Personalidade De persona, "máscara" ou "personagem de teatro", veio a palavra personalidade, o conjunto de qualidades que definem uma pessoa. A psicologia estuda as diferenças e semelhanças entre as pessoas e busca terapias para corrigir os transtornos de personalidade. Personalidade é o termo utilizado para designar a organização dinâmica do conjunto de sistemas psicofísicos que determinam os ajustamentos do indivíduo ao meio em que vive. Tem, pois, várias características: (1) é única, própria a um só indivíduo, ainda que este tenha traços comuns a outros indivíduos; (2) é uma integração das diversas funções, e mesmo que esta integração ainda não esteja concretizada, existe uma tendência à integração que confere à personalidade o caráter de centro organizador; (3) é temporal, pois é sempre a de um indivíduo que vive historicamente; (4) não é estímulo nem resposta, mas uma variável intermediária que se afirma, portanto, como um estilo pela conduta. No estudo da personalidade registram-se duas teorias opostas: a caracterologia e a psicologia das personalidades, ou personologia, na terminologia de Henry Alexander Murray. Para a primeira, personalidade é um conjunto de traços mais ou menos fundamentais que, agrupados, formam tipos em número limitado, aos quais podem ser reduzidos todos os indivíduos. A personalidade será então uma estrutura fundamental estável, analisada em seu comportamento atual. Já a personologia buscam os fatores dinâmicos da conduta, as motivações, os complexos centrais que influem na integração da personalidade. No que tange à psicologia da personalidade, a teoria volta-se para sua função integrativa, considerando-a de um ponto de vista histórico, num esquema evolutivo. Aspectos No estudo da personalidade devem ser observados quatro aspectos: (1) Dados psicofisiológicos, provenientes da hereditariedade e maturação em relação constante com o adquirido. O ponto de vista mais aceito quanto à relação entre hereditariedade e meio é o de uma interação. Os efeitos da hereditariedade e do ambiente não são meramente somados, mas a extensão da influência de um fator depende da contribuição do outro. Os dados psicofisiológicos podem ser considerados como produto da hereditariedade e do meio. Assim, uma pequena diferença de hereditariedade e uma ligeira modificação do ambiente podem produzir uma enorme diferença da personalidade. (2) Transformações da conduta e fixação de tipos de comportamento. As transformações dependem de diversos fatores: (a) Tendências elementares ou adquiridas, inatas ou surgidas com a maturação, que suscitam e dirigem o comportamento; (b) Operações já existentes, instintivas ou adquiridas, que formam o fundamento da transformação, seja por assimilação a um novo todo, seja por dissociação; (c) Obstáculos sociais ou modelos culturais, cuja influência foi valorizada pela psicanálise; (d) Variabilidade pessoal, a personalidade em formação, que proíbe ou facilita certas possibilidades, na qual se destaca o funcionamento da autodeterminação. A fixação das condutas mais complexas que substituem as condutas inadequadas pode ser explicada pelo que a psicologia experimental chama de lei do efeito, e a psicanálise de princípio da realidade: permanecem as condutas que levam a um resultado favorável. (3) Determinismo social e cultura. Observações de psicólogos e antropólogos dão exemplos de diversidade de comportamento com referência à percepção, memória e julgamento estético, segundo o tipo de grupo social. As diferenças culturais também interferem no conceito de comportamento normal e anormal, que exigem referência a um tipo determinado de norma social. Mesmo comportamentos anteriormente considerados básicos da natureza humana são entendidos, na atualidade, como produtos de determinado tipo de cultura. (4) Condições de unidade do ego e de identidade pessoal. Tais condições são estudadas pela psicologia evolutiva e pela psicanálise. A tarefa principal do indivíduo será manter essa unidade, apesar das modificações do tempo e das situações dispersivas. A história individual deve ser vista em seu quadro social, no âmbito do movimento evolutivo das sociedades. Métodos experimentais. São estes os principais métodos experimentais empregados no estudo da personalidade: (1) Escalas de avaliação, nas quais os traços aparecem numa escala e o examinador deve classificar o examinado pela cotação dos diversos traços: (2) Questionários, série de perguntas ao examinado, sobre motivações, atitudes, interesses etc.; (3) Técnicas projetivas, com estímulos pouco estruturados, algumas mais sujeitas que outras a alguma correção. De todos esses métodos, o mais utilizado é o da entrevista, raramente dispensada pelo avaliador da personalidade de um indivíduo. Existem vários tipos de entrevista e os dados obtidos por esse meio com frequência modificam a avaliação final da personalidade cujos dados haviam sido indicados anteriormente por outros métodos. Durante muito tempo, a psicologia atribuiu grande importância aos métodos ditos morfológicos de descrição da personalidade, tais como os elaborados por especialistas como William Herbert Sheldon e Ernst Kretschmer, ambos proponentes de tipologias em que determinadas características de personalidade eram associadas a tipos físicos. A relação entre biótipo e tipo psicológico não é mais considerada tão importante pelos especialistas, embora não deixe de fornecer subsídios ao estudo da personalidade humana. Teorias psicanalíticas. Para Sigmund Freud, a estrutura da personalidade é formada por três instâncias: id, ego e superego. O id é inato, e dele deriva a energia necessária à formação do ego e do superego. Tanto o que é herdado psicologicamente quanto os instintos já existem no id no momento do nascimento. As necessidades do id são atendidas pelos processos primários e pelos atos reflexos. À medida que a criança entra em interação com o ambiente, atos reflexos e processos primários passam a ser insuficientes para reduzir a tensão psicológica provocada por agentes internos e externos, e o ego se estrutura para estabelecer contato com a realidade exterior. Por intermédio dos processos secundários, encontram então na realidade os objetos adequados à reestruturação do equilíbrio desestabilizado por tensões psíquicas. O prosseguimento das interações com o meio conduz à formação do superego, ou seja, a internalização do julgamento moral, em que atuam o eu ideal e a consciência. O eu ideal se manifesta por meio de injunções a respeito de como a pessoa deve agir em relação a suas aspirações e a consciência estabelece o que ela não pode fazer. Personalidade básica. O conceito de personalidade básica surgiu da colaboração entre o antropólogo Ralph Linton e o psicanalista Abraham Kardiner. Com base em trabalhos de Linton sobre populações de Madagascar e das ilhas Marquesas, Kardiner realizou análises para verificar a existência de correlações entre as instituições da cultura e a personalidade. Desses primeiros estudos, base de trabalhos posteriores sobre cultura e personalidade, surgiu o conceito (mais produto de reflexão teórica que de trabalho de campo) de personalidade-base, ou personalidade básica, para definir condutas e atitudes comuns à maioria dos integrantes de um grupo. Só após as primeiras ideias formuladas por Kardiner é que se fizeram experiências de campo, na década de 1940. Kardiner compreendia a existência de certos padrões fixos de pensamento e ação, aceitos em geral por um grupo de indivíduos e que podem causar distúrbios a estes, quando violados. As instituições primárias são formadas por certos desejos do indivíduo, independentemente de seu controle (como apetite, sensualidade etc.), e vão compor a estrutura da personalidade-base. Esta estrutura dá origem a outras instituições, de caráter secundário, que atuam para aliviar tensões. É exemplo de uma instituição secundária a maneira pela qual os membros de uma cultura solicitam a proteção divina. Se bem que o conceito de divindade seja universal, o modo de solicitar sua proteção varia enormemente de povo para povo, em geral como decorrência de experiências criadas na mentalidade da criança e dos objetivos definidos pela sociedade. Esta variação de experiências indica que a estrutura da personalidade-base é formada de elementos comuns à personalidade da maioria dos membros individuais de uma cultura dada. Surgida na década de 1930, a formulação do conceito de personalidade-base teve seu mais amplo desenvolvimento na década seguinte, quando foi comprovado por experiências de campo. Cora Dubois estudou os nativos da ilha de Alor, na Melanésia, e encontrou três componentes da personalidade: uma estrutura básica que pode ser fisiológica e comum a toda a humanidade; tendências individuais da personalidade; e formas culturais que atuam sobre os dois primeiros componentes e ocasionam certas tendências centrais, que podem ser denominadas personalidade modal. Nesse mesmo período, Linton realizou estudos que comprovaram sua hipótese de que a estrutura básica da personalidade se refere mais a certos denominadores comuns da personalidade de todos os membros de um grupo. A teoria da personalidade-base trouxe considerável avanço para as relações entre antropologia e psicologia, e sua aplicação por especialistas de uma ou de outra dessas disciplinas conduziu a uma soma de dados e de material científico valioso para o desenvolvimento das ciências sociais. Com a segunda guerra mundial, aumentaram os estudos sobre diferentes culturas, e o conceito de personalidade-base tomou a denominação de caráter nacional. Os estudos sobre o caráter nacional desenvolveram-se principalmente a partir de uma unidade psíquica da humanidade, diferenciando-se cada cultura como resultado de escolhas e rejeições operadas sobre os dados culturais comuns a uma certa área geográfica. Foi este o método utilizado por Ruth Benedict ao estudar o caráter nacional japonês, em seu livro The Chrysanthemum and the Sword (1946; O crisântemo e a espada). Além de descrever a cultura japonesa, a autora conceituou o princípio da configuração única de cada cultura e de cada conjunto de tradições históricas. O comportamento de cada grupo nacional pode ser analisado em relação a situações particulares e a atitudes e comportamentos de outros grupos nacionais. Este é o caráter nacional, que a rigor é o mesmo conceito de personalidade-base, ou seja, uma configuração psicológica particular própria dos membros de uma sociedade dada, que se manifesta por um certo estilo de vida sobre o qual os indivíduos limitam suas variantes singulares. Esta configuração é formada por um conjunto de traços. É a personalidade-base não porque constitua exatamente uma personalidade, mas por ser a base da personalidade dos membros do grupo, a matriz sobre a qual os traços de caráter se fixam e se desenvolvem. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.