Qual patrimônio será herdado? Já estão na reta final as negociações para implantação do programa Monumenta em São Paulo. Concebido em 1997 pelo Ministério da Cultura (MinC) e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o programa tem como objetivo o “resgate” e a “conservação” dos principais conjuntos urbanos e patrimoniais do país. Para realização de sua primeira etapa foram destinados recursos equivalentes a 200 milhões de dólares a serem investidos em sete cidades brasileiras: Salvador, São Luís do Maranhão, Recife, Olinda, Ouro Preto, Rio de Janeiro e São Paulo. Dirigido especialmente a locais representativos para atração do turismo internacional, o programa vem reforçar a idéia atualmente em voga na política cultural brasileira [senão fica al, al, al cultural, nacional e natural], de que o investimento no âmbito da cultura desencadeia um processo “natural” de revitalização urbana. Para os ideólogos do Monumenta, a recuperação física de certos pontos é capaz de criar, via mercado, uma dinâmica de transformação econômica e social das áreas de intervenção. Algumas das cidades escolhidas para implantação do programa já vêm passando por processos de requalificação urbana, financiado pelos governos locais com a participação de empresas privadas. Apesar de apresentarem-se como “ações de impulso ao desenvolvimento”, os programas desse teor já executados em cidades como Ouro Preto, Olinda, São Luís e Salvador têm apresentado, dentre seus resultados em comum, o aumento da especulação imobiliária, a marginalização ou deslocamento violento da população para outras regiões da cidade e o declínio da economia local. Caso exemplar é a situação configurada com a recuperação do Pelourinho, em Salvador. Ao contrário do que a mídia apresenta, a animação turística e o interesse do mercado têm sido sustentados a duras penas com injeção de recursos estaduais e policiamento ostensivo. A remoção de quase 90% da população antiga, com indenização irrisória, e a criação de um comércio cultural voltado ao turismo não surtiram o efeito “revitalizador” esperado pelo governo do Estado. Os comerciantes reclamam da especulação imobiliária resultante, que significou o aumento dos aluguéis e o fechamento de vários estabelecimentos. Além disso muitos dos casarões que tiveram apenas suas fachadas restauradas na construção de um cenário vazio estão agora em estado precário de conservação e talvez sejam incluídos na 7ª etapa de recuperação do Pelourinho - em andamento desde 1999 e a primeira a ser financiada pelo Monumenta. Em São Paulo, desde 1997 o governo do Estado vem tentando ativar o programa para criação de um novo pólo cultural na região da Luz. A gestão do prefeito Pitta não teve condições de bancar a contra-partida financeira exigida pelo convênio MinC-BID. Isto não interrompeu, contudo, o andamento dos planos, tendo o Governo do Estado, com o respaldo da iniciativa privada, assumido o financiamento de alguns projetos. [Não seria bom falar que recentemente a Prefeitura do PT também está apoiando o programa?] O secretário estadual da cultura, justificando o investimento realizado na região, afirma que "a presença de outro tipo de público em locais praticamente abandonados incentivará a requalificação natural da região". Da mesma forma, a coordenadoria do Monumenta em São Paulo acredita que a revitalização promovida pelo programa irá afetar a vida do comércio, expulsando antigas práticas e atraindo novas. Estas últimas ligam-se à chamada economia da cultura, uma nova estratégia que tem sido exaltada por instâncias governamentais Brasil afora. O que não está presente nestes discursos são as ações de combate aos “efeitos perversos” decorrentes deste tipo de requalificação, destacado-se “a elitização da área (...), e o colapso de sua atividade econômica” – palavras do Coordenador Nacional do Programa Monumenta. Devemos então presumir, que tais “efeitos” serão, junto com o patrimônio restaurado, herança legada a um futuro bem próximo. Beatriz Kara José é arquiteta e mestranda na FAU-USP.