido experiências transcendentais; após terem sido consideradas mortas. Tais pessoas sobreviveram após terem sido declaradas “irreversivelmente mortas” pelos médicos que as assistiram. Em alguns casos, seus corpos já estavam sendo preparados para o embalsamamento, quando retornaram à vida. O estudo do Dr. Michael Sabom foi mais apurado que os dos seus colegas anteriores. Sua pesquisa abrangeu pessoas de credo, raça, idade, profissão, grau cultural e sexos diferentes. Embora esse médico tenha afirmado que os seus estudos não provam a existência da vida após a morte; ele mesmo passou a crer na ressurreição espiritual, após essas suas experiências. Nas centenas de pessoas pesquisadas que estiveram na fronteira entre a vida e a morte, todas relataram terem tido experiências fascinantes. As estórias narradas por elas aos pesquisadores mantiveram semelhanças notáveis. A maior parte delas teve impressões autocóspicas; isto é, sentiram-se “flutuando” sobre os seus corpos inanimados, presenciando os esforços médicos na tentativa de reanimá-las. Contaram com muito detalhe o que se4 passou na sala de cirurgia, como: o número de pessoas presentes; o tipo de técnica aplicada para reanimá-las; a conversa dos médicos ao redor dos seus corpos; a cor dos aventais que usavam; a leitura nos indicadores dos equipamentos médicos e outros detalhes impressionantes que, posteriormente, foram confirmados pelos atendentes que os assistiram, enquanto estavam eles estiveram inconscientes, em coma ou em morte biológica. Muitos “ressuscitados” se lembraram de experiências místicas transcendentais que descreviam viagens através de um túnel, onde no final, brilhava uma luz intensiva e atraente. Outros desses “ressuscitados” relataram aos pesquisadores “visões” de locais indescritíveis do Paraíso, semelhantes à pinturas retratadas por pintores famosos da Renascença . Alguns que “retornaram à vida” por procedimentos médicos, contaram terem se encontrado com os seus parentes e amigos já falecidos; tendo sido esses encontros muito gratificantes e felizes; ao ponto de eles não tido o desejo de “voltarem ao mundo dos vivos”; quando pressentiram que estavam sendo “ressuscitados” pelos médicos. A ausência de dor; o alcance da paz tão almejada por todos nós e grande euforia; foram as sensações descritas por todos eles; nessa pesquisa que, a princípio, prometia abalar o prestígio de muitos conceitos científicos, filosóficos e religiosos. Os seus autores (dos estudos), principalmente a Dra. Kbler-ross, puseram em risco as suas reputações, quando alguns deles afirmaram,convictos, a imortalidade do Homem. Mas, a polêmica surgida em torno das referidas pesquisas, atraiu a atenção de outros estudiosos e foi alvo de estudos mais acurados e metódicos. Nós mesmos, aqui em Belo Horizonte, tivemos a oportunidade de pesquisarmos e apurarmos os mesmos relatos que aqueles autores anunciaram, junto a alguns pacientes que passaram pelas mesmas experiências ,em situação clínica semelhante. Alguns destacados pesquisadores sugeriram que aquelas pessoas (referindo-se aos pacientes terminais que “retornaram” à vida) sofreram alucinações provocadas pelas circunstâncias especiais porque passaram os seus cérebros, nos momentos cruciais do término de suas existências. Sabemos que o cérebro ativa a produção de compostos químicos que alteram a atividade mental. Há uma variedade dessas substâncias, produzidas pelas células nervosas que coordenam, ajudam e facilitam a transmissão de mensagens (impulsos) no sistema nervoso. A falta ou excesso desses compostos pode provocar inúmeras perturbações psíquicas e somáticas, acompanhadas de alucinações e outras distorções do juízo. Personagens famosas da História Universal, como mártires, artistas, místicos e outros, foram vítimas desses processos alucinatórios, visões grandiosas do Belo e do Horrendo. As mesmas experiências distorcidas acontecem com os infelizes e imaturos usuários de drogas, como a Mescalina, o LSD e diversos outros tipos de criadores de fantasia. Evidentemente, as experiências transcendentais vividas por aquelas pessoas “ressuscitadas” podem ter sido confundidas com esses processos cerebrais anormais, desencadeados pela anoxia, injúrias ou drogas cerebrais, no momento crucial de suas “mortes”. Outro estado comumente sentido e narrado pelos entrevistados que tiveram morte clínica; foi a ausência de dor e a sensação de paz e euforia; sendo que alguns deles afirmaram que a “passagem” para a morte foi o momento mais delicioso que já sentiram. Também a sensação de euforia e analgesia, tem as suas explicações, no campo material da Psicobiologia. No encéfalo, existem compostos químicos que são supressores da dor, como as “enquefalinas” e “endorfinas”, que são secretadas por neurônios específicos para os momentos críticos da atividade psicofisiológica. Quanto à euforia, citada por quase todos, acompanhada de êxtase e prazer indescritível associados aos quadros místicos observados nessas vivências transcendentais ; encontram-se explicações no complexo e maravilhoso funcionamento do cérebro. A aptidão ou capacidade de sofrer ou sentir prazer, está contida nas células nervosas e nas ligações entre elas (axônios, dendrites e sinapses). O circuito do prazer ou do desprazer, localizados em estruturas específicas do cérebro, compreendendo círculos neuronais importantes , como o sistema límbico; promove incontáveis sensações emocionais que podem nos levar ao “Paraíso” ou fazernos descer ao “Inferno”. Olds, Milner, Hebb, Hess, papez e outros estudiosos do cérebro, demonstraram a variação e ambivalência dessas emoções, em elegantes experimentos com cérebros de mamíferos . Um dado intrigante nas conclusões dos trabalhos sobre a vida após a morte, efetuados por Elisabeth Kubler-ross, Raymond Moody e Michael Sabom; foi o fato de as mulheres terem tido mais experiências com visões de encontros com os seus entes queridos falecidos. Cremos que este pormenor é devido a particularidade de as mulheres, por gerarem e estarem mais ligadas aos filhos, criam laços afetivos mais sólidos com estes. Assim sendo, as estruturas cerebrais do Inconsciente feminino estão mais repletas de engramas (gravação de emoções fortes) afetivos dos familiares, que as dos homens. Uma mãe é mais apegada ao seu filho que o pai; este não o teve em seu ventre por tanto tempo e nem o acalentou como ela. Mesmo quando não gerou filhos, uma mulher tem mais afinidade pelo semelhante que a maioria dos homens. Não é por acaso que a mulher se compadece mais com o sofrer do outro. Isto explica, talvez, porque nos limites da vida com a morte, as mulheres da pesquisa de Sabom, lembraram mais que os homens, de terem visto os seus entes queridos já falecidos. Talvez, as explicações psicobiológicas aqui apresentadas, não possam explicar a realidade daquelas visões e emoções sentidas e relatadas por aqueles pacientes “quasemortos”. É possível que o cérebro, capaz de criar alucinações durante o percurso da sua existência; possa vir a engendrar novas e diferentes emoções alucinógenas, nos momentos extremos da sua existência. Tais fantasias podem ter sido originadas às custas do vasto material acumulado, no emaranhado das estruturas neuronais daquelas pessoas que transpuseram , com um dos pés, os Umbrais da Eternidade. Talvez até, quem sabe, o paradigma psicobiológico não seja apenas a indicação preparatória das previsões bíblicas ? É oportuno esclarecer que não pretendi, através deste trabalho, negar ou comprovar a espiritualidade. Seria demasiada pretensão deste autor, tentar radicalizar numa posição ou noutra, o maior problema existencial. Mesmo porque é duvidoso que as questões metafísicas sejam, algum dia, explicadas ou esclarecidas, pelos cérebros dos humanos. A mente necessita do cérebro para dar sentido ao seu viver; através da capacidade consciente. O que acontece com a mente quando o seu substrato material se desvanece com a morte? É uma pergunta de difícil resposta pelo homem; enquanto vivo. “Ninguém voltou de lá para contar”, diz o velho ditado popular; mas, talvez tenha voltado sim! Não deixa de ser fascinante especularmos sobre os mistérios da mente, da vida e da morte. Que a mente exerce controle sobre o cérebro e, vice-versa; não temos a menor dúvida. Mas, como exercem tais controles? Como algo que não é material (a mente) pode dirigir e controlar, tão intimamente, o que é material (o cérebro)? Qual o ponto de interseção entre o cérebro e a mente? Este é outro enigma que muito se relaciona com o problema da vida e.......da morte. -------------------------------Trabalho elaborado e publicado em Minas Gerais, no Outono de 1988, pelo Neuropsicólogo-Clínico, CARLEIAL. Bernardino Mendonça, Psicólogo pela Universidade Católica de Minas gerais e Estudante de Direito da Faculdade de Direito Estácio de Sá, em Belo Horizonte, Minas Gerais. --------------------------------------------