Permeabilidade e Fronteiras sócio-espaciais no Centro Histórico de Salvador 1 Autor: Fábio José Reis de Araujo (UFS) Orientador: Prof. Dr. Rogerio Proença Leite OBJETO E OBJETIVOS RESULTADOSOBTIDOS Buscando atender as exigências da concorrência intercidades que se intensifica pós segunda guerra, as políticas urbanas tem colocado as cidades na rota do capital. Chamadas de gentrification (enobrecimento) tais políticas, mais do que preservar os patrimônios históricos, buscam repensar o uso de cada espaço e subtrair o máximo de lucro que for possível. Elegem certos espaços da cidade como centralidades e os transformam em áreas de investimentos público e privado, contribuindo para a transformação do patrimônio cultural em um segmento do mercado. (Harvey, 1992; Featherstone; 1995; Smith, 1996; Zukin, 2000; Leite, 2004). O Pelourinho em Salvador, é um notório exemplo desse tipo de política urbana. O programa de revitalização implantado no Pelourinho, em Salvador, no início da década de 90 é visto como um dos mais expressivos processos de intervenção que contribuiu para os modelos de gentrification. Em 1992 o governo do Estado lança um projeto de recuperação do Centro Histórico de Salvador que buscava muito mais do que preservar o patrimônio histórico e artístico daquele lugar, mas transformá-lo em um segmento do mercado seguindo à risca as práticas de gentrification voltadas para o city marketing. De tal forma, buscou-se repensar o pelourinho para outros usus e usuários, bem diferentes daqueles que sempre ocuparam aquela área. Daí, não mais sendo permitido viver onde sempre viveram, os antigos moradores passam a viver nas margens do Centro Histórico revitalizado, em espaços onde o programa de revitalização ainda não alcançou, como na rua 28 de setembro,a Favela da Rocinha, a Baixa do Sapateiro ou ainda nas encostas entre cidade alta e cidade baixa sitiando o Centro Histórico revitalizado. Assim é notória a existência de dois Pelôs. Um de cores vivas e fachadas límpidas que ambientam os passeios turísticos. Outro, dos casarões degradados da 28 de setembro. Um das festas embaladas pelo axé-music coordenado pelo programa “Pelourinho dia e noite”, atraindo vários turistas para algum dos largos do Centro Histórico. Outro, das festas regueiras e da balburdia na Favela da Rocinha. Um é o Pelô da BAHIATURSA, da CONDER, do IPAC. Outro, é o Pelô da baixaria, da prostituição, das drogas e “marginais.” O objetivo deste trabalho é justamente identificar como esses Pelôs se encontram, como um entra no outro, como se dá o processo de permeabilidade espacial entre o Pelourinho revitalizado e o não revitalizado. Terreiro de Jesus. Foto do autor, 2006. Interior da Rocinha. Foto do autor, 2006. METODOLOGIA Para analisarmos esse processo de permeabilidade sócio-espacial no Centro Histórico de Salvador, utilizamos as seguintes etapas metodológicas: levantamento do estado da arte sobre as políticas de gentrification e levantamento primário e secundário sobre o processo de revitalização do Centro Histórico de Salvador, bem como dos seus impactos sócio-espaciais, a exemplo da notória modificação dos usuários da área. Utilizamos também de recursos visuais de cunho iconográfico como fotos e mapas. Além de incursões etnográficas ao Centro Histórico de Salvador, o que foi crucial para construção deste trabalho, pois foi “estando lá” (Geertz, IN Oliveira,1998), vivendo a situação de está no campo, que pude vivenciar as faces e interfaces do atual programa de revitalização daquela área. Os principais órgãos onde levantei as fontes para essa pesquisa foram: A Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe; Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP (base de dados Acervus); Biblioteca da Universidade de São Paulo (sistema de dados Dedalus); Acervo do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) e Biblioteca da Faculdade deArquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia. As políticas de patrimônio contemporâneas estão cada vez mais se relacionando com as políticas de gentrification, fazendo com que critérios essenciais para as práticas de preservação, como o de levar em consideração o elo entre passado e presente que um determinado monumento possa trazer, ou o de garantir aos cidadãos acesso à cultura via patrimônio, estão sucumbindo à lógica do mercado. Em tempos de intensa identificação entre política de patrimônio e práticas de gentrification , o potencial econômico do bem cultural torna-se mais importante que sua relevância histórica. O Pelourinho é um exemplo de bem patrimonial, cujo valor econômico está sobrepondo o valor cultural e, com isso, está contribuindo para reforçar formas de exclusão cultural e sócioespacial. Os objetivos do governo da Bahia para a área a ser revitalizada, deixa bem claro o viés econômico do Programa de Revitalização do Centro Histórico de Salvador. Era necessário restaurar a área para dinamizar o seu potencial econômico. Era necessário, seguindo a lógica da concorrência intercidades, transformar o antigo centro degradado em um local adequado às práticas de consumo. De tal forma não se priorizou uma política de reabilitação residencial para os moradores do Centro Histórico, ao contrário, optou-se pela retirada dessa população, efetivando um processo de “higienização” da área, fundamental para que esse espaço passasse a ser visto como um espaço livre das práticas subversivas as quais, ele por décadas ambientou. (Rodrigues, 1995) De tal forma, esses antigos moradores passam a viver nas franjas do Centro criando espaços que em tudo contrastam com o Centro Histórico revitalizado. Surgem assim, espaços como a Rua 28 de setembro, onde costumeiramente a polícia encontra objetos oriundos de furtos, ou a Favela da Rocinha que habita dezenas de antigos moradores do velho Maciel, além de ser um ponto de trágico de drogas e prostituição. Lado a lado estão os dois Pelôs. Um revitalizado, de belas fachadas e pronto a ser consumido. Outro, onde habitam aqueles que enfeiam o novo Pelô. O processo de permeabilidade sócio-espacial entre esses dois espaços, foi o que este trabalho buscou evidenciar, e como vimos essa permeabilidade sócio-espacial pode ocorrer de diferentes formas. O Pelô revitalizado pode entrar no Pelô não revitalizado, através do aparato policial, buscando extinguir aquele espaço marginal, pode entrar através dos turistas que vão consumir drogas ou apenas “tomar uma” ouvindo um Reggae. Por outro lado, o Pelô não revitalizado entra no Pelô revitalizado através de vendedores ambulantes que tentam negociar com turistas a compra de adereços ou de uma foto da Baiana. Entra também através das terças de Benção ou das noites regueiras do Bar do Reggae quando se reúnem grupos de jovens negros para, de alguma forma, cobrar o seu espaço nesse novo Pelourinho. (Sansone, 1995). O que pude observar é que o atual Programa de Revitalização do Centro Histórico de Salvador, segue a característica das cidades capitalistas que através das políticas de revitalização de centros degradados, buscam maximizar seus lucros, excluindo os segmentos mais desprovidos da sociedade e colocando o patrimônio na rota do consumo. Salvador efetiva um Programa de Revitalização em seu Centro Histórico que compreende como um problema social os antigos moradores deste centro. Empenhados em mercantilizar o Centro Histórico, os promotores do atual Programa de Revitalização não conseguem perceber que os antigos moradores do Pelourinho estarão sempre lutando para continuar usando aquele espaço. Mas enquanto isso, os órgãos de propaganda do Governo da Bahia se empenham em passar uma “imagem de Bahia” que tem no Pelourinho sua maior representatividade. Pois é ali, propagandea o governo, onde se percebe de fato a democracia racial, a fraternidade, a cordialidade, a alegria e outras inverdades que a maioria do povo baiano interiorizou e não se cansa de “cantar” como se fosse a mais absoluta verdade. REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: stúdio Nobel, 1995. HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992. LEITE, Rogerio Proença. Contra-usos da cidade: lugares e espaço público na experiência urbana contemporânea. Campinas, SP: Editora da UNICAMP;Aracaju-se: Editora da UFS, 2004. OLIVEIRA, Roberto Cardoso. O Trabalho doAntropólogo. São Paulo: Editora UNESP, 1998. RODRIGUES, João Jorge. O Olodum e o Pelourinho. IN GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras (Org.) Pelo Pelô: história, cultura e cidade. Salvador: Editoda da Universidade Federal da Bahia/ Faculdade deArquitetura/ Mestrado emArquitetura e Urbanismo, 1995 SANSONE, Lívio. O Pelourinho dos Jovens Negro-Mestiço de Classe Baixa da Grande Salvador. IN GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras (Org.) Pelo Pelô: história, cultura e cidade. Salvador: Editoda da Universidade Federal da Bahia/ Faculdade de Arquitetura/ Mestrado em Arquitetura e Urbanismo, 1995 SMITH, Neil. The new urban frontier: Gentrification and revanchist city. Ldres/ Nova York, Routledge. 1996. SUKIN, Sharon,. “Paisagens urbanas pós-modernas: mapeando cultura e poder”, in A. Arantes (Org), O Espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000. Garoto de rua fazendo malabarismo com cocos para turistas. Foto do autor, 2007. 1 Os ensaios da Escola do Olodum reforçam a idéia do Pelourinho enquanto locus da cultura afro-brasileira. Foto do autor. 2006 Trabalho desenvolvido no âmbito do Laboratório de Estudos Urbanos e Culturais (LABEURC) da Universidade Federal de Sergipe sob orientação do Prof. Dr. Rogerio Proença Leite para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais. Essa pesquisa contou com financiamento do PIBIC/CNPQ. This document was created with Win2PDF available at http://www.win2pdf.com. The unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use only. This page will not be added after purchasing Win2PDF.