BORTONI-RICARDO, Stella Maris [et al.] (orgs.). Porque a escola não ensina gramática assim? 1. Ed. São Paulo: Parábola Editorial, 256 páginas, 2014. Resenhado por Rafael Teixeira de Souza1 (Universidade de Brasília - UnB) Severina Alves de Almeida SISSI2 (Faculdade de Ciências do Tocantins FACIT) O livro Porque a escola não ensina Organizado por 4 doutoras e contando com a gramática assim? traz à tona uma discussão participação de várias pesquisadoras que são muito pertinente no que diz respeito à sua autoras dos capítulos, professoras de várias própria indagação. É uma das poucas obras áreas da linguagem, o livro é fruto de uma que pretende propor métodos variáveis e extensa pesquisa em conjunto. Divide-se, práticos para o ensino quase sempre metódico pois, em nove capítulos, os quais tratam da gramática nos estudos das Letras em geral. desde aspectos referentes à coesão e à morfologia, verbos impessoais e orações Tendo sua primeira edição em outubro de relativas e interrogativas. Mais um ponto 2014, o livro aborda desde concepções positivo iniciais das palavras às funções da língua atividades que as autoras compreendem como como suscetíveis objeto variável de comunicação. diz ao respeito melhor às sugestões desempenho de do Discute também questões de coesão e alunado e o tópico considerações finais, que concordância verbal e nominal – duas das consiste num compêndio dos conceitos mais constantes dificuldades em língua abordados ao longo de cada capítulo. portuguesa − sem esquecer-se, claro, das regras gramaticais. Revela-se como instrumento necessário para professores dos ensinos médio e fundamental, sobretudo pela sua linguagem de fácil compreensão e, como já dito, suas propostas de atividades práticas. No capítulo primeiro, duas das autoras tratam da coesão referencial “focalizando categorias linguísticas na construção discursiva oral e escrita, identificando a função morfossintática e semântica dos elementos que vão constituindo o sentido do texto” (p. 1 Licenciado em Letras Português/Inglês pela AESA (Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde). e-mail: [email protected]. 2 Licenciada em Pedagogia. Mestre em Ensino de Língua e Literatura. Doutoranda em Linguística no PPGL da UnB. Professora na Faculdade da UnB de Planaltina. e-mail: [email protected]. Facit Business and Technology Journal 178 2017;2(1):178 20). Lançam mão de fragmentos de textos desde o princípio, de forma límpida, uma vez que ilustram situações muito específicas da que esteja presente na língua portuguesa mais língua e do texto literário e científico. do que em muitas outras. Com o emprego de Explicam como os mais básicos elementos diversas exemplificações(inclusive de outras constitutivos vital línguas em contraponto à nossa) esclarece importância para a construção de textos fenômenos mediante os quais podem tanto coesos e elucidativos. Além disso, no tópico ser aceitos como não aceitos em ambos os sugestão de trabalho, encontram-se propostas meios de linguagem − a falada e a escrita. para serem empregadas pelos professores em Ademais, com arrimo de outros teóricos sala de aula. como Marcos Bagno, que diz que “a do léxico são de concordância é indispensável para Já no capítulo segundo são abordados os manutenção das interações erros gramaticais, tanto na concepção do indivíduos de uma comunidade por meio da alunado quanto da gramática normativa. língua” (p. 91), seguido das sugestões Dentre a série de esclarecimentos que o metodológicas, arremata seus argumentos. entre a os capítulo discute, um dos mais relevantes condiz com a alteração de certos termos O capítulo quatro, enfocado nas orações numa especificamente relativas e interrogativas, começa tratando pronomes), que necessariamente não consiste das escolhas linguísticas dos falantes. A esse erro forma respeito uma das autoras diz ser “urgente totalmente viável de se conceber a língua em embasar o ensino nos princípios de uma suas variações. Esclarece quais os limites de pedagogia culturalmente sensível...” (p.110). tais variações e até em que ponto estas podem Em ser exploradas e/ou toleradas através da propriamente dito. Discorre sobre pronomes, escrita e/ou da oralidade. Já no final do advérbios e outros mecanismos conectivos – capítulo há um tópico relacionado à reflexão que, quanto, cujo etc. − nas suas mais do tema e outro que propõe métodos de alternadas funções, corretas e incorretas, abordagem do mesmo em sala de aula. aplicando-lhes, em paralelo, esclarecimentos oração gramatical, (mais mas sim uma seguida, parte para o assunto de cunho sociológico. Antes das propostas de O capítulo três, por sua parte o maior e mais atividades, pormenoriza como o tema é argumentativo de todos, ventila a questão das tratado em sala de aula, apontando, com variações linguísticas. Esta é pois discutida Facit Business and Technology Journal 179 2017;2(1):179 autoridade de conhecedor, suas falhas e seus flexionar os verbos em diferentes situações, atributos. preconizando a concordância. Trata da estrutura dos verbos, para que desta maneira O quinto capítulo trata do fenômeno da possam hipercorreção, do quanto é frequente tanto na pormenorizadamente seus mecanismos de linguagem falada como escrita. Explica-o de variação. As sugestões mais recomendadas de maneira minuciosa e justifica-o com o atividades argumento de que os falantes e escreventes músicas, a fim de que seja possível, de forma cometem semelhante erro exatamente porque mais facilitadora, absorver melhor as regras buscam, que tangem à especificidade do tema. equívocos stricto sensu, −tudo cometerem são esclarecidos sobre interpretações mais de em virtude da de conciliar a O capítulo sete é referente ao tema uso e linguagem falada com a escrita. Apontam os ensino dos tempos e modos verbais em uma autores que, à guisa de elidir esta deficiência, perspectiva sociolinguística. Ao iniciar as os alunos devem obter estímulos por meio de questões verbais na prática, as autoras dizem seus professores; e estes, por seus deveres, que “para melhor compreensão do paradigma carecem estimular seus alunos a produzirem verbal, vale refletir sobre o que está prescrito textos orais e escritos com o auxílio, por na gramática normativa e o que está sendo exemplo, realizado em contextos gerais do uso da desinformada de isso não ser tentativa dicionários, dentre outras propostas. língua” (p.186). A seguir, são descritos fenômenos sociolinguísticos tendo como O capítulo seis tem como mote os verbos premissa a classe social do falante. Próximo impessoais, as variações contidas em haver, ao final dos argumentos é dito ser urgente a ter e fazer. Decerto são três dos verbos mais implementação do ensino contextualizado usados na nossa língua, sendo paralelamente dos verbos nos ensinos médio e fundamental. três dos que mais produzem dúvidas acerca Esta modificação visaria a auferir um de suas variações. Quanto a isso, as autoras aprendizado mais abrangente da gramática e tratam logo de diferençar o que é considerado menos propenso a acepções de classe e nível erro e o que não é considerado, em termos intelectual dos alunos. linguísticos e gramaticais. Ao mesmo tempo em que são expostas estatísticas a respeito, O oitavo capítulo discute o tema regência são explicadas as maneiras corretas de se verbal em três categorias: verbo de dupla Facit Business and Technology Journal 180 2017;2(1):180 regência, verbo de movimento e queísmo e a natureza das explanações funcionais, suas dequeísmo. A primeira categoria é arrolada relações entre forma e função. Mais uma vez duplamente, sob o prisma da norma culta são explicadas as diferenças entre o falar e o contemporânea escrever, e da norma-padrão bem como a complexidade tradicional. A segunda tenta explicar o estrutural das orações e a saliência fonológica procedimento dos verbos de movimento com ou morfossintática. Discute, ainda, a questão o emprego e com a ausência da preposição, das mutações das palavras, dentre outros sob o argumento de que “a escolha de uma ou detalhes; até serem exibidas as propostas de outra implica uma diferença sutil de sentido” intervenção, boa delas versadas no uso de (p. 209). Mais adiante, o queísmo e o textos, a fim de que o aluno se adapte melhor dequeísmo são tratados sob a alusão de ao objeto de estudo – a palavra. exemplificações, e representados como desvios de gravidade pouco relevante, se bem Por que a escola não ensina gramática que excessivamente repetitivos, sobretudo na assim? em todas as suas 256 páginas mostra- linguagem se escrita. As propostas de um livro muito esclarecedor. Sob os abordagem em sala de aula não lançam mão aspectos mais vitais, nos seus capítulos e nas de tratar estas ocorrências tanto escrita como suas discussões, tratadas características e verbalmente, a ambiguidades da gramática do português empregarem-se de textos para que os alunos brasileiro, com absoluta objetividade e não se deixem enganar pela teórica nulidade sugestões de atividades práticas e de simples do assunto. inserção em sala de aula. Não se detém, pois, e também de forma com argumentos inúteis, de sorte que as O nono e último capítulo, por sua vez, tem ideais se encaixam uma nas outras com a como pauta o tema como a escola pode assistência de argumentos de outros autores. explicar erros gramaticais e inovações? Logo Sem dúvida, tal instrumento mostra-se de de enfoques fundamental utilidade para professores e funcionalistas, os quais, segundo as autoras, docentes (como bem assim fora conosco), “associam estrutura tanto para discussões posteriores como para linguística aos contextos de uso e às escolhas que suas ideias já alicerçadas possam ser que inseridas no ensino da gramática nos dias de início os propósitos são tratados os estreitamente falantes e fazem a para necessidades satisfazer discursivo- hoje. interacionais” (p. 218). Em seguida é tratada Facit Business and Technology Journal 181 2017;2(1):181